Arquivo da tag: Vishnu

Projeto Gaia – Experiência Final

Um cientista observa atentamente várias telas digitais, onde eram apresentados dados e imagens. Ao seu lado, dezenas de imagens holográficas tridimensionais de moléculas de DNA eram projetadas. Naquele instante, um colega entrou no laboratório, lhe cumprimentou animadamente e perguntou o que ele estava fazendo. A resposta foi lacônica:

– Projeto Gaia!

– Humm… O chefe quer acabar com este projeto! Você é nosso maior especialista em vida sintética. As estruturas de DNA que você cria têm tantas alternativas para ativar e desativar os genes que geram biodiversidade mais rápido do que qualquer outro membro do nosso time. Além disto, você monta sistemas complexos autônomos que possuem equilíbrio e resiliência incríveis. Por que você não larga o “Gaia” e vai para o próximo desafio? Parece que o cronograma do Projeto “Nexus Universal” é muito apertado e sem teu conhecimento e competência, não vamos conseguir atender as metas no prazo…

dna hologram

– Tem uma espécie que criei no “Gaia” que é muito interessante, está multiplicando-se cada vez mais rápido, com isto está consumindo recursos e desequilibrando Gaia. Eu já induzi cinco ondas de extinção, Gaia sempre consegue buscar um novo equilíbrio e uma nova biodiversidade é desenvolvida. Desta vez, uma sexta onda de extinção está em andamento causada por esta espécie. Nas outras vezes, eu causei enormes extinções de seres vivos. Já congelei as águas da superfície de Gaia, já aqueci o seu interior até que metal fundido extravasasse na sua superfície, já lancei objetos contra sua superfície – cometas ou meteoritos. Agora é uma espécie, teoricamente a mais evoluída de todas deste sistema, não é um simples vírus, que está ameaçando a vida das demais que coabitam Gaia.

Após a última frase, ele deu um sorriso enigmático e deixou o colega realmente intrigado com aquela situação.

– Mas como uma espécie pode ser mais evoluída e, ao mesmo tempo, destruir o ambiente onde vive, causando sua própria extinção? Isto não faz sentido!

– Eu criei um gatilho do DNA desta espécie que ativa um gene gerador de uma verdadeira compulsão para consumir cada vez mais. Quanto mais come, por exemplo, mais quer comer, incluindo a carne de outros animais. Chega ao ponto de consumir muitos recursos para criar animais somente para alimentá-los, mesmo com uma série de alternativas menos prejudiciais para Gaia. As modificações causadas pela ação desta única espécie estão gerando incríveis desequilíbrios em todo sistema.

– Parece interessante, mas esta experiência ainda pode demorar muito tempo…

– Agora a temperatura média de Gaia está subindo perigosamente. Isto é causado pelos padrões de consumo desta espécie que lança certos gases, como o gás carbônico e o metano, que absorvem a radiação infravermelha, impedindo que o calor saia de sua atmosfera e volte para o espaço. Assim, o gelo da superfície de Gaia está derretendo, suas águas doces estão poluídas e ficando cada vez mais escassas, suas águas salgadas estão ficando mais ácidas, o clima de Gaia está mudando radicalmente e as outras espécies estão desaparecendo. Pode avisar o chefe que esta etapa do teste deve estar concluída em menos de 100 ciclos completos de Gaia.

– Ah bom! Não vai demorar muito. Ele vai gostar desta informação. Pode deixar que eu acalmo a fera. Só me diz mais uma coisa e eu te deixarei em paz até o final deste teu experimento. Como se chama esta espécie terrível que você criou?

– Homem!

– Interessante… Até mais… Tchau!

gaia

O cientista voltou a ficar só em seu laboratório, onde criava novas formas de vida e sistemas complexos de conexão entre seres vivos evoluídos. De repente divagou sobre o que acontecia em Gaia:

– Criei um local inóspito há mais de 4 bilhões de ciclos. Depois criei a vida neste lugar há centenas de milhões de ciclos. Depois de alguns aprimoramentos, vi surgir o Homo sapiens há apenas 100 mil ciclos. Os genes consumistas que poderão causar a destruição da humanidade só foram ativados em grande escala há uns 250 ciclos com a chamada Revolução Industrial.

– Eles não imaginam com são pequenos, são apenas uma experiência no meu laboratório entre tantas deste instituto de pesquisa. Eu sou seu Deus ou seu Alá. Eu sou a tríade de deuses hindus. Fui Brahma ao criar este pequeno universo, mas meu chefe quer que eu seja Shiva e destrua tudo e comece algo novo. Torço que o ser humano se salve, mas, caso ele não consiga evoluir rápido o suficiente, serei o terceiro deus hindu, Vishnu, e manterei Gaia viva a espera da evolução de novas espécies, daqui uns milhões de ciclos, que saibam cuidar bem de suas maravilhas.

Brahma, Vishnu e Shiva

Brahma, Vishnu e Shiva

– De repente senti uma vontade de interferir neste teste e reduzir a expressão deste gene do consumismo. Será que uma ponta de vaidade está se apossando de mim? Será que eu quero continuar a ser o Deus desta estranha espécie?

Publicidade

1 comentário

Arquivado em Animais, Ética, Filosofia, História, Inovação, linkedin, Meio Ambiente, Religião, Tecnologia

A Vida de Pi

Fui assistir no cinema ao filme “As Aventuras de Pi” de Ang Lee nesta semana. Além de uma belíssima fotografia realçada pela profundidade obtida pelo efeito 3D, a história é incrível. Este é daqueles filmes em que as pessoas saem silenciosas, pensando no que viram… Veja o trailer abaixo.

Life of Pi

Vou começar pelo início, o título é mais uma destas versões infelizes, o original está muito mais adequado “Life of Pi”, porque apresenta a visão autobiográfica do protagonista da infância até a entrevista com a empresa japonesa que investigava as razões do naufrágio do navio em que ele viajaria da Índia ao Canadá.

Cartaz do Filme

Cartaz do Filme

Piscine Molitor Patel (Pi Patel) cresce com os pais e o irmão mais velho em um zoológico no interior da Índia. Neste período, através da sua mãe, ele tem contato e se torna adepto do Hinduísmo, cultuando em especial Brahma, o criador do universo, e Vishnu, seu conservador. Na sequência, tem contato com o Cristianismo, através de um padre, e passa a ter admiração por Jesus. Depois se torna mulçumano sem abandonar a fé pelas duas outras religiões. Seu pai é racionalista e diz que as religiões são trevas, esta opinião foi forjada quando, na infância, ele teve poliomielite e não foi curado por Deus e sim pela medicina ocidental. Durante um jantar, diz que a humanidade evoluiu muito mais por causa da tecnologia do que pela religião. Sua mãe contra-argumentou que a tecnologia explica o que acontece fora das pessoas, mas a fé ajuda a entender o que acontece no coração de cada um.

Vishnu

Vishnu

Quando recebem um tigre para o zoológico, chamado Richard Parker, Pi resolve alimentá-lo, segurando na mão um pedaço de carne. O tigre aproxima-se, enquanto Pi olha fixamente nos olhos da fera. Na hora “h”, seu pai chega e o puxa para longe da jaula. Pi argumenta que os animais tem alma e ele tinha visto isto olhos do tigre. Seu pai fala que os animais agem diferentemente dos humanos e que seu filho tinha visto apenas o reflexo de seus próprios sentimentos. Reflexo é uma palavra chave no filme!

Seu pai resolve emigrar para o Canadá, vendendo todos seus animais neste país. Na viagem, o navio afunda durante uma forte tempestade e os únicos sobreviventes em um bote salva-vidas são Pi, uma zebra com a pata quebrada, uma hiena, uma orangotango fêmea e o tigre Richard Parker. O nome do navio, Tsimtsum, também não foi escolhido ao acaso, na cabala judaica, significa a contração da luz infinita de Deus, formando um “espaço vazio” em que um mundo finito e aparentemente independente poderia existir. No filme, o naufrágio do Tsimtsum criou um espaço para o mundo finito (bote) de Pi.

Pi e Richard Parker no bote

Pi e Richard Parker no bote

O vegetariano Pi se obriga a matar e comer peixes, passa por inúmeras privações junto com o tigre Richard Parker que é dessedentado e alimentado por ele. Mesmo assim eles nunca se tornaram amigos, mas Pi credita ao tigre uma parcela importante da sua sobrevivência por tê-lo mantido alerta durante todo o tempo.

Ao enfrentar uma grande tempestade no bote, ele tem um momento de deslumbramento e terror. Nesta ocasião e depois de um tempo, quando já estava cansado e desnutrido, ele sente a morte aproximando-se e oferece sua alma a Vishnu. Finalmente chega a uma praia mexicana, o tigre desce do bote, caminha em direção de uma floresta e simplesmente desaparece.

Tigre Richard Parker indo embora...

Tigre Richard Parker indo embora…

A segunda versão da história relatada por PI para os japoneses responsáveis pela investigação do acidente nos faz compreender o que realmente aconteceu. A conclusão sobre o filme pode ser superficial ou profunda, simples ou complexa, conforme a interpretação de cada um. Todos temos dentro de nós um tigre e podemos desempenhar inúmeros papéis, dependendo da situação. Não nos orgulhamos, ou até mesmo nos arrependemos, de alguns destes papéis, por isso tentamos enjaular nossos tigres. Por outro lado, o exterior (céu, oceano ou um ente supremo) não trouxe respostas ou alimentou o divino para Pi. Nenhuma das três religiões que ele seguia lhe mostrou um caminho, apenas sua força e fé internas lhe mantiveram vivo. Em determinado momento do filme, Pi Patel já adulto disse:

– A fé é uma casa de muitos quartos.

Ou seja, o importante é cultivar uma espiritualidade, independente de religião, etnia e influência política ou social. Deve ser autêntico e genuíno de cada pessoa! E como aconselhou Santosh Patel, o pai do Pi, ao seu filho:

– Não siga nada cegamente!

Eu completaria ainda, nem nossos próprios pensamentos devem ser seguidos cegamente…

1 comentário

Arquivado em Animais, Arte, Cinema, Filosofia, Lazer, linkedin, Psicologia, Religião