Fui assistir no cinema ao filme “As Aventuras de Pi” de Ang Lee nesta semana. Além de uma belíssima fotografia realçada pela profundidade obtida pelo efeito 3D, a história é incrível. Este é daqueles filmes em que as pessoas saem silenciosas, pensando no que viram… Veja o trailer abaixo.
Vou começar pelo início, o título é mais uma destas versões infelizes, o original está muito mais adequado “Life of Pi”, porque apresenta a visão autobiográfica do protagonista da infância até a entrevista com a empresa japonesa que investigava as razões do naufrágio do navio em que ele viajaria da Índia ao Canadá.
Piscine Molitor Patel (Pi Patel) cresce com os pais e o irmão mais velho em um zoológico no interior da Índia. Neste período, através da sua mãe, ele tem contato e se torna adepto do Hinduísmo, cultuando em especial Brahma, o criador do universo, e Vishnu, seu conservador. Na sequência, tem contato com o Cristianismo, através de um padre, e passa a ter admiração por Jesus. Depois se torna mulçumano sem abandonar a fé pelas duas outras religiões. Seu pai é racionalista e diz que as religiões são trevas, esta opinião foi forjada quando, na infância, ele teve poliomielite e não foi curado por Deus e sim pela medicina ocidental. Durante um jantar, diz que a humanidade evoluiu muito mais por causa da tecnologia do que pela religião. Sua mãe contra-argumentou que a tecnologia explica o que acontece fora das pessoas, mas a fé ajuda a entender o que acontece no coração de cada um.
Quando recebem um tigre para o zoológico, chamado Richard Parker, Pi resolve alimentá-lo, segurando na mão um pedaço de carne. O tigre aproxima-se, enquanto Pi olha fixamente nos olhos da fera. Na hora “h”, seu pai chega e o puxa para longe da jaula. Pi argumenta que os animais tem alma e ele tinha visto isto olhos do tigre. Seu pai fala que os animais agem diferentemente dos humanos e que seu filho tinha visto apenas o reflexo de seus próprios sentimentos. Reflexo é uma palavra chave no filme!
Seu pai resolve emigrar para o Canadá, vendendo todos seus animais neste país. Na viagem, o navio afunda durante uma forte tempestade e os únicos sobreviventes em um bote salva-vidas são Pi, uma zebra com a pata quebrada, uma hiena, uma orangotango fêmea e o tigre Richard Parker. O nome do navio, Tsimtsum, também não foi escolhido ao acaso, na cabala judaica, significa a contração da luz infinita de Deus, formando um “espaço vazio” em que um mundo finito e aparentemente independente poderia existir. No filme, o naufrágio do Tsimtsum criou um espaço para o mundo finito (bote) de Pi.
O vegetariano Pi se obriga a matar e comer peixes, passa por inúmeras privações junto com o tigre Richard Parker que é dessedentado e alimentado por ele. Mesmo assim eles nunca se tornaram amigos, mas Pi credita ao tigre uma parcela importante da sua sobrevivência por tê-lo mantido alerta durante todo o tempo.
Ao enfrentar uma grande tempestade no bote, ele tem um momento de deslumbramento e terror. Nesta ocasião e depois de um tempo, quando já estava cansado e desnutrido, ele sente a morte aproximando-se e oferece sua alma a Vishnu. Finalmente chega a uma praia mexicana, o tigre desce do bote, caminha em direção de uma floresta e simplesmente desaparece.
A segunda versão da história relatada por PI para os japoneses responsáveis pela investigação do acidente nos faz compreender o que realmente aconteceu. A conclusão sobre o filme pode ser superficial ou profunda, simples ou complexa, conforme a interpretação de cada um. Todos temos dentro de nós um tigre e podemos desempenhar inúmeros papéis, dependendo da situação. Não nos orgulhamos, ou até mesmo nos arrependemos, de alguns destes papéis, por isso tentamos enjaular nossos tigres. Por outro lado, o exterior (céu, oceano ou um ente supremo) não trouxe respostas ou alimentou o divino para Pi. Nenhuma das três religiões que ele seguia lhe mostrou um caminho, apenas sua força e fé internas lhe mantiveram vivo. Em determinado momento do filme, Pi Patel já adulto disse:
– A fé é uma casa de muitos quartos.
Ou seja, o importante é cultivar uma espiritualidade, independente de religião, etnia e influência política ou social. Deve ser autêntico e genuíno de cada pessoa! E como aconselhou Santosh Patel, o pai do Pi, ao seu filho:
– Não siga nada cegamente!
Eu completaria ainda, nem nossos próprios pensamentos devem ser seguidos cegamente…
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