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Como Deixar o Etanol Brasileiro Ainda Mais Verde e Circular

O governo brasileiro estimulou a produção de etanol para combustível a partir da cana de açúcar através do ProÁlcool, programa iniciado em meados da década de 1970. Este programa foi revitalizado nos anos 2000.

Lançamento do Fiat 147 a álcool (Fonte: Anfavea)

O etanol hidratado pode ser utilizado como substituto da gasolina. E atualmente etanol anidro é adicionado na gasolina comum na proporção de 27%. Através da tecnologia “flex-fuel” (ou “dual-fuel”), a maior parte da frota de automóveis do Brasil pode usar qualquer proporção de etanol e gasolina como combustível.

Deste modo, há uma redução na queima de combustíveis fósseis, além da plantação de cana de açúcar absorver a maior parte do CO2 emitido pelos veículos, reduzindo assim os GHG (gases de efeito estufa) na atmosfera.

Muitas usinas produzem etanol e açúcar refinado ou apenas semirrefinado. O melaço, subproduto da produção de açúcar, pode também ser aproveitado para a produção de etanol.

O bagaço, sólido fibroso proveniente da extração dos açúcares, é usado como combustível nas caldeiras para produção de vapor de alta pressão. Este vapor alimenta turbinas para a geração de energia elétrica e o vapor de escape atende as demandas térmicas do processo. As cinzas da queima do bagaço possuem alto teor de nutrientes minerais, sendo compostadas com outros resíduos orgânicos da usina e usados como fertilizante no canavial.

Produção de energia elétrica a partir de bagaço de cana (Fonte: Unica)

A fermentação alcoólica gera aproximadamente 1 kg de CO2 por kg de etanol. Ou seja, há oportunidades para o desenvolvimento do uso desta corrente. Uma aplicação existente é a produção de carbonatos “verdes” a partir do CO2 da fermentação.

Na destilação, são produzidos grandes volumes de vinhaça. São gerados em torno de 12 litros de vinhaça por litro de etanol hidratado. Esta vinhaça possui grande quantidade de matéria orgânica (alto DQO – demanda química de oxigênio) e minerais, sendo utilizada integralmente para irrigação dos canaviais.

Fertirrigação de um canavial (Fonte: Embrapa)

Apesar de vários aspectos positivos da recuperação de resíduos deste processo para outros processos ou retorno para o solo, existem oportunidades a serem perseguidas.

No campo, a palha da cana de açúcar não é levada para a usina. Deste modo, sua função atual é proteção e nutrição do solo. Há oportunidade para usar parte desta matéria orgânica para produção de energia elétrica, biogás ou etanol de segunda geração (etanol celulósico).

A vinhaça pode ser pré-digerida anaerobicamente e produzir biogás rico em metano, antes de irrigar os canaviais. O biogás pode ser combustível para produção adicional de energia elétrica ou, após purificação, pode ser transformado em metano verde. Se houver um gasoduto próximo, este gás pode ser injetado na rede.

Sistema de geração de biogás (Fonte: Única)

Os caminhões, colhedoras e tratores utilizam óleo diesel como combustível. Ou seja, existe consumo de combustível fóssil para produção de combustível renovável. E o óleo diesel é um dos itens mais importantes no custeio do etanol. Estima-se que 5% de todo o diesel consumido no Brasil é utilizado no setor sucroenergético. Uma alternativa é a transformação dos motores dos caminhões em “dual-fuel” (diesel-metano). Outra opção poderia ser motores híbridos elétricos e a metano. Nestas opções, os caminhões seriam abastecidos na fila para descarregamento para a moenda de cana.

Outro ponto, pode ser a melhoria da eficiência térmica das usinas para aumentar a geração de energia elétrica para o grid. Existem correntes quentes de vapor de baixa pressão na evaporação de caldo de cana, normalmente, sem sistema reaproveitamento energético.

Além disso, também se poderia melhorar o aproveitamento interno da água para reduzir a captação de água limpa dos rios e poços.

Mesmo sem estas melhorias sugeridas, o etanol de cana no Brasil é muito mais eficiente do que o etanol de milho e estima-se que gere apenas 14% das emissões de CO2 em comparação com a gasolina.

Os principais produtos da usina, açúcar e etanol, podem ser matérias primas para obtenção de produtos verdes. O etanol, por exemplo, pode ser a matéria prima para produção de eteno (matéria prima para produção de plásticos) 100% renovável. O açúcar pode ser usado como fonte de alimento de microrganismos para a produção de inúmeras moléculas, desde ácidos orgânicos e polímeros a óleos alimentícios.

No que refere aos aspectos sociais, uma usina emprega centenas de pessoas, tornando-se um motor importante para a economia de pequenas cidades do interior do Brasil. As condições de trabalho melhoraram muito nas últimas duas décadas. Os impostos oriundos das atividades destas usinas ajudam a melhorar os serviços públicos de educação e saúde de pequenas cidades.

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Os Orgânicos e a Circularidade

A produção de vegetais (verduras, frutas, raízes e legumes) orgânicos possui algumas regras que facilitam a adoção da circularidade. A seguir estão listadas algumas diretrizes para a produção de produtos orgânicos:

  • Oferta de produtos saudáveis isentos de contaminantes.
  • Uso de boas práticas de manuseio e processamento com o propósito de manter a integridade orgânica e as qualidades vitais do produto.
  • Preservação da diversidade biológica dos ecossistemas naturais e a recomposição ou incremento da diversidade biológica dos ecossistemas modificados.
  • Emprego de produtos e processos que mantenham ou incrementem a fertilidade do solo e o equilíbrio da sua atividade biológica.
  • Adoção de práticas nas unidades de produção que contemplem o uso saudável do solo, da água e do ar.
  • Reciclagem de resíduos de origem orgânica, reduzindo ao mínimo possível o emprego de recursos naturais não renováveis.
  • Utilização de práticas de manejo produtivo que preservem as condições de bem-estar dos animais.
  • Estabelecimento de relações de trabalho baseadas no tratamento com justiça, dignidade e equidade, independentemente das formas de contrato de trabalho.
  • Incentivo à integração entre os diferentes participantes da rede de produção orgânica.
  • Regionalização da produção e do comércio dos produtos.

De acordo com estas premissas, não são utilizados fertilizantes químicos no processo. A fertilização é realizada através dos resíduos vegetais da própria fazenda, através de compostagem. Pode-se caracterizar este processo como recuperação. Se a quantidade de fertilizante orgânico obtida não for suficiente, pode-se importar resíduos animais e vegetais de localidades próximas e compostá-las junto com os resíduos próprios. O processamento dos resíduos externos caracteriza-se como reciclagem.

Compostagem aeróbia – Foto: Alexander Silva de Resende (site Embrapa.br)

Em relação às emissões de gases de efeito estufa, se a fazenda conservar ou aumentar a quantidade de matéria orgânica no solo potencialmente pode ser net zero ou net negative. Ou seja, o empreendimento estaria sequestrando carbono da atmosfera ao invés de emitir.

Uma questão interessante seria a substituição dos equipamentos movidos a óleo diesel por elétricos. Se a geração de energia elétrica for local através de painéis fotovoltaicos, seria ambientalmente ainda melhor.

Como não são usados inseticidas, a existência de insetos polinizadores, como as abelhas, é estimulada. E pragas e doenças podem ser evitadas através da associação de diferentes espécies vegetais. Há aumento de biodiversidade.

O recurso desafiador é o consumo de água. A fazenda pode implantar irrigação por gotejamento para reduzir em até 90% o consumo de água, entretanto ainda seria necessário aporte de água externa através de chuva ou abastecimento, por exemplo, através de um rio.

Se o regime de trabalho na fazenda não for sazonal, pode-se estabelecer relações de trabalho duradouras e justas com possibilidade de participação nos resultados econômicos do empreendimento.

Produtores e consumidores podem estar ligados através do modelo de agricultura apoiada pela Comunidade (CSA – Community-Supported Agriculture). Neste modelo socioeconômico alternativo, a comunidade subscreve a colheita de uma determinada propriedade ou grupo de propriedades agrícolas. A principal vantagem é a partilha dos riscos agrícolas.

Um ponto importante é referente às embalagens. Muitos produtos orgânicos são vendidos em embalagens oriundas de fontes não renováveis como bandejas de isopor, filmes e sacos plásticos. Por uma questão de coerência, seria importante reduzir o volume de embalagens e substituir os materiais por fontes renováveis, recicláveis e biodegradáveis. Neste caso, a sustentabilidade e circularidade dos alimentos orgânicos seriam melhoradas. Esta medida poderia ser regulada pelos Estados que determinariam um prazo para banir embalagens de matérias primas não renováveis ou de reciclagem difícil.

Muito plástico e isopor nas embalagens dos vegetais orgânicos nos supermercados

No próximo artigo desta série sobre circularidade, apresentarei o caso da indústria brasileira do açúcar e etanol e suas contribuições e oportunidades.

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