Quem mora em São Paulo, deve estar sempre atento às notícias sobre o trânsito. Um pequeno acidente com apenas danos materiais, por exemplo, pode ser responsável por dezenas de quilômetros de lentidão na cidade. Assim, quando saio do escritório, ligo o rádio na Band News para saber como está a situação no meu trajeto. Semanalmente, nesta rádio, existe um quadro chamado “Brasil com S”, no qual estrangeiros que moram no Brasil contam suas histórias pessoais e suas impressões sobre nosso país e sobre seus países de origem.
Algumas destas entrevistas são muito interessantes, outras são apenas engraçadas, enquanto que outras caem no lugar comum e me empurram para alguma emissora que tenha música e boletim de trânsito alternadamente. Há pouco mais de um mês ouvi uma entrevista surpreendente do correspondente de esportes da BBC, Tim Vickery, que mora no Rio de Janeiro.

Tim Vickery
Ele começou a entrevista, afirmando que todos os países são mitos, normalmente criados pela elite. Na sequência, disse que o Brasil moderno iniciou com Getúlio Vargas e, durante o Estado Novo, ele percebeu que seria muito bom criar o mito da felicidade – povo pobre, mas feliz. Para construir esta mentalidade, ele patrocinou manifestações populares, com destaque para o carnaval. Finalmente Vickery entrou no assunto futebol que também definiu com um mito. Citou o mito do futebol ofensivo (leva sete, mas faz oito), mas para o brasileiro o que importa mesmo é ganhar e afirmou que o torcedor brasileiro não é tão fiel assim. Se o time começa a perder, ele não vai mais no estádio, porque o torcedor não quer ter vínculo com a derrota e tem comportamento do tipo:
– Eu torço para este clube, mas este time não me representa.
Citou, como exemplo, a seleção brasileira de futebol de 1950. Definiu o time como espetacular, mas perdeu apenas o último jogo e, durante mais de meio século, nunca permitiram que a derrota fosse esquecida. E arrematou dizendo que, através do futebol, há uma abordagem sociológica muito profunda sobre quem são os brasileiros.

Seleção Brasileira de Futebol – 1950
Eu fiquei impressionado! Muitas vezes, alguém de fora consegue enxergar nossas virtudes e mazelas com mais clareza do que nós mesmos. Sobre a decantada felicidade do povo, Vickery disse que a palavra carente diz mais do que feliz para o estado de espírito dos brasileiros. Isto obviamente gerou polêmica, mas a pessoa carente não é aquela que sempre se acha pior do que as outras e está sempre em busca de aprovação? O brasileiro, ao invés de esperar por manchetes favoráveis dos jornais “The New York Times” e “Washington Post” ou da revista “The Economist” para ficar satisfeito com o país, deveria se orgulhar das coisas boas que temos e lutar para modificar as ruins. Nestes últimos vinte anos, tivemos avanços admiráveis em várias áreas. Em outras, como saúde e educação, progredimos com uma velocidade inferior a desejada. Assim, onde estamos “perdendo”, ao invés de simplesmente desistir e “cornetear”, deveríamos “ir para arquibancada gritar até o time virar o jogo e garantir a vitória”.
No nível dos indivíduos, também podemos tirar conclusões interessantes sobre o comportamento no futebol e no trabalho. Existem aqueles que parecem que ganhar ou perder é indiferente. Só jogam quando recebem a bola, não ajudam o time a se defender ou recuperar a bola. No trabalho, são aqueles que dizem repetidamente que estão fazendo a sua parte.
Outros passam o jogo inteiro reclamando dos colegas de time. Para seus erros sempre existem boas desculpas. No trabalho, não é muito diferente…
Há aqueles que se escondem do jogo, têm a habilidade de estar sempre longe das jogadas. No trabalho, fogem das responsabilidades e se escondem atrás de outros colegas.
Outra categoria é a dos desanimados. Se o outro time é forte e sai vencendo o jogo, já desistem de lutar e tentar reverter o jogo. No trabalho, também desanimam ao enfrentar os primeiros obstáculos.
Tem o jogador-operário, aquele cara que joga para o time e não se preocupa em aparecer, mas nunca foge da batalha. No trabalho, este é aquele colega que todo mundo gosta de conviver, porque costuma apoiar os que estão em dificuldade e pensa em primeiro lugar no time.
Um tipo interessante é o “firuleiro”, aquele jogador que, ao invés de armar um contra-ataque, prefere dar um drible humilhante no adversário e acaba atrasando toda a jogada. Cada jogada transforma-se em demonstração de habilidade, mas com baixa efetividade. No trabalho, adora soluções complexas, porque o simples não demonstraria sua competência.
Uma variação deste último tipo é o “fominha”, aquele cara que não passa bola para nenhum colega de time. Não importa se há um companheiro livre na frente do gol vazio, ele prefere tentar a sorte sozinho. No trabalho, este seria aquele chefe centralizador que não repassa atividades para os subordinados, porque ele só confia em si mesmo.

O fominha
Você acha que existe relação da forma de jogar futebol e trabalhar? Você conhece outro tipo de jogador-colega de trabalho? Como você se enquadraria?
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