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O que Fazer Quando o Prozac Político Acabar?

A Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff em 17 de abril. Provavelmente nesta quarta-feira, o Senado confirmará o julgamento de Dilma que será automaticamente afastada do cargo e o vice-presidente Michel Temer assumirá a presidência.

Temo (não é trocadilho com Temer) que, neste momento, poderá acabar o efeito do “Prozac político” ingerido por boa parte da população e tudo volte para aquele marasmo que estamos acostumados.

Hoje está cada vez mais claro que o país precisa de reformas em várias áreas – política, tributária e previdenciária. Não podemos mais conviver com um sistema político que se alimenta do fisiologismo e da corrupção, onde velhas raposas se perpetuam no Congresso e nas Assembleias Legislativas estaduais e, quando finalmente aposentam-se, são substituídas por parentes. Na atual legislatura da Câmara, metade dos deputados é oriunda de dinastias políticas e apenas 15% dos deputados eleitos com até 35 anos de idade não receberam o impulso de um sobrenome político. Se quiser saber mais detalhes, leia a reportagem completa da Agência Pública (jornalismo investigativo independente), clicando no link abaixo.

http://apublica.org/2016/02/truco-as-dinastias-da-camara/

No site brasileiro do jornal El País, também é apresentada outra distorção marcante do nosso sistema político, apenas 36 deputados de um total de 513 receberam votos suficientes para se eleger sem ajuda dos demais candidatos do partido. Tiririca, por exemplo, recebeu votos suficientes para eleger, além dele, mais cinco candidatos. Deste modo, estamos votando em um candidato, mas, na verdade, podemos ajudar a eleger outro que não gostamos ou, pelo menos, não conhecemos. O link abaixo apresenta a reportagem completa do El País.

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/19/politica/1461023531_819960.html

Temos um grande problema, porque se o sistema político atual favorece a esmagadora maioria dos políticos eleitos espalhados pelo Brasil, de onde surgirá a motivação para alterá-lo?

O Procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa do Ministério Público Federal na Lava Jato deu uma esclarecedora entrevista para o site brasileiro da BBC no dia 15 de abril. Dallagnol afirmou:

A única proteção que nós temos é a sociedade, eu não tenho dúvida que, de modo ostensivo ou de modo sorrateiro, diversas pessoas com poder econômico e político tentarão derrubar a Lava Jato. Somos alvo daqueles que são investigados, e o número de investigados cresce a cada dia.

Eu temo com certeza esse tipo de mudança. Porque ainda que exista alguma mudança na chefia do poder Executivo – e cumpre lembrar que o Ministério Público é neutro em relação a qualquer coisa relacionada ao impeachment, porque somos um órgão independente do governo – mude ou não o governo, nós continuaremos tendo muitos inimigos no poder, porque grande parte das pessoas que estão no Congresso e que potencialmente venham a assumir inclusive o poder Executivo são investigadas pela Lava Jato.

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160413_entrevista_dallagnol_rm

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Deltan Dallagnol (Fonte Reuters)

 

Num país sem memória, temos a impressão que sempre estamos vivendo o pior momento da nossa história. Agora o PT representa um processo de corrupção inédito, “nunca antes visto na história do Brasil”…

Este vídeo tem o depoimento do jornalista Fernando Rodrigues (ex-Folha de São Paulo) para o documentário “O Mercado de Notícias” de Jorge Furtado. Vale a pena assistir a todo o depoimento. Se você tiver apenas 15 minutos, veja a parte “Imprensa x Governo” (a partir de 35:50) e tire suas próprias conclusões.

As semelhanças entre a compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição de FHC e o Mensalão de Lula são evidentes.

E este grampo do FHC? Sem dúvida, um presidente não deveria pressionar o fundo de pensão de uma estatal, como o Previ do Banco do Brasil, para entrar em uma concorrência com um banco privado e uma multinacional italiana para privatização da Telebrás. Se quiser mais detalhes, incluindo a conversa comprometedora entre o presidente FHC e o economista André Lara Resende, clique no link abaixo.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/pre_sp_3.htm

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FHC teve uma conversa com André Lara Resende grampeada

Por incrível que pareça, nada foi investigado naquela época, porque o então Procurador Geral da República, Geraldo Brindeiro, não encontrou indícios suficientes para investigar estes casos. FHC escolheu Brindeiro em 1995 e o conduziu mais três vezes ao cargo. Ou seja, Brindeiro foi o Procurador Geral da República durante os dois mandatos de FHC. Ele foi apelidado de “Engavetador Geral da República” depois de aceitar apenas 60 denúncias de 626 inquéritos criminais que recebeu em oito anos de trabalho. Mais de duas centenas de inquéritos foram simplesmente engavetadas! Em sua última recondução, em 2001, Brindeiro foi apenas o sétimo mais votado pelos demais procuradores da República, recebendo 67 votos. Ou seja, apesar de não fazer parte da lista tríplice, ele foi o escolhido por FHC. Lula e Dilma, por outro lado, sempre conduziram o primeiro nome da lista tríplice, incluindo Roberto Gurgel (peça-chave no avanço do processo do Mensalão) e Rodrigo Janot (fundamental nas investigações de réus com foro privilegiado na Lava Jato).

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Geraldo Brindeiro (Fonte: O Globo)

Poderia contar outras histórias, como as denúncias de Paulo Francis sobre corrupção na Petrobrás durante o governo FHC, mas acredito que já é suficiente para demonstrar que a corrupção brasileira não é filha de um partido. O sistema político do país estimula a corrupção. Como cidadãos, devemos exigir que as apurações dos malfeitos de nossas autoridades sejam aprofundadas e os seus responsáveis punidos.

Minha esperança é que, após o impeachment de Dilma, a população não se acomode e aceite um “acordão” para restringir a Lava Jato com a justificativa que o país não pode ficar paralisado por mais tempo devido a estas investigações. Se perdermos agora a oportunidade de melhorar nossas práticas políticas, sabe-se lá quando teremos uma nova chance…

 

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Muito Triste, meu Brasil…

Assistimos a um conflito insano entre os partidários do impeachment da presidente Dilma Rousseff e aqueles que defendem seu mandato. Muitas amizades já foram abaladas devido a agressões verbais mútuas nas redes sociais. A frase do poeta brasileiro Iacyr Anderson Freitas resume bem os tempos atuais.

O Brasil encontra-se dividido entre as pessoas que pensam como nós (os bons, inteligentes e honestos) e as que pensam diferente de nós (os maus, burros e corruptos).

O espaço para uma boa e desarmada troca de ideias foi praticamente exterminado. Um lado grita “fora PT”, enquanto o outro responde “não vai ter golpe”. Neste ambiente, Eduardo Cunha é tolerado pelos partidários do impeachment, porque, além de inviabilizar o governo com suas manobras na Câmara, está acelerando o processo de cassação do mandato da presidente. Por outro lado, para se manter no poder, o PT transformou o governo em um balcão de negócios, onde cargos são trocados por votos contra o impeachment. O Partido Progressista (PP) é peça chave nesta estratégia, apesar de possuir 32 dos 51 políticos investigados pela Lava Jato, sendo que sete já foram denunciados ao STF. Os dois lados agem como aquele torcedor que vibra com erros de arbitragem a seu favor.

Neste maniqueísmo ingênuo só existem duas opções a favor ou contra o governo. Cada lado também já elegeu seu herói. O juiz Sérgio Moro é o super-homem do lado “anti-PT” e Lula é o ídolo do lado “anti-golpe”. Esta postura infantil de achar que só existe dois lados e seu lado é o certo impede qualquer diálogo.

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Boneco do juiz Sérgio Moro

O preocupante é ver que este governo não conseguiu avançar para resolver os problemas da economia nos últimos quinze meses. Caso consiga evitar que um terço dos deputados federais votem a favor do impeachment, Dilma permanecerá na presidência, mas não terá maioria na Câmara. Ou seja, não conseguirá governar e, depois deste processo de impeachment, devem vir outros, como o protocolado recentemente pela OAB. E a vida (ou sobrevida) deste governo não será administrar o país e sim salvar a própria pele. Ou seja, corremos o risco de ver a administração federal paralisada ainda por um bom tempo.

Então devemos apoiar a remoção da Dilma? Afinal ela demonstrou incompetência ao nos colocar nesta crise e não tem força para nos tirar. Além disto, seu partido está envolvido até os ossos em inúmeros casos de corrupção. Sem falar que sua campanha de reeleição foi baseada em mentiras. Não sou jurista, mas tirar um presidente devido a “pedaladas fiscais” não parece adequado à democracia. Se não for revelado envolvimento da presidente nos malfeitos da Lava Jato, não haveria razão clara para impeachment.

Avaliação presidente Dilma

Lembro-me dos pedidos de impeachment contra o então presidente Itamar Franco, porque ficou de mãos dadas com Lilian Ramos, que estava sem calcinha, no carnaval de 1994. Itamar era o vice de Fernando Collor que sofreu impeachment no final de 1992.

Itamar Franco_Lilian Ramos

Itamar Franco e Lilian Ramos no carnaval do Rio em 1994 (se quiser fotos mais picantes, procure na Internet)

Quando se iniciaram as discussões para remover Itamar da presidência, a inflação brasileira estava acima de 40% ao mês. Ou seja, o problema não era a fata de decoro de Itamar, era a desaprovação da população. Se tivéssemos um mecanismo de recall para retirar o mandato de políticos fortemente rejeitados pela população, seria diferente. Este sistema já é adotado em países como Alemanha, Suíça, Venezuela e em alguns estados dos Estados Unidos. Não se deve banalizar o impeachment! Se o Plano Real não estivesse no período final de gestação, talvez Itamar Franco tivesse sido removido da presidência. Depois da criação do Real em junho de 1994, a inflação caiu para menos de 10% ao mês, a tensão diminuiu e o impeachment devido à genitália desnuda de Lilian Ramos foi arquivado.

Avaliação presidente Itamar Franco

O caso de Dilma é semelhante. Se a economia estivesse ”bombando”, os pedidos de impeachment não seriam considerados.

Se o problema é a corrupção, então não faz sentido tirar Dilma e colocar Michel Temer. Em 2009, a Operação Castelo de Areia da Polícia Federal investigou a lavagem de dinheiro do Grupo Camargo Correa. Temer foi citado “apenas” 21 vezes e foi salvo, porque as provas foram anuladas.

Michel-Temer

Michel Temer

Vamos agora considerar que o governo não consiga comprar o apoio necessário para evitar que o plenário da Câmara aprove o impeachment. Temer já assume a presidência, enquanto o processo segue no Senado. Se o impeachment for confirmado, corre-se o risco de um grande acordo que gere um fluxo de boas notícias e o arrefecimento dos protestos nas ruas do país. Assim pode ser perdida a grande oportunidade de discutir as relações entre o público e o privado, servindo de base para a reforma de todo nosso sistema político. Teremos clima para isto depois do impeachment de Dilma?

Quem me chamar de petista pode estar certo que considero Dilma Rousseff uma das piores presidentes da história do país. Preferiria que a chapa Dilma-Temer fosse cassada pelo TSE, ou renunciasse num lampejo de desprendimento, e novas eleições presidenciais fossem realizadas. Então dirão que estou em cima do muro? Na verdade, estou bem acima do alto muro que divide petralhas dos coxinhas.

Perdemos a oportunidade em 2013 de pressionar os congressistas para fazerem uma reforma política ampla. No final, Eduardo Cunha (logo quem) liderou uma reforma remendo que de bom só trouxe o fim da reeleição para cargos do Executivo. Se não reformarmos nosso sistema político, daqui a pouco estaremos novamente divididos em dois lados na defesa cega de uma posição ou outra.

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Eduardo Cunha sob uma chuva de dólares falsos em um protesto na Câmara

Vejo pessoas emocionalmente tão afetadas que suas vidas passaram a girar apenas em torno desta crise política do país. Parecem que se tornaram verdadeiras caixas de ódio. Eu olho ao redor e só sinto tristeza…

 

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David Bowie Vive entre as Estrelas

Acordei na segunda-feira com a notícia da morte do artista inglês David Bowie. No final de semana, ouvi seu novo disco, “Blackstar” lançado no dia de seu aniversário na última sexta-feira. Vi e revi os clipes de três músicas – Blackstar, Lazarus e Sue. Li as letras das músicas. Prestei atenção no som dos instrumentos. Mostrei o clipe de Sue e um antigo de Space Oddity, onde Bowie canta a música como seu personagem Ziggy Stardust, para minha filha Júlia. Na tarde do domingo, estava impressionado com o trabalho de Bowie e escrevi na minha página do Facebook:

David Bowie Ziggy Stardust

David Bowie comemorou seu aniversário de 69 anos com o lançamento do seu novo álbum “Blackstar”. O que mais me impressionou foi Bowie ter realizado um trabalho totalmente diferente dos anteriores da sua longa e exitosa carreira. Ouvi todas as sete músicas impregnadas de jazz com lindos solos de saxofone.

O clipe da música título do álbum, além de impactante, nos traz aquela sensação que a pior escolha de nossas vidas é seguir cegamente algum profeta. Não esqueça que os falsos profetas estão por toda parte, não apenas na religião…

Este gênio me traz a inspiração de que nunca é tarde para recomeçar ou tentar algo novo.

Vida longa para este “ET” incrível, Major Tom, David Bowie!

Redescobri Bowie há quase três anos com o lançamento de seu álbum “The Next Day”. Fazia dez anos que ele não gravava um álbum com músicas inéditas. Confesso que comecei a ouvir as músicas com baixa expectativa, porque muitos artistas, nestes retornos, criam obras muito abaixo de seus melhores trabalhos. Cada música que eu ouvia, eu gostava mais e mais. “The Next Day” é um grande disco de rock! Ouvi algumas vezes o disco e depois comecei a ouvir novamente as músicas conhecidas das décadas de 70 e 80. Quando fiquei sabendo do lançamento de “Blackstar”, passei a contar os dias. Enfim o grande dia chegou, e seu último trabalho, como eu registrei na minha página do Facebook, é impressionante.

Meu abatimento com a morte de Bowie talvez seja alimentado pela certeza de que ele não vai se reinventar novamente. Não verei algo tão original como este último trabalho ou outros anteriores da sua carreira.

Minha tristeza também pode ser alimentada por relembrar que o tempo é implacável e, mais cedo ou mais tarde, as pessoas que gostamos ou admiramos ficarão distantes de nós ou desaparecerão.

O jovem David Bowie, em 1971, aos 24 anos de idade, compôs “Changes”. No final da música ele faz o seguinte alerta aos roqueiros:

Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strain)
Ch-ch-Changes
Oh, look out you rock ‘n rollers
Ch-ch-ch-ch-Changes
(Turn and face the strain)
Ch-ch-Changes
Pretty soon you’re gonna get a little older
Time may change me
But I can’t trace time
I said that time may change me
But I can’t trace time

Minha dor é saber que este alerta não vale apenas para os roqueiros…

Prefiro pensar David Bowie voltou a encarnar o Major Tom de “Space Oddity” e está cruzando o espaço em busca de inspiração para criar novos personagens e novas músicas geniais.

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Para Obter a Paz, não Basta uma Vitória Militar sobre o Estado Islâmico

Há uma semana, as pessoas ficaram chocadas com a série de atentados terroristas acontecidos na noite de sexta-feira em Paris. O Estado Islâmico assumiu a responsabilidade pela operação que causou a morte de dezenas de pessoas, com 89 vítimas fatais apenas na casa de espetáculos Bataclan.

Grávida tenta fugir pela janela do Bataclan

Grávida tenta fugir pela janela do Bataclan

Três grupos islâmicos, considerados por muitos como terroristas, surpreenderam ao condenar veementemente os atentados em Paris. O grupo libanês xiita Hezbollah e os movimentos palestinos Hamas, no poder na Faixa de Gaza, e Jihad Islâmica desaprovaram a ação do Estado Islâmico que vitimou inocentes. Assim norte-americanos e russos, todos os países europeus, todos os países muçulmanos (independente da orientação sunita ou xiita), além de diversos grupos armados islâmicos alinharam-se no objetivo de acabar com a ameaça do Estado Islâmico.

Abaixo está a tradução de uma nota publicada no diário “The Economist Espresso” na terça-feira passada:

Cada um com seu próprio interesse: o Oriente Médio depois de Paris

A região fragmentada está unida na indignação e sobre a necessidade de fazer mais para combater Estado Islâmico. Os líderes políticos concordam com mais ataques aéreos, incluindo um bombardeio francês contra Raqqa, base síria do EI. No entanto, apenas esta unidade é tão profunda. Muitos libaneses estão reclamando que os atentados mortais em Beirute, um dia antes dos ataques em Paris tiveram muito menos atenção. Alguns sírios apontam que Bashar al-Assad matou milhares a mais do que o EI. Todos os lados estão usando os ataques para reforçar suas narrativas: o regime de Assad insiste que está combatendo apenas “terroristas”, em vez de seu próprio povo; no Egito Abdel-Fattah al-Sisi usa a ameaça extremista para justificar a regra da mão de ferro. Uma segunda rodada de conversações de paz sobre a Síria neste fim de semana obteve pouco progresso. Os grandes vencedores até agora são os principais aliados do Ocidente, os curdos. Eles estão propensos a tirar proveito de mais ataques aéreos para expandir seu território.

Para entender (ou compreender menos ainda) as complexas relações entre os diversos agentes que atuam no Oriente Médio, veja a figura abaixo.

Middle Eastern relationships

Não tenho dúvida que os territórios ocupados pelo EI no Iraque e na Síria serão reconquistados e este grupo perderá grande parte do seu poderio bélico. Infelizmente tenho convicção que esta futura vitória militar não trará paz para o mundo e estabilidade para o Oriente Médio em particular.

Não farei uma detalhada análise sobre as causas do agravamento dos conflitos na região ou o aumento da violência dos terroristas mundo afora. Apenas levantarei alguns pontos para reflexão.

Em primeiro lugar e acima de tudo, tão importante quanto neutralizar militarmente o Estado Islâmico é apoiar social e economicamente a enorme população muçulmana pobre. Estas pessoas marginalizadas são a matéria prima para pseudolíderes religiosos radicais. Como apresentei no artigo “A Ignorância, o Atraso e o Oportunismo” de 2012, metade da população de analfabetos do mundo é muçulmana e dois terços deste total são mulheres. Sem empregos, sem educação e saúde, a juventude muçulmana carente vira presa fácil dos aliciadores de grupos terroristas. Isto vale inclusive para os jovens que vivem na periferia de Paris ou outra cidade europeia.

Sem dúvida, uma ação diplomática ampla também deve ser feita. Existe uma janela de oportunidade, na qual os atores principais têm um inimigo em comum – o Estado Islâmico. As diversas linhas do Islã – sunitas, xiitas e alauitas sírios, além dos curdos e dos governos do Irã, Iraque, Arábia Saudita, Turquia, Egito, Síria, Israel, Estados Unidos, Rússia e Comunidade Europeia deveriam buscar um grande acordo em busca da paz e estabilidade na região.

Na Primeira Grande Guerra Mundial, a Alemanha foi derrotada e o acordo de paz, assinado em Versalhes na França, foi terrível para o país. Anos depois, o Nazismo ascendeu na Alemanha com o que parecia ser a única forma para reverter aquela situação. Derrotas humilhantes e acordos de paz parciais e injustos causam revolta entre a população e favorecem o surgimento de lideranças populistas. Durante uma guerra, cada bombardeio que atinge uma escola ou um hospital gera novas vítimas inocentes. Serão os mártires a serem explorados por estes regimes violentos.

Outro ponto é a interpretação literal do Alcorão pelo Estado Islâmico, sem o entendimento que a peregrinação de Maomé (Profeta Muhammad) ocorreu no início do século VII. Também não são consideradas as mensagens de perdão e compaixão contidas nesta escritura. Da mesma forma, a Bíblia tem livros que regulamentam o comportamento dos fiéis – Levítico e Deuteronômio. Por exemplo, se a filha de um sacerdote se prostituir, deve ser queimada viva diante de todos de acordo com o Levítico 21:9. Um filho muito rebelde, que não obedece a seus pais, pode ser condenado à morte por apedrejamento, conforme Deuteronômio 21:18-21.

Os homens e mulheres bombas seguramente não são perdoados pelo Alcorão. Não sei se alguma religião incentiva ou, pelo menos, perdoa o suicídio. Ou seja, esta é mais uma exploração da ignorância e da completa falta de significado da vida de um ser humano usado como um objeto descartável a favor dos interesses de líderes inescrupulosos.

Quando o Xá Reza Pahlevi foi deposto pela revolução islâmica do Irã, no final dos anos 70, o seu líder, Aiatolá Khomeini, virou a representação do Mal no Ocidente.

Aiatolá Khomeini com uma criança (foto bem diferente das publicadas usualmente no Ocidente)

Aiatolá Khomeini com uma criança (foto bem diferente das publicadas usualmente no Ocidente)

Os Estados Unidos armou o Iraque de Saddam Hussein para lutar contra o Irã para impedir que outros países da região se transformassem em Estados islâmicos. Na mesma época, ainda sob a Guerra Fria, os americanos apoiaram a resistência às tropas soviéticas no Afeganistão. Diz-se que o Al-Qaeda de Osama Bin Laden recebeu armas, dinheiro e treinamento dos americanos durante este conflito. O Afeganistão ficou esquecido e em ruínas após a dissolução da União Soviética em 1989. O Al-Qaeda revoltou-se contra os americanos que eram aliados de Israel na região e, em 11 de setembro de 2011, protagonizaram uma série de atentados em solo americano, culminando com a destruição das torres gêmeas do World Trade Center em New York. Em represália, os Estados Unidos invadiu o Afeganistão, atrás de Bin Laden. Depois invadiu pela segunda vez o Iraque, caçou Saddam Hussein e o país se transformou em um barril de pólvora. Acabou surgindo uma dissidência ainda mais radical do que o Al-Qaeda, nascia o Estado Islâmico, cujo objetivo é a criação de um califado no Iraque e Síria.

Ou seja, se apenas a opção militar for considerada, teremos novos e mais terríveis capítulos desta história. Diplomacia e investimentos econômicos e sociais são indispensáveis. Esta crise é uma grande oportunidade!

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São Paulo “Atacama” – A Verdade sobre a Seca em São Paulo

El Niño foi generoso com os paulistas e, nos últimos quatro meses, choveu um pouco mais do que a média histórica para o período. El Niño, para os que não conhecem o “menino”, é um fenômeno que se caracteriza pelo aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico, causando grandes mudanças climáticas. No Sul do Brasil, aumenta a quantidade de chuvas; no Sudeste, eleva a temperatura ambiente; e no Nordeste, causa estiagem. Segundo previsões, esta condição pode se estender até o início de 2016.

São Paulo é uma zona de transição. Deste modo, não ficou embaixo d’água, como os estados do Sul ou ficou seco como os estados nordestinos. Choveu na medida certa em 2015, como está apresentado na tabela abaixo, onde são apresentadas as médias históricas e as chuvas acumuladas mensalmente sobre cada manancial. Os dados foram obtidos no site da Sabesp. Para ver a tabela em tamanho maior, basta clicar em cima dela.

Tabela das chuvas sobre os sistemas de abastecimento de São Paulo em 2015

Tabela das chuvas sobre os sistemas de abastecimento de São Paulo em 2015

Apenas no pequeno sistema Alto Cotia, as chuvas ficaram significativamente abaixo da média em 2015. O Guarapiranga ficou bem acima, o que gerou um bom aumento no seu volume, como veremos a seguir. No Alto Tietê, as chuvas ficaram na média; no pequeno Rio Claro, ficaram acima; e no Cantareira e Rio Grande, as chuvas ficaram um pouco abaixo da média histórica.

Fiz tabelas semelhantes para o período entre outubro de 2012 e outubro de 2014. Para não saturá-los com uma montanha de números, resumi tudo nesta tabela e neste gráfico.

Tabela das chuvas sobre os sistemas de abastecimento de São Paulo entre 2013 e 2015

Tabela das chuvas sobre os sistemas de abastecimento de São Paulo entre 2013 e 2015

 

Grafico chuvas sp 2013-2015

Em 2013, as chuvas ficaram entre 15 e 20% abaixo do histórico no Cantareira, Guarapiranga e no Alto Cotia; na média, no Alto Tietê; e acima da média nos demais sistemas. No ano passado, tivemos uma seca muito severa que atingiu todos os mananciais, com exceção do Rio Claro. O volume de chuvas foi aproximadamente 40% menor do que o esperado.

A variação dos volumes dos mananciais está apresentada na tabela e no gráfico abaixo.

Tabela dos volumes dos sistemas de abastecimento de São Paulo entre outubro de 2012 e outubro de 2015

Tabela dos volumes dos sistemas de abastecimento de São Paulo entre outubro de 2012 e outubro de 2015

 

Grafico volumes sp 2013-2015

A próxima tabela sintetiza tudo! A variação do volume de cada sistema foi calculada com base na sua capacidade total, incluindo os volumes mortos.

Tabela chuvas-volumes 2013-2015

Fica claro que São Paulo viveu apenas um ano de estiagem – 2014. As chuvas em 2013 e 2015 ficaram dentro da normalidade. No Cantareira, apesar de não haver uma grande estiagem em 2013, 15% de sua capacidade total foi consumida, 185 milhões de metros cúbicos. Entre outubro de 2013 e outubro de 2014, no auge da estiagem, 41% da capacidade do Cantareira foram consumidos, incríveis 526 milhões de metros cúbicos. Durante este período, muito pouco foi feito:

– inicio do programa de descontos da Sabesp em fevereiro de 2014;
– início do uso do primeiro volume morto do Cantareira em maio de 2014;
– início do uso do segundo volume morto do Cantareira em outubro de 2014.

Em setembro de 2015, 81% dos clientes da Sabesp reduziram seu consumo em relação ao ano anterior e ganharam descontos na conta d’água. Mesmo com esta economia e chuvas dentro da média histórica, o volume total dos mananciais cresceu nos últimos doze meses apenas 164 milhões de metros cúbicos (7% da capacidade total). Os dois principais sistemas, Cantareira e Alto Tietê, ficaram com seus níveis praticamente estáveis.

Ou seja, o sistema de abastecimento de água de São Paulo continua frágil e as poucas obras concluídas em 2015, não ajudariam a resistir a um novo período de estiagem. Por que nada foi feito em 2014? Havia as eleições e o governador Geraldo Alckmin concorria à reeleição. Deste modo, preferiu minimizar, em seus discursos, os riscos do desabastecimento de água. Depois colocou a culpa no clima e prossegue com a mesma tática. Imagina se estivéssemos com uma seca de quatro anos como a Califórnia?

Neste momento de “petralhas” e “coxinhas”, certamente os tucanos dirão que sou petista. Tenho a isenção de quem já denunciou a administração petista de Novo Hamburgo (cidade gaúcha onde morei quase vinte anos). O PSDB está duas décadas no poder em São Paulo e tratou a questão do abastecimento de água do estado de forma secundária. O mais importante era garantir o lucro e a distribuição de dividendos que caem no caixa do estado com liberdade para ser usado onde o governo quiser sem aquelas vinculações “indesejáveis”.

Alckmin sabia da gravidade da crise hídrica e não cumpriu sua obrigação para garantir sua reeleição. Agiu de má-fé. Se ele achasse que o problema não era importante, então seria um incompetente e não merecia vencer a eleição. Da mesma forma, Dilma sabia da gravidade da crise econômica do país e mentiu na campanha eleitoral para a presidência da república. Também agiu de má-fé. A prova foi a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e as medidas de austeridade econômica que seu governo tenta aprovar no Congresso desde o início deste ano. O El Niño salvou Alckmin, Dilma parece não ter a mesma sorte…

Os políticos brasileiros estão muito interessados em garantir a próxima eleição. Fazer o que deve ser feito e servir o povo fica para um plano secundário ou terciário…

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A Direita, a Esquerda e o Papa Marxista

Este negócio de direita e esquerda começou em 1789, durante a Revolução Francesa, quando no lado direito da Assembleia ficavam os Girondinos (moderados); e na esquerda, os Jacobinos (radicais e mais exaltados). Os Girondinos queriam instituir uma monarquia constitucional na França; os Jacobinos, a república. O tempo passou e as palavras direita e esquerda passaram a designar diferentes correntes de pensamento político e econômico. Em algumas ocasiões, a direita passou a representar a manutenção do status quo; e a esquerda, a mudança.

Desenho de Jacques-Louis David sobre um episódio da Revolução Francesa

Desenho de Jacques-Louis David sobre um episódio da Revolução Francesa

Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo se dividiu em dois blocos. A esquerda passou a ser representada pelo bloco socialista ou comunista, liderado pela União Soviética. Um aspecto deve ficar bem claro, os regimes do leste europeu eram ditaduras, nas quais liberdades e direitos civis foram suprimidos. Da mesma forma, existiam ditaduras na América Latina, que se opunham à esquerda, e empregaram alguns métodos muito semelhantes aos dos seus antagonistas. Regimes totalitários devem ser condenados independente da corrente ideológica. Não há nada de bom sem liberdade.

Com a falência do bloco comunista, simbolizada pela queda do Muro de Berlim em 1989, muitos passaram a considerar a esquerda como sinônimo de atraso e ineficiência. Nas últimas décadas, podemos considerar que a direita é representada pelo pensamento liberal conservador. Quem pensa diferente muitas vezes é ridicularizado e desacreditado como se só existisse uma forma de ver a realidade. De acordo com esta forma de pensar, o egoísmo humano é considerado irremediável. Assim sendo, não se deve lutar contra esta característica ou sentir-se culpado por demonstrá-la. Na área econômica, cada indivíduo deve buscar a maximização de seu lucro, seu bem-estar, sua riqueza. O economista americano Milton Friedman, conselheiro do governo do ditador chileno Augusto Pinochet e influenciador dos presidentes americanos Nixon e Reagan, define perfeitamente, neste contexto, qual é a função social das empresas:

“Há poucas coisas capazes de minar tão profundamente as bases de nossa sociedade livre como a aceitação por parte dos dirigentes das empresas de uma responsabilidade social que não seja a de gerar tanto dinheiro quanto possível para seus acionistas. Trata-se de uma doutrina fundamentalmente subversiva. Se homens de negócios têm outra responsabilidade social diferente de maximizar o lucro para seus acionistas, como poderão eles saber qual seria esta responsabilidade? Podem os indivíduos decidir o que constitui o interesse social? Podem eles decidir que carga impor a si próprios e a seus acionistas para servir ao interesse social? É tolerável que funções públicas como imposição de impostos, despesas e controle sejam exercidas pelas pessoas, que estão no momento dirigindo empresas particulares, escolhidas para estes postos por grupos estritamente privados? Se os homens de negócios são servidores civis e não empregados de seus acionistas – então, numa democracia, eles serão, cedo ou tarde, escolhidos pelas técnicas públicas de eleições e nomeações.”

Milton Friedman

Milton Friedman

Ou seja, o administrador da empresa deve apenas maximizar o lucro dentro dos limites legais requeridos, nada mais. O impacto econômico positivo da atividade econômica trará os benefícios para a sociedade. Este pensamento parece ser utópico e simplista. Se um país ou uma comunidade estiver preso em um círculo vicioso de pobreza, poderá ficar eternamente condenado a esta situação, porque não haverá estímulo à atividade econômica e, deste modo, não haverá progresso social.

Se um país ou estado tiver exigências ambientais menos restritivas ou fiscalização mais frouxa, uma empresa poderá optar por se instalar nesta região para reduzir seus custos, maximizando seus lucros. Segundo Friedman, esta seria a atitude que os acionistas esperariam do CEO da empresa. Se a comunidade passaria a ter seu rio poluído, com menos peixes, ou o ar com substâncias nocivas à saúde, esta preocupação não deveria afetar este CEO, porque sua missão é maximizar o lucro dos acionistas da empresa dentro da legalidade.

Poderia dar outros exemplos, como alimentos com ingredientes nocivos à saúde ou medicamentos com efeitos colaterais, mas acredito que a distorção causada pelo liberalismo econômico defendido por Friedman já está clara. O problema pode ser agravado, se as empresas, através de lobbies, usarem seu poderio econômico para influenciar na legislação que rege suas atividades.

O mais curioso é que uma parcela expressiva da direita alia, ao liberalismo econômico, uma postura conservadora em relação às questões sociais e comportamentais. São contrários à ampliação dos direitos das minorias, especialmente dos homossexuais, ou programas sociais – cotas raciais ou econômicas, complementação de renda, universalização da saúde, etc..

Sem dúvida o capitalismo é muito mais eficiente economicamente do que o comunismo. Existe estímulo muito maior para a evolução tecnológica e a busca pela eficiência, mas o consumismo é um dos pilares para a manutenção do crescimento econômico. Vivemos em um planeta que possui limites e, se todos os habitantes da Terra passarem a ter padrões americanos de consumo, nossos filhos não terão um ambiente saudável no futuro próximo.

As críticas sobre o Papa Francisco se iniciaram no início de 2015. Liberais conservadores americanos passaram a atacá-lo, dizendo que suas posições são da esquerda marxista. Parece claro que o papa deseja apenas que as distorções causadas pela busca desenfreada de riqueza por alguns e pelo consumismo de muitos sejam repensadas. Com este modelo de capitalismo, será difícil viver em um mundo socialmente mais justo e ecologicamente mais equilibrado.

Papa Francisco recebe polêmico presente de Evo Morales (Foto: Osservatore Romano)

Papa Francisco recebe polêmico presente de Evo Morales (Foto: Osservatore Romano)

Francisco sugere a leitura do “Compêndio da Doutrina Social da Igreja” publicado em 2006 durante o papado de João Paulo II. A propriedade privada é defendida nesta obra desde que atenda uma função social e todos tenham condições de adquirir a sua. Parece justo…

Se pensarmos unicamente na figura de Jesus Cristo, veremos que sua opção foi pelos pobres e injustiçados. O Reino de Deus, antes de ser um jardim onde ficaremos após a morte, é a Terra em que os humanos viverão um dia, onde haverá justiça e melhor divisão das riquezas. Se Cristo lutava por justiça social como um revolucionário de esquerda adepto da não violência, por que Marx, por exemplo, rejeitou a Igreja Católica? A Igreja havia perdido há séculos completamente sua ligação com o social, apoiando os poderosos, a manutenção da escravidão de negros ou a exploração de indígenas.

Francisco quer que os cristãos não façam leituras mecânicas dos Evangelhos, mas que os vivenciem genuinamente, buscando promover justiça para todos. Isto não tem a ver com ser comunista ou marxista, tem a ver com ser um cristão de verdade. Esta é a volta aos ensinamentos originais de Jesus. Não é assistir a missa dominical para ter os pecados expiados, é deixar o egoísmo de lado e ajudar os outros.

“Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25,40).

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São Paulo “Atacama” – A Crise Hídrica Acabou?

Hoje chove em Cotia. As notícias sobre a crise hídrica de São Paulo são tão escassas quanto as chuvas das últimas semanas. Passa a impressão de que o problema foi superado ou, pelo menos, não é grave. A tabela abaixo compara as reservas atuais de água com a situação no mesmo período do ano passado.

Seca_SP_Tabela_30-06-15

Por incrível que pareça, as reservas atuais estão 21% menores do que em 30/06 de 2014. Deste modo, entramos no inverno, o período mais crítico do ano, com 167 milhões de metros cúbicos a menos do que no ano passado. Se você comparar a redução do volume dos reservatórios no segundo semestre de 2014, verá que três sistemas de reservatórios poderão chegar praticamente vazios ao próximo período de chuvas – Cantareira, Alto Tietê e Rio Claro.

Seca_SP_Grafico_30-06-15

A Sabesp publicou a seguinte frase abaixo da definição de “reserva técnica” na página de seu site onde apresenta a situação dos mananciais:

“É possível ampliar em cerca de 180 milhões de metros cúbicos o volume da reserva técnica, desde que executadas obras que ampliem as instalações de bombeamento.”

Não achei nada sobre a obra acima. O projeto mais importante de 2015 é a transposição das águas do sistema Rio Grande para o Alto Tietê, orçada em R$ 130 milhões. Com esta obra, o Alto Tietê poderia abastecer diariamente mais 1,5 milhões de pessoas a partir de setembro. No final de junho, foi inaugurada a transposição de água do rio Guaió para o Sistema Alto Tietê, um volume de água suficiente para abastecer entre 300 e 400 mil pessoas.

O projeto mais importante é a ligação entre a bacia do rio Paraíba do Sul e a represa Atibainha (Bacia do Sistema Cantareira), orçada em R$ 830 milhões, prevista para entrar em funcionamento em 2016, deverá entrar em operação apenas em 2017. Esta obra poderá transferir um volume de água para o Cantareira suficiente para abastecer uma população entre 2 e 3,4 milhões de pessoas. Todos estes projetos são necessários, mas apenas interligam mananciais que passarão a esvaziar ou encher de forma mais equilibrada. Não se planejam projetos para racionalizar o consumo e reduzir desperdícios.

Todas as obras para mitigar a crise hídrica atrasaram. Ou seja, nem perante uma situação emergencial, o governo paulista conseguiu ser ágil.

Geraldo Alckmin dá início a obra de interligação de sistemas [Fonte: site do El País]

Geraldo Alckmin dá início a obra de interligação de sistemas [Fonte: site do El País]

A população de São Paulo está colaborando para a economia de água. No mês de maio, 83% dos clientes receberam bônus por economizar água e apenas 17% consumiram mais do que sua média do ano anterior. Como “prêmio”, a tarifa de água da Sabesp teve um reajuste de 15,24% em maio. A medida provavelmente foi estimulada pela queda na lucratividade da empresa – no primeiro trimestre de 2015, o lucro que foi de R$ 318,2 milhões contra R$ 477,6 milhões no mesmo período de 2014.

Como a geração de energia elétrica no Brasil é majoritariamente hídrica, a seca também complicou a situação em relação à eletricidade. Termoelétricas a gás natural e a óleo combustível foram ativadas e o custo do kWh subiu. O governo federal inventou a regra das bandeiras na conta de luz e agora estamos sob o regime da bandeira vermelha, a tarifa mais alta. Se isto não bastasse, reajustes tarifários são autorizados com índices muito acima da inflação oficial.

A geração domiciliar de eletricidade, através de painéis solares fotovoltaicos, é pouco incentivada no país. Se uma pessoa produzir mais do que consome, não receberá nada em troca. Este montante será acumulado em uma conta para compensar o total consumido através da rede da concessionária e, se após 3 anos não for utilizado, este crédito é zerado. Deste modo, não existe incentivo para gerar mais do que é consumido e a maioria dos projetos prevê uma geração entre 80 e 90% da necessidade média da residência. A Alemanha trilhou um caminho radicalmente oposto, seu governo incentivou a geração solar distribuída com enorme sucesso.

Painel solar fotovoltaico residencial

Painel solar fotovoltaico residencial

No Brasil, o litoral norte de Santa Catarina é a região com menor irradiação solar global (4,25 kWh/m2) devido à localização geográfica e à nebulosidade. Mesmo assim seu potencial para geração de eletricidade é 3,4 vezes maior do que a melhor região da Alemanha. A geração fotovoltaica em telhados residenciais tem o potencial de gerar o equivalente a mais de 2,3 vezes o consumo de eletricidade residencial brasileiro. Apesar do seu enorme potencial, o Brasil produziu em 2012 apenas 42 GWh de energia elétrica de fonte solar contra 28 mil GWh da líder mundial Alemanha.

No caso da seca no sudeste brasileiro, incentivar a captação e aproveitamento de água da chuva e o reuso de águas com menor potencial poluidor também não faz parte das agendas dos governadores estaduais.

Nos dois casos, os grandes, complexos e caríssimos projetos são sempre os preferidos para a solução dos problemas em detrimento do incentivo a obras muito mais simples em residências e empresas. Parece que os grandes lobbies empresariais conseguem sempre influenciar decisivamente na elaboração dos regulamentos que regem as atividades do próprio setor e nas políticas governamentais.

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A Redução da Maioridade Penal

Segundo pesquisa de opinião pública do Datafolha, 87% população brasileira apoia a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Dentre as pessoas favoráveis a esta medida, 74% desejam que o novo critério seja aplicado a menores praticantes de qualquer tipo de crime, incluindo furtos simples.

Segundo diagnóstico apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça há um ano, o Brasil possui hoje a quarta maior população carcerária do mundo, sem considerar os presos domiciliares. Veja o quadro abaixo:

Ranking população prisional mundial

Você pode ficar surpreso com a liderança folgada dos Estados Unidos neste ranking. Em artigo na edição da semana passada do “The Economist”, fica clara a desigualdade do sistema prisional americano, onde, com menos de 5% da população mundial, o país detém cerca de um quarto dos seus prisioneiros: mais de 2,3 milhões de pessoas. Apesar de um negro ser o seu presidente, o país ainda não conseguiu equacionar bem sua questão racial. Um terço dos homens negros americanos deverá ser preso em algum ponto de suas vidas, e uma em cada nove crianças negras tem seu pai atrás das grades.

Voltando para o Brasil, além de mais de meio milhão de pessoas em prisões e presídios, existem mais 148 mil pessoas em prisões domiciliares, totalizando quase 716 mil pessoas privadas de liberdade no nosso país. O gráfico abaixo mostra a população prisional brasileira, incluindo os presos domiciliares, e o número de vagas disponíveis.

Deficit vagas presidios

De acordo com gráfico acima, dever-se-ia dobrar o número de vagas nos presídios brasileiros, atualmente superlotados. Nas últimas décadas, houve um crescimento do poder de grupos como o PCC, Primeiro Comando da Capital, que supostamente tem como um de seus principais líderes, Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola. Estes grupos buscam manter uma ordem interna nos presídios, garantindo a segurança e, até mesmo, assistência jurídica para os apenados. Em troca, os ex-detentos trabalharão para a organização criminosa ao ganharem a liberdade, mesmo a condicional.

Hoje os presídios brasileiros fazem um péssimo trabalho de ressocialização dos apenados. A grande maioria não estuda, trabalha ou aprende um ofício honesto enquanto está preso. Em muitos presídios não há separação entre os presos de baixa periculosidade dos presos de alta periculosidade. Tão pouco há separação de acordo com a faixa etária ou reincidência. Para este ambiente terrível, a maioria da população brasileira deseja enviar adolescentes infratores. Estes jovens serão presas fáceis de organizações criminosas como o PCC que passarão a ter a sua disposição, dentro dos presídios, um novo fluxo constante de trainees.

A presidente da Fundação Casa de São Paulo, Berenice Maria Gianella, informou em um artigo que apenas 2,43% dos adolescentes cumpriam medidas socioeducativas de internação em 2012 devido a crimes graves como latrocínio (roubo seguido de morte), estupro e homicídio doloso (quando houve intenção de matar). Assim enviar a totalidade dos adolescentes infratores para os presídios, um grupo quarenta vezes maior do que apenas os praticantes de crimes graves, é um erro gravíssimo. Ao invés de melhorar a segurança pública, a redução irrestrita da maioridade penal poderá ativar uma enorme bomba relógio social. Achar que esta medida resolverá a questão de segurança pública no país é o mesmo que limpar a casa, varrendo a sujeira para debaixo do tapete.

Para ajustar todo o sistema prisional brasileiro seriam necessários alguns bilhões de reais, sem contar o alto custo operacional mensal. Para salvar a juventude pobre e marginalizada, que acaba delinquindo devido a inúmeros motivos como a desestruturação familiar e falta de alternativas culturais e educacionais, poder-se-ia investir maciçamente em educação. Manter crianças e adolescentes no contra-turno escolar seria ótimo para estimular interesse pela leitura, cultura e ciências.

Se você quiser mais informações sobre o assunto, leia o artigo publicado pela Agência Pública (jornalismo independente), onde também são mostrados as humilhações e os maus-tratos sofridos pelos adolescentes internos da Fundação Casa de São Paulo.

Jogados aos Leões – Agência Pública

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O Festival de Carne de Cachorro e os Mini Porcos de Estimação

Ontem começou um festival de carne de cachorro na cidade chinesa de Yulin, no qual dez mil animais serão comidos até o final deste evento. Muitos grupos protestaram e abaixo-assinados eletrônicos com milhões de adesões circularam pela Internet, pedindo o cancelamento deste festival, sem sucesso.

Cães vendidos em um mercado de Yulin na China

Cães vendidos em um mercado de Yulin na China

Ficamos chocados com crueldades contra animais de estimação como cães e gatos. Não admitimos que sejam mortos para alimentar humanos. Carne de cavalo é muito pouco consumida no Brasil, mas no país existem matadouros que exportam este tipo de “iguaria” para alguns países europeus como, por exemplo, França e Itália. Parece que a proximidade com os cavalos, vistos usualmente à frente de carroças que circulam pelas ruas das cidades brasileiras, torna sua imagem mais concreta e impede o consumo de sua carne. Por outro lado, não se tem a mesma sensibilidade em relação aos bois, porcos e galinhas.

Lembro-me do caso da filha de um colega que parou de comer coração de galinha, quando descobriu que o coração de galinha era de uma galinha. Muitas pessoas têm a incrível habilidade de abstrair a informação sobre a origem do pedaço de carne que comem, desvinculando-a completamente do animal morto. Parece que o presunto não vem do porco, o filet mignon não vem do boi ou o coraçãozinho não vem da galinha.

O mini porco parece ser mais uma destas oportunidades de tomada de consciência das pessoas. Ao adotar porcos, seres mais inteligentes do que os cães, como animais de estimação, ficará difícil consumir sua carne. Estes porquinhos de estimação viverão entre 15 e 20 anos, muito mais do que os leitõezinhos das ceias de fim de ano mortos com um mês de vida ou os demais porcos de corte, abatidos aos quatro meses.

mini-porco

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Impossible Foods e o Hambúrguer Vegetal para os Amantes da Carne

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Em março deste ano, li um artigo do “The Economist” sobre as empresas start-ups do Vale do Silício, na Califórnia que estão desenvolvendo, a partir de vegetais, versões sustentáveis de alimentos à base de carne e leite. A Impossible Foods era uma das empresas citadas no artigo. No final de abril, visitei esta empresa em Redwood City, próxima a San Francisco na Califórnia. A seguir faço um resumo da minha conversa com Patrick Brown, fundador e CEO da empresa, realizada na sala “Avocado”.

Patrick Brown no laboratório da Impossible Foods  [Fonte: Wall Street Journal]

Patrick Brown no laboratório da Impossible Foods [Fonte: Wall Street Journal]

A área de atuação prévia do Dr. Brown era a biomedicina: mecanismos de regulação biológica, diagnóstico de detecção precoce de doenças humanas, ecologia microbiana do corpo humano e novas tecnologias e métodos experimentais e analíticos aplicados à pesquisa biomédica. Segundo suas próprias palavras, ele tinha o melhor trabalho do mundo, mas queria fazer alguma coisa que tivesse um impacto positivo muito maior para a humanidade. Decidiu então fazer produtos de origem 100% vegetal para substituir produtos de origem animal, como carne e queijo. Segundo “The Economist”, Pat Brown disse:

“A pecuária é uma atividade tremendamente destrutiva e totalmente insustentável. Mesmo assim, a demanda por carne e leite está em alta”.

Ele repetiu para mim aquela informação da ONU que a pecuária ocupa 30% da superfície degelada do planeta e é responsável por 14,5% de todas as emissões de gases do efeito estufa. Deste modo, para evitar um impacto maior no planeta por conta do aumento do consumo de carne e leite, seria necessário desenvolver alternativas vegetais que não devessem nada aos produtos de origem animal.

Nos primeiros anos de atividades da Impossible Foods, nenhum produto foi formulado, inúmeras moléculas foram extraídas de vegetais e analisadas. A partir daí se estudou a formulação de produtos e como obter as moléculas que seriam os ingredientes dos produtos. Todos os ingredientes escolhidos devem ser economicamente viáveis e possíveis de serem obtidos em grande escala.

Pat disse que a Impossible Foods já desenvolveu queijos, exclusivamente a base de vegetais, que foram aprovados por especialistas, mas seu primeiro empreendimento será o hambúrguer. Este primeiro produto a ser lançado terá a mordida, a suculência, o aroma e o sabor de um autêntico hambúrguer de carne. O preço também deverá ser competitivo com o produto convencional. A escolha é óbvia, além dos problemas já citados de desmatamento e aquecimento global, a conversão da ração em carne é muito ineficiente nos bovinos, 10 kg de ração são necessários para gerar apenas 1 kg de carne. Além disto, os norte-americanos são grandes consumidores de hambúrguer. Eu vi numa apresentação que, em média, cada americano consome três hambúrgueres por semana.

Hambúrguer – Foto do site da Impossible Foods

Hambúrguer 100% vegetal – Foto do site da Impossible Foods

Comentei com o Pat que a grande maioria dos vegetarianos não precisaria de um produto assim. Ele concordou e afirmou que o consumidor-alvo deste produto é o amante da carne que deseja reduzir o consumo, sem perder o prazer. Se existir uma alternativa tão boa quanto a carne, por um preço igual ou menor, por que alguém continuaria a consumir carne com todas as questões de maus tratos aos animais e prejuízos ambientais? Neste momento, haveria a migração para os produtos de origem vegetal e a pecuária entraria em declínio.

Neste ponto, eu contra-argumentei que a indústria leiteira está fortemente ligada à indústria da carne. A vaca leiteira fica prenha anualmente. Se a nova cria for um macho, será morto e se transformará em cortes de carne antes da puberdade. Se for uma fêmea, se transformará após dois ou três anos em uma nova vaca leiteira. Se tudo correr bem nos seis anos seguintes, a vaca não morrerá durante uma das gestações ou partos, nem será sacrificada devido à mastite ou outra doença. Como prêmio por ter gerado cinco ou seis crias sãs e ter produzido entre 20 e 25 toneladas de leite, a vaca será enviada para um matadouro onde será abatida e transformada em hambúrgueres e carne industrial. Se não houver bons produtos substitutos para os laticínios, como o queijo, o preço dos produtos lácteos tradicionais poderá aumentar e subsidiar o preço da carne. Se isto acontecer, a lucratividade do negócio da “carne vegetal” será corroída. Ou seja, o ataque contra a indústria da pecuária deve ser realizado pelos dois lados – carne e leite. O que é justo e deveria ser considerado nas leis num futuro próximo são as taxas sobre as externalidades causadas pela indústria da pecuária devido ao gigantesco impacto ambiental que causa. Aí sim a competição desequilibraria em favor das alternativas vegetais.

Perguntei ao Pat como ele enxergava alternativas como a carne in vitro. Provavelmente por causa dos longos anos de trabalho na área biomédica, ele foi enfático. Não acredita nesta alternativa! Explicou que os problemas com contaminações microbiológicas inviabilizam o aumento de escala do laboratório para a indústria. Um boi tem seu sistema de defesa que evita que micróbios destruam tecidos inteiros do seu organismo. No caso de carne in vitro, um simples vírus pode infectar uma célula, se multiplicar com uma velocidade extraordinária e destruir todas as células, acabando com a produção da fábrica.

Atualmente setenta pesquisadores trabalham no desenvolvimento dos produtos da Impossible Foods. Em 2016, a primeira planta deve iniciar a produção numa escala pequena. Se tudo correr bem, o próximo passo será uma planta muito maior para atingir a produção comercial plena pouco tempo depois. Depois virão os queijos…

Se você quiser ler o artigo original do “The Economist”, onde outras empresas são apresentadas, basta clicar no link abaixo.

The Economist

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Carta Aberta para a Revista dos Vegetarianos

Há três meses, a Revista dos Vegetarianos publicou uma matéria sobre a soja. Como eu e Claudia não concordamos com vários pontos, resolvemos enviar uma mensagem com nossos comentários. Mandamos o e-mail no dia 22-02-2015 e não recebemos qualquer retorno. Deste modo, decidimos publicar a íntegra de nossa mensagem para que os leitores da Revista dos Vegetarianos tenham um contraponto para as informações apresentadas naquela matéria.

Capa da Revista dos Vegetarianos, nº100

Capa da Revista dos Vegetarianos, nº100

Prezados senhores(as),

Minha esposa e eu somos ovo-lacto-vegetarianos e, por iniciativa dela, assinamos a Revista dos Vegetarianos. Costumo ler e confiar na veracidade e precisão dos conteúdos de seus artigos. Na última edição, esta credibilidade ficou abalada após ler a reportagem de capa apresentada como um “dossiê definitivo” sobre a soja. Em primeiro lugar, quase nada é “definitivo” com os avanços científicos atuais. Em segundo lugar, a reportagem apresenta erros e inconsistências que seriam evitados com a consulta de pesquisadores e técnicos da área.

Trabalhei vinte anos em uma empresa que fabricava produtos derivados de soja. Neste período, atuei em diferentes áreas como pesquisa, engenharia de processo, projetos, tecnologia e produção de óleo, lecitina, farinhas, proteína isolada, proteína concentrada e proteína texturizada de soja (PTS). Por este motivo, fiquei perplexo com a demonização que o PTS sofreu nesta reportagem.

Em relação ao ácido fítico, responsável pela indisponibilidade de ferro e zinco, a forma da preparação do PTS pode praticamente eliminar o problema. Pode-se hidratar a proteína com água acidulada com suco de limão ou vinagre de arroz. O pH ácido aumenta a solubilidade do ácido fítico e reduz a solubilidade das proteínas. Na sequência, a massa pode ser enxaguada e prensada entre as mãos. Com esta operação, o ácido fítico e os oligossacarídeos são eliminados. Isto normalmente é feito pelos vegetarianos.

Segredinho no preparo da Proteína Texturizada de Soja

A revista poderia fazer uma reportagem, mostrando o preparo correto do PTS.

Segundo o Dr. Luciano Giacaglia, “a soja é rica em fibras alimentares que dificultam a absorção de colesterol”. O PTS possui toda a fibra dietética da soja. Em outros produtos, como o leite de soja e o tofu, toda a fibra é removida, gerando um novo produto chamado okara. Ou seja, em relação ao consumo de fibras, o PTS é mais completo do que outros derivados de soja.

O PTS é apresentado como um “subproduto altamente manipulado industrialmente”. O PTS é um dos derivados de soja menos processados. Normalmente é produzido apenas usando farinha desengordurada de soja como matéria prima. Após misturar água e farinha, a massa passa por um extrusor, onde através de alta pressão e temperatura, a maior parte dos fatores antinutricionais, como o inibidor de tripsina, é inativada. Diferentemente do afirmado pelo Chef Flávio Passos na matéria, a maioria destes inibidores enzimáticos não resistem às condições de temperatura dos processos industriais e perdem suas atividades.

O principal motivo das fermentações no tubo digestivo não é a digestão incompleta das proteínas, como o Chef Flávio Passos afirmou, mas a incapacidade de nosso organismo de hidrolisar os oligossacarídeos presentes na soja como a estaquiose e a rafinose. Geralmente só quebramos polímeros de glicose, como o amido, ou dissacarídeos como a maltose, a sacarose (açúcar da cana) e, com mais dificuldade, a lactose (açúcar do leite). Os oligossacarídeos são fermentados pelas bactérias que vivem em nosso intestino, produzindo gases como o metano e o gás carbônico.

Resumindo, dizer, como está na legenda da foto da página 19, “carne de soja – apesar de versátil na culinária, ela não deveria ser consumida porque não é saudável” não tem apoio científico. Além disto, se for bem preparada, a grande maioria dos problemas listados na reportagem são eliminados.

Gostaria de comentar outros problemas que encontrei na reportagem. A farinha de soja normalmente não é obtida através do processo aquoso descrito na página 20. Os dois principais produtos são obtidos através da moagem de soja descascada (farinha full fat) ou de farelo de soja desengordurado após e extração do óleo. Por sinal, a farinha desengordurada é a matéria prima do PTS.

Muitas fórmulas nutricionais para bebês são formuladas com proteína isolada de soja ao invés de extrato de soja (leite de soja). Desta forma, o ácido fítico e os oligossacarídeos são removidos do produto.

Na página 21, está escrito que o óleo de soja “pode ser hidrogenado para ser transformado em gordura vegetal hidrogenada, ou seja, margarina”. Existe um processo chamado interesterificação que não gera gordura trans. Estas gorduras atualmente são ingredientes para a produção de margarinas, solucionando este problema.

O Chef Flávio Passos também afirma que o edamame (soja verde) tem ômega-3, “algo que não se encontra no feijão maduro”. Na verdade, soja é uma das principais fontes vegetais de ômega-3. O óleo de soja (produzido a partir de soja madura) tem em torno de 7% de ácido linolênico (também conhecido como ALA, um dos principais ômegas-3 ao lado do EPA e DHA).

Normalmente, aqui em nossa casa, seguimos o conselho final da reportagem, procuramos variar o cardápio. Usamos diferentes tipos de feijões, lentilhas e grão de bico. Sabemos que a combinação de leguminosas (feijão, lentilha ou soja) com arroz supre nossa necessidade de aminoácidos essenciais. O que nos causou surpresa foi o radicalismo da reportagem contra o PTS que, como todo alimento, não deve ser consumido todos os dias.

Atenciosamente,

Vicente Manera Neto
Engenheiro Químico
Especialista em Tratamento de Resíduos Industriais
Mestre em Engenharia de Produção

Claudia Von Frihauf – assinante da Revista dos Vegetarianos
Engenheira Química
Mestranda em Engenharia Química – USP

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O Direito sobre a Própria Vida e a Própria Morte

Em agosto do ano passado, na hora do jantar, chegou a notícia da morte do ator Robin Williams. Na sequência, foi revelado que o ator americano havia se suicidado. Lembramo-nos de vários filmes de Williams, onde a mensagem otimista era a tônica. Ele passava por uma profunda depressão e, naquele momento, preferiu acabar com a própria vida.

Robin Williams tinha condições de levar a cabo seu desejo de não viver mais, mas existem pessoas que precisam de ajuda para ter suas vontades atendidas. Para estas pessoas cada dia de vida é um sofrimento terrível e a morte seria um verdadeiro alívio. Questões éticas e morais inexplicáveis impedem que os desejos destas pessoas sejam atendidos e cada um passa a seguir sua própria “Via Crúcis”.

Na edição de 19 de julho de 2014 da revista The Economist, havia um artigo sobre o suicídio assistido. Leia a história abaixo.

Depois de sofrer um acidente vascular cerebral numa viagem de negócios, Tony Nicklinson, um ex-jogador de rugby e paraquedista, desenvolveu síndrome do encarceramento, uma doença incurável que deixa o paciente consciente, mas incapaz de se mover ou falar. Nicklinson aprendeu a se comunicar através do piscar os olhos e, assim, foi capaz de descrever seu terrível sofrimento. Preso em sua cela corporal sem nenhuma chance de escapar, ele queria morrer. Mas como a Grã-Bretanha não permite o suicídio assistido, o seu “pesadelo de vida” continuou.

Em poucos lugares do planeta, o suicídio assistido é legal: nos chamados Países Baixos (Holanda, Bélgica e Luxemburgo), na Suíça, no Canadá, onde a Suprema Corte do país derrubou recentemente a proibição, e em cinco estados norte-americanos.

Na Holanda e na Bélgica, inclusive há regulamentação aplicável a crianças e adolescentes com idade entre 12 e 16 anos. Você pode pensar que aí já é demais, mas veja esta outra história que li ontem no site da BBC Brasil. Valentina Maureira tem 14 anos e sofre de fibrose cística, uma doença hereditária, degenerativa e incurável que afeta seus pulmões, fígado e pâncreas.

Valentina Maureira

Valentina Maureira

Valentina publicou um vídeo no seu perfil do Facebook, onde faz o seguinte apelo à presidente chilena, Michelle Bachelet:

– Peço com urgência para falar com a presidente, porque estou cansada de viver com esta doença e ela pode autorizar a injeção para que eu durma para sempre.

A menina já perdeu o irmão mais velho, que morreu aos 6 anos de idade, e um grande amigo, companheiro de tratamento no hospital. Para a reportagem da BBC, ela disse as seguintes frases:

– Ele era um dos meus melhores amigos e, mesmo dando 100% de si, sofria. Vê-lo morrer me chocou.

– São 14 anos de luta, todos os dias, e para minha família tem sido pior. Estou cansada de seguir lutando, porque vejo sempre o mesmo resultado. É muito cansativo.

– É sobre a minha qualidade de vida. É isso que não tenho.

Como a eutanásia e o suicídio assistidos são proibidos no Chile, o sofrimento de Valentina deve continuar…

Se você ficou curioso sobre o desfecho do caso do inglês Tony Nicklinson, leia a tradução do final do artigo do The Economist.

Depois de ter sido negado o direito de morrer pela alta corte da Grã-Bretanha em 2012, ele recusou comida e finalmente sucumbiu à pneumonia.

A questão fundamental a ser discutida é o direito das pessoas de viverem e morrerem com dignidade. A maioria dos Estados modernos, incluindo o brasileiro, é laica. Assim questões religiosas não deveriam obstruir o livre arbítrio das pessoas sobre a interrupção de suas próprias vidas. Forçar uma pessoa a viver em constante sofrimento revela uma completa falta de compaixão e misericórdia.

Fontes:

http://www.economist.com/news/leaders/21607854-most-people-western-world-favour-assisted-suicide-law-should-reflect-their

http://www.economist.com/news/international/21607888-small-group-countries-helping-someone-die-not-crime-where-go-die

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/02/150226_chile_apelo_hb

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Almoços de Negócios e o Ladrão Ético

Almoços com clientes, fornecedores ou parceiros de negócios são comuns no mundo corporativo. Se for possível, prefiro não conversar sobre assuntos ligados ao negócio durante a refeição, mas, algumas vezes, não tem jeito, o tempo disponível é apertado e devemos usá-lo com a maior eficiência possível. Podemos ter uma refeição mais agradável quando o almoço for uma pausa nas discussões, ou o final da reunião, ou o encontro antes da reunião.

business lunch

Nestas situações, podemos aproveitar para conhecer melhor as pessoas através de um bate-papo informal do que tratando um assunto “oficial” da empresa. Às vezes, alguém monopoliza a conversa e se revela um narcisista – tudo que ele faz é mais bem feito ou tudo que ele tem é melhor. Já passei também por situações em que o cara passou todo o tempo se queixando de alguma coisa, inclusive da própria empresa – são as vítimas do mundo. Bom mesmo é quando se almoça com um bom contador de histórias. Já ouvi algumas impossíveis de acreditar, mentiras deslavadas. As melhores são aquelas que tangenciam o improvável.
Lembro-me de uma que ouvi de um engenheiro, dono de uma pequena empresa. Certa vez, ele havia deixado seu automóvel estacionado na rua e, quando voltou, ele não estava mais ali, foi roubado. Pior ainda, seu notebook estava no interior do carro. Pior ainda, ele não fazia um “backup” dos arquivos do computador há meses. O empresário foi a uma delegacia, fez a ocorrência e acionou o seguro. A polícia não localizou o automóvel e ele entrou em desespero, porque dados preciosos de projetos realizados pela sua empresa, que estavam no notebook roubado com o carro, foram perdidos.

No dia seguinte, ele recebeu uma ligação. Um homem perguntou o nome dele e se o seu carro foi roubado. Após as confirmações, o homem disse que estava com o notebook e perguntou se ele o queria de volta. Ele disse que sim e uma negociação foi iniciada. Todos os detalhes foram acertados: o valor a ser pago em dinheiro vivo, data, horário e local.

Claro que a polícia não poderia ser avisada e ele foi sozinho ao local combinado. Após chegar ao endereço indicado, esperou alguns minutos e recebeu uma nova ligação, onde foi acertado um novo local mais afastado da cidade. Ele chegou ao novo ponto de encontro e recebeu uma nova ligação. Desta vez ele deveria seguir a pé por uma trilha no meio do mato.

Enquanto caminhava, com o saco de dinheiro na mão, pensava:

– O que estou fazendo aqui? Eu sou uma besta! Os caras vão pegar o dinheiro e me dar um tiro. Vão me matar…

Apesar do pensamento negativo, seguiu em frente e encontrou os criminosos. Um deles pediu o dinheiro, conferiu e entregou o notebook. Não houve ameaças ou tentativas de extorquir mais dinheiro. Tudo ocorreu conforme o combinado. Ele voltou pela mesma trilha, pegou o automóvel e retornou para a sua empresa.

Concluiu a história da seguinte forma:

– Este ladrão fez a negociação mais correta da minha vida! Ofereceu um produto que eu realmente desejava. Definimos um preço justo pelo produto. Fez a entrega na data combinada e não pediu um centavo além do que foi acertado. Foi um verdadeiro exemplo de ética.

Agora ele faz backup do notebook semanalmente.

Se esta fosse uma história de ficção, eu seguiria a mesma narrativa até o momento em que ele recebeu o notebook. Na sequência, eu poderia inventar um diálogo entre o ladrão e o empresário:

– Tudo certo, doutor?
– Tudo certo!
– Não fazia backup há tempo, hein?
– Acho que faz quase um ano…
– Tem que fazer backup mais frequente, doutor! Imagina se um profissional menos gabaritado rouba seu equipamento… Tava f…
– OK! Eu sei… A primeira coisa que vou fazer, quando sair daqui, vai ser comprar um HD externo e copiar tudo…
– Eu tenho um HD externo novo de 2 Tera. Posso fazer um bom preço. Afinal, o doutor é um cliente VIP…
– Quanto?
– R$ 100.
– Não tenho dinheiro para pagar…
– Tudo bem! Eu aceito cartão…
– Aceita cartão?
– Pra venda de equipamentos, sim…
– OK, vou levar o HD.
– Vai querer CPF na nota?
– Não precisa.

O ladrão digita o valor da venda e pede para o empresário passar o cartão na máquina. Quando ele vai colocar a senha, o ladrão comerciante olha para o outro lado para não ver o número digitado.

credit-card-thief

O empresário recebe a segunda via do comprovante da operação e diz:

– Obrigado! Foi ótimo fazer negócio com você!
– Que isso, doutor? O prazer foi meu! Até a próxima…
– Espero que não tenha próxima!
– Então não vacila, OK?
– Vou tentar! Tchau.

O empresário voltou pela mesma trilha, pegou o automóvel e retornou para a sua empresa.

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São Paulo “Atacama” – Aproveitamento de Água da Chuva e Reuso de Água Já!

Na quarta-feira passada, terminamos a instalação de um sistema de aproveitamento de água da chuva, composto de calha para a coleta de chuva do telhado de nossa casa e tubulações para encaminhá-la até um tanque de 2 mil litros. Antes de entrar neste tanque, a água passa por um filtro e um separador de chuva fraca (mais poluída). Poderemos recuperar, dependendo da quantidade de chuvas, entre 6 e 15 mil litros de água por mês. Veja as fotos abaixo.

Sistema coleta agua chuva

Eu e Claudia estamos à disposição para ajudar a implantar sistemas de coleta de água da chuva como este se sua casa estiver localizada nas proximidades de Cotia. Especificamos o sistema e contamos com uma equipe com experiência neste tipo de instalação.

Nestes últimos meses, escrevi dois artigos sobre a seca em São Paulo e a inércia do governo de São Paulo para combater seus efeitos. No primeiro, em setembro do ano passado, mostrei que a situação rumava para o caos com a redução acelerada das reservas de água do estado, apesar do governador Alckmin negar o óbvio por motivos eleitorais. No segundo artigo, um mês depois, apresentei várias medidas para reduzir o consumo de água, inclusive a coleta de água da chuva.

O governo pede que a população economize água, mas o mais impressionante é que as sugestões não fogem do lugar comum: escovar os dentes ou fazer a barba de torneira fechada, tomar banhos mais curtos, não lavar calçadas e automóveis. Claro que estas medidas ajudam, mas é muito pouco para reverter o atual quadro da estiagem no estado. Precisa-se de ações que disponibilizem mais água em curto espaço de tempo, como a coleta de chuva e o reuso da água cinza (máquinas de lavar roupa, chuveiros e pias). Não podemos esperar, no mínimo dois anos, que um sistema sofisticado e caríssimo seja implementado para tratar as águas poluídas da Represa Billings. As outras obras já anunciadas pelo governo estadual só começarão a entrar em funcionamento no final de 2015. Como conseguiremos superar o período de estiagem que começará em abril?

Se o poder público não toma as decisões necessárias para tentar reverter a situação dramática causada por esta seca, cabe a nós cidadãos achar boas alternativas para reduzir o consumo de água. O diretor da Sabesp para a região metropolitana de São Paulo, Paulo Massato, citou a possibilidade de um “rodízio drástico” de até cinco dias sem água por semana. Você já imaginou ter água na sua torneira apenas dois dias da semana?

Para ter uma ideia mais clara da dimensão da crise hídrica paulista, apresento um raio-X que preparei sobre a queda das reservas de água nos principais sistemas de reservatórios de São Paulo.

Seca_SP_Tabela_31-01-15
Seca_SP_Grafico_31-01-15
Seca_SP_Reservas_31-01-15

Como pode ser visto o segundo volume morto do Cantareira deve acabar em março. Existe a possibilidade de usar uma terceira reserva de 41 bilhões de litros da Represa Atibainha, mas esta medida aumentaria o disponibilidade de água do Cantareira em apenas 4,2 pontos percentuais. Ou seja, daria uma sobrevida somente até abril. O Sistema Alto Tietê deve secar no primeiro semestre de 2015, junto com o Sistema Rio Claro. O Guarapiranga, que está em melhores condições graças às chuvas deste verão, deverá ter a retirada de água aumentada devido ao colapso do Cantareira e Alto Tietê, provavelmente não chegará com água até a próxima estação das chuvas, em dezembro deste ano. O pequeno Alto Cotia segue a mesma tendência do Guarapiranga.

Agora começamos a estudar o reaproveitamento da água da máquina de lavar roupa. Medimos o gasto de água por ciclo completo de lavagem e chegamos a 90 litros por ciclo. No nosso caso, a lavagem de roupas pode ser responsável por quase metade do consumo mensal de água! Se sua máquina tem abertura superior fica fácil aproveitar a água do enxágue final como água da primeira lavagem das roupas. Infelizmente, nossa máquina tem abertura frontal, mas vamos criar um sistema para reduzir seu consumo e apresentaremos a solução aqui no nosso blog.

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Os números de 2014 by WordPress

Os duendes de estatísticas do WordPress.com prepararam um relatório para o ano de 2014 deste blog.

Aqui está um resumo:

A sala de concertos em Sydney, Opera House tem lugar para 2.700 pessoas. Este blog foi visto por cerca de 20.600 vezes em 2014. Se fosse um show na Opera House, levaria cerca de 7 shows lotados para que muitas pessoas pudessem vê-lo.

Clique aqui para ver o relatório completo

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Post 200 – Retrospectiva

Este é o ducentésimo (por que não é “duzentésimo”?) post publicado neste blog.

200-posts

Normalmente o centésimo é mais festejado, talvez pela introdução do terceiro dígito na contagem do número de posts, mas não posso perder a chance de fazer uma retrospectiva dos últimos cem posts publicados.

Vários posts foram inspirados por filmes. “Diários de Motocicleta” ajudou a contar a história da formação da consciência social de Che Guevara. “As Aventuras de Pi” tratou de temas como religiosidade e espiritualidade. “Amour” tratou dos sacrifícios extremos assumidos em nome do amor. “Meia-Noite em Paris” inspirou uma discussão sobre “O Passado e o Futuro”. “Ela” (título original Her) trouxe à tona as maravilhas e os perigos da inteligência artificial meio ano antes do físico Stephen Hawking externar seus temores sobre o assunto (fiquei bem acompanhado desta vez…).

Outros posts resgataram fatos históricos, como as descobertas e invenções de Heron de Alexandria ou o ato heroico de Sérgio Macaco que evitou centenas de mortes durante os anos de chumbo no Brasil. O próprio golpe militar foi protagonista de um post, onde reafirmei minha certeza que a democracia é o único caminho. As semelhanças dos casos de Napoleão Bonaparte e Eike Batista também renderam um post. E a guerra, o ato mais estúpido do ser humano, foi meu alvo após uma visita a Les Invalides em Paris,”Pra Não Dizer que Não Falei das Flores“.

O nascimento de nossa caçula, Luiza, recebeu um post superespecial – “A Maior Emoção da Minha Vida”. A Claudia deve futuramente fazer um post mais aprofundado sobre o parto humanizado.

Alguns posts trataram das minhas visões pessoais sobre família, amor pelos filhos (“Quando nos sentimos pais”) e educação dos filhos (“O que Dar e o que Esperar do Futuro de Nossos Filhos”). Afinal minha riqueza não deve ser medida pelos meus bens materiais, mas pela qualidade dos meus relacionamentos e “Eu Sou um Homem Rico”.

As questões do exibicionismo e da privacidade foram discutidas em dois posts, o primeiro sobre o BBB e o segundo que também trata do monitoramento da vida privada das pessoas pelos Estados – “Privacidade, Intromissão e Exibicionismo”. A propósito este post foi publicado quatro meses antes das denúncias de Edward Snowden.

As religiões e a manipulação dos fiéis por líderes inescrupulosos são fontes inesgotáveis de inspiração. Não escaparam deste blog o Islamismo, a igreja católica, representada pelos papas Bento XVI e Francisco, e nem mesmo “Deus, Sempre Ele”.

Dediquei dois posts para uma das piores figuras públicas da atualidade, o russo Vladimir Putin, sobre seu ecomarketing e sobre a Crimeia. Muito, mas muito menos importante, o ex-prefeito de Novo Hamburgo, Tarcísio Zimmermann, também foi “agraciado” com dois posts, enquanto tentava se reeleger antes de ser cassado devido à Lei da Ficha Limpa.

Em outros três posts, procurei comentar como nossos pensamentos podem ser nossos maiores aliados ou inimigos – “Como a Matrix de Neo e a Caverna de Platão nos Mostram a Realidade”, “Memórias e os Fantasmas do Passado” e “Como Assassinamos Nossos Insights”. Na mesma linha, escrevi mais dois posts – “O Medo” e “A Autossabotagem”.

A culinária vegana manteve seu lugar de destaque – moqueca de tofu, ratatouille, torta de sorvete, estrogonofe ou como preparar proteína texturizada de soja.

Aventurei-me em novos territórios – primeiro escrevi uma história infantil sobre bullying (“A Bruxinha Totute”); depois um poema no meio da “Turbulência” de um voo entre a França e o Brasil; mais um conto de ficção científica dividido em cinco partes sobre a expansão da humanidade em outros sistemas planetários e sua incontrolável ambição (“A Fonte da Juventude de Perennial”). Para finalizar escrevi, na semana passada, uma história que mescla ciência e religião (“Projeto Gaia – Experiência Final”).

Vários posts tiveram como inspiração as manifestações de junho do ano passado. Iniciei com “Os Protestos e a Verdadeira Democracia”, na sequência sugeri como próximo alvo a finada PEC 37/2011. Imaginem como ficaria a investigação da “Operação Lava Jato”, se o poder de investigação do Ministério Público Federal fosse tolhido? A melhoria nos serviços públicos de saúde foi um dos principais alvos dos manifestantes e o governo federal reagiu com a criação do “Programa Mais Médicos” que inspirou um artigo. Em breve, voltarei a escrever sobre a política brasileira.

Tentei desvendar os mistérios da satisfação pessoal em ”Não Esqueçam seus Objetivos Pessoais no Avião” e “Salário Motiva os Funcionários?”.

Questões éticas com animais foram tratadas em “Golfinhos de Guerra” e “Sofrer e Amar não são Exclusividades dos Humanos”.

A sustentabilidade ambiental também teve destaque com artigos sobre reciclagem de metais raros de telefones celulares, reciclagem de fósforo e da influência do consumo de carne na degradação do meio ambiente.

Este blog não é mais somente meu. A Claudia estreou em grande estilo com o post que conta como virou vegetariana, “Eu, a carne e a berinjela…”. Sinto que o respeito aos vegetarianos cresce a cada dia como retratei no post “Vitória Vegetariana”. E aqui entre nós, “Por Que Comer Carne?”.

A Copa do Mundo de Futebol realizada no Brasil em 2014 rendeu dois posts, “A Copa do Mundo Envergonhada” e “Como o Futebol Brasileiro foi Massacrado pelo Alemão”. Dentro da esfera futebolística, publiquei mais dois post “De Volta para o Meu Lugar”, sobre a reabertura do Beira-Rio, e “Fernandão, Vida, Morte e Piscadas”, sobre o morte do ídolo colorado Fernandão.

A seca em São Paulo que ameaça o fornecimento de água à população do estado também inspirou dois posts – “o que fazer quando a água acabar?” e “as medidas que evitariam a crise de abastecimento de água”. Apesar das excelentes chuvas dos últimos dias, o risco continua…

Falei sobre os mais variados assuntos, das “Gambiarras” ao “Portuglish ou Portunglês”, do show de Yusuf Islam em São Paulo aos “Múltiplos Papéis da Mulher no Mundo Atual”, dos conflitos entre judeus e palestinos em “O Escudo Humano” aos problemas da economia americana em “Obama e o Dilema Capitalista”, do racismo contra o goleiro Aranha a “Os Psicopatas, os Hiperativos, os Estranhos e os Normais”. Afinal “As Pessoas são Diferentes – Que Bom!!!”.

Agradeço a todos que acompanham nosso blog, espero críticas e sugestões para os assuntos dos próximos cem posts e lembro, mais uma vez que tento não falhar e fazer “Jornalismo Profundo como um Pires“ e “Eu Não me Chamo “Martho Medeiros”.

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Projeto Gaia – Experiência Final

Um cientista observava atentamente várias telas digitais, onde eram apresentados dados e imagens. Ao seu lado, dezenas de imagens holográficas tridimensionais de moléculas de DNA eram projetadas. Naquele instante, um colega entrou no laboratório, lhe cumprimentou animadamente e perguntou o que ele fazia. A resposta foi lacônica:

– Projeto Gaia!

– Hum… O chefe quer acabar com este projeto! Você é nosso maior especialista em vida sintética. As estruturas de DNA que você cria têm tantas alternativas para ativar e desativar os genes que geram biodiversidade mais rápido do que qualquer outro membro do nosso time. Além disto, você monta sistemas complexos autônomos que possuem equilíbrio e resiliência incríveis. Por que você não larga o “Gaia” e vai para o próximo desafio? O cronograma do Projeto “Nexus Universal” é muito apertado e sem teu conhecimento e competência, não vamos conseguir atender as metas no prazo.

dna hologram

– Tem uma espécie que criei no “Gaia” que é muito interessante, está multiplicando-se cada vez mais rápido, com isto está consumindo recursos e desequilibrando Gaia. Eu já induzi cinco ondas de extinção, Gaia sempre consegue buscar um novo equilíbrio e uma nova biodiversidade é desenvolvida. Desta vez, uma sexta onda de extinção está em andamento causada por esta espécie. Nas outras vezes, eu causei enormes extinções de seres vivos. Já congelei as águas da superfície de Gaia, já aqueci o seu interior até que metal fundido extravasasse na sua superfície, já lancei objetos contra sua superfície – cometas ou meteoritos. Agora é uma espécie, teoricamente a mais evoluída de todas deste sistema, não é um simples vírus, que está ameaçando a vida das demais que coabitam Gaia.

Após a última frase, ele deu um sorriso enigmático e deixou o colega realmente intrigado com aquela situação.

– Mas como uma espécie pode ser mais evoluída e, ao mesmo tempo, destruir o ambiente onde vive, causando sua própria extinção? Isto não faz sentido!

– Eu criei um gatilho do DNA desta espécie que ativa um gene gerador de uma verdadeira compulsão para consumir cada vez mais. Quanto mais come, por exemplo, mais quer comer, incluindo a carne de outros animais. Chega ao ponto de consumir muitos recursos para criar animais somente para alimentá-los, mesmo com uma série de alternativas menos prejudiciais para Gaia. As modificações causadas pela ação desta única espécie estão gerando incríveis desequilíbrios em todo sistema.

– Parece interessante, mas esta experiência ainda pode demorar muito tempo…

– Agora a temperatura média de Gaia está subindo perigosamente. Isto é causado pelos padrões de consumo desta espécie que lança certos gases, como o gás carbônico e o metano, que absorvem a radiação infravermelha, impedindo que o calor saia de sua atmosfera e volte para o espaço. Assim, o gelo da superfície de Gaia está derretendo, suas águas doces estão poluídas e ficando cada vez mais escassas, suas águas salgadas estão ficando mais ácidas, o clima de Gaia está mudando radicalmente e as outras espécies estão desaparecendo. Pode avisar o chefe que esta etapa do teste deve estar concluída em menos de 100 ciclos completos de Gaia.

– Ah bom! Não vai demorar muito. Ele vai gostar desta informação. Pode deixar que eu acalmo a fera. Só me diz mais uma coisa e eu te deixarei em paz até o final deste teu experimento. Como se chama esta espécie terrível que você criou?

– Homem!

– Interessante… Até mais… Tchau!

gaia

O cientista voltou a ficar só em seu laboratório, onde criava novas formas de vida e sistemas complexos de conexão entre seres vivos evoluídos. De repente divagou sobre o que acontecia em Gaia:

– Criei um local inóspito há mais de 4 bilhões de ciclos. Depois criei a vida neste lugar há centenas de milhões de ciclos. Depois de alguns aprimoramentos, vi surgir o Homo sapiens há apenas 100 mil ciclos. Os genes consumistas que poderão causar a destruição da humanidade só foram ativados em grande escala há uns 250 ciclos com a chamada Revolução Industrial.

– Eles não imaginam com são pequenos, são apenas uma experiência no meu laboratório entre tantas deste instituto de pesquisa. Eu sou seu Deus ou seu Alá. Eu sou a tríade de deuses hindus. Fui Brahma ao criar este pequeno universo, mas meu chefe quer que eu seja Shiva e destrua tudo, pois só através da destruição algo novo pode renascer. Torço para que o ser humano se salve, mas, caso ele falhe, serei então Vishnu, protegendo Gaia ativamente, esperando o momento certo para trazer um novo equilíbrio ao ciclo da vida.

Brahma, Vishnu e Shiva

Brahma, Vishnu e Shiva

– De repente senti uma vontade de interferir neste teste e reduzir a expressão deste gene do consumismo. Será que uma ponta de vaidade está se apossando de mim? Será que eu quero continuar a ser o Deus desta estranha espécie?

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Drogas – O Fim da Guerra

Recentemente pessoas de diversos lugares do mundo ficaram chocadas com o desaparecimento e provável assassinato de 43 estudantes no México. Segundo membros do cartel de narcotraficantes, “Guerreros Unidos”, um ônibus com os estudantes foi interceptado pela polícia, quando estava a caminho da cidade de Iguala. Após a prisão, os estudantes foram entregues ao grupo de criminosos que os executou e seus corpos foram queimados. José Luis Abarca Velázquez, o prefeito de Iguala, e sua esposa, María de los Ángeles Pineda Villa, foram apontados como os prováveis autores intelectuais deste crime bárbaro.

Painel com as fotos dos 43 estudantes mexicanos desaparecidos.

Painel com as fotos dos 43 estudantes mexicanos desaparecidos.

O envolvimento de autoridades políticas, policiais e traficantes de drogas infelizmente não é novidade. A corrupção do sistema pode ser explicada pelo tamanho do negócio das drogas ilícitas, um mercado de US$ 300 bilhões por ano.

Por que algumas drogas são lícitas e outras são ilícitas? Álcool, cigarro e açúcar têm consumo permitido; e maconha, cocaína e heroína, não! Você pode ficar surpreso com a inclusão do açúcar no rol das drogas lícitas, mas foi assim que começou minha conversa com Ethan Nadelmann, diretor e fundador da ONG Drug Policy Alliance, durante o TEDGlobal 2014 no Rio de Janeiro. Você pode assistir sua impactante apresentação durante o TED abaixo.

 

Eu estava na mesa do buffet de sobremesas, quando ele chegou. Escolhi alguns doces e disse para ele:

– Dizem que o açúcar vicia mais do que cocaína…

Ele sorriu e concordou. Contou a história de um donut cheio de açúcar e creme que, segundo um comediante americano, dava a sensação que o cérebro iria explodir – efeito semelhante da cocaína. Elogiei a apresentação dele, falamos sobre amenidades e ele disse que estaria em São Paulo na semana seguinte. Comentei sobre o programa da prefeitura paulistana para reintegrar ao convívio social os viciados em crack. Lembrei também da reação da polícia do estado que agiu de forma agressiva, batendo e prendendo usuários de drogas da região da cracolândia de São Paulo. Nadelmann elogiou a iniciativa da prefeitura e disse que, em todo o mundo, a polícia é a maior inimiga da legalização das drogas.

Na sequência, para exemplificar, ele contou a história de um rapaz que criou uma ONG na Colômbia que procurava ajudar dependentes de drogas injetáveis, auxiliando-os a se libertar do vício e, se isto não fosse possível, dando agulhas esterilizadas para evitar a proliferação de doenças, como a AIDS. A atuação desta ONG começou a incomodar os traficantes e os policiais corruptos que faziam parte do esquema. A Justiça Colombiana decidiu proteger a vida do rapaz com policiais honestos e a intimidade entre o protegido e seus protetores começou a crescer. Numa noite, enquanto bebiam cerveja juntos, um dos policiais falou:

– Você é um cara legal! Está fazendo o acredita, é honesto, bem-intencionado, mas eu agiria diferente. Se pudesse, daria um tiro na cabeça de cada um destes viciados e acabava com o problema…

Esta postura lembra o ódio do Capitão Nascimento nutria contra os viciados no primeiro filme da “Tropa de Elite”.

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Capitão Nascimento agride um viciado e diz que ele é o responsável por aquela situação.

 

Os Estados Unidos gastaram US$ 1 trilhão no combate às drogas nos últimos 40 anos. O fracasso é evidente, o consumo de drogas ilícitas só cresce e a violência ligada à atividade atinge níveis impressionantes em várias regiões do mundo como no México.

Nadelmann brincou na sua apresentação que muda de opinião muitas vezes em relação à legalização das drogas:

– Estou dividido: três dias por semana eu acho que sim, três dias por semana eu acho que não, e aos domingos, eu sou agnóstico.

Eu também me sinto dividido, mas vejo que alguns argumentos contra a descriminalização são fracos. Se a proteção à saúde fosse realmente o motivo principal, deveríamos proibir o consumo de álcool, cigarro, açúcar, gorduras saturadas…

Se o argumento é a proteção de nossos filhos em relação à violência, também podemos demonstrar que uma boa dose da violência urbana advém desta guerra antidrogas que vitima muitos inocentes. Além disto, proibir alguma coisa para nossos filhos não é, com certeza, tão efetivo quanto amá-los, educá-los, orientá-los e sermos pais presentes.

Hoje não é permitida a venda de álcool e cigarros para menores de 18 anos. O mesmo critério poderia ser adotado em relação a outras drogas. Em minha opinião, a maconha poderia ser a primeira droga atualmente ilícita a ser liberada e vendida com estas restrições de idade, com cobrança de impostos similar às bebidas alcoólicas destiladas ou cigarros. A maioria das demais drogas poderia ser liberada na sequência de acordo com as peculiaridades de cada uma.

Se a proibição das drogas resolvesse a questão, ninguém nos Estados Unidos beberia álcool. A Lei Seca só serviu para capitalizar a Máfia americana e enriquecer seu líder, Al Capone.

Termino este post, reproduzindo o encerramento da apresentação de Ethan Nadelmann no TEDGlobal que foi aplaudido de pé pela plateia presente.

– Então é a isso que eu tenho dedicado a minha vida para a construção de uma organização e um movimento de pessoas que acreditam que precisamos virar as costas a proibições fracassadas do passado e abraçar novas políticas de drogas baseadas em ciência, compaixão, saúde e direitos humanos, onde as pessoas que vêm de todo o espectro político e todos os outros espectros, onde pessoas que amam as nossas drogas, pessoas que odeiam drogas e pessoas que não dão a mínima para as drogas, mas onde cada um de nós acredite que essa guerra às drogas, este atraso, sem coração, esta guerra desastrosa tem que acabar.

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São Paulo “Atacama” – As Medidas que Evitariam a Crise de Abastecimento de Água

Há um mês escrevi um artigo sobre a situação crítica dos reservatórios de água em São Paulo e a falta de medidas efetivas do governo do estado. Hoje gostaria de comentar as possíveis alternativas técnicas que reduziriam o consumo de água nas residências, escolas, hospitais e empresas.

Começo revisando a tabela que apresentei no mês passado. Como pode ser visto na tabela abaixo, o Sistema Cantareira continua seguindo fielmente a tendência e deve ter a sua primeira reserva consumida integralmente em três semanas, o que está alinhado com a declaração feita na semana passada pela presidente da SABESP, que ironicamente também se chama Dilma. Ela disse que a primeira reserva do Cantareira seria totalmente consumida em meados de novembro, mas o governador Geraldo Alckmin desmentiu a informação e anunciou mais um bônus na conta de água. Uma medida inócua para a gravidade da situação.

Seca_SP_Tabela_21-10-14

O segundo “volume morto” do Sistema Cantareira será consumido em pouco mais de dois meses, se as chuvas não ajudarem. Ou seja, esta reserva terminaria na segunda quinzena de janeiro. A reserva do Sistema Alto Tietê seria consumida até o final de 2014. Também preocupa, nesta nova tabela, a aceleração do consumo nos sistemas Rio Claro e Guarapiranga que seriam totalmente consumidos, respectivamente, até meados de janeiro e final de fevereiro. Ou seja, a situação é gravíssima e, se as chuvas não forem abundantes neste verão, entraremos no período de estiagem com a maioria dos reservatórios vazios.

Independente das chuvas, uma série de medidas deveriam ser implantadas. A primeira e mais óbvia é combater os vazamentos e ligações ilegais. É também inevitável racionar água e, infelizmente, cortar a água para irrigação. Após a seca no verão passado, o governo do estado, com auxílio dos bancos estatais, poderia ter aberto uma linha de financiamento de longo prazo para substituir os sistemas tradicionais de irrigação por sistemas de gotejamento (muito mais eficientes). Agora teremos quebra de safra, especialmente dos hortifrutigranjeiros, com redução da oferta e aumento dos preços.

A captação da água da chuva é outra medida que ajudaria muito. Bastaria encaminhar a água dos terraços e telhados para tanques e cisternas. Esta água seria usada para regar gramados, hortas e jardins ou lavar calçadas. Com ou pequeno tratamento, também poderia ser usada na descarga dos vasos sanitários. Para ter uma ideia do volume de água potável que poderia ser economizado, siga meu raciocínio. A intensidade da chuva é medida em milímetros, onde um milímetro é equivalente a um litro por m². Considere uma casa que ocupe 100 m² de um terreno. Se em um mês de estiagem chovesse apenas 50 mm, esta casa captaria 5 mil litros de água da chuva. Esta é uma medida relativamente simples e poderia ter sido incentivada pelo governo estadual.

como-diminuir-o-consumo-de-agua

Outra forma de economizar água potável é não usá-la na descarga dos vasos sanitários e mictórios. As águas que sobram de atividades domésticas como tomar banho, lavar louça ou roupas são conhecidas como água cinza. Normalmente apresentam baixa contaminação com microrganismos patogênicos e podem ser tratadas, cloradas e usadas nas descargas de vasos.

Alguns efluentes industriais tratados também podem ser usados para irrigação.

Além destas ideias existem milhares de outras. Assista ao vídeo abaixo, onde a universidade peruana UTEC criou um gerador de água potável a partir da umidade do ar e instalou o equipamento em um outdoor na periferia da capital Lima. A produção mensal foi de aproximadamente 3 mil litros por mês e abasteceu uma comunidade carente.

Talvez você possa pensar que agora é tarde demais para implantar projetos e medidas como as listadas acima. Na verdade, nunca é tarde para fazer a coisa certa. Se as medidas que listei neste artigo forem implantadas, seremos muito mais sustentáveis e será possível acelerar a recuperação dos mananciais hídricos do estado, quando as chuvas voltarem. Normalmente as crises são oportunidades para melhorarmos, mas se ficamos inertes, confiando apenas na sorte, o perigo pode crescer ao ponto de inviabilizar nossas atividades ou até mesmo o poderoso estado de São Paulo.

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São Paulo “Atacama” – O Que Fazer Quando a Água Acabar?

Todos sabem que a região sudeste do Brasil está passando por um longo período de estiagem. Os reservatórios que abastecem o estado mais populoso do país, com mais de 40 milhões de habitantes, estão com níveis cada vez menores. No final de semana passado, choveu para a felicidade da maioria, inclusive a minha. Ontem resolvi conferir se os níveis dos reservatórios haviam aumentado e, para meu espanto, a maioria teve redução nos volumes de água.

O Cantareira é um sistema de reservatórios responsável pelo abastecimento da 9 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo. Em maio deste ano, a SABESP (empresa responsável pela captação, tratamento e distribuição de água no estado de São Paulo) iniciou a captação de um volume de reserva d’água do sistema Cantareira, chamado de “volume morto”. Esta medida adicionou ao estoque 182,5 bilhões de litros de água. Todo este volume foi integralmente consumido após quatro meses. Agora se fala em adicionar mais 106 bilhões de litros de água da segunda reserva técnica do Cantareira.

Sistema Cantareira apresenta o nível mais baixo da história

Sistema Cantareira apresenta o nível mais baixo da história

O gráfico e a tabela abaixo apresentam a situação dos reservatórios, sem considerar o uso desta nova reserva no Cantareira e supondo perfil de consumo e reposição semelhante ao atual.

Seca_SP_Grafico

Seca_SP_Tabela

Ou seja, o sistema Alto Tietê secaria antes do final do ano, o Cantareira poderia suportar até o final de janeiro, graças ao uso desta nova reserva, e todo o sistema entraria em colapso no final do primeiro semestre de 2015. Se as chuvas nesta primavera, que inicia hoje, e no próximo verão forem normais, talvez a catástrofe seja adiada por mais alguns meses.

Como a solução deste problema não é rápida ou fácil, a questão que todos fariam é simples:

– Por que ainda não começou racionamento de água no estado e principalmente na região metropolitana, onde vivem mais de 20 milhões de pessoas?

Minha resposta é óbvia:

– O atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, concorre à reeleição e espera vencer no primeiro turno que acontecerá em duas semanas. E esta medida é muito impopular, além de expor uma grave incompetência de sua gestão.

Passada a eleição em São Paulo, o racionamento deverá entrar em vigor e, como sempre, os mais pobres sofrerão mais… Se a situação avançar até o ponto crítico, em algum momento de 2015, poderemos assistir um êxodo urbano sem precedentes na história brasileira! Tudo poderia ser evitado com investimento em redução de perdas, reuso de água e melhor gerenciamento do sistema, mas se preferiu contar com a sorte…

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