Neil Young canta o refrão Driftin’ Back
No meio da turbulência do voo
O Malbec argentino dança um tango na taça.
Se um dia meu corpo não voltar para ti,
Há de existir algo mais sublime…
A vida não pode ser só física!
O fim não pode ser apenas as profundezas do Atlântico…
Se houver algo após meu último suspiro,
Não ficarei decepcionado.
Sonho te reencontrar no Paraíso.
Seria tão bonito quanto o jardim de Monet em Giverny,
Só sem os turistas…
Mas esta ainda não é a hora!
Napoleão Bonaparte, sem dúvida, é uma das figuras mais polêmicas da história da humanidade. Como pude perceber recentemente no Hôtel des Invalides em Paris, o culto à memória do Imperador da França continua vivo. Sua tumba majestosa é cercada por uma série de painéis que apresentam suas contribuições para a França, começando pela centralização administrativa e pacificação interna do país, passando pelo chamado Código Napoleônico para o direito civil em vigor até hoje, chegando às inúmeras benfeitorias implementadas no país, especialmente em Paris. Abaixo você pode ver um destes painéis, onde o baixinho Napoleão parece um daqueles heróis gregos ou romanos…
Napoleão tinha o sonho de acabar com as tradicionais monarquias europeias. Teve sucesso em várias batalhas, mesmo naquelas em que seu exército estava com inferioridade numérica, o que aumentou sua fama de grande estrategista militar, um gênio invencível. Em junho de 1812, as tropas francesas invadiram a Rússia e após cinco meses se retiraram, deixando para trás aproximadamente 550 mil soldados mortos. Após esta grande derrota, os povos das áreas conquistadas por Napoleão se revoltaram e, em março de 1814, atacaram Paris. Napoleão abdicou do trono de imperador, foi preso e enviado para o exílio na ilha de Elba, na costa italiana. No Museu do Exército (Musée de l’Armée), vi estes quadros que mostram um Napoleão derrotado, muito diferente das telas que estamos acostumados.
Napoleão montado no seu cavalo após perder uma batalha (quadro de Jean-Louis Ernest Meissonier)
Napoleão em Fontainebeau 31-03-1814 (quadro de Paul Delaroche)
Um ano depois, ele fugiu de Elba, voltou para França, foi novamente aclamado imperador. Desta vez seu reinado durou apenas 100 dias, quando foi derrotado na Batalha de Waterloo na Bélgica. Foi novamente preso e enviado desta vez para a Ilha de Santa Helena, distante 2 mil km do sudoeste da África, onde morreu seis anos depois.
Há duas semanas, o semanário econômico Businessweek da Bloomberg, um dos principais provedores de informação para o mercado financeiro mundial, botou na sua capa o brasileiro Eike Batista. A manchete era muito desabonadora – “como perder uma fortuna de 34,5 bilhões de dólares em um ano”. Veja a capa da revista abaixo.
Eike Batista é o empresário brasileiro que criou há alguns anos o grupo EBX com atuação em diversos setores como petróleo, carvão mineral, energia, mineração, logística e indústria naval. Para expandir agressivamente seus negócios, captou recursos , entre 2004 e 2012, através de uma série de IPO’s (oferta pública inicial) no mercado acionário brasileiro. A estratégia foi um sucesso e ele se tornou bilionário. Naquele momento, ele passou a ter como meta ser o homem mais rico do mundo. No segundo semestre do ano passado, o mercado começou a desconfiar da capacidade de Eike cumprir suas promessas e as cotações das ações das suas empresas começaram a cair. Em 2013, ficou claro que estas promessas não seriam cumpridas. Para evitar a bancarrota do seu grupo, ele começou a se desfazer do seu patrimônio, já vendeu controle de algumas de suas empresas e a OGX, sua petrolífera, corre grande risco de entrar em concordata. Eike que já foi o sétimo no ranking dos mais ricos do mundo, atualmente deixou de ser bilionário.
Parece que tanto Eike Batista, como Napoleão Bonaparte, guardadas as devidas proporções, sofreram do mesmo mal. Após um período de sucesso, passaram a acreditar que podiam fazer qualquer coisa. Tudo daria certo! Napoleão quis conquistar a Europa e Eike quis ser o homem mais rico do mundo. Napoleão achou que era possível conquistar a Rússia durante seu curto verão e Eike achou que era possível gerenciar a implantação simultânea de vários megaprojetos em poucos anos. O orgulho, em relação às suas capacidades, os fez minimizarem os riscos de insucesso. Assim, ao invés de consolidarem suas posições, eles arriscaram e perderam praticamente tudo o que tinham.
Antes de jogar pedras, temos que compreender que esta é uma armadilha fácil de cair. Quando nos acostumamos apenas com vitórias, passamos a sentir orgulho da nossa capacidade e facilmente podemos nos tornar arrogantes. Neste momento, surdez e cegueira nos fazem ouvir e ver apenas o que apoia nossos pensamentos. Está tudo pronto para o fracasso, a queda é iminente! Cada um de nós deve ter inúmeros exemplos destes casos. Devemos ficar atentos aos sinais que nos cercam, porque isto acontece em todas as esferas de nossas vidas – profissional, casamento, família…
No início da manhã da quinta-feira passada, estava enchendo minha garrafa com água mineral no escritório quando ouvi uma voz:
– Bom dia, chefe!
Virei-me para ver quem havia me cumprimentado. Era o rapaz da limpeza. Na mesma hora, retribuí o sorriso e o cumprimento:
– Bom dia! Tudo bem contigo?
Há alguns meses, quando ele começou a trabalhar na área, percebi que ele não me dirigia o olhar e muito menos a palavra. Esta não era uma característica exclusiva daquele rapaz, todos os ajudantes de limpeza, independente de sexo e idade, agiam da mesma forma. Eu costumo quebrar o gelo, sempre que percebo a aproximação, cumprimento a pessoa, alcanço o cesto de lixo que fica sob a bancada de trabalho e agradeço ao receber o cesto vazio. Depois de alguns dias, eles passam a tomar a iniciativa do cumprimento e dão e retribuem sorrisos.
Pontes foram construídas sobre os desfiladeiros que nos separavam.
Aquele simples cumprimento do rapaz da limpeza ativou uma série de pensamentos e lembranças. Por que em determinadas situações as pessoas agem como se outras não existissem? Por que nos diversos ambientes em que convivemos existem “castas” com barreiras de comunicação entre elas?
A situação lembra a divisão das classes sociais que Aldous Huxley criou no seu livro “Admirável Mundo Novo”, ou uma forma de castas, como os dalits na Índia. Lembrei-me também da história do psicólogo Fernando Braga da Costa que durante alguns anos, pelo menos uma vez por semana, trabalhou como gari no campus da USP em São Paulo. Seu mestrado foi baseado nas suas observações e nos depoimentos destes trabalhadores, que conviviam com ele, sobre as situações de humilhação social pelas quais passavam cotidianamente. Na sequência o psicólogo publicou o livro “Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social”. Deste livro, transcrevo o chamado “episódio do uniforme”:
No intervalo entre aulas no Instituto de Psicologia, foi preciso que eu passasse por dentro do prédio daquela faculdade. Imaginei, então, que vestindo aquele uniforme ali incomum – calça, camisa e boné vermelhos – fosse chamar a atenção de toda a gente: colegas de classe, professores, curiosos.
Entramos pela porta principal, eu e o Antônio (um dos garis). Percorremos o piso térreo, as escadas e o primeiro andar. Não fui reconhecido. E as pessoas pelas quais passávamos não reagiam à nossa presença. Talvez apenas uma ou outra tenha se desviado de nós como nos desviamos de obstáculos, objetos. Nenhuma saudação corriqueira, um olhar, sequer um aceno de cabeça. Foi surpreendente. Eu era um uniforme que perambulava: estava invisível, Antônio estava invisível. Saindo do prédio, estava inquieto; era perturbadora a anestesia dos outros, a percepção social neutralizada.
Por que não fui visto? Por que passei despercebido? Passei realmente despercebido? Que implicações teve o uso de um uniforme? Os uniformes podem valer como signos da posição social – posição de trabalho, posição hierárquica, posição de classe. Quantos outros signos foram produzidos e, carregados pelos garis, disparam desaparecimento público? Esse desaparecimento, essa invisibilidade, que não parecem físicos, como defini-los? Como são socialmente construídos? Como aparecem para os garis? Que aprender e pensar das interpretações dos próprios trabalhadores acerca deste fenômeno?
Fernando Braga da Costa (de laranja à direita) com seus companheiros garis
Em minha opinião, a lógica é terrível! As pessoas invisíveis só existem para servir as pessoas que se recusam a vê-las. Assim, elas deixam de ser pessoas e passam a ser coisas, máquinas que cumprem funções específicas, só isto. E quem fala com coisas é louco. O psicólogo Fernando complementa que aparecem apenas os uniformes e os lugares varridos e limpos.
Assista ao sensacional, impressionante e chocante curta-metragem de animação “El Empleo” do argentino Santiago “Bou” Grasso.
Se os subalternos são invisíveis para nós, por que nós não seríamos também invisíveis para outras pessoas que se acham superiores?
Muitas empresas pagam generosos bônus para seus executivos com base no atingimento de metas. Acho bom remunerar os profissionais pelos resultados das empresas geridas por eles. Por outro lado, muitas vezes as metas escolhidas causam conflitos de interesses.
Duas das principais medidas financeiras que medem o desempenho de uma empresa são o ROIC e o EVA. O ROIC (Return on Invested Capital) é o retorno sobre o capital investido pela empresa. Ele é calculado através da divisão do lucro líquido (lucro operacional menos impostos) pelo capital investido (soma do capital líquido da empresa com a dívida de longo prazo). O resultado desta operação é um percentual que será comparado com a taxa de remuneração do capital desejado pela empresa.
Outra forma de medir o desempenho da empresa é o EVA (Economic Value Added). Ele é calculado através da diferença entre o lucro líquido e a remuneração esperada sobre o capital investido.
EVA = (Lucro Operacional Líquido – Impostos) – (Custo do Capital × Capital Investido)
Como vocês já perceberam, se o capital investido da empresa aumentar, tanto o ROIC, quanto o EVA, diminuirão. Assim se a empresa investir em novas fábricas ou novos equipamentos, o capital investido crescerá e as duas medidas de desempenho serão reduzidas.
Agora você está na pele do CEO de uma empresa e seu objetivo é atingir ROIC de 10% ou EVA de R$ 10 milhões. Se atingir este resultado, o executivo receberá um polpudo bônus. Por outro lado, se ele aceitar aprovar excelentes investimentos que gerarão caixa e lucros para a empresa pelos próximos dez anos, as medidas de ROIC e EVA diminuirão e as metas talvez não sejam atingidas.
O que este CEO fará? Ele pensará nos seu próprio benefício ou agirá para beneficiar a empresa? Mas o pior mesmo é quando balanços e demonstrações de resultados são “fajutados” para atingir as metas…
Confesso que até hoje tenho certo trauma em relação à atividade de tirar fotografias, talvez porque, no passado, havia um verdadeiro rito processual. Tudo começava com o ato de tirar a foto e aguardar que todo o filme fosse usado, depois se deixava o filme em um laboratório para ser revelado e, finalmente, as fotos eram pagas, retiradas e surgia o resultado. Muitas fotos “queimavam”, porque eram tiradas contra o sol. Algumas eram tortas ou mal enquadradas, cabeças eram cortadas com a mesma eficiência das guilhotinas da Revolução Francesa. Outras ainda saiam “tremidas” ou desfocadas. Existia muita expectativa sobre algumas fotos, podiam ser reuniões de famílias ou amigos, belas paisagens, alguma celebridade. Muitas vezes havia decepção com o resultado…
Assim se procurava minimizar os riscos de “perder” fotos, a atividade era quase exclusiva de adultos. Alguns casais pediam para o filho mais velho tirar uma fotografia deles, mas normalmente com baixa expectativa de sucesso. Lembro que, quando moramos em Passo Fundo, fizemos um passeio na cidade de Vacaria. Eu devia ter seis anos e meus pais se sentaram em um banco da praça principal da cidade e pediram para eu tirar uma foto deles. Quando o filme foi revelado, não apareceu a foto deles, no lugar dela havia uma linda foto das árvores da praça. Minha mira falhou…
As coisas melhoraram um pouco quando ganhei de presente alguns anos depois uma Kodak Instamatic.
Era mais fácil de colocar o filme e tirar fotos, mas as fotos eram quadradas e era difícil tirar uma foto realmente boa. Abaixo uma foto histórica tirada com esta máquina onde apareço com minha irmã e meus primos de Pelotas.
Primo Éverton (esquerda), eu, prima Simone e mana Flávia
Tem algumas invenções que alteram nosso modo de se relacionar com o mundo e favorecem o aparecimento de novos talentos. Uma destas invenções é a máquina fotográfica digital.
Na metade da década de 70, aconteceram os primeiros desenvolvimentos nos laboratórios da Kodak, mas somente no final dos anos 80 e início dos 90 se iniciou a comercialização dos primeiros modelos. O preço inicialmente era muito mais alto do que as câmeras convencionais com filme. A resolução das fotos digitais também era muito inferior. As agências jornalísticas foram os primeiros a perceberem o potencial desta nova invenção, onde um repórter fotográfico podia tirar uma foto e transmiti-la pela linha telefônica para a redação do jornal. Depois surgiram as câmeras com visor de LCD, onde instantaneamente a qualidade da foto poderia ser conferida. O medo de desperdiçar fotos sumiu, poderiam ser tiradas quantas fotos cada um quisesse e só seriam preservadas as que ficassem boas. As crianças ganharam a permissão de experimentar. Uma revolução! Quando o preço caiu, as máquinas fotográficas com filme ficaram restritas a um nicho de mercado, os amadores migraram maciçamente para a novidade.
Até o grande fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado aderiu à novidade durante seu último trabalho, Genesis, que traz imagens das regiões mais remotas da Terra. Assista ao vídeo sobre a abertura da turnê da exposição que ocorreu no Museu de História Natural de Londres.
Aqui em casa, nossa filha Júlia tira fotos e faz vídeos com a máquina fotográfica e, principalmente, com o smartphone da mãe. Alguns destes vídeos são bem interessantes! Parece que os smartphones já substituíram a maioria das máquinas fotográficas digitais. A tecnologia avança de forma cada vez mais rápida. Quando algo novo cai nas graças dos consumidores, a migração é muito rápida, abandonando-se a tecnologia anterior.
Agora um aspecto mais “quente” desta evolução tecnológica! As fotos digitais facilitaram outras atividades, como o sexo e a pornografia. Imagine a seguinte situação: um casal se inscreve num site de swing (troca de parceiros) e precisa anexar fotos desinibidas neste site. No caso das máquinas fotográficas com filme, eles tirariam fotos caseiras, iriam para um laboratório para solicitar a revelação, onde provavelmente todos os funcionários olhariam as fotos. Evidentemente, haveria uma “negociação” do casal para decidir qual dos dois retiraria as fotos, onde, certamente, o marido seria o perdedor. Ele entraria na loja, usando a sua melhor cara de pau, e entregaria o recibo para algum atendente. O marido pegaria o envelope, louco para sumir o mais rápido possível, mas uma atendente diria:
– O senhor tem direito a uma ampliação.
Neste momento, o homem poderia interpretar mal, ficar feliz e dizer:
– Que beleza! Vocês têm convênio com alguma clínica especializada?
Ou poderia se irritar e dizer:
– Achou pequeno, hein? Posso te mostrar ao vivo…
Deixando a palhaçada de lado, eu realmente acho incrível como um gigante como a Eastman Kodak, em apenas vinte anos, perdeu a liderança do negócio de fotografia e pediu concordata na metade de 2012. Na sequência, para evitar a falência, se desfez de negócios e vendeu suas patentes no segmento de imagens digitais. Parece que esta empresa, como tantas outras grandes corporações, não conseguiu perceber a ameaça que novas tecnologias emergentes representam para seu negócio e não se reinventou a tempo. No caso específico da Kodak, ainda existe o agravante de que o primeiro protótipo da nova invenção nasceu no interior de seus laboratórios de P&D. O orgulho da sua grandeza gerou a arrogância e a cegueira que despedaçaram a empresa, como acontece também com várias pessoas.