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As Três Formas Modernas de Escravidão

Hoje em dia se discute muito sobre a escravidão moderna. Este artigo não trata de formas de escravidão como crianças em plantações de cacau na África, nem outras formas que acontecem em propriedades rurais brasileiras. Eu gostaria de abordar os tipos mais sutis de escravidão – aqueles nos quais as pessoas não percebem que se tornaram escravas. As principais causas são econômicas. Selecionei três formas que julgo as principais.

A primeira forma é o consumismo. O consumismo é a base do capitalismo. Atualmente todas as pessoas são bombardeadas por propagandas. Nas redes sociais, são influenciadas pela ostentação de outra pessoa através de uma foto ou uma história e passam a acreditar que têm a obrigação de consumir. Passam a desejar roupas e relógios de grife, os últimos modelos de automóveis ou celulares e assim por diante. Isto tudo tem um preço. Ao adquirir mercadorias de marcas famosas, paga-se um preço alto. A marca traz status para a pessoa. E é exatamente isto que a pessoa deseja comprar. Com o passar do tempo, se não houver condições econômicas de manter este padrão de consumo, a pessoa vai “evoluir” para a segunda forma de escravidão que é a dívida.

A dívida é a forma mais perversa, porque a pessoa realmente fica escrava de instituições financeiras ou agiotas. Ela fica sem alternativas de conseguir outra coisa que não seja juntar dinheiro para pagar aquela dívida que, muitas vezes, é impagável, porque os juros correm mais rápido do que a capacidade de ganhar dinheiro. Esta é uma situação terrível.

No Brasil, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) acompanha o endividamento da população mensalmente através da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC). Em janeiro de 2019, 60,1% das famílias brasileiras possuíam dívidas; 22,9% tinham contas em atraso; e pior, 9,1% das famílias brasileiras admitem que não terão condições para pagar suas dívidas. A maior parte destas famílias apresentam renda abaixo de 10 salários mínimos mensais. O quadro abaixo resume esta situação.

PEIC_ jan-2019

O mais grave é o endividamento justamente no tipo de dívida com juros mais altos, cartão de crédito – juros 11,52% ao mês (270,03% ao ano) em janeiro de 2019. Vale ressaltar que a inflação anual oficial em 2018 fechou em 3,75%. O gráfico abaixo apresenta as principais formas de endividamento das famílias brasileiras.

PEIC_ jan-2019_principais-tipos-divida

Se você quiser baixar os principais resultados do PEIC de janeiro de 2019, basta clicar no link abaixo.

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Borrowing money makes you a slave of the lender

Menos terrível do que as duas formas anteriores é a acumulação. Esta situação está muito em voga no mundo, porque muito se discute sobre aposentadoria e previdência social em diversos países. Deste modo, cria-se um medo de que as pessoas não conseguirão manter o mesmo padrão de vida anterior à aposentadoria. Então faz-se de tudo para acumular recursos até o momento da aposentadoria. Isto, muitas vezes, pode gerar enormes sacrifícios pessoais.

Qualquer uma das três formas está baseada no princípio de que a vida é assim mesmo e não há outras opções para administrá-la. Assim, deve-se continuar em um trabalho que, muitas vezes, se detesta para garantir o próprio sustento e ganhar dinheiro para o consumo, pagar dívidas, acumular para uma aposentadoria futura ou, pior, deixar para os herdeiros.

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Este é um ponto importante que as pessoas deveriam pensar a respeito. O que realmente querem para suas vidas? Quais são suas necessidades? Quais são realmente seus objetivos? Senão fica muito fácil cair nesta armadilha.

 

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A Direita, a Esquerda e o Papa Marxista

Este negócio de direita e esquerda começou em 1789, durante a Revolução Francesa, quando no lado direito da Assembleia ficavam os Girondinos (moderados); e na esquerda, os Jacobinos (radicais e mais exaltados). Os Girondinos queriam instituir uma monarquia constitucional na França; os Jacobinos, a república. O tempo passou e as palavras direita e esquerda passaram a designar diferentes correntes de pensamento político e econômico. Em algumas ocasiões, a direita passou a representar a manutenção do status quo; e a esquerda, a mudança.

Desenho de Jacques-Louis David sobre um episódio da Revolução Francesa

Desenho de Jacques-Louis David sobre um episódio da Revolução Francesa

Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo se dividiu em dois blocos. A esquerda passou a ser representada pelo bloco socialista ou comunista, liderado pela União Soviética. Um aspecto deve ficar bem claro, os regimes do leste europeu eram ditaduras, nas quais liberdades e direitos civis foram suprimidos. Da mesma forma, existiam ditaduras na América Latina, que se opunham à esquerda, e empregaram alguns métodos muito semelhantes aos dos seus antagonistas. Regimes totalitários devem ser condenados independente da corrente ideológica. Não há nada de bom sem liberdade.

Com a falência do bloco comunista, simbolizada pela queda do Muro de Berlim em 1989, muitos passaram a considerar a esquerda como sinônimo de atraso e ineficiência. Nas últimas décadas, podemos considerar que a direita é representada pelo pensamento liberal conservador. Quem pensa diferente muitas vezes é ridicularizado e desacreditado como se só existisse uma forma de ver a realidade. De acordo com esta forma de pensar, o egoísmo humano é considerado irremediável. Assim sendo, não se deve lutar contra esta característica ou sentir-se culpado por demonstrá-la. Na área econômica, cada indivíduo deve buscar a maximização de seu lucro, seu bem-estar, sua riqueza. O economista americano Milton Friedman, conselheiro do governo do ditador chileno Augusto Pinochet e influenciador dos presidentes americanos Nixon e Reagan, define perfeitamente, neste contexto, qual é a função social das empresas:

“Há poucas coisas capazes de minar tão profundamente as bases de nossa sociedade livre como a aceitação por parte dos dirigentes das empresas de uma responsabilidade social que não seja a de gerar tanto dinheiro quanto possível para seus acionistas. Trata-se de uma doutrina fundamentalmente subversiva. Se homens de negócios têm outra responsabilidade social diferente de maximizar o lucro para seus acionistas, como poderão eles saber qual seria esta responsabilidade? Podem os indivíduos decidir o que constitui o interesse social? Podem eles decidir que carga impor a si próprios e a seus acionistas para servir ao interesse social? É tolerável que funções públicas como imposição de impostos, despesas e controle sejam exercidas pelas pessoas, que estão no momento dirigindo empresas particulares, escolhidas para estes postos por grupos estritamente privados? Se os homens de negócios são servidores civis e não empregados de seus acionistas – então, numa democracia, eles serão, cedo ou tarde, escolhidos pelas técnicas públicas de eleições e nomeações.”

Milton Friedman

Milton Friedman

Ou seja, o administrador da empresa deve apenas maximizar o lucro dentro dos limites legais requeridos, nada mais. O impacto econômico positivo da atividade econômica trará os benefícios para a sociedade. Este pensamento parece ser utópico e simplista. Se um país ou uma comunidade estiver preso em um círculo vicioso de pobreza, poderá ficar eternamente condenado a esta situação, porque não haverá estímulo à atividade econômica e, deste modo, não haverá progresso social.

Se um país ou estado tiver exigências ambientais menos restritivas ou fiscalização mais frouxa, uma empresa poderá optar por se instalar nesta região para reduzir seus custos, maximizando seus lucros. Segundo Friedman, esta seria a atitude que os acionistas esperariam do CEO da empresa. Se a comunidade passaria a ter seu rio poluído, com menos peixes, ou o ar com substâncias nocivas à saúde, esta preocupação não deveria afetar este CEO, porque sua missão é maximizar o lucro dos acionistas da empresa dentro da legalidade.

Poderia dar outros exemplos, como alimentos com ingredientes nocivos à saúde ou medicamentos com efeitos colaterais, mas acredito que a distorção causada pelo liberalismo econômico defendido por Friedman já está clara. O problema pode ser agravado, se as empresas, através de lobbies, usarem seu poderio econômico para influenciar na legislação que rege suas atividades.

O mais curioso é que uma parcela expressiva da direita alia, ao liberalismo econômico, uma postura conservadora em relação às questões sociais e comportamentais. São contrários à ampliação dos direitos das minorias, especialmente dos homossexuais, ou programas sociais – cotas raciais ou econômicas, complementação de renda, universalização da saúde, etc..

Sem dúvida o capitalismo é muito mais eficiente economicamente do que o comunismo. Existe estímulo muito maior para a evolução tecnológica e a busca pela eficiência, mas o consumismo é um dos pilares para a manutenção do crescimento econômico. Vivemos em um planeta que possui limites e, se todos os habitantes da Terra passarem a ter padrões americanos de consumo, nossos filhos não terão um ambiente saudável no futuro próximo.

As críticas sobre o Papa Francisco se iniciaram no início de 2015. Liberais conservadores americanos passaram a atacá-lo, dizendo que suas posições são da esquerda marxista. Parece claro que o papa deseja apenas que as distorções causadas pela busca desenfreada de riqueza por alguns e pelo consumismo de muitos sejam repensadas. Com este modelo de capitalismo, será difícil viver em um mundo socialmente mais justo e ecologicamente mais equilibrado.

Papa Francisco recebe polêmico presente de Evo Morales (Foto: Osservatore Romano)

Papa Francisco recebe polêmico presente de Evo Morales (Foto: Osservatore Romano)

Francisco sugere a leitura do “Compêndio da Doutrina Social da Igreja” publicado em 2006 durante o papado de João Paulo II. A propriedade privada é defendida nesta obra desde que atenda uma função social e todos tenham condições de adquirir a sua. Parece justo…

Se pensarmos unicamente na figura de Jesus Cristo, veremos que sua opção foi pelos pobres e injustiçados. O Reino de Deus, antes de ser um jardim onde ficaremos após a morte, é a Terra em que os humanos viverão um dia, onde haverá justiça e melhor divisão das riquezas. Se Cristo lutava por justiça social como um revolucionário de esquerda adepto da não violência, por que Marx, por exemplo, rejeitou a Igreja Católica? A Igreja havia perdido há séculos completamente sua ligação com o social, apoiando os poderosos, a manutenção da escravidão de negros ou a exploração de indígenas.

Francisco quer que os cristãos não façam leituras mecânicas dos Evangelhos, mas que os vivenciem genuinamente, buscando promover justiça para todos. Isto não tem a ver com ser comunista ou marxista, tem a ver com ser um cristão de verdade. Esta é a volta aos ensinamentos originais de Jesus. Não é assistir a missa dominical para ter os pecados expiados, é deixar o egoísmo de lado e ajudar os outros.

“Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25,40).

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