Arquivo do mês: junho 2015

A Redução da Maioridade Penal

Segundo pesquisa de opinião pública do Datafolha, 87% população brasileira apoia a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Dentre as pessoas favoráveis a esta medida, 74% desejam que o novo critério seja aplicado a menores praticantes de qualquer tipo de crime, incluindo furtos simples.

Segundo diagnóstico apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça há um ano, o Brasil possui hoje a quarta maior população carcerária do mundo, sem considerar os presos domiciliares. Veja o quadro abaixo:

Ranking população prisional mundial

Você pode ficar surpreso com a liderança folgada dos Estados Unidos neste ranking. Em artigo na edição da semana passada do “The Economist”, fica clara a desigualdade do sistema prisional americano, onde, com menos de 5% da população mundial, o país detém cerca de um quarto dos seus prisioneiros: mais de 2,3 milhões de pessoas. Apesar de um negro ser o seu presidente, o país ainda não conseguiu equacionar bem sua questão racial. Um terço dos homens negros americanos deverá ser preso em algum ponto de suas vidas, e uma em cada nove crianças negras tem seu pai atrás das grades.

Voltando para o Brasil, além de mais de meio milhão de pessoas em prisões e presídios, existem mais 148 mil pessoas em prisões domiciliares, totalizando quase 716 mil pessoas privadas de liberdade no nosso país. O gráfico abaixo mostra a população prisional brasileira, incluindo os presos domiciliares, e o número de vagas disponíveis.

Deficit vagas presidios

De acordo com gráfico acima, dever-se-ia dobrar o número de vagas nos presídios brasileiros, atualmente superlotados. Nas últimas décadas, houve um crescimento do poder de grupos como o PCC, Primeiro Comando da Capital, que supostamente tem como um de seus principais líderes, Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola. Estes grupos buscam manter uma ordem interna nos presídios, garantindo a segurança e, até mesmo, assistência jurídica para os apenados. Em troca, os ex-detentos trabalharão para a organização criminosa ao ganharem a liberdade, mesmo a condicional.

Hoje os presídios brasileiros fazem um péssimo trabalho de ressocialização dos apenados. A grande maioria não estuda, trabalha ou aprende um ofício honesto enquanto está preso. Em muitos presídios não há separação entre os presos de baixa periculosidade dos presos de alta periculosidade. Tão pouco há separação de acordo com a faixa etária ou reincidência. Para este ambiente terrível, a maioria da população brasileira deseja enviar adolescentes infratores. Estes jovens serão presas fáceis de organizações criminosas como o PCC que passarão a ter a sua disposição, dentro dos presídios, um novo fluxo constante de trainees.

A presidente da Fundação Casa de São Paulo, Berenice Maria Gianella, informou em um artigo que apenas 2,43% dos adolescentes cumpriam medidas socioeducativas de internação em 2012 devido a crimes graves como latrocínio (roubo seguido de morte), estupro e homicídio doloso (quando houve intenção de matar). Assim enviar a totalidade dos adolescentes infratores para os presídios, um grupo quarenta vezes maior do que apenas os praticantes de crimes graves, é um erro gravíssimo. Ao invés de melhorar a segurança pública, a redução irrestrita da maioridade penal poderá ativar uma enorme bomba relógio social. Achar que esta medida resolverá a questão de segurança pública no país é o mesmo que limpar a casa, varrendo a sujeira para debaixo do tapete.

Para ajustar todo o sistema prisional brasileiro seriam necessários alguns bilhões de reais, sem contar o alto custo operacional mensal. Para salvar a juventude pobre e marginalizada, que acaba delinquindo devido a inúmeros motivos como a desestruturação familiar e falta de alternativas culturais e educacionais, poder-se-ia investir maciçamente em educação. Manter crianças e adolescentes no contra-turno escolar seria ótimo para estimular interesse pela leitura, cultura e ciências.

Se você quiser mais informações sobre o assunto, leia o artigo publicado pela Agência Pública (jornalismo independente), onde também são mostrados as humilhações e os maus-tratos sofridos pelos adolescentes internos da Fundação Casa de São Paulo.

Jogados aos Leões – Agência Pública

Publicidade

2 Comentários

Arquivado em Ética, Educação, linkedin, Política, Psicologia, Segurança

O Festival de Carne de Cachorro e os Mini Porcos de Estimação

Ontem começou um festival de carne de cachorro na cidade chinesa de Yulin, no qual dez mil animais serão comidos até o final deste evento. Muitos grupos protestaram e abaixo-assinados eletrônicos com milhões de adesões circularam pela Internet, pedindo o cancelamento deste festival, sem sucesso.

Cães vendidos em um mercado de Yulin na China

Cães vendidos em um mercado de Yulin na China

Ficamos chocados com crueldades contra animais de estimação como cães e gatos. Não admitimos que sejam mortos para alimentar humanos. Carne de cavalo é muito pouco consumida no Brasil, mas no país existem matadouros que exportam este tipo de “iguaria” para alguns países europeus como, por exemplo, França e Itália. Parece que a proximidade com os cavalos, vistos usualmente à frente de carroças que circulam pelas ruas das cidades brasileiras, torna sua imagem mais concreta e impede o consumo de sua carne. Por outro lado, não se tem a mesma sensibilidade em relação aos bois, porcos e galinhas.

Lembro-me do caso da filha de um colega que parou de comer coração de galinha, quando descobriu que o coração de galinha era de uma galinha. Muitas pessoas têm a incrível habilidade de abstrair a informação sobre a origem do pedaço de carne que comem, desvinculando-a completamente do animal morto. Parece que o presunto não vem do porco, o filet mignon não vem do boi ou o coraçãozinho não vem da galinha.

O mini porco parece ser mais uma destas oportunidades de tomada de consciência das pessoas. Ao adotar porcos, seres mais inteligentes do que os cães, como animais de estimação, ficará difícil consumir sua carne. Estes porquinhos de estimação viverão entre 15 e 20 anos, muito mais do que os leitõezinhos das ceias de fim de ano mortos com um mês de vida ou os demais porcos de corte, abatidos aos quatro meses.

mini-porco

4 Comentários

Arquivado em Animais, Ética, linkedin, Psicologia

Impossible Foods e o Hambúrguer Vegetal para os Amantes da Carne

For English version, click here

Em março deste ano, li um artigo do “The Economist” sobre as empresas start-ups do Vale do Silício, na Califórnia que estão desenvolvendo, a partir de vegetais, versões sustentáveis de alimentos à base de carne e leite. A Impossible Foods era uma das empresas citadas no artigo. No final de abril, visitei esta empresa em Redwood City, próxima a San Francisco na Califórnia. A seguir faço um resumo da minha conversa com Patrick Brown, fundador e CEO da empresa, realizada na sala “Avocado”.

Patrick Brown no laboratório da Impossible Foods  [Fonte: Wall Street Journal]

Patrick Brown no laboratório da Impossible Foods [Fonte: Wall Street Journal]

A área de atuação prévia do Dr. Brown era a biomedicina: mecanismos de regulação biológica, diagnóstico de detecção precoce de doenças humanas, ecologia microbiana do corpo humano e novas tecnologias e métodos experimentais e analíticos aplicados à pesquisa biomédica. Segundo suas próprias palavras, ele tinha o melhor trabalho do mundo, mas queria fazer alguma coisa que tivesse um impacto positivo muito maior para a humanidade. Decidiu então fazer produtos de origem 100% vegetal para substituir produtos de origem animal, como carne e queijo. Segundo “The Economist”, Pat Brown disse:

“A pecuária é uma atividade tremendamente destrutiva e totalmente insustentável. Mesmo assim, a demanda por carne e leite está em alta”.

Ele repetiu para mim aquela informação da ONU que a pecuária ocupa 30% da superfície degelada do planeta e é responsável por 14,5% de todas as emissões de gases do efeito estufa. Deste modo, para evitar um impacto maior no planeta por conta do aumento do consumo de carne e leite, seria necessário desenvolver alternativas vegetais que não devessem nada aos produtos de origem animal.

Nos primeiros anos de atividades da Impossible Foods, nenhum produto foi formulado, inúmeras moléculas foram extraídas de vegetais e analisadas. A partir daí se estudou a formulação de produtos e como obter as moléculas que seriam os ingredientes dos produtos. Todos os ingredientes escolhidos devem ser economicamente viáveis e possíveis de serem obtidos em grande escala.

Pat disse que a Impossible Foods já desenvolveu queijos, exclusivamente a base de vegetais, que foram aprovados por especialistas, mas seu primeiro empreendimento será o hambúrguer. Este primeiro produto a ser lançado terá a mordida, a suculência, o aroma e o sabor de um autêntico hambúrguer de carne. O preço também deverá ser competitivo com o produto convencional. A escolha é óbvia, além dos problemas já citados de desmatamento e aquecimento global, a conversão da ração em carne é muito ineficiente nos bovinos, 10 kg de ração são necessários para gerar apenas 1 kg de carne. Além disto, os norte-americanos são grandes consumidores de hambúrguer. Eu vi numa apresentação que, em média, cada americano consome três hambúrgueres por semana.

Hambúrguer – Foto do site da Impossible Foods

Hambúrguer 100% vegetal – Foto do site da Impossible Foods

Comentei com o Pat que a grande maioria dos vegetarianos não precisaria de um produto assim. Ele concordou e afirmou que o consumidor-alvo deste produto é o amante da carne que deseja reduzir o consumo, sem perder o prazer. Se existir uma alternativa tão boa quanto a carne, por um preço igual ou menor, por que alguém continuaria a consumir carne com todas as questões de maus tratos aos animais e prejuízos ambientais? Neste momento, haveria a migração para os produtos de origem vegetal e a pecuária entraria em declínio.

Neste ponto, eu contra-argumentei que a indústria leiteira está fortemente ligada à indústria da carne. A vaca leiteira fica prenha anualmente. Se a nova cria for um macho, será morto e se transformará em cortes de carne antes da puberdade. Se for uma fêmea, se transformará após dois ou três anos em uma nova vaca leiteira. Se tudo correr bem nos seis anos seguintes, a vaca não morrerá durante uma das gestações ou partos, nem será sacrificada devido à mastite ou outra doença. Como prêmio por ter gerado cinco ou seis crias sãs e ter produzido entre 20 e 25 toneladas de leite, a vaca será enviada para um matadouro onde será abatida e transformada em hambúrgueres e carne industrial. Se não houver bons produtos substitutos para os laticínios, como o queijo, o preço dos produtos lácteos tradicionais poderá aumentar e subsidiar o preço da carne. Se isto acontecer, a lucratividade do negócio da “carne vegetal” será corroída. Ou seja, o ataque contra a indústria da pecuária deve ser realizado pelos dois lados – carne e leite. O que é justo e deveria ser considerado nas leis num futuro próximo são as taxas sobre as externalidades causadas pela indústria da pecuária devido ao gigantesco impacto ambiental que causa. Aí sim a competição desequilibraria em favor das alternativas vegetais.

Perguntei ao Pat como ele enxergava alternativas como a carne in vitro. Provavelmente por causa dos longos anos de trabalho na área biomédica, ele foi enfático. Não acredita nesta alternativa! Explicou que os problemas com contaminações microbiológicas inviabilizam o aumento de escala do laboratório para a indústria. Um boi tem seu sistema de defesa que evita que micróbios destruam tecidos inteiros do seu organismo. No caso de carne in vitro, um simples vírus pode infectar uma célula, se multiplicar com uma velocidade extraordinária e destruir todas as células, acabando com a produção da fábrica.

Atualmente setenta pesquisadores trabalham no desenvolvimento dos produtos da Impossible Foods. Em 2016, a primeira planta deve iniciar a produção numa escala pequena. Se tudo correr bem, o próximo passo será uma planta muito maior para atingir a produção comercial plena pouco tempo depois. Depois virão os queijos…

Se você quiser ler o artigo original do “The Economist”, onde outras empresas são apresentadas, basta clicar no link abaixo.

The Economist

1 comentário

Arquivado em Animais, Ética, Gastronomia, Inovação, linkedin, Meio Ambiente, Nutrição, Saúde, Tecnologia