Um velhinho octogenário, baixo, cabelos brancos está sentado na mesa de trabalho no interior dos seus aposentos. Seu mordomo anuncia a chegada e pergunta no que pode servi-lo. O velhinho retira seus óculos de leitura, encara seu interlocutor e após longos segundos fala:
– Paolo, você se lembra de nossa conversa sobre a missão espinhosa que estou enfrentando? Você tem certeza de que deseja sacrificar sua vida por esta causa?
O mordomo sem titubear responde:
– Claro Vossa Santidade! O que sinto mais fortemente dentro de mim é a convicção de que agirei exclusivamente por amor, eu diria um amor visceral, pela Igreja de Cristo e seu representante!
Ao ouvir isto, o Papa deschaveou a segunda gaveta do lado direito da mesa, ergueu-se lentamente e disse:
– Então você sabe o que fazer! Que Deus te projeta e tenha misericórdia de nossas almas…
Vagarosamente Bento XVI caminhou até a peça ao lado, onde se ajoelhou no oratório e começou a rezar. Enquanto isso, Paolo retirava da gaveta uma série de cartas e documentos, colocou-os dentro de uma fronha, depois enrolou tudo com uma toalha. Desceu as escadas até o vestiário, trancando o material precioso em seu armário.
O resto da história todo mundo já sabe. Era janeiro de 2012, Paolo Gabriele, mordomo pessoal do Papa há seis anos, entregou os documentos jornalista italiano Gianluigi Nuzzi. Estava criado o Vatileaks, escândalo que escancarou as lutas pelo poder no Vaticano, corrupção, nepotismo e lavagem de dinheiro no IOR (Istituto per le Opere di Religione, vulgo Banco do Vaticano).
Claro que o início deste post é uma obra de ficção, mas poderia ter acontecido da forma que descrevi acima. Se nos aprofundarmos nas teorias conspiratórias, lembro-me do caso de Albino Luciani, o Papa João Paulo I, popularmente conhecido como “Papa Sorriso”. Em 1978, ele foi escolhido para substituir Paulo VI, mas seu pontificado durou apenas 34 dias. Oficialmente ele teve morte natural, provavelmente ataque cardíaco, mas não foi feita autópsia. O jornalista britânico David Yallop afirma em seu livro ”Em Nome de Deus” que o Papa morreu envenenado, porque no dia seguinte ele excluiria toda a cúpula do IOR. Se esta versão é verdadeira ou fantasiosa, não sabemos, mas talvez Bento XVI tenha decidido não arriscar…
Voltando para minha versão sobre o mentor do Vatileaks, o Papa atual não contava com a passividade do rebanho dos católicos. Parece que houve mais indignação com o vazamento dos documentos do que com o conteúdo em si. Deste modo, Bento XVI preocupou-se em “limpar a barra” de seu mordomo Paolo da melhor forma possível, perdoando-o e libertando-o no final do ano passado. Na sequência tomou uma decisão surpreendente, optou pela renúncia, voltando a iluminar, com uma potência ainda maior desta vez, todos os escândalos e mazelas da Igreja Católica. Todas suas manifestações a partir da divulgação da sua decisão de renunciar foram contundentes como esta:
– É preciso superar individualismos e rivalidades que deturpam a face da Igreja.
Tenho um desejo utópico que a Igreja Católica se refundasse neste conclave e retornasse à sua origem baseada nos ensinamentos de Jesus, no amor e na compaixão. Por outro lado, gostaria que assuntos onde a Igreja tem sido retrógrada como, por exemplo, contracepção, pesquisa com células tronco, eutanásia e homossexualismo fossem discutidos abertamente e houvesse expressivos avanços nos próximos anos.
Para não ficar restrito apenas aos escândalos da Igreja Católica, não podemos aceitar que, em nome da religião, haja enriquecimento ilícito de “Ministros de Deus”, como lemos recentemente em um artigo da Revista Forbes sobre os pastores evangélicos mais ricos do Brasil (link abaixo).
Principalmente eu desejaria que todos se tornassem Papas de sua própria fé, sem intermediários como já apresentei no post Descoberta a Nova Redação do Primeiro Mandamento. Cada pessoa estaria livre para criar sua ligação com o Ente Supremo da forma que julgar melhor para si. Isto parece ser um ato egoísta, mas nada é mais individual, em minha opinião, do que a espiritualidade. Quanto ao dízimo, um empresário, ao invés de pagar 10% do seu lucro a uma Igreja qualquer, poderia criar um negócio social, onde seriam gerados empregos e renda para comunidades carentes. Um trabalhador poderia doar 10% do seu salário para as entidades de sua confiança e auxiliar o segmento que ele se identifica mais como crianças, idosos, deficientes físicos ou mentais, animais abandonados, meio ambiente. Além disto, obviamente, todos deveriam “botar as mãos na massa” para fazer um mundo melhor. Desta forma, quem acredita em Deus será um agnus Dei (cordeiro de Deus), ao invés de ser um agnus homines (cordeiro dos homens) e simplesmente seguir as orientações de pessoas que se colocam como intermediários entre o Céu e a Terra.
Se “meu latim” estiver errado, por gentileza, corrijam…
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