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As Gaiolas e o Voo do Corvo

Nossas vidas são repletas de gaiolas. Cobiçamos que elas sejam seguras, confortáveis e que haja boa comida, bebidas e prazeres à vontade. Ficamos mais confortáveis ainda se as grades estão escondidas ou camufladas. Assim, mesmo presos, cultivamos a ilusão da liberdade e não desejamos sair. Ninguém entende os “loucos” que ousam sair de uma gaiola confortável em busca de seus sonhos, em busca de algo que traga sentido às suas vidas.

Nos últimos anos, sinto a premência de atuar nas áreas onde realmente eu possa contribuir para fazer mudanças significativas. Fazer mais do mesmo não é aceitável para um homem com 57 anos. Quero ajudar a construir um mundo melhor para as próximas gerações do que este em que vivemos hoje.

A decisão de deixar uma posição profissional com carteira assinada, bom salário e benefícios, onde tenho um bom relacionamento com chefes, pares e demais colegas não foi fácil. Foi uma trajetória que durou alguns meses.

O gatilho final aconteceu durante um filme que assisti no Netflix, o musical “Tick, Tick… Boom!”, baseado no show off-Broadway de mesmo nome de Jonathan Larson, autor de “Rent”. Havia uma música cantada por Andrew Garfield, “Louder Than Words” que me fez pensar na minha vida e nas últimas escolhas feitas. O refrão gritava na minha alma.

Cage or wings?

Which do you prefer?

Ask the Birds

E na sequência vinha a punhalada final…

Actions speak louder than words

Minha negociação foi longa e teve idas e vindas. Num certo momento, resolvi tatuar na minha pele uma representação da minha decisão para relembrá-la todas as manhãs ao me olhar no espelho. Não podia capitular!

No início da semana passada, enviei minha carta de demissão para a empresa onde trabalhei nos últimos três anos. Sou muito grato por tudo que recebi em troca neste período, incluindo meu longo período de home office durante a pandemia. Só voltei ao trabalho presencial após receber a segunda dose da vacina. Nunca fui pressionado para voltar antes.

Nos últimos seis meses, iniciei um MBA em ESG (ambiental, social e governança) e fiz um curso de Lean Governance (governança enxuta para startups). Quero trabalhar com inovação e sustentabilidade até o fim…

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Introduzindo “A Revolta de Atlas” de Ayn Rand e Por Que os Conservadores Brasileiros Não Exaltam Sua Autora?

Enfim terminei a leitura das mais de 1.200 páginas do livro “A Revolta de Atlas” (Atlas Shrugged) de Ayn Rand. Este livro foi a última obra de ficção desta autora que após sua publicação passou a escrever livros apenas para divulgar sua própria filosofia, o Objetivismo. Ela iniciou a redação em 1946 e concluiu dez anos depois. Conta-se que ela demorou dois anos somente para finalizar o discurso de John Galt que apresenta as bases do Objetivismo. A primeira edição foi publicada nos Estados Unidos em outubro de 1957.

Este é o primeiro artigo de uma nova série que publicarei no blog. Diferentemente da série sobre o livro “As Seis Lições” de Ludwig Von Mises, iniciarei com algumas considerações sobre Ayn Rand e as razões que a impedem de ser popular entre os conservadores brasileiros.

Ayn Rand nasceu na Rússia em 1905, antes da Revolução Bolchevique, cresceu sob o regime comunista soviético, viajou ainda jovem para visitar parentes nos Estados Unidos e nunca mais voltou para seu país de origem. Sua filosofia privilegia o individualismo, o egoísmo e a razão em detrimento dos sentimentos. Ela considera o altruísmo definitivamente um mal.

Ayn Rand

Deste modo, ela tornou-se um ícone do Liberalismo clássico, defendendo o Estado mínimo que teria como função somente e tão somente a segurança (interna e externa do país) e a Justiça. E tudo mais seria realizado pela iniciativa privada. Ou seja, não é função do Estado cuidar, por exemplo, de educação, saúde, assistência social, saneamento básico e infraestrutura básica. O sucesso dos indivíduos, obtido através de um competente esforço egoísta, traria prosperidade para toda sociedade. Os Estados Unidos seriam o melhor exemplo deste modelo. Como podemos perceber suas ideias estão muito bem alinhadas aos pensamentos do economista liberal austríaco Ludwig Von Mises.

Rand escreveu seu livro para defender seus pontos de vista e o Objetivismo. Na reta final do livro, há o longo discurso de 70 páginas do personagem principal, John Galt, sobre o racionalismo, egoísmo e toda a filosofia. Além deste extenso texto, em outras passagens personagens abordam inúmeras questões sensíveis: Francisco d’Anconia fala sobre o dinheiro; o “pirata” Ragnar Danneskjöld define-se como um anti-Robin Hood e defende a meritocracia; Ellis Wyatt defende a riqueza. Analisarei estes discursos nos próximos artigos.

O livro trata da reação de empresários, cientistas e artistas que desaparecem em um ambiente de intervenção estatal crescente nos Estados Unidos do futuro. Está divido em três partes com dez capítulos cada. Em alguns capítulos a história prende e a leitura é fluida; em outras, a leitura é maçante. Existem repetições exaustivas de algumas situações, como se a autora quisesse gravar em nossas mentes sua concepção de mundo. Seguramente poderia haver um bom enxugamento no conteúdo do livro.

Pode-se afirmar que o livro possui quatro personagens principais: três masculinas – John Galt, Francisco d’Anconia e Hank Rearden) – e uma feminina, Dagny Taggart. Dagny era a vice-presidente de operações (hoje chamaríamos COO) da ferrovia Taggart Transcontinental. Ela era uma mulher independente, competente, ética e determinada. Incrivelmente Dagny teve relacionamentos amorosos com os três personagens principais masculinos. Desconfio que Dagny seja alter ego de Ayn Rand…

Em meados da década de 1950, Rand teve um caso amoroso com o psicanalista Nathaniel Branden, vinte e cinco anos mais jovem do que ela. Segundo algumas informações, seus cônjuges tinham conhecimento do fato. Ou seja, Ayn Rand não se encaixa no padrão princesa que se casa com o príncipe encantado para formar uma “família tradicional”.

Ayn Rand e seu marido no casamento de Nathaniel Branden (Fonte: The New York Times)

Além disso, ela era ateia, considerava que havia apenas uma vida. Deste modo, considerava que havia apenas esta vida para o homem buscar seu “maior propósito moral”: alcançar sua própria felicidade.

Também era contra a proibição do aborto por restringir a opção das mulheres e a busca pela felicidade. O embrião não teria direitos inicialmente, o direito à vida só iniciaria a partir do nascimento. E era favorável a descriminalização das drogas por defender o direito de escolha dos indivíduos.

Sua visão sobre as religiões era extremamente negativa. Dizia que os “místicos do espírito” (religiosos) pedem que o sofrimento presente seja suportado para receber a compensação em outra dimensão. Defendia a completa separação entre Estado e religião. Para exemplificar a coerência de suas posições, Rand se recusou a votar no liberal Ronald Reagan para presidente dos Estados Unidos, na década de 1980, devido a sua posição antiaborto e a favor da religião.

Ex-Presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan

No livro, durante o longo discurso de John Galt, há uma passagem sobre a não-violência que transcrevo abaixo.

“Tudo está aberto à discordância, menos um ato mau, o ato que homem nenhum pode cometer contra os outros, aprovar nem perdoar. Enquanto os homens quiserem viver em comunidade, nenhum homem pode tomar a iniciativa – estão me ouvindo? –, nenhum homem pode tomar a iniciativa de usar a força física contra os outros.

Interpor a ameaça da destruição física entre o homem e sua percepção da realidade é negar e paralisar seu meio de sobrevivência. Forçá-lo a agir contra seu discernimento é como forçá-lo a agir contra sua própria visão. Todo aquele que, com qualquer objetivo e em qualquer grau, tome a iniciativa de lançar mão da força, é um assassino que parte da premissa da morte, mais ainda do que o assassino propriamente dito: a premissa de destruir a capacidade de viver do homem.

Não venham me dizer que sua mente os convenceu de que vocês têm o direito de forçar minha mente A força e a mente são coisas opostas. A moralidade termina onde começa a força da arma”.

Sem dúvida, além da violência física, todas as formas de coação, chantagem e assédios são condenadas.

Assim fica difícil para os conservadores brasileiros exaltarem Ayn Rand, porque ela era uma mulher defensora da liberação sexual, a favor do aborto, antirreligiosa, a favor da descriminalização das drogas e defensora ampla da não-violência.

Outro ponto é a separação entre o público e o privado. Nas páginas da “Revolta de Atlas”, existem inúmeros casos de empresários que buscam privilégios através de suas relações com o Governo. Este tipo de conluio é execrado por Rand. Em um Estado mínimo, as empresas deveriam vencer a competição no mercado exclusivamente através de seus próprios méritos, sem ajudas ou reservas de mercado. Nós sabemos como muitos empresários brasileiros atuam com lobbies no Executivo e no Legislativo para favorecer seus negócios, restringindo a livre concorrência, são os falsos liberais.

Nos próximos artigos, abordarei outros pontos como as mensagens subliminares do livro, o Objetivismo, o egoísmo ético e o Liberalismo Laissez-faire de Rand.

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Matrix Resurrections – A Fuga da Obviedade

Na última semana do ano, eu e minha filha, Júlia, fomos ao cinema assistir a Matrix Resurrections. Desde que vi, em setembro, o primeiro trailer oficial com trilha sonora da música White Rabbit da banda Jefferson Airplane, jurei que não perderia oportunidade de “voltar à Matrix”.

Todos os comentários que detonaram o filme causam-me um certo estranhamento. Afinal o filme não era tão ruim para ser atacado de formas tão incisivas. Eu considero um bom filme, nota 7,0 ou 7,5. Por outro lado, não foram atendidas as expectativas destas pessoas. Ou, talvez, as expectativas eram elevadas demais.

Matrix (1999) é uma obra-prima das, hoje, irmãs Wachowski. Este é um filme que transcendeu o cinema e, em muitos aspectos, foi absorvido pela cultura popular. Já escrevi um artigo onde comparo a Matrix com a alegoria da Caverna de Platão. As duas continuações, lançadas em 2003, não chegam perto da qualidade e profundidade filosófica do primeiro filme. Provavelmente, as cenas de ação sejam as maiores lembranças dos dois últimos filmes da trilogia.

Mesmo assim, em Matrix Reloaded, há um espetacular diálogo entre Neo e o Arquiteto (criador da Matrix), quando ele classifica Neo como o resultado de uma anomalia da Matrix. Também informa que aquela era a sexta versão da Matrix. No final, o Arquiteto avisa que Zion, cidade onde vivem os últimos humanos livres, será destruída novamente e Neo teria a missão de selecionar algumas mulheres e alguns poucos homens para reiniciar o processo. Mas, naquele exato momento seu amor, Trinity, estava correndo sério risco de vida. Então Neo opta por salvar Trinity. Logicamente, esta opção não faria sentido, porque, no caso de desaparecimento da humanidade, ele e Trinity também morreriam. O Arquiteto avalia brilhantemente a escolha de Neo:

“Esperança. É a quintessência da auto-ilusão humana, simultaneamente, a fonte de sua maior força e de sua maior fraqueza.”

Quando revi recentemente o terceiro filme, Matrix Revolutions, existe um diálogo entre Neo e o agente Smith em uma das últimas cenas. Agente Smith quer entender o motivo que Neo continuava lutando mesmo sabendo que seria derrotado. A resposta de Neo é simples e marcante e vale por todo o filme:

“Porque eu escolhi (Because I choose to)!”

Esta é uma expressão clara do livre arbítrio. Voltarei a este ponto específico, durante a análise do novo filme.

Decidi que escreveria este artigo somente após rever o filme na HBO Max. Deste modo, pude confirmar algumas impressões e ver outros pontos que passaram despercebidos na primeira vez.

Em primeiro lugar, o filme não foi desrespeitoso com a trilogia. Em minha opinião, foi um grande tributo. A solução para trazer de volta Neo e Trinity foi muito aceitável. As mudanças da nova versão da Matrix e a paz entre humanos e máquinas também são apresentados. Certamente, as informações são insuficientes para aqueles que não se lembram ou não assistiram os filmes anteriores, mas não era este o público da esmagadora maioria dos espectadores.

A rejeição injusta não veio dos neófitos da Matrix, mas daqueles que são fãs desta trilogia. Como já mencionei, neste artigo, Matrix de 1999 é uma obra-prima, incrivelmente original, o que torna praticamente impossível a missão de igualá-la em qualidade. Quem foi ao cinema com esta expectativa só poderia se frustrar.

Aqueles que esperavam cenas de ação inovadoras, como o “bullet-time” do primeiro filme, também se decepcionaram. Muitas cenas de luta do Matrix Resurrections são caóticas. Uma das primeiras até causou-me um desconforto pela quebra da minha expectativa. Por incrível que pareça, achei estas cenas melhores de assistir na tela da TV do que numa sala de cinema IMAX.

Talvez os decepcionados esperavam por grandes revelações como, por exemplo, novas camadas de Matrix. Assim poderia existir uma Matrix dentro de outra Matrix, dentro de outra Matrix, dentro de outra Matrix… Seria quase um “Inception” (a Origem de 2010), onde as camadas da Matrix substituiriam as camadas de sonhos.

Esta Matrix de 2021 foi muito mais psicológica e sociológica do que filosófica, como o filme de 1999.

Thomas Arderson (Neo) está trabalhando em um novo jogo chamado Binary. Várias passagens do filme nos apresentam algumas destas polaridades, muitas vezes difíceis de distinguir, como se tudo fosse binário no mundo:

  • real x imaginário;
  • desejo x medo;
  • livre arbítrio x destino;
  • Thomas Anderson x Agente Smith (em um certo momento do filme até mesmo este antagonismo desaparece temporariamente).

Bugs, jovem e idealista comandante de uma nave da frota, fala para Niobe, que agora é a líder dos humanos livres na nova cidade de IO, que Niobe estava mais preocupada em cultivar vegetais do que libertar mentes. Assim, Niobe estaria mais interessada nas sensações do que no real. Também percebemos este ponto com o céu falso de IO.

Niobe também demonstra claramente medo que a paz com as máquinas termine por causa da liberdade de Neo e do seu interesse em resgatar Trinity. Ou seja, é a paz baseada em uma ética utilitarista, na qual os sofrimentos de Neo e Trinity seriam irrelevantes frente à paz em si.

A nova versão da Matrix foi criada pelo Analista. Ele coloca que os humanos decidem através dos sentimentos ao invés da razão. As versões anteriores, criadas pelo Arquiteto, eram baseadas unicamente em equações matemáticas, na razão. Esta nova versão previa esta característica humana, assim os humanos presos na Matrix ficavam confortáveis. Qualquer semelhança com realidade e distrações, no mundo atual, não é mera coincidência.

Em minha opinião, a principal reflexão deste filme é sobre a motivação das nossas escolhas. Elas seriam resultado do nosso livre arbítrio ou apenas obra do destino? Se for obra do destino, então todo o livro já está escrito e só nos resta a tarefa de encenar o texto, com pequena liberdade para alguns “cacos” menos importantes. Podemos pensar, por outro lado, que devemos fazer o que é certo. Este conceito nos alinha a ética do filósofo Immanuel Kant. Assim, o livre arbítrio seria fazer o que deve ser feito sem distrações e procrastinações. Como o novo Morpheus fala para Neo:

“A escolha é uma ilusão. Você já sabe o que deve fazer”.

Niobe, no filme, decide apoiar o plano para dar a Trinity a oportunidade de decidir sobre sua saída da Matrix. Ela fez o deveria fazer.

Matrix Resurrections também é uma grande história de amor entre Neo e Trinity – um amor “impossível” entre duas pessoas que estão próximas, mas separadas dentro e fora da Matrix.

Como eu e a Júlia achamos que não haveria uma cena pós-créditos, perdemos a piadinha do “The Catrix”, que faz sentido nos dias atuais, e a bela dedicatória de Lana Wachowski para seus pais:

Para papai e mamãe:

“O amor é a gênese de tudo”

O que é a mais pura verdade!

Para finalizar este artigo, o Analista faz a seguinte declaração para Neo e Trinity no final do filme:

“As ovelhas não vão a lugar nenhum. Eles gostam do meu mundo. Eles não querem esse sentimentalismo. Eles não querem liberdade ou empoderamento. Eles querem ser controlados. Eles anseiam pelo conforto da certeza.”

Talvez a esmagadora maioria das pessoas que odiaram o filme buscassem, na verdade, o “conforto da certeza” e Lana Wachowski não lhes deu isso.

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Carta de um Suicida

A carta a seguir foi encontrada ao lado do corpo sem vida de um homem de meia idade.

A depressão é minha companhia mais frequente. Costumo ficar sozinho com ela durante horas, dias… Muitas vezes miro no fundo de seus olhos. Nestes momentos, meu coração dói.

Em algumas ocasiões, tiro a atenção sobre ela, assistindo a um filme ou algum jogo de futebol, mas, tão logo a diversão acaba, lá está ela mais firme e forte junto a mim.

Outras horas, eu corro, como se estivesse fugindo dela. E ela fica para trás… Mas, quando termina a corrida, e eu volto para casa, sinto-me como a lebre da fábula que sabe que a tartaruga não desistirá e, inevitavelmente, a alcançará. E ela me alcança…

Em algumas noites, bebo cerveja ou vinho. Parece que, por algum tempo, minha visão se turva e eu paro de enxergá-la com clareza. A depressão transmuta-se em um vulto indefinível, mas, quando o entorpecimento causado pelo álcool passa, sua imagem volta a ficar nítida e parece ainda mais poderosa.

Meu vazio preenche tudo! E a minha rotina diária não preenche nada, só alimenta o vazio.

Há dias melhores; outros, piores! Mesmo os dias melhores são insuficientes…

Decidi abreviar tudo. Eu sou o único responsável pelo sofrer e pela libertação.

Atenção! Esta carta é fictícia, mas é a expressão do que muitas pessoas sentem atualmente. A depressão ataca parcelas cada vez mais expressivas da população. Como perceber seus sinais e não se entregar? Converse com seus amigos de verdade, normalmente são poucos. Se estiverem distantes, use qualquer meio eletrônico para contatá-los e abra seu coração. Procure ajuda especializada, faça terapia. Vá atrás das causas de seu sofrimento. Pratique algum esporte e evite drogas lícitas ou ilícitas. Lute contra esta inimiga silenciosa!

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Coringa, Osho, Krishnamurti e…

Qual é a relação entre o enlouquecido personagem de ficção Coringa, o polêmico guru Osho e o filósofo indiano Krishnamurti? Este breve artigo fará alguns comentários sobre estes personagens e seus impactos nos indivíduos e na sociedade.

O filme Coringa (Joker em inglês) foi um dos mais instigantes que eu assisti nos últimos anos. Não me lembro de outro filme tão aberto para a interpretação dos espectadores. Afinal nós podemos decidir o que aconteceu e o que era alucinação do Coringa e de sua mãe. Aliás, toda a história pode ser alucinação ou fantasia do personagem principal.

O ponto do filme que eu gostaria de destacar é a forma como a população de Gotham City revoltou-se contra os poderosos da cidade, escolhendo Coringa como símbolo de seu descontentamento, inclusive usando máscaras de palhaço. Talvez a inspiração dos roteiristas tenha sido a máscara de Guy Fawkes, usado inicialmente pelo anarquista personagem principal e depois pela população de Londres em “V de Vingança”. Pessoas descontentes com sua própria vida normalmente canalizam suas frustrações para o exterior. Algumas vezes, existe um alvo fixo; em outras, há alvos difusos. Assim, Coringa transformou-se em um líder improvável seguido pelos descontentes.

Bhagwan Shree Rajneesh, mais conhecido atualmente como Osho, foi um guru cercado por polêmicas. O excelente documentário da Netflix “Wild Wild Country” ajuda a conhecer a história da mudança de seu centro de meditação de Pule, na Índia, para o estado americano do Oregon. Em um rancho no meio do nada, foi criada do zero uma cidade autossuficiente batizada como Rajneeshpuram. Alguns milhares de seguidores, chamados de sannyasins e rajneeshees, largaram tudo para participar da construção da cidade e, depois, trabalharam e viveram nesta comunidade. No documentário, vemos a xenofobia e o preconceito dos habitantes antigos da pequena cidade próxima contra as pessoas da nova comunidade. Por outro lado, a forma como a comunidade reagiu às ameaças dos locais foi absurda – tráfico de armas, criação de uma milícia armada, escutas ilegais, planejamento de assassinatos e bioterrorismo, através da contaminação da comida de restaurantes da cidade de The Dalles com a perigosa bactéria Salmonela.

Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho

Provavelmente apenas uma minoria dos membros de Rajneeshpuram tinha conhecimento do que foi apresentado no documentário da Netflix. Por outro lado, fica claro que Ma Anand Sheela, secretária e pessoa de confiança de Rajneesh, extrapolou em muito o aceitável e muitos membros da comunidade tornaram-se mais fiéis a ela do que ao próprio Rajneesh.

E agora eu chego a Jiddu Krishnamurti… Aos treze anos de idade, ele foi considerado pela Sociedade Teosófica como o “Instrutor do Mundo”. Dois anos depois, foi fundada a Ordem da Estrela do Oriente, com Krishnamurti como chefe, mas, aos 30 anos de idade, ele deixa esta posição. A partir daí, torna-se um filósofo e palestrante independente.

Jiddu Krishnamurti

Este parágrafo extraído do livro de Krishnamurti “A Primeira e Última Liberdade” ajuda a compreender sua escolha de não ser guru ou mestre e de evitar seguidores.

Mas esta é a última coisa que desejamos:  conhecer a nós mesmos. Ela é, no entanto, seguramente, a única base sobre a qual podemos criar. Mas antes de podermos construir, antes de podermos transformar, antes de podermos condenar ou destruir, precisamos conhecer aquilo que somos. Sair por aí procurando, mudando de instrutores, de gurus, praticando ioga, técnicas de respiração, realizando rituais, seguindo mestres, e todo o resto, é inteiramente inútil, não acham? Isso não tem nenhum sentido, mesmo que as próprias pessoas a quem seguimos digam: “Estudem a si mesmos” – porque o mundo é o que somos. Se somos mesquinhos, invejosos, superficiais, gananciosos – isso é o que criamos ao nosso redor, isso é a sociedade em que vivemos.

Para Krishnamurti, as diversões são formas de fugir da batalha que chamamos viver. Entre as diversões, além das óbvias, ele cita as religiões estabelecidas com seus líderes e sacerdotes. A palavra religião, neste artigo e em textos ou palestras de Krishnamurti, não tem o sentido de religação espiritual, o que é desejável e necessário, ela diz respeitos às religiões “oficiais”, como o Cristianismo (e todas suas vertentes), ao Judaísmo, ao Islamismo, ao Budismo, e demais. Deste modo, o tédio diário de uma existência superficial é aliviado, por exemplo, quando se segue um guru espiritual, mas também pode ser um guru de outras áreas como negócios, arte, esporte ou política. Seguir alguém traz segurança.

Na ficção de Gotham City, a falta de esperança era compensada, seguindo-se um palhaço. A violência preencheu o vazio. Não assistimos situações semelhantes no mundo real?

Os milhares de seguidores de Osho, ao invés de mudar primeiro a si e, consequentemente, ao mundo ao seu redor, preferiram criar seu próprio mundo e idolatrar cegamente seus líderes. Eram arrogantes, acreditavam que eram superiores aos demais, consideravam-se como os escolhidos. Esta presunção de superioridade acirrou o conflito e aumentou a distância em relação aos demais habitantes do estado do Oregon, nos Estados Unidos. Não assistimos outros grupos religiosos com as mesmas atitudes nos dias de hoje?

E assim também podemos entender outras distorções. O nacionalismo é outra diversão, assim como a religião, para preencher o vazio existencial das pessoas. O Estado é uma criação dos indivíduos e deveria estar a serviço dos indivíduos. Encare a frase “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” de outra forma, com sua real dimensão. Ela traz conforto e segurança para muitas pessoas e, deste modo, existe muita resistência para questioná-la e abandoná-la.

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Fragmentados – Somos Kevin Crumb

Quem assistiu ao Filme “Fragmentado” de M. Night Shyamalan ficou espantado com o número de personalidades diferentes do personagem principal, Kevin Wendell Crumb. O ator James McAvoy representou incrivelmente algumas das 24 personalidades de Crumb, desde o menino Hedwig de 9 anos, passando pela adolescente Jade, o designer de moda Barry e pelo violento Dennis até chegar à mortal Besta.

James McAvoy interpretou as diferentes personalidades de Kevin Wendell Crumb.

Talvez haja surpresa ou contrariedade com o que apresentarei a seguir, mas todos nós somos fragmentados. Somos pelo menos um fragmento com nossos pais (às vezes, um diferente para o pai e outro para a mãe). Somos pelo menos um fragmento diferente com nossos filhos (às vezes, um diferente para cada um). Somos um outro fragmento com nosso esposo ou nossa esposa. Somos pelo menos um fragmento no trabalho. Muitos agem de uma forma com o chefe; de outra, com os pares; e ainda de outra, com os subordinados. E assim por diante, somos fragmentos diferentes na escola, no futebol, com os amigos… E há aqueles que se parecem com a personalidade Besta de Kevin Crumb quando estão interagindo nas redes sociais da Internet.

Eu nem falei dos efeitos da autoridade e do poder que geram outros fragmentos nas pessoas.

Se concordarmos que em cada papel que exercemos temos comportamento diferente e agimos como se fôssemos outra pessoa, ficará mais fácil aceitar que consideramos nossa própria fragmentação como natural e necessária. Mesmo assim vivemos em conflito, não estamos satisfeitos com o trabalho, com as relações e assim por diante. Sentimos, muitas vezes, um tédio e um vazio interior preenchido com diversões e drogas lícitas ou ilícitas.

A aceitação do pensamento sobre a naturalidade e inevitabilidade da fragmentação da vida torna naturais outras formas de fragmentação no mundo como, por exemplo, nacionalidades, etnias, religiões, ideologias e classes sociais. Nestes casos, a fragmentação gera a divisão e distanciamento do “nós” e “outros”. Estes “outros” são muitas vezes desumanizados pelo “nós”. O resultado final é o ódio e sua contínua realimentação.

Como podemos desejar um mundo com paz e menos iniquidade, se nós mesmos vivemos em eterno conflito e admitimos a naturalidade da fragmentação em nós e no mundo?

Fica claro que, sem resolver o problema dos conflitos no indivíduo, não solucionaremos os conflitos no mundo.

Afinal quem nós realmente somos?

Felizmente temos mais controle sobre nossos fragmentos (papéis e personalidades) do que o personagem Kevin Crumb. O poema “If” de Rudyard Kipling nos passa a mensagem que ao nos comportarmos de modo digno e único, não importando a situação ou ambiente, seremos um ser humano integral.

If you can fill the unforgiving minute

With sixty seconds’ worth of distance run

Yours is the Earth and everything that’s in it,

And – which is more – you’ll be a Man, my son.

Precisamos estar atentos a nossa forma de pensar e agir para tornarmo-nos uma única pessoa ao invés de um grande mosaico de pequenos cacos zumbis. Só assim nos pacificaremos internamente e, externamente, levaremos esta paz e a justiça aos nossos lares e ao mundo.

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Os Nossos Pensamentos São Realmente Nossos?

Este post é o pontapé inicial para uma reflexão mais profunda sobre a origem de nossas ideias. Sabemos que não temos liberdade para fazermos o que surgir em nossas cabeças, mas teríamos a liberdade plena no pensar? Qual é a origem dos nossos pensamentos – nossos cérebros, influências externas ou algo divino?

A maioria responderá que é dono e responsável pelo nascedouro de suas ideias. Começo com um exemplo simples. Todos os dias o Sol nasce no leste e se põe no oeste. A Lua segue a mesma lógica e, todas as noites, cruza os céus, percorrendo seu caminho através das constelações que compõem o Zodíaco. Através desta simples observação, deduziríamos que a Terra está no centro do universo e o Sol, a Lua, demais planetas e estrelas giram ao nosso redor. Por que pensamos que, na verdade, é a Terra que gira ao redor do Sol, apesar de nossos sentidos nos mostrarem o contrário?

Adotamos a concepção Heliocêntrica, não intuitiva, ao invés da Geocêntrica, contraditória em relação à nossa percepção, porque fomos convencidos (ou educados) que este modelo é o correto.

Agora vamos pensar em todos os fenômenos naturais que nos cercam. Alguém, por exemplo, pode chegar à conclusão que as aves voam, porque têm penas. Em uma conversa com outra pessoa, pode convencê-la que isto é verdade.

Nos dois casos, a matéria prima para os pensamentos veio do exterior e o resultado foi uma simples repetição de um conceito, independentemente da sua assertividade.

Poderíamos dizer que devemos basear nossos pensamentos na ciência, mas a própria ciência muda seus conceitos com o passar do tempo. A Astronomia passou de Geocêntrica para Heliocêntrica. A Mecânica desenvolvida por Isaac Newton, que funciona perfeitamente conforme nossos sentidos, virou um caso particular na Mecânica Relativística de Albert Einstein.

Isaac Newton e Albert Einstein [Fonte: BBC]

E a medida que nos distanciamos das chamadas ciências exatas, mais problemas temos para definir o que é o certo e o errado. Assim assistimos a discussões intermináveis sobre ideologias políticas, papéis do Estado ou direitos e deveres dos indivíduos na sociedade. Ao aceitarmos os conceitos e as imagens que julgamos corretos, nós nos apropriamos deles e acreditamos que verdadeiramente fazem parte dos nossos pensamentos. Mas por que aceitamos algumas ideias e refutamos outras?

Darei as primeiras pinceladas neste tema complexo, usando as definições de duas palavras alemãs – Zeitgeist e Weltanschauung.

Zeitgeist pode ser definido como o espírito definidor de um determinado período da história, demonstrado pelas crenças e ideias desta época. Ou seja, sofremos forte influência do Zeitgeist, o espírito do nosso tempo. O estilo da Arte em cada época nos mostra claramente isso. Movimentos libertários pipocaram simultaneamente em vários lugares do mundo muito antes da evolução dos meios de comunicação. Como explicar isto?

Weltanschauung é uma filosofia ou visão de vida particular, a visão de mundo de um indivíduo ou grupo. Assim os pensamentos são condicionados por esta visão de mundo que, por sua vez, é baseada nos valores de cada pessoa ou grupo.

Deste modo, a primeira hipótese para a origem dos nossos pensamentos vem da submissão total ao Zeitgeist da época e ao Weltanschauung do grupo.

O filósofo espanhol José Ortega y Gasset é o autor da famosa frase:

– “O homem é o homem e a sua circunstância”.

Filósofo espanhol José Ortega y Gasset

Para Ortega y Gasset, não é possível considerar o ser humano como sujeito ativo sem levar em conta simultaneamente tudo o que o circunda, incluindo o contexto histórico em que se insere.

Como superar esta circunstância, ou Zeitgeist e Weltanschauung, para ser realmente livre no pensar?

Voltarei ao tema…

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O Amor Constrói, a Paixão e o Ódio Arrasam Quarteirões

No grande conto de Guimarães Rosa, “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, Nhô Augusto, cego pelo ódio, vai até a chácara de seu inimigo Major Consilva em busca de vingança. Seus ex-capangas, agora comandados por Consilva, aplicam um brutal espancamento em Augusto. Guimarães Rosa descreve de forma brilhante como Augusto se dá conta de sua desventura.

“E Nhô Augusto fechou os olhos, de gastura, porque ele sabia que capiau de testa peluda, com cabelo quase nos olhos, é uma raça de homem capaz de guardar o passado em casa, em lugar fresco perto do pote, e ir buscar na rua outras raivas pequenas, tudo para ajuntar à massa-mãe do ódio grande, até chegar o dia de tirar vingança.”
Guimarães Rosa com sua esposa Aracy de Carvalho e seus gatos

Já ouvi muitas vezes que o contrário do amor é o ódio. Em minha opinião, o contrário do ódio é a paixão. E o contrário do amor seria o desamor ou a indiferença.

A paixão é um sentimento extremo de simpatia. Quando estamos apaixonados, não enxergamos os defeitos do objeto da nossa paixão. Por outro lado, o ódio é um sentimento extremo da antipatia. Qualquer coisa que vier do objeto do nosso ódio servirá para alimentá-lo, independentemente da sua natureza. Esta antipatia é tão grande no ódio que a rejeição é feita a priori, sem qualquer tipo de análise, como disse Oswald de Andrade sobre um romance de José Lins do Rego:

– Não li e não gostei!

Oswald de Andrade, quadro pintado por Tarsila do Amaral

Ninguém deveria tomar decisões importantes, quando está ardendo em um dos dois extremos.

Por exemplo, ninguém deveria casar, quando está apaixonado. Para uma união funcionar, deve haver amor! Os bons momentos do relacionamento devem ser gostosos como um banho morno depois de um dia difícil. A paixão é uma fogueira que tudo consome. Após extinguir as chamas, muitas vezes, as diferenças são irreconciliáveis e a paixão transmuta-se em ódio, acendendo uma nova fogueira.

A regra vale também para o ódio. Sempre que tomamos uma decisão importante motivados pelo ódio, as perdas podem ser muito importantes, talvez irreversíveis. Quando se age como os ex-capangas de Matraga e guarda-se os pequenos ódios “para ajuntar à massa-mãe do ódio grande”, a consequência, provavelmente será desproporcional.

Nosso país, atualmente, vive uma ruptura causada por parcelas expressivas da população apaixonadas por um lado que odeiam o outro lado. A racionalidade foi deixada de lado e os ódios são realimentados. O viés da confirmação é o modelo mental mais empregado, onde o que não confirma o credo é abandonado ou, pior, hostilizado. Quaisquer postagens absurdas de WhatsApp ou Facebook são compartilhadas se estiverem alinhadas com o próprio pensamento.

Viver na paixão ou no ódio não é saudável. Devemos buscar o equilíbrio, a virtude aristotélica, longe dos extremos. Eu sei que, muitas vezes, não é uma missão fácil, mas é a única forma de se sentir pleno com paz de espírito.

Aristóteles

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O Espanto e a Luz

Sinto que, a cada dia, estamos perdendo um pouco mais a habilidade de nos espantarmos com as coisas. Da mesma forma, parecem mais raros aqueles clarões em nossa mente que, em um único momento, parecem resolver problemas complexos através de ideias geniais.

Quando somos bebês, o mundo que nos circunda é repleto de novidades, não duvido disso, e o espanto ao encontrá-las é frequente. Até que ponto, atualmente, estamos tão imersos em tecnologias que perdemos contato com o que nos rodeia?

Em minha casa, na janela ao lado da mesa em que trabalho, temos algumas plantas lágrimas-de-cristo. Várias vezes ao dia, eu paro o que estou fazendo para admirar os beija-flores e borboletas que se alimentam do néctar das flores e carregam consigo o pólen para fertilizar outras flores. Parece que o mundo está migrando do exterior para o meu interior e repousa dentro do meu peito. Me acalma observar estes pequenos animais.

Você já reparou na expressão de um bebê no instante do espanto? Os olhos se arregalam, a boca se abre em forma arredondada e o “mundo” é aspirado para o interior do peito. Repare!

Não nos espantamos mais com frequência… Alguns até repetem que “nada mais os espanta”. É como se um tipo de “corona vírus” nos tivesse contaminado no momento que deixamos o ventre de nossas mães e que, na medida que crescemos e envelhecemos, roubasse nossa habilidade de encher nosso peito com ar e com o mundo.

Hoje temos tantas e tantas distrações que já fica difícil escutar nossos próprios corações e mentes, o que dirá sentir um centelha divina (ou insight se você preferir)… Nossos ouvidos estão sempre cheios de músicas, por que fugimos do silêncio? Todos os minutos livres são preenchidos pelo WhatsApp, YouTube, Instagram ou Facebook.

Como explicar o momento em que estamos relaxados e, do nada, nossos olhos se arregalam, nossas pupilas se dilatam, uma luz nos cega e temos vontade de sair correndo nu pelas ruas de Siracusa, gritando “Eureka”?

O psicólogo e etólogo Eckhard Hess descrevia a pupila como uma janela para a alma.

A pupila involuntariamente se contrai sob condições de luz forte e se dilata sob luz fraca. Quando o cérebro está em grande atividade cognitiva ou um insight é reconhecido, as pupilas se dilatam, independente da luz externa, como se esta luz fosse sumindo, os olhos se cegassem para o exterior e se voltassem para nosso interior. Pode estar olhando para alguém ou alguma coisa, mas não está vendo nada. Só seu pensamento está vivo.

Este é aquele maravilhoso brilho no olhar dos alunos da sala de aula ou das pessoas de uma plateia, quando se explica ou apresenta algum assunto – o que causa o verdadeiro êxtase do professor ou do palestrante, sensação privada pelas aulas e palestras pela Internet.

Devemos todos os dias, independentemente da idade, espantarmo-nos, aprender coisas e “insightar”. Tente se distanciar de tudo que ajude a nos separar de nossa própria essência, nem que seja apenas por algumas horas. Respire, olhe para o mundo e mergulhe em si mesmo. Assim, nossa vida será mais leve e iluminada.

[Fonte: Miguel Zurera_Flickr]

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Por que Netflix Errou ao Lançar o Filme Radioactive sobre Marie Curie?

Nestes tempos de reclusão, uma das opções é assistir a um bom filme em alguma das plataformas de streaming. Na sexta-feira passada, foi a vez de “Radioactive”, filme sobre a vida da grande cientista Marie Curie.

Gostei do elenco e de suas atuações, especialmente Rosamund Pike como Marie Curie, Sam Riley como Pierre Curie e Anya Taylor-Joy como a jovem Irene Curie.

Como a história dos Curie é pública, não me preocuparei com os spoilers neste post. Se você não a conhece, talvez prefira assistir ao filme antes de ler este texto.

Quando vi o anúncio de Radioactive, pensei que se tratava de uma minissérie. Para minha surpresa, era um filme com menos de duas horas de duração. Assim o que vemos do início ao fim do filme é uma sucessão de fatos com muitos cortes estranhos para os que não conhecem a história da cientista. As dificuldades e vitórias aparecem e desaparecem rapidamente da tela, sem tempo suficiente para assimilação.

Marie Curie nasceu Maria Skłodowska na Polônia. A única cena da sua infância é sobre a morte da mãe, quando Maria tinha 10 anos. Não há nenhuma menção ao seu pai, Władysław Skłodowski, que era um professor. Os problemas financeiros que a família passou também não aparecem.

Uma oportunidade perdida no filme é a omissão que seu pai ensinou os filhos a usarem os equipamentos de laboratório de química. A Polônia, neste tempo, estava sob o domínio do Império Russo e as autoridades acabaram com as aulas de laboratório nas escolas polonesas. Assim ele levou muitos equipamentos para a casa da família e montou um laboratório.

Todo o período na Polônia foi ignorado: seu trabalho como governanta para levantar fundos para estudar em Paris ou, por exemplo, seus estudos em uma universidade clandestina que aceitava mulheres.

Seu período de estudos em Paris também é esquecido.

O pedido de casamento de Pierre à Marie não foi aceito imediatamente, como no filme. Marie desejava voltar para a Polônia e desenvolver seu trabalho em seu país natal, mas não foi aceita na universidade por ser mulher.

Após o nascimento da filha mais velha, Irene, Marie também passa a lecionar para ajudar na renda do casal. O filme passa a ideia de que apenas Pierre dava aulas, enquanto Marie trabalhava exclusivamente nas suas pesquisas.

As descobertas científicas deveriam ter sido melhor exploradas. Tudo começa com uma passagem muito rápida, praticamente um flash, sobre a observação do cientista Henri Becquerel sobre a propriedade do urânio emitir espontaneamente raios. A partir do trabalho de Becquerel, Marie Curie resolve desenvolver seu trabalho. Sua hipótese era ousada, o processo aconteceria a nível atômico. Até aquele momento, a química era baseada no pressuposto que os átomos eram estruturas estáveis e as mudanças aconteceriam a nível molecular (interações entre átomos).

O grande momento “eureca” do filme acontece quando Marie mede a atividade do minério que contém urânio e percebe que ela é maior do que a do urânio concentrado. Ou seja, haveria um outro elemento químico no mineral, ainda desconhecido, muito mais ativo do que o próprio urânio. Após processar toneladas de minério, foram descobertos dois novos elementos o Polônio e o Rádio. Além disto, a palavra radioatividade foi criada para explicar a emissão da radiação pelos núcleos dos átomos. A cena, onde o anúncio destas descobertas é apresentada pelo casal, chega a ser ridícula. Além de absurdamente curta, todos aceitam a destruição de um dos grandes paradigmas da química, a estabilidade dos átomos, com uma facilidade incrível.

O Prêmio Nobel de Física de 1903 foi dividido entre Henri Becquerel e o casal Curie pelos trabalhos sobre os fenômenos de radiação. É verdade que Pierre pediu a inclusão de Marie na nominata dos premiados. O prêmio não foi buscado imediatamente, porque Marie e Pierre continuavam trabalhando intensamente em suas pesquisas. A segunda filha do casal Éve nasceu em 1904 e o casal viajou para a Suécia apenas no ano seguinte para receber o prêmio, diferentemente do que aparece no filme. Pierre parecia não ser muito afeito a festas e solenidades, mas, para receber o Nobel, o laureado precisa fazer uma palestra para receber o prêmio. Lembrem-se do caso de Bob Dylan, quando recebeu o Nobel de Literatura.

Marie e Pierre Currie, Radium [Revista Vanity Fair, 1904]

Após a morte de Pierre em 1906, Marie se envolve com Paul Langevin. Este caso acaba gerando muitas dificuldades na vida de Marie. Ela sofre com inúmeras manifestações misóginas e xenófobas. É interessante lembrar que Langevin foi um cientista importante na sua época. Foi sua a formulação do famoso “Paradoxo dos Gêmeos” da Relatividade. Ele trabalhou com piezoeletricidade (descoberta pelos irmãos Pierre e Jacques Curie) e possuía duas patentes de seu uso para a construção de sonares para detecção de submarinos. Além disto, foi um duro opositor do fascismo e do nazismo.

O segundo Prêmio Nobel de Marie Curie foi de Química em 1911 pela descoberta do Polônio e do Rádio, além do isolamento deste último. Como o processo de isolamento era muito longo devido às baixas concentrações destes elementos no minério, Marie não conseguiu isolar o Polônio. Se pegarmos 1 grama de Polônio puro, metade se transformará em chumbo em pouco menos de cinco meses.

Sua atuação na Primeira Grande Guerra Mundial, ao lado da filha mais velha Irene, salvou ou, pelo menos, melhorou as vidas de milhares de soldados. Algumas estimativas citam um milhão de pessoas tratadas por seus vinte veículos radiológicos (Petit Curies) e duzentas unidades radiológicas em hospitais de campanha. Marie e Irene não receberam nenhum reconhecimento formal do governo francês no pós-guerra por suas contribuições.

Praticamente nada aparece no filme sobre a vida de Marie entre o final da guerra e sua morte em 1934. Por exemplo, sua batalha levantamento de fundos para a criação do Instituto do Rádio (atual Instituto Curie) que pesquisa o uso de radiação na luta contra o câncer. Nada aparece de suas viagens pela Europa, Estados Unidos e até ao Brasil, para promover o uso do Rádio no tratamento do câncer.

Inauguração do Instituto Curie, em primeiro plano Marie Curie e Claudius Regaud.

Outro ponto esquecido no filme foi sua ligação com seu país natal, a Polônia. Ela fez inúmeras viagens a este país, incluindo a criação de uma sucursal do Instituto do Rádio em Varsóvia, atual Instituto Nacional de Pesquisa Oncológica Maria Sklodowska-Curie.

Marie sofreu com muitos problemas de saúde. Nem ela, nem Pierre imaginavam os malefícios à saúde que estavam expostos por causa da radioatividade. Mesmo suas unidades de raio-X portáteis não tinham a blindagem necessária para proteger Marie e sua filha Irene da radiação.

Na última cena do filme, aparece uma foto maravilhosa da Conferência Solvay de 1927. Nada menos do que 17 dos 29 participantes desta foto receberam o Prêmio Nobel. Marie Curie, a única mulher na foto, está sentada entre Max Planck e Hendrik Lorentz. Na direita de Lorenz, estão Albert Einstein e Paul Langevin, o ex-amante de Marie. Na foto, aparecem outros grandes cientistas como Niels Bohr, Louis de Broglie, Wolfgang Pauli, Max Born, Erwin Schrödinger (sem o gato) e Werner Heisenberg (com certeza).

Conferência Solvay de 1927

Marie teve duas filhas. Irene, a mais velha, casou-se com Frédéric Joliot. O casal adotou o sobrenome um do outro. O casal Joliot-Curie recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1935 pelo seu trabalho com radioatividade artificial. Este prêmio tornou a família Curie a maior vencedora do Nobel. O casal teve uma luta destacada contra o fascismo e nazismo. Irene morreu de leucemia aos 58 anos. Outra vítima da radioatividade.

A segunda filha, Ève, foi música, escritora, jornalista e humanista. Como curiosidade, ela foi casada com Henry Richardson Labouisse, diretor executivo da UNICEF, quando esta agência da ONU foi agraciada com o Prêmio Nobel da Paz em 1965. Esta é mais uma prova da atração irresistível do Nobel com os Curies. Como Ève não se expôs à radiação teve uma vida longa, falecendo em New York aos 102 anos.

A filha de Irene, Helene, é uma física nuclear. Ela foi casada com Michel Langevin, neto de Paul Langevin, ex-amante de sua avó Marie Curie. Parece até novela…

Depois de ler este post, você deve ter chegado à mesma conclusão, Netflix poderia ter feito uma grande série sobre a vida de Marie Curie e, talvez, a sua família. A radioatividade, por exemplo, poderia se tornar um assunto mais fácil para os leigos. Marie Curie defendia o direito das mulheres à educação e ao trabalho, não se deslumbrou com a fama e tinha a dimensão de como seu trabalho poderia ajudar a humanidade. Sem dúvida, havia assunto suficiente para mais de uma temporada.

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Os Arquitetos da Ordem Contra os Engenheiros do Caos

Na semana passada, eu li o livro “Engenheiros do Caos” de Giuliano Da Empoli. Após a leitura, ficam muito claras algumas das razões da crise da democracia representativa e como políticos populistas ascenderam ao poder em vários países do ocidente.

Giuliano Da Empoli e Os Engenheiros do Caos

No final de 2016, escrevi o artigo “As Surpresas de 2016, as Bolhas e o Algoritmo da Felicidade de Mark Zuckerberg”, onde comentei os resultados de três eleições: vitória do Brexit, vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e a rejeição do acordo de paz com as Farc na Colômbia. Apresentei como uma das explicações as bolhas criadas pelos algoritmos das redes sociais como o Facebook e o Twitter. Relendo o artigo, vejo que todo seu conteúdo estava correto, mas faltava uma peça importante para complementá-lo. O escândalo da Cambridge Analytica, que veio à tona em 2018, explica como foram mobilizados os eleitores do Brexit e de Trump.

Em primeiro lugar, as pessoas estão cada vez mais frustradas com suas próprias vidas. Uma parcela expressiva da população, incluindo os países desenvolvidos, trabalha somente para a subsistência das suas famílias. Isto acaba gerando muita decepção e frustração. Esta situação é gerada principalmente pelo sistema econômico vigente, baseado no consumismo, na maximização de lucros e na concentração cada vez maior de renda. Os políticos populistas passaram a culpar a política tradicional, baseada na democracia representativa, por esta situação. Na Europa e nos Estados Unidos, os imigrantes também foram acusados de roubar os empregos dos locais. Deste modo, a transformação da frustração em raiva foi estimulada e canalizada para estes alvos preferenciais.

No Brasil, além dos políticos tradicionais, os alvos principais são a Esquerda (em especial Lula e o Partido dos Trabalhadores) e o Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com Da Empoli, a política tradicional procura agregar diferentes grupos com suas propostas. Assim, o discurso é feito para agradar o maior número possível de pessoas, tendo que haver uma certa coerência. Esta nova forma de comunicar, através das redes sociais, pode criar mensagens sob medida para cada bolha, conforme os dados e postagens coletados de cada usuário, sem compromisso com a consistência global da campanha política. No Brexit, foram disparadas quase um bilhão de mensagens personalizadas. Para protetores dos animais, foi enviada mensagem sobre as regulações europeias que ameaçam os direitos dos animais; para os caçadores, mensagem sobre as regulações europeias que, ao contrário, protegem os animais.

Vivemos em um mundo onde a velocidade da conexão é cada vez maior. Qualquer instabilidade ou lentidão causa irritação do usuário. Não lembramos que há alguns anos não tínhamos verdadeiros computadores na palma da mão que podem solucionar inúmeras demandas. Como dizia o comediante americano Louis C.K.:

“Everything is amazing right now and nobody is happy.”

Mas por que, apesar de tudo ser incrível, ninguém está feliz? Pode-se queimar horas do nosso tempo nas redes sociais, mas não se tem paciência para esperar alguns segundos para carregar uma página de um site qualquer.

Louis C.K.

Todo mundo se acostumou a fazer tudo de forma incrivelmente rápida com poucos cliques. Como aceitar todo o rito para aprovar uma emenda na Constituição do país. Fica fácil para um líder populista afirmar que o Congresso tem que trabalhar ou que tudo é muito demorado. Por exemplo, resumidamente, o processo brasileiro funciona da seguinte forma:

  • o projeto de emenda constitucional (PEC) deve ser a enviado inicialmente para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para analisar se a proposta não altera alguma cláusula pétrea;
  • depois de passar pela CCJ, deve ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado por três quintos dos parlamentares;
  • se houver alterações na PEC, devem ser aprovadas nas duas casas legislativas para seguirem adiante;
  • finalmente, a PEC segue para sanção presidencial;
  • em caso de vetos parciais ou total, o projeto volta para o Congresso que pode derrubá-los.

Após todo este processo, alguma das partes ainda pode recorrer ao STF e pedir a inconstitucionalidade da lei.

Este processo pode demorar meses. Por outro lado, existe tempo para análise, discussão e participação da sociedade civil. Pode parecer excessivo, mas este é um dos preços pagos por vivermos em um Estado democrático e de direito.

Viktor Orbán é o primeiro-ministro da Hungria há dez anos. Ele conseguiu alterar a Constituição do país para acelerar os procedimentos para aprovação das leis, reduzindo o tempo de tramitação para algumas horas, além de centralizar o poder, devido a submissão da Justiça ao controle do Executivo. Ou seja, claramente, a Hungria perdeu características de um Estado democrático e de direito.

Em 30 de março de 2020, o parlamento húngaro dominado pelo partido de Orbán aprovou o estado de emergência para o combate da Covid-19, permitindo que ele governasse o país através de decretos. Esta situação só foi revogada em meados de junho, mas entrou nova em vigor há um mês, segundo justificativa oficial, para combater a segunda onda de Covid-19.

É Bolsonaro… Enquanto você pensa em plantar o trigo, teu colega húngaro de extrema-direita já está decorando o bolo.

Viktor Orbán com Jair Bolsonaro (Fonte: Marcos Correa / AFP)

Como combater a ação destes “engenheiros do caos” que, de acordo com o subtítulo do livro de Giuliano Da Empoli, através da utilização de fake news, teorias da conspiração e algoritmos estão disseminando ódio, medo e influenciando eleições?

Qualquer solução definitiva de um problema deve atacar suas causas. Soluções paliativas têm baixa eficácia e prazo de validade curto. A principal ação deveria acontecer no âmbito de cada indivíduo para que o ódio não encontre terreno fértil para crescer e multiplicar-se entre os contatos da sua rede de relacionamentos. A sociedade também deveria ter uma postura mais empática e solidária. As minorias, pessoas e grupos em dificuldades deveriam ser protegidos e apoiados pelos governos e sociedades em geral.

Se você está pensando que isto parece utópico e, talvez, nunca aconteça, pode estar certo. Eu diria que estas mudanças realmente podem demorar muitos anos. Enquanto isso, se poderia mudar o ambiente regulatório para evitar a propagação de fake news e declarações preconceituosas na Internet. Os adversários destas medidas de controle clamam pela liberdade de expressão e pelo fim do politicamente correto. Cada blog ou canal do YouTube infrator retirado do ar apenas alimentam a certeza que existe um complô para prejudicar àqueles que lutam contra o sistema. E mais ódio é alimentado…

Por que não criamos os “arquitetos da ordem”? Assim também seria possível enviar mensagens específicas para as pessoas, onde informações de qualidade ajudariam a espalhar amor e consciência.

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O Gambito da Rainha e a Volta do Meu Encantamento pelo Xadrez

Muitas vezes, repentinamente, deixamos de fazer atividades que, até aquele momento, gostamos e praticamos com frequência. Claro que não estou falando de alguém que está fazendo atividades esportivas ou dietas apenas por razões de saúde ou estéticas. Nesta situação, a tendência natural é abandonar a prática, porque não é realizada por prazer; e sim, por obrigação.

Na semana passada, assisti à série do Netflix “O Gambito da Rainha” (original “The Queens’s Gambit”). Obviamente lembrei dos tempos em que eu jogava xadrez e da minha decisão de afastar-me do tabuleiro.

Aprendi a jogar xadrez e damas cedo. Meu pai era um bom jogador de damas, mas não gostava de jogar xadrez. Segundo ele, o xadrez era muito demorado e ele preferia o dinamismo do jogo de damas. Além disso, ele não aliviava em nenhum jogo: futebol no quintal, futebol de botão ou damas. Deste modo, se eu ganhasse dele em qualquer modalidade, seria porque eu joguei melhor.

No início, perdia quase todas partidas de damas, depois as estatísticas ficaram mais parelhas e, finalmente, no final da minha adolescência, ganhava a maioria das partidas. Assim, minhas habilidades nas damas evoluíram, porque eu tinha um “sparing” muito bom.

No xadrez, tinha um colega no ensino médio, meu amigo inesquecível Eduardo Schaan, que jogava melhor do que eu. Ele era meu estímulo para evoluir. Decidi que precisava estudar mais para evoluir e comprei o “Manual Completo de Aberturas de Xadrez” de Fred Reinfeld. Foi uma ótima compra, o livro me ajudou a ter um jogo mais sólido e não cometer erros elementares que comprometiam minhas partidas. Decorei várias aberturas, além de algumas partidas inteiras.

Passei no vestibular para engenharia química. No centro acadêmico da engenharia, jogava-se, nos intervalos das aulas, ping-pong numa sala; cartas, em outra; e ainda xadrez, numa terceira sala. Eu jogava algumas partidas de xadrez e assistia a outras. Provavelmente este foi meu auge como jogador. Conseguia vislumbrar jogadas que a maioria não enxergava.

Ainda no primeiro ano do curso, vi o cartaz do campeonato aberto de xadrez da engenharia. Claro que fiquei entusiasmado para testar minha força em um campeonato oficial. Quando cheguei no local do torneio, aconteceu uma situação muito parecida com a da protagonista da série, Beth Harmon, em seu primeiro campeonato no Kentucky, perguntaram qual era meu rating. Eu não tinha rating, era meu primeiro torneio, mas cinco competidores já participavam de torneios da Federação Gaúcha de Xadrez. Sentamos em frente aos tabuleiros e o organizador anunciou solenemente:

– Hoje temos a honra da presença do atual campeão gaúcho de xadrez, Iwakura, e também do campeão de Porto Alegre, Palmeira.

Iwakura estava em frente do tabuleiro na minha esquerda e o Palmeira era meu adversário do primeiro jogo…

Perdi com honra após quase uma hora e trinta minutos. Nas duas partidas seguintes, contra amadores do meu nível, empatei uma e ganhei a outra. Fui disputar meu último jogo contra um dos cinco “profissionais”. Certamente sofri o maior massacre em toda a minha incipiente carreira de enxadrista.

Tive a certeza que precisava estudar muito para poder fazer frente contra aqueles cinco enxadristas. Se eu quisesse jogar no nível dos melhores do Brasil, deveria estudar mais ainda e havia a forte probabilidade de que, nem assim, eu seria capaz de derrotá-los.

Como eu era muito competitivo naquela época, aos 17 anos, resolvi encerrar minha carreira. Eu gostava muito de xadrez e poderia continuar jogando de forma amadora contra adversários do meu nível, mas minha decisão foi radical. Provavelmente joguei menos partidas nestes últimos 37 anos do que joguei entre 1982 e 1983.

O Gambito da Rainha me devolveu o prazer de assistir a um jogo xadrez, analisá-lo e sentir prazer ao ver belas jogadas. O cuidado da produção, os jogos, a atmosfera e as belíssimas partidas como a última criada pelo ex-campeão mundial Garry Kasparov (consultor da série) reacenderam a chama.

Hoje entendo melhor minhas limitações e como usufruir das atividades que me proporcionam satisfação pessoal. Por exemplo, gosto de cozinhar, mas não tenho pretensão de participar do MasterChef. Gosto de correr, mas não me frustra ter corredores da minha faixa de idade ou mais velhos com desempenhos muito melhores nas competições em que participo. Faço o melhor que posso e isto me satisfaz. Talvez, se eu tivesse encarado o sétimo lugar daquele campeonato de xadrez da engenharia como o vice-campeonato entre os “amadores”, não teria me afastado do xadrez por longos 37 anos…

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O Presidente Setarcos, seus Fiéis Fãs e o Efeito Dunning-Kruger

As redes sociais nos induzem a viver em bolhas, onde apenas interagimos com os nossos semelhantes. No final de semana passado, após postar no Facebook um artigo da “The Economist” sobre a postura do Bolsonaro nesta crise do COVID-19, minha bolha encostou na bolha dos apoiadores incondicionais do presidente, devido aos comentários e menções ao meu nome.

Vi postagens desta bolha. Por exemplo, encontrei várias vezes esta figura abaixo que trata do auxílio emergencial de 600 reais.

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Os apoiadores do presidente estão dizendo que se você não está alinhado com este governo, não deveria pegar o auxílio?

A propaganda oficial do governo está apresentada a seguir.

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Bolsonaro acusava o PT de lucrar em cima do Bolsa Família e agora quer tirar vantagem deste auxílio emergencial? Em primeiro lugar, imaginem só, a proposta do governo era 200 reais. O Congresso aumentou para 600 reais. Uma propaganda honesta poderia ser simplesmente assim:

O AUXÍLIO EMERGENCIAL DE 600 REAIS POR PESSOA É FORNECIDO PARA A POPULAÇÃO, GRAÇAS AOS IMPOSTOS PAGOS PELA PRÓPRIA POPULAÇÃO.

É DINHEIRO DOS BRASILEIROS PARA OS BRASILEIROS.

Infelizmente não sei quem foi o autor da figura abaixo, gostaria de lhe dar os créditos, mas é a melhor explicação para a origem do dinheiro deste benefício.

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O efeito Dunning-Kruger atinge especialmente os indivíduos que possuem pouco ou nenhum conhecimento sobre um determinado assunto e acreditam que sabem mais do que outros mais bem informados, fazendo com que tomem decisões erradas. A figura abaixo facilita o entendimento.

Efeito Dunning-Kruger

Ou seja, a falta de conhecimento e experiência (incompetência) é tão grande que não se consegue perceber a própria incompetência. Bolsonaro e seus fiéis seguidores infelizmente estão neste estágio (pico da montanha da estupidez). As fake news que circulam pelas redes sociais reforçam suas convicções. Quem busca conhecimento inicialmente percebe o tamanho da própria ignorância (vale do desespero). Muitos eleitores de Bolsonaro já perceberam o seu total despreparo para exercer as funções de presidente, especialmente em uma crise desta magnitude.

Mas afinal quem é o Presidente Setarcos (título deste post)?

O filósofo grego Sócrates, ao consultar o oráculo, recebeu de volta a seguinte pergunta:
– O que você sabe?
Sócrates teria respondido:
– Só sei que nada sei.
O oráculo, ao ouvir a resposta do filósofo, proclamou:
– Sócrates é o mais sábio de todos os homens, pois é o único que sabe que não sabe.

Filósofo Socrates

Filósofo Sócrates

Se Bolsonaro recebesse a mesma pergunta do oráculo, poderia responder:
– Só não sei que nada sei.
E o oráculo responderia:
– Bolsonaro é o menos sábio dos homens, pois não sabe que nada sabe.

Bolsonaro é o Sócrates ao contrário, ele é o menos sábio dos homens. Bolsonaro é o presidente Setarcos!

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Tua Fé Te Curou

Todo hotel brasileiro tem uma cópia do evangelho no quarto. Às vezes, depois de um dia difícil, abro o exemplar do quarto em uma página aleatória, aponto para uma passagem qualquer e leio.

Há algumas semanas, pela manhã, após alguns dias de cão, fiz isso. Caiu no evangelho de Lucas, capítulo 8, entre os versículos 43 e 48. Já conhecia esta passagem e a acho muito bonita.

Uma mulher vinha sofrendo com sangramentos por doze anos. Neste período, gastou tudo o que tinha com médicos, sem sucesso. Ela decide ir ao encontro de Jesus que estava em sua cidade. As ruas estavam lotadas, mas ela consegue aproximar-se por trás e toca na borda do manto de Jesus. A hemorragia da mulher cessa instantaneamente e Jesus quer saber quem o tocou. A mulher prostra-se aos pés de Jesus e conta para todos o motivo do seu ato, sua doença e a cura. Jesus então despede-se da mulher:

– “A tua fé te curou; vai-te em paz”.

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Jesus curando a mulher com sangramento. Afresco na Catacumba de Marcelino e Pedro, em Roma.

Eu penso que a fala poderia ser um pouco diferente:

– Tua fé, tua coragem e tua atitude te curaram.

A mulher teve . Acreditou que Jesus poderia curá-la. Talvez fosse sua última oportunidade de recuperar a saúde após doze anos de hemorragias.

Havia restrições impostas pelas leis judaicas para que ela circulasse pelas ruas. Segundo Levítico 15:25,

A mulher que tiver hemorragia ou que continuar menstruada além do tempo normal será considerada impura como durante o tempo da menstruação.

Ela arriscou sua própria vida por causa da fé que Jesus poderia curá-la. Ela teve coragem.

As ruas estavam lotadas de pessoas que queriam ver Jesus, o que aumentou ainda mais o risco de ser descoberta. Mesmo assim, ela conseguiu aproximar-se dele e tocou suas vestes. Ela agiu, teve atitude.

Foi a mensagem perfeita para mim. Eu devo continuar acreditando no sucesso do projeto, devo continuar tendo coragem para enfrentar os obstáculos e devo agir para atingir todos os objetivos.

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Polaridade e Ritmo – Precisamos disto!

Estou afastado há mais de seis meses do Sítio das Fontes em Jaguariúna, no interior do estado de São Paulo. Parece até mais tempo… Afinal, pelo menos, um final de semana por mês, durante aproximadamente um ano e meio, eu passava por lá para estudar Antroposofia ou Agricultura Biodinâmica.

Se me perguntarem os pontos mais importantes que eu vi neste período, eu respondo polaridade e ritmo, porque, como diria meu mestre Peter Biekarck, não há vida sem polaridade e ritmo. Na respiração, inspiramos e expiramos. Nos batimentos cardíacos, temos a sístole e a diástole. Alternamos o sono com a vigília. Temos o dia e a noite; o verão e o inverno; a vida e a morte…

Peter-Biekarck

Peter Biekarck

Não existe o polo bom e o polo mau. Existe o equilíbrio e o desequilíbrio. O equilíbrio é saudável e o desequilíbrio é doentio. As doenças são o resultado de excessos de um dos polos, de desequilíbrios.

O organismo social também segue esta mesma dinâmica. Temos a direita e a esquerda; o liberalismo e o socialismo. Se os indivíduos buscarem maximizar as suas vantagens em detrimento do social, durante todo o tempo, haverá um desequilíbrio e o organismo social ficará doente. Cada vez mais o abismo entre os mais ricos e mais pobres crescerá. Quem nasce rico tem acesso à educação de primeira linha, enquanto quem nasce pobre tem normalmente acesso apenas a escolas de nível inferior. O mesmo vale para outras áreas como saúde e seguridade social. Assim, no extremo do liberalismo, os ricos ficarão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Por outro lado, se a pessoa não pensa minimamente em como suprir suas necessidades, acaba por tornar-se mais um peso para a comunidade na qual está inserida. Torna-se um escravo econômico (leia As Três Formas Modernas de Escravidão). Cada um deveria ter as rédeas da sua vida nas mãos. Claro que percalços ocorrem, mas as pessoas não podem ser passageiras em suas próprias vidas ou agirem como se ela e as pessoas que a rodeiam fossem menos importantes do que todos os outros.

Deste modo, recomendo para promover a saúde dos indivíduos e da sociedade que as pessoas mantenham equilíbrio entre as polaridades egoísmo e altruísmo. Se isto for atingido, será possível olhar o individual e o coletivo, evitando-se comportamentos que buscam apenas a maximização dos próprios lucros, posses, poder e prazer. O olhar e a ação no coletivo evitam este desequilíbrio e promovem a saúde do organismo social.

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Talvez a construção e administração de uma escola Waldorf, gerida por uma associação, seja um dos exemplos mais interessantes. Afinal não existe a relação cliente-fornecedor, como em uma empresa tradicional. A escola não visa ao lucro, mas deve ser sustentável ao longo do tempo. Todos devem olhar para sua própria capacidade financeira e, simultaneamente, de toda a comunidade. Cada família deve estar preocupada com a educação de todas as crianças e não somente de seus filhos. São diversas dimensões de um olhar para si e para toda a comunidade. Sem dúvida, é uma ótima oportunidade para curar a sociedade na busca do equilíbrio entre o egoísmo e o altruísmo.

 

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As Três Formas Modernas de Escravidão

Hoje em dia se discute muito sobre a escravidão moderna. Este artigo não trata de formas de escravidão como crianças em plantações de cacau na África, nem outras formas que acontecem em propriedades rurais brasileiras. Eu gostaria de abordar os tipos mais sutis de escravidão – aqueles nos quais as pessoas não percebem que se tornaram escravas. As principais causas são econômicas. Selecionei três formas que julgo as principais.

A primeira forma é o consumismo. O consumismo é a base do capitalismo. Atualmente todas as pessoas são bombardeadas por propagandas. Nas redes sociais, são influenciadas pela ostentação de outra pessoa através de uma foto ou uma história e passam a acreditar que têm a obrigação de consumir. Passam a desejar roupas e relógios de grife, os últimos modelos de automóveis ou celulares e assim por diante. Isto tudo tem um preço. Ao adquirir mercadorias de marcas famosas, paga-se um preço alto. A marca traz status para a pessoa. E é exatamente isto que a pessoa deseja comprar. Com o passar do tempo, se não houver condições econômicas de manter este padrão de consumo, a pessoa vai “evoluir” para a segunda forma de escravidão que é a dívida.

A dívida é a forma mais perversa, porque a pessoa realmente fica escrava de instituições financeiras ou agiotas. Ela fica sem alternativas de conseguir outra coisa que não seja juntar dinheiro para pagar aquela dívida que, muitas vezes, é impagável, porque os juros correm mais rápido do que a capacidade de ganhar dinheiro. Esta é uma situação terrível.

No Brasil, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) acompanha o endividamento da população mensalmente através da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC). Em janeiro de 2019, 60,1% das famílias brasileiras possuíam dívidas; 22,9% tinham contas em atraso; e pior, 9,1% das famílias brasileiras admitem que não terão condições para pagar suas dívidas. A maior parte destas famílias apresentam renda abaixo de 10 salários mínimos mensais. O quadro abaixo resume esta situação.

PEIC_ jan-2019

O mais grave é o endividamento justamente no tipo de dívida com juros mais altos, cartão de crédito – juros 11,52% ao mês (270,03% ao ano) em janeiro de 2019. Vale ressaltar que a inflação anual oficial em 2018 fechou em 3,75%. O gráfico abaixo apresenta as principais formas de endividamento das famílias brasileiras.

PEIC_ jan-2019_principais-tipos-divida

Se você quiser baixar os principais resultados do PEIC de janeiro de 2019, basta clicar no link abaixo.

peic_janeiro_2019

Borrowing money makes you a slave of the lender

Menos terrível do que as duas formas anteriores é a acumulação. Esta situação está muito em voga no mundo, porque muito se discute sobre aposentadoria e previdência social em diversos países. Deste modo, cria-se um medo de que as pessoas não conseguirão manter o mesmo padrão de vida anterior à aposentadoria. Então faz-se de tudo para acumular recursos até o momento da aposentadoria. Isto, muitas vezes, pode gerar enormes sacrifícios pessoais.

Qualquer uma das três formas está baseada no princípio de que a vida é assim mesmo e não há outras opções para administrá-la. Assim, deve-se continuar em um trabalho que, muitas vezes, se detesta para garantir o próprio sustento e ganhar dinheiro para o consumo, pagar dívidas, acumular para uma aposentadoria futura ou, pior, deixar para os herdeiros.

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Este é um ponto importante que as pessoas deveriam pensar a respeito. O que realmente querem para suas vidas? Quais são suas necessidades? Quais são realmente seus objetivos? Senão fica muito fácil cair nesta armadilha.

 

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Lula e Sérgio Moro Aplicam o Mesmo Modelo Ético

Muitas pessoas ao lerem o título deste artigo já ficaram tão injuriadas que não seguiram a leitura nem desta primeira frase. Claro que isto inclui os seguidores inquestionáveis de Lula e os de Sérgio Moro. Neste artigo, não defenderei os erros de nenhum dos lados. Apenas demonstrarei meu ponto de vista, tanto Lula, quanto Moro empregam o mesmo modelo de ética.

Recentemente assisti novamente ao filme Watchmen. Os principais personagens adotam diferentes modelos de ética. Recomendo que assistam ao filme (disponível no Netflix) dirigido por Zack Snyder ou leiam o livro em quadrinhos (romance gráfico), escrito por Alan Moore e ilustrado por Dave Gibbons. A Revista Time considerou este livro um dos cem melhores romances publicados em inglês desde 1923. A seguir apresento o modelo ético de alguns personagens do filme.

Rorschach segue o modelo da Deontologia, também conhecido como a ética de Kant. É o agir pelo dever. Pode parecer estranho, mas só pode ser atingida através do livre arbítrio. Só a vontade pode embasar a moralidade e suplantar os instintos. Para Rorschach, tudo é preto no branco; é olho por olho, dente por dente.

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Immanuel Kant

Ozymandias e Dr. Manhattan seguem o modelo teleológico, também conhecido como Utilitarismo. Foi defendido pelos filósofos e economistas britânicos Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Pode ser resumida na frase “agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar”. Para Ozymandias, pessoas podem ser prejudicadas para o benefício da maioria.

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Jeremy Bentham e John Stuart Mill

Coruja II segue a ética da virtude clássica, a ética do filosofo grego Aristóteles. Ele busca o equilíbrio, o caminho do meio, entre os extremos.

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Aristóteles

Se já viu o filme ou não pretende vê-lo, siga a leitura. Caso contrário, os próximos parágrafos serão spoilers. Volte ao artigo após a foto dos super-heróis do filme. E quando for assistir ao filme, lembre-se de que é um filme de super-heróis só para adultos.

O filme se passa nos anos 80, onde uma guerra nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética é iminente. Ozymandias traça um plano para destruir algumas das principais cidades do planeta, usando uma tecnologia desenvolvida através dos poderes do Dr. Manhattan. Quando isto acontece os EUA e a URSS se unem contra um inimigo comum (Dr. Manhattan) e o mundo entra em um período de paz. Ou seja, Ozymandias mata milhões para salvar a vida de bilhões, seguindo o utilitarismo.

Rorschach e o Coruja tentam impedir o plano sem sucesso. Dr. Manhattan e Espectral aparecem e, ao verem na TV o discurso do presidente americano, Nixon, os heróis se dão conta que contar a verdade poderia destruir a paz obtida através do plano de Ozymandias. Rorschach não se conforma e, mesmo sabendo que provavelmente aquele seria o último ato de sua vida, diz que denunciaria o plano de Ozymandias, porque todos têm o direito de saber a verdade.

Temos então o seguinte diálogo:

Ozymandias – Será mesmo Rorschach, se me denunciar irá sacrificar a paz pela qual milhões morreram hoje.
Coruja II – Paz baseada em uma mentira.
Ozymandias – Mas é paz, apesar de tudo.
Dr. Manhattan – Ele está certo.
Espectral – Não, não podemos fazer isso!
Dr. Manhattan – Você me ensinou o valor da vida humana, se quisermos preservá-la aqui, temos que ficar em silêncio.
Rorschach – Fiquem vocês com suas mentiras! Não faço acordos, nem mesmo
diante do Armagedom.

Fora do palácio de Ozymandias, Rorschach encontra Dr. Manhattan e o diálogo prossegue.

Dr. Manhattan – Rorschach, você sabe que não posso permitir isso!
Rorschard – Se tivesse se importado desde o começo com a humanidade nada disso aconteceria.
Dr. Manhattan – Posso mudar quase tudo Rorschach, mas não posso mudar a natureza humana.
Rorschach – Claro, deve proteger a utopia de Veidt (nome verdadeiro de Ozymandias). Um cadáver a mais não faz diferença. Muito bem, o que está esperando, vai me mate, me mate…

Dr. Manhattan explode Rorschach, porque também aderiu ao utilitarismo. A morte de Rorschach garantiria a paz e, deste modo, as vidas de bilhões estariam salvas. Por outro lado, Rorschach seguiu a ética de Kant até o último instante de sua vida. A justiça e a verdade devem estar acima de tudo, não importam as consequências.

watchmen

Watchmen – da esquerda para direita: Ozymandias, Dr. Manhattan, Espectral II, Rorschach, Coruja II e Comediante

 

Voltando agora a Lula e Sérgio Moro…

No livro “Uma ovelha negra no poder”, dos jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz, lançado em 2015 sobre a vida do ex-presidente uruguaio, Pepe Mujica, há um trecho sobre o Mensalão, escândalo que assolou o primeiro mandato de Lula. Abaixo transcrevo a página do livro traduzida para o português.

Lula teve de enfrentar um dos maiores escândalos da história recente do Brasil: o mensalão, uma mensalidade cobrada por alguns parlamentares para aprovar os projetos mais importantes do Poder Executivo. Compra de votos, um dos mecanismos mais antigos da política. Até José Dirceu, um dos principais assessores de Lula, está processado por esse caso.

“Lula não é corrupto como era Collor de Mello e outros presidentes brasileiros”, disse Mujica, referindo-se ao caso. Contou também que Lula viveu aquele episódio com angústia e com um pouco de culpa. “Neste mundo tenho que lidar com muitas coisas imorais, chantagens”, disse Lula com pesar a Mujica e Astori, algumas semanas antes de assumirem o governo do Uruguai. “Essa era a única forma de governar o Brasil”, se justificou. Eles tinham ido visitá-lo em Brasília, Lula sentiu necessidade de esclarecer a situação. “O mensalão é como este país, tudo é enorme”, refletiu.

“O mensalão é mais velho do que o agujero del mate (expressão uruguaia que se refere a algo velho)”, opina Mujica. Grandes políticos da história tiveram de recorrer a mecanismos semelhantes. “Às vezes, este é o preço infame das grandes obras”, argumentou ao lembrar-se Abraham Lincoln, justo nos dias em que havia estreado um filme de Steven Spielberg sobre a vida do presidente dos Estados Unidos, no qual ele mostrou como ele tinha que entregar algo em troca de votação para seus projetos.

De acordo com Mujica, Lula aceita pagar o mensalão para viabilizar o seu governo. O pagamento a deputados para votarem a favor das leis propostas pelo governo é ilícito e imoral. Este ato vai contra a Deontologia (a ética de Kant), porque afronta a justiça e a verdade. Por outro lado, ao aprovar rapidamente essas leis, o governo obteve o que precisava para a execução do seu plano. Ou seja, a ética usada foi utilitarista.

O pior no utilitarismo é que pode seguir aquela máxima de que os fins justificam os meios. E isto fica claro nos escândalos de corrupção que visavam financiar a permanência do PT no governo, investigados pela Operação Lava-Jato.

Sérgio Moro cometeu um ato ilegal ao divulgar a escuta telefônica em que Lula conversava com a então presidente Dilma Rousseff. Ele despachou às 11:13 do dia 16/03/2016, suspendendo a escuta telefônica contra o ex-presidente Lula. No mesmo dia, às 13:32 foi gravada a conversa de Lula com Dilma, onde é combinada a assinatura do termo de posse de Lula como Ministro da Casa Civil. Apesar da escuta ser considerada ilegal, Moro derrubou o sigilo e liberou sua divulgação. Não estou nem discutindo a questão do foro para autorizar a divulgação de grampo telefônico de uma presidente no exercício do cargo.

Moro, no seu despacho que autoriza a divulgação dos áudios, arremata:

“A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras.”

Eu sei que você ficou em dúvida se Moro agiu como Rorschach, seguindo a ética kantiana numa luta para punir o mal, ou como Ozymandias, seguindo o utilitarismo em que os fins justificam os meios.

A condenação de Lula no caso do “Triplex do Guarujá” pode dirimir esta dúvida. Moro condenou Lula a 9 anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O problema é que o triplex nunca saiu do nome da OAS, foi inclusive usado como garantia na Caixa. A condenação foi baseada em alguns depoimentos e mensagens, sem provas realmente concretas.

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Lula e Moro no interrogatório do Processo do Triplex do Guarujá  (Fonte: Folha de São Paulo).

Para Kant, o Estado não pode punir um cidadão para inibir os outros a cometerem ilícitos. Neste caso, o utilitarismo seria aplicado. A pena é uma retribuição ética que se justifica pela moral, fundamentando a pena tão somente pelo mal que o condenado já praticou e não como uma maneira utilitária de promover o bem de outros ou do próprio condenado.

Sérgio Moro agiu em relação à Lula de acordo com a perspectiva do utilitarismo. Mesmo sem provas suficientes para condená-lo, ele decidiu fazê-lo, removendo Lula do processo eleitoral brasileiro no ano passado.

Para completar, Moro suspendeu os novos interrogatórios de Lula para evitar exploração política que pudesse interferir nas eleições. Por outro lado, há seis dias do primeiro turno das eleições presidenciais, quebrou o sigilo da delação de Antônio Palocci que fazia acusações contra Lula. Assim Moro, mais uma vez, agiu de modo utilitarista, reduzindo as chances eleitorais do PT. Afinal, na sua visão, seu objetivo de combater a corrupção seria prejudicado com a volta de Lula, ou pelo menos de alguém do PT, à presidência de República.

E você segue qual perspectiva ética – kantiana, utilitarista ou aristotélica?

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I’m Not Dog No – A Servidão Voluntária

O cantor e humorista cearense Falcão ganhou destaque nacional, quando lançou uma música com o mesmo título deste artigo. A versão em inglês do antigo sucesso de Waldick Soriano não é o tema deste artigo, e sim o comportamento canino e sua semelhança com o de inúmeros grupos de humanos.

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Cantor cearense Falcão

Tenho passado, rotineiramente, os dias da semana em uma pequena cidade do interior de São Paulo, Orindiúva. Como adquiri nos últimos meses o hábito da corrida, pelo menos duas vezes por semana, saio do hotel para treinar antes das 6 horas da manhã. No percurso de quase sete quilômetros, percorro ruas e contorno praças da cidade. Nos últimos dois ou três meses, comecei a notar que o número de cães nas ruas da cidade está crescendo, servindo de base para minha observação sobre a etologia (comportamento) canina. A seguir listo minhas sete principais conclusões.

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Foto de satélite da cidade de Orindiúva

1. Cães gostam de estar junto às pessoas

Os trabalhadores das usinas da região costumam esperar nas praças da cidade os ônibus que os conduzem ao trabalho. Frequentemente os cachorros ficam junto com os trabalhadores que interagem e alimentam os animais.

2. Cães seguem uma rotina

Logo após as partidas dos ônibus com os trabalhadores, as praças esvaziam e as matilhas se deslocam para outro local, onde há outras pequenas aglomerações de pessoas. Esta rotina se repete até perto das 7 horas da manhã, quando vários cachorros ficam próximos de uma escola municipal.

3. Cães solitários normalmente são tímidos

Cães solitários não costumam latir para pessoas. Ao cruzar no caminho, pode-se notar uma certa tensão no olhar do animal.

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Cão solitário

4. Cães agem de forma parecida quando estão em grupo

Quando estão em grupo, os cachorros começam a homogeneizar suas ações e reações. Parecem um único indivíduo dividido em várias partes. Todos demonstram alegria, medo ou agressividade ao mesmo tempo.

5. Cães menores são os maiores influenciadores do comportamento da matilha

Invariavelmente são os cachorros menores que influenciam os maiores. Talvez por serem mais inquietos e ativos, os cães menores começam as brincadeiras, latem e atacam algum pedestre.

6. Cães gostam de atacar alvos em movimento

Cães adoram atacar ciclistas, motociclistas e “pessoas que correm pelas ruas às 6 horas da manhã”. Este é meu maior problema, quando corro ao redor de uma praça orindiuvense e uma matilha resolve me acuar.

7. A força do cão está na matilha e a fraqueza está no indivíduo

A prova que a matilha é forte e o cão solitário é fraco aconteceu em um dia que uma pequena matilha ficou me perseguindo e latindo ao meu redor. Após uns 50 metros, todos os cães desistiram de me seguir com exceção de um animal. Neste momento, eu comecei a correr atrás dele por uns 10 metros, antes de retomar minha rota. O cãozinho ficou apavorado e se escondeu atrás de uma estátua de onde ficou me espiando. Ou seja, ele era valente no grupo e ficou covarde sozinho.

Cachorro matilha

Matilha

Felizmente, até agora a cachorrada das ruas de Orindiúva não me mordeu. Só ficam latindo ao meu redor, quando passo perto de uma matilha. Como escreveu sabiamente o cantor Falcão, “dog’s au-au it’s not nhac-nhac” (ou em bom português, cão que late não morde).

Cachorros 2

Meus dois “melhores amigos” em Orindiúva

O ser humano tem a faculdade de pensar criticamente e agir de acordo com seus princípios, mas muitos abdicam da liberdade de discordarem de seu grupo e deixam-se levar pelo pensamento único. Agem como se só haveria força se seguissem sua “matilha”.

Não pensar criticamente é o caminho para servidão voluntária.

Escrevi três artigos sobre obediência baseado nos trabalhos de dois psicólogos americanos, Stanley Milgram e Philip Zimbardo. No trabalho de Milgram, as pessoas davam choques em outras simplesmente, porque alguém (a autoridade) assumia toda a responsabilidade. No experimento de Zimbardo, quem fazia o papel de guarda em uma penitenciária fictícia passou a humilhar quem fazia o papel de preso. E a maioria destes “presos” aceitou os desmandos e humilhações como se não houvesse alternativa.

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Stanley Milgram e Philip Zimbardo

Recentemente li o “Discurso sobre a Servidão Voluntária”, escrito pelo filósofo francês Étienne de La Boétie no século XVI. Fica claro que seguir ordens e não reagir contra elas, mesmo quando veementemente não se concorda com elas, é muito mais confortável. As pessoas podiam se rebelar e simplesmente desobedecer ao tirano, mas seguem atendendo suas ordens. Os submissos são responsáveis pela sustentação da tirania.

Étienne de La Boétie

Étienne de La Boétie

Hannah Arendt, filósofa alemã de origem judaica, acompanhou o julgamento do nazista Adolf Eichmann em Israel. Ela esperava encontrar um monstro, mas viu um homem absolutamente normal, um burocrata responsável pela logística de transporte de judeus até os campos de extermínio. Segundo Eichmann, ele simplesmente estava cumprindo a sua obrigação. Baseada nessa observação, Arendt cunhou o termo “Banalidade do Mal”.

Hannah Arendt

Hannah Arendt

Voltando a Philip Zimbardo, ele listou sete processos sociais que facilitam o escorregão para o mal no seu livro “O Efeito Lúcifer”:

– displicentemente dar o primeiro passo;
– desumanização dos outros;
– anonimato;
– responsabilidade individual difusa;
– obediência cega à autoridade;
– conformismo não crítico às regras do grupo;
– tolerância passiva ao mal pela inação ou indiferença.

O filósofo austríaco Karl Popper foi um grande defensor da tolerância, entretanto explicitou seus limites no livro “Sociedade Aberta e seus Inimigos” de 1945.

“Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes.”

Karl Popper

Karl Popper

Esta tolerância ilimitada poderia ser substituída por passividade – processo que transforma pessoas livres em zumbis ou simples cães de rua que só conseguem agir de acordo com a vontade da matilha que espera a iniciativa de seus mais insignificantes membros para sair da inércia.

P.S.: Aproveito para fazer um apelo ao prefeito da cidade de Orindiúva. A cidade apresenta ótima conservação de ruas, praças e prédios públicos, além de oferecer à população bons serviços nas áreas de educação e saúde. Está na hora de implantar um programa de castração dos cães de rua e oferecer este serviço para que os moradores possam esterilizar seus animais domésticos com baixo custo. Assim evitar-se-á a multiplicação de animais nas ruas e aumento de casos de zoonoses.

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A Sérvia e a Eleição Presidencial Brasileira

A primeira ideia, que vem à mente ao ler o título deste artigo, é a existência de uma conspiração do governo sérvio para interferir no resultado das eleições presidenciais brasileiras. Seria algo similar ao feito pelos russos no pleito que elegeu Donald Trump presidente dos Estados Unidos? De acordo com meu conhecimento, não existe atuação da Sérvia nas nossas eleições. Você deve estar pensando sobre o motivo deste título exótico.

No início de agosto, passei uma semana na Sérvia. Na medida que a intimidade e confiança mútuas começam a crescer, assuntos sensíveis como a Guerra dos Balcãs podem ser conversados. Fiquei surpreso quando descobri que a maioria das pessoas que eu conversava tinham suas origens em diferentes países da antiga Iugoslávia. Alguns tinham família na Croácia, outros na Bósnia ou Montenegro. A pergunta é óbvia, se não existem etnias puras sérvias, croatas ou montenegrinas, por que a rivalidade entre as regiões da antiga Iugoslávia cresceu aponto de acontecer uma guerra tão sangrenta?

Por um lado, líderes inescrupulosos almejaram consolidar seus poderes. Por outro lado, sempre existem interesses econômicos por trás de guerras. Um dos meus interlocutores na Sérvia contou-me que, como estava próximo à fronteira com a Croácia, assistia aos noticiários dos dois lados. Nos telejornais croatas, os sérvios eram bandidos assassinos; nos telejornais sérvios, os croatas eram os carniceiros. Assim o ódio foi crescendo nos dois lados, as atrocidades foram se acumulando, bem como o desejo de vingança de um lado em relação ao outro.

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Antiga Iugoslávia e as atuais repúblicas

Guardadas as devidas proporções, observamos algo parecido no Brasil. O ódio em relação aos políticos tradicionais e, principalmente, ao Partido dos Trabalhadores (Lula em especial) parece ter cegado e ensurdecido boa parcela da população brasileira. Não importam os argumentos racionais ou quaisquer bons e puros sentimentos, só o ódio e a vingança valem.

Como pode alguém que mais de uma vez insultou mulheres em público receber votos de mulheres? Como pode alguém que já minimizou perdas de vidas inocentes, prega o endurecimento da violência policial e fez elogios à tortura e torturadores receber votos de pessoas que vivem em zonas de risco? Como pode o companheiro de chapa de um candidato à presidência falar contra o décimo terceiro salário, entre outros direitos trabalhistas, receber votos de trabalhadores assalariados pobres?

O mesmo acontece em relação ao outro lado. Como pode alguém votar no candidato de um partido que se afundou na corrupção, que tanto criticava, para angariar fundos para se manter no poder? Como pode alguém votar no candidato de um partido que, apesar de todas as evidências, foi incapaz de fazer um mea-culpa e prometer que daqui para frente os procedimentos serão diferentes?

Diferente das últimas eleições presidenciais, não estamos escolhendo entre um projeto mais liberal e outro mais intervencionista, ou entre um projeto mais orientado ao econômico e outro mais voltado ao social. A questão nem está relacionada ao populismo.

Na verdade, temos um candidato que já criticou abertamente minorias (índios, quilombolas e gays) e cuidados na área ambiental, ameaçando os direitos humanos e a proteção ao meio ambiente. Alguém que já disse que vai acabar com o ativismo. Alguém que simpatiza com regimes de exceção, cercado por militares da reserva que também simpatizam. Alguém que já disse que vai propor o aumento do número de ministros do STF de 11 para 21, provavelmente para controlar as decisões desta corte. Alguém que está procurando um ministro da educação que tenha autoridade, expulse a filosofia de Paulo Freire das escolas e mude os currículos escolares. Alguém que defende a fusão do ministério da agricultura com o do meio ambiente. Este é Jair Bolsonaro que, se eleito, deverá ter o apoio do Congresso mais conservador dos últimos 30 anos. Ou seja, ele poderá aprovar suas propostas no Câmara dos Deputados e Senado.

No ano passado, escrevi um artigo, onde comentava o desequilíbrio pelo qual nosso mundo está passando. Abaixo transcrevo um trecho.

O economista britânico Guy Standing, no seu livro “O Precariado – A Nova Classe Perigosa” (The Precariat: The New Dangerous Class), descreve a formação e crescimento de uma nova classe, o “precariado”, com o avanço da globalização neoliberal. Segundo Standing:

“O precariado é definido pela visão de curto prazo e, induzida pela baixa probabilidade de progresso pessoal ou de construção de uma carreira, pode verificar-se uma evolução massificada no sentido da incapacidade de pensar a longo prazo.”

“Aqueles no precariado têm vidas dominadas por inseguranças, incertezas, dúvidas e humilhações.”

“As pessoas inseguras deixam as outras furiosas e as pessoas com raiva são voláteis, propensas a apoiar uma política de ódio e amargura.”

Precariat_Guy Standing

Esta explicação sobre o precariado justifica uma porção expressiva dos votos em Bolsonaro no primeiro turno.

Existe uma palavra em alemão, Weltanschauung, que pode ser livremente traduzida como visão de mundo. Segundo o Wikipédia,

Weltanschauung é um conjunto ordenado de valores, crenças, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, a respeito da época ou do mundo em que se vive. Em outros termos, é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo, de uma coletividade ou de toda uma sociedade, num dado espaço-tempo e cultura, a respeito de tudo o que existe – sua gênese, sua natureza, suas propriedades. Uma visão de mundo pode incluir a filosofia natural, postulados fundamentais, existenciais e normativos, ou temas, valores, emoções e ética.

Os decepcionados, os enraivecidos e os desesperançados escolheram, sem refletir, Jair Bolsonaro como sua opção para presidente, segundo sua Weltanschauung.

Não votei no primeiro turno em Fernando Haddad, principalmente, devido ao envolvimento de seu partido, PT, em corrupção. Neste segundo turno, não vejo outra opção. Bolsonaro representa um retrocesso social e político perigoso. Só nos resta, nestas duas semanas antes das eleições, conversar com amigos, parentes e demais pessoas do nosso convívio. Devemos refletir sobre o que significa a vitória de projeto ultraconservador como o Bolsonaro. Este processo deve ser realizado na paz, sem ódio, porque o ódio só alimentará mais a certeza que Bolsonaro é a melhor alternativa neste momento do nosso país. Lembremos dos sérvios, croatas e bósnios…

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Bolsonaro e Haddad no domingo da votação. [Fonte: El País]

 

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Deixem as Crianças Crescerem

Comecei recentemente a ler o livro “Memórias de Vida e Luz”, autobiografia de Jacques Lusseyran, um herói cego da Resistência Francesa na Segunda Guerra Mundial. Em uma passagem do livro, Lusseyran mostra sua gratidão pela forma que seus pais encararam sua cegueira e arremata com este conselho para pais de crianças cegas:

“Por isso eu digo aos pais cujos filhos ficaram cegos que tenham confiança. A cegueira é um obstáculo, mas só se torna uma miséria quando se cai na insensatez. Digo-lhes que sejam tranquilos, jamais contrariando o que seu pequeno filho ou filha anda descobrindo. Nunca deveriam dizer ‘Você não pode saber isso porque não enxerga’, e o mais ocasionalmente possível ‘Não faça isso, é perigoso’. Para uma criança cega existe uma ameaça maior do que todos ferimentos e galos, os arranhões e a maioria das batidas: é o perigo do isolamento dentro de si mesma.”

Jacques_Lusseyran

Jacques Lusseyran

Ou seja, não diga ao seu filho cego que ele não sabe ou é incapaz de fazer algo, simplesmente porque ele não enxerga. Se os pais fizerem isto, estarão limitando a evolução de seu filho, colocarão uma armadura que o isolará do mundo.

Mas este conselho poderia ser dado a pais com filhos com outros tipos de necessidades especiais: deficientes auditivos, crianças com dificuldades de locomoção ou com algum tipo de retardo intelectual. Afinal o excesso de proteção também poderá isolar o filho e limitar sua interação com outras pessoas e com o mundo.

criancasPensando bem, este conselho de Jacques Lusseyran vale para todas as crianças. Nós pais temos o dever de proteger e educar nossos filhos, mas, neste processo, não devemos tolher suas iniciativas ou moldar seus pensamentos de forma que eles se tornem simples cópias do senso comum.

Mais uma vez estamos frente a frente com o desafio de encontrar o equilíbrio.

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