Para Obter a Paz, não Basta uma Vitória Militar sobre o Estado Islâmico

Há uma semana, as pessoas ficaram chocadas com a série de atentados terroristas acontecidos na noite de sexta-feira em Paris. O Estado Islâmico assumiu a responsabilidade pela operação que causou a morte de dezenas de pessoas, com 89 vítimas fatais apenas na casa de espetáculos Bataclan.

Grávida tenta fugir pela janela do Bataclan

Grávida tenta fugir pela janela do Bataclan

Três grupos islâmicos, considerados por muitos como terroristas, surpreenderam ao condenar veementemente os atentados em Paris. O grupo libanês xiita Hezbollah e os movimentos palestinos Hamas, no poder na Faixa de Gaza, e Jihad Islâmica desaprovaram a ação do Estado Islâmico que vitimou inocentes. Assim norte-americanos e russos, todos os países europeus, todos os países muçulmanos (independente da orientação sunita ou xiita), além de diversos grupos armados islâmicos alinharam-se no objetivo de acabar com a ameaça do Estado Islâmico.

Abaixo está a tradução de uma nota publicada no diário “The Economist Espresso” na terça-feira passada:

Cada um com seu próprio interesse: o Oriente Médio depois de Paris

A região fragmentada está unida na indignação e sobre a necessidade de fazer mais para combater Estado Islâmico. Os líderes políticos concordam com mais ataques aéreos, incluindo um bombardeio francês contra Raqqa, base síria do EI. No entanto, apenas esta unidade é tão profunda. Muitos libaneses estão reclamando que os atentados mortais em Beirute, um dia antes dos ataques em Paris tiveram muito menos atenção. Alguns sírios apontam que Bashar al-Assad matou milhares a mais do que o EI. Todos os lados estão usando os ataques para reforçar suas narrativas: o regime de Assad insiste que está combatendo apenas “terroristas”, em vez de seu próprio povo; no Egito Abdel-Fattah al-Sisi usa a ameaça extremista para justificar a regra da mão de ferro. Uma segunda rodada de conversações de paz sobre a Síria neste fim de semana obteve pouco progresso. Os grandes vencedores até agora são os principais aliados do Ocidente, os curdos. Eles estão propensos a tirar proveito de mais ataques aéreos para expandir seu território.

Para entender (ou compreender menos ainda) as complexas relações entre os diversos agentes que atuam no Oriente Médio, veja a figura abaixo.

Middle Eastern relationships

Não tenho dúvida que os territórios ocupados pelo EI no Iraque e na Síria serão reconquistados e este grupo perderá grande parte do seu poderio bélico. Infelizmente tenho convicção que esta futura vitória militar não trará paz para o mundo e estabilidade para o Oriente Médio em particular.

Não farei uma detalhada análise sobre as causas do agravamento dos conflitos na região ou o aumento da violência dos terroristas mundo afora. Apenas levantarei alguns pontos para reflexão.

Em primeiro lugar e acima de tudo, tão importante quanto neutralizar militarmente o Estado Islâmico é apoiar social e economicamente a enorme população muçulmana pobre. Estas pessoas marginalizadas são a matéria prima para pseudolíderes religiosos radicais. Como apresentei no artigo “A Ignorância, o Atraso e o Oportunismo” de 2012, metade da população de analfabetos do mundo é muçulmana e dois terços deste total são mulheres. Sem empregos, sem educação e saúde, a juventude muçulmana carente vira presa fácil dos aliciadores de grupos terroristas. Isto vale inclusive para os jovens que vivem na periferia de Paris ou outra cidade europeia.

Sem dúvida, uma ação diplomática ampla também deve ser feita. Existe uma janela de oportunidade, na qual os atores principais têm um inimigo em comum – o Estado Islâmico. As diversas linhas do Islã – sunitas, xiitas e alauitas sírios, além dos curdos e dos governos do Irã, Iraque, Arábia Saudita, Turquia, Egito, Síria, Israel, Estados Unidos, Rússia e Comunidade Europeia deveriam buscar um grande acordo em busca da paz e estabilidade na região.

Na Primeira Grande Guerra Mundial, a Alemanha foi derrotada e o acordo de paz, assinado em Versalhes na França, foi terrível para o país. Anos depois, o Nazismo ascendeu na Alemanha com o que parecia ser a única forma para reverter aquela situação. Derrotas humilhantes e acordos de paz parciais e injustos causam revolta entre a população e favorecem o surgimento de lideranças populistas. Durante uma guerra, cada bombardeio que atinge uma escola ou um hospital gera novas vítimas inocentes. Serão os mártires a serem explorados por estes regimes violentos.

Outro ponto é a interpretação literal do Alcorão pelo Estado Islâmico, sem o entendimento que a peregrinação de Maomé (Profeta Muhammad) ocorreu no início do século VII. Também não são consideradas as mensagens de perdão e compaixão contidas nesta escritura. Da mesma forma, a Bíblia tem livros que regulamentam o comportamento dos fiéis – Levítico e Deuteronômio. Por exemplo, se a filha de um sacerdote se prostituir, deve ser queimada viva diante de todos de acordo com o Levítico 21:9. Um filho muito rebelde, que não obedece a seus pais, pode ser condenado à morte por apedrejamento, conforme Deuteronômio 21:18-21.

Os homens e mulheres bombas seguramente não são perdoados pelo Alcorão. Não sei se alguma religião incentiva ou, pelo menos, perdoa o suicídio. Ou seja, esta é mais uma exploração da ignorância e da completa falta de significado da vida de um ser humano usado como um objeto descartável a favor dos interesses de líderes inescrupulosos.

Quando o Xá Reza Pahlevi foi deposto pela revolução islâmica do Irã, no final dos anos 70, o seu líder, Aiatolá Khomeini, virou a representação do Mal no Ocidente.

Aiatolá Khomeini com uma criança (foto bem diferente das publicadas usualmente no Ocidente)

Aiatolá Khomeini com uma criança (foto bem diferente das publicadas usualmente no Ocidente)

Os Estados Unidos armou o Iraque de Saddam Hussein para lutar contra o Irã para impedir que outros países da região se transformassem em Estados islâmicos. Na mesma época, ainda sob a Guerra Fria, os americanos apoiaram a resistência às tropas soviéticas no Afeganistão. Diz-se que o Al-Qaeda de Osama Bin Laden recebeu armas, dinheiro e treinamento dos americanos durante este conflito. O Afeganistão ficou esquecido e em ruínas após a dissolução da União Soviética em 1989. O Al-Qaeda revoltou-se contra os americanos que eram aliados de Israel na região e, em 11 de setembro de 2011, protagonizaram uma série de atentados em solo americano, culminando com a destruição das torres gêmeas do World Trade Center em New York. Em represália, os Estados Unidos invadiu o Afeganistão, atrás de Bin Laden. Depois invadiu pela segunda vez o Iraque, caçou Saddam Hussein e o país se transformou em um barril de pólvora. Acabou surgindo uma dissidência ainda mais radical do que o Al-Qaeda, nascia o Estado Islâmico, cujo objetivo é a criação de um califado no Iraque e Síria.

Ou seja, se apenas a opção militar for considerada, teremos novos e mais terríveis capítulos desta história. Diplomacia e investimentos econômicos e sociais são indispensáveis. Esta crise é uma grande oportunidade!

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