Arquivo do mês: junho 2023

A Revolta de Atlas – Francisco D’Anconia e o Dinheiro

Como anunciei no artigo inaugural sobre a “A Revolta de Atlas” (Atlas Shrugged) de Ayn Rand, eu faria novas postagens sobre este livro. Resolvi iniciar por uma das minhas passagens favoritas, o discurso de Francisco D’Anconia sobre o dinheiro.

Francisco D’Anconia é um dos personagens principais do livro. Ele é o herdeiro de uma das maiores fortunas do mundo e é um empresário bem-sucedido que administra a empresa de mineração de cobre de sua família. Durante a festa de aniversário de casamento de outro personagem, o industrial Hank Rearden, ao ouvir alguns convidados falando mal do dinheiro, D’Anconia faz um discurso a favor.

Antes de entrar no discurso em si, gostaria de comentar as três funções do dinheiro: meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. O dinheiro é usado como meio de troca para facilitar a compra e venda entre pessoas e empresas. Nos primórdios, o comércio era realizado através de escambo. Imagina como algumas transações eram complexas… O dinheiro é usado também como reserva de valor, permitindo que as pessoas e empresas economizem e guardem valor ao longo do tempo. Com esta reserva, pode-se realizar investimentos, como adquirir bens e serviços de valor mais elevado. O dinheiro também é usado como unidade de conta para facilitar a comparação de preços e valores. Assim, pode-se calcular o custo total de um produto para determinar seu preço mínimo de venda ou saber qual o custo de vida mensal de uma família.

D’Anconia afirma que o dinheiro é o meio de troca universal que permite que as pessoas possam realizar suas trocas de bens e serviços de maneira mais eficiente e produtiva. Esta primeira função do dinheiro é apresentada em detalhes e como a oferta e procura determinam os valores dos bens materiais e serviços. Como o dinheiro vale o mesmo na mão de cada indivíduo, sem intervenções dos governos, ele torna-se um símbolo da liberdade humana. Todas as transações são guiadas pelo livre-arbítrio. Deste modo, o dinheiro é apenas um instrumento, não é o mal em si mesmo. O verdadeiro problema são a forma e o propósito como as pessoas utilizam o dinheiro para obter poder e controle sobre outras pessoas.

D’Anconia enfatiza que a única forma de alcançar a verdadeira liberdade e prosperidade é através da produção e do comércio honestos, baseados em valores objetivos e não em manipulações políticas. Ele conclui seu discurso afirmando que deseja que as pessoas percebam que o dinheiro é um fator essencial na conquista da felicidade e da realização pessoal.

Concordo com esta linha de ver o dinheiro apenas como um meio ou instrumento. Realmente existe influência de algumas religiões e linhas de pensamento de esquerda que consideram o dinheiro como algo sujo ou impuro. Esta crença prejudica sensivelmente as vidas de muitas pessoas que, muitas vezes, se sentem culpadas ao receber dinheiro como justa contrapartida à venda de um produto ou serviço. Sentem culpa pela própria prosperidade.

O dinheiro é o sangue do tecido social. Ele é necessário para a economia funcionar, permitindo que as pessoas adquiram bens e serviços, invistam em empresas e poupem para o futuro. Na ausência de dinheiro, as relações sociais seriam significativamente afetadas, com impactos negativos na qualidade de vida das pessoas. Por isso, é fundamental garantir acesso igualitário ao dinheiro e promover sua circulação saudável na sociedade.

Por outro lado, Ayn Rand, através de seu personagem, tem uma visão utópica, pois não dá o devido peso às imperfeições do mercado com seus cartéis, lobbies e assimetria de informações, para a prática de produção e comércio honestos. Sem dúvida, estas imperfeições desequilibram a balança para o lado dos que possuem poder econômico ou político.

A seguir transcrevo uma parte muito interessante do discurso de D’Anconia.

“O dinheiro se baseia no axioma de que todo homem é proprietário de sua mente e de seu trabalho. O dinheiro não permite que nenhum poder prescreva o valor do seu trabalho, senão a escolha voluntária do homem que está disposto a trocar com você o valor do trabalho dele. O dinheiro permite que você obtenha em troca dos seus produtos e do seu trabalho aquilo que esses produtos e esse trabalho valem para os homens que os adquirem, nada mais que isso. O dinheiro só permite os negócios em que há benefício mútuo segundo o juízo das partes voluntárias. O dinheiro exige o reconhecimento de que os homens precisam trabalhar em benefício próprio, não em detrimento de si próprios. Para lucrar, não para perder. De que os homens não são bestas de carga, que não nascem para arcar com o ônus da miséria. De que lhes é preciso oferecer valores, não dores. De que o vínculo comum entre os homens não é a troca de sofrimentos, mas a troca de bens.”

Esta passagem defende o capitalismo consciente, onde se busca um equilíbrio entre as relações, um ganha-ganha, no qual o lado mais forte não explora ou deprecia o trabalho do lado mais fraco. O Liberalismo de Ayn Rand possui um fundo moral, onde a riqueza é obtida de forma ética, sem exploração dos funcionários das empresas.

Pilares do Capitalismo Consciente

“A riqueza é produto da capacidade humana de pensar.”

No tempo de Ayn Rand, o capitalismo financeiro não era tão importante. Ela não aprovaria o dinheiro oriundo de mera especulação financeira. A riqueza deveria ser a expressão da capacidade humana de pensar e agir na agricultura, na indústria ou nos serviços.

Neste contexto, “só o homem que não precisa da fortuna herdada merece herdá-la – aquele que faria sua fortuna de qualquer modo, mesmo sem herança”. Novamente Ayn Rand liga o dinheiro ao devido merecimento que é um fator importante para a felicidade e realização pessoal.

Destaco a parte final da música Money do Pink Floyd:

Money, it’s a crime
Share it fairly but don’t take a slice of my pie.
Money, so they say
Is the root of all evil today
But if you ask for a raise it’s no surprise that they’re
Giving none away

Acredito que o dinheiro em si não é a “raiz de todo o mal hoje”, mas sim a ambição cega por dinheiro e poder.

Nas próximas semanas, comentarei os discursos de outros personagens do livro “A Revolta de Atlas”.

2 Comentários

Arquivado em Arte, Ética, Economia, Filosofia, Geral, História, linkedin, Literatura, Política, Psicologia, Religião

Como a Falta ou o Excesso de Propósito Podem Ser Devastadores

Eu tenho visto cada vez mais especialistas e gurus, falando sobre a importância de se ter um propósito na vida. Esta orientação não é válida apenas para as pessoas físicas (PF), como também para as empresas (PJ). O propósito é um objetivo maior, de longo prazo, não é somente ganhar dinheiro, adquirir um bem ou fazer uma viagem. Estes exemplos podem ser metas de curto e médio prazos que apoiam um objetivo maior de longo prazo.

Há alguns anos, escrevi um artigo sobre o psiquiatra austríaco Viktor Frankl. Ele percebeu que as pessoas que resistiam aos horrores dos campos de concentração nazistas eram as que tinham um sentido maior para suas vidas, um propósito. Estes propósitos estavam além das suas próprias existências, impactavam positivamente pessoas próximas, grupos maiores ou, até mesmo, toda a humanidade.

Viktor Emil Frankl

Pessoas com propósitos desejam deixar legados positivos no mundo. Se existe algo maior além do horizonte, fica mais fácil suportar os períodos mais difíceis e superá-los, extraindo aprendizados.

Quando falta propósito, um objetivo significativo na vida, todos os dias são tediosamente ou desesperadamente iguais. Onde deveria estar o propósito há apenas um vazio que traz apatia e indiferença pelo que acontece ao redor. Deste estado depressivo, podem surgir alternativas para preencher o vazio da vida, como distrações, drogas ou seguir cegamente líderes, religiões e ideologias políticas.

As pessoas com propósitos podem trabalhar em empresas que não tenham os mesmos objetivos. Deste desalinhamento, pode nascer uma frustração crescente que leva a desmotivação do funcionário. Nestes casos, o melhor a fazer é procurar outra ocupação.

Mas pode haver também excesso de propósito? Minha resposta é sim. E as consequências podem ser muito graves. Nestes casos, o objetivo é tão rígido que impede que o entorno seja percebido. Pessoas com esta mentalidade pensam e conversam, quase que exclusivamente, sobre seu objetivo maior. Perdem o repertório, tornam-se os chatos nas rodas de conversa. Suas vidas passam a se resumir a esta busca incessante. Família, amizades e lazer são relegados a um plano muito inferior de importância. Qualquer atividade que as afaste, mesmo que momentaneamente, do seu propósito causam ansiedade e culpa. No final, estas pessoas ficam tão obcecadas que podem destruir seus relacionamentos e acabarem isoladas e doentes.

Pequenas empresas e startups, onde os donos são a empresa, podem sofrer também deste mal. Muitas oportunidades não são perseguidas, porque seus líderes estão cegos e inflexíveis pelo propósito inicial. No final, a empresa quebra e boas ideias são desperdiçadas.

Como tudo na vida, o equilíbrio é essencial. Devemos estar atentos e periodicamente analisarmos se nosso propósito de vida ainda faz sentido. Por outro lado, não podemos agir como “birutas” que mudam de direção conforme os ventos.

Deixe um comentário

Arquivado em Ética, Filosofia, Geral, Gerenciamento de Projetos, Gestão de Pessoas, linkedin, Psicologia, Saúde