Arquivo do mês: julho 2012

O Efeito Lúcifer – O Homem é o Homem e sua Circunstância (parte 3)

Nas duas primeiras partes, apresentei os experimentos de Stanley Milgram e Philip Zimbardo sobre a obediência cega. Agora, na parte final deste artigo, comentarei o “Efeito Lúcifer” criado por Zimbardo. Abaixo está apresentada a gravura de Gustave Doré com a representação da história da expulsão do anjo Lúcifer do Paraíso.

Paraíso Perdido de Gustavo Doré

Paraíso Perdido de Gustavo Doré

Vou iniciar este post com um pequeno vídeo para descontrair um pouco antes do assunto sério. O Candid Camera foi pioneiro nas “pegadinhas” na televisão e neste vídeo aparece a pressão do grupo sobre os indivíduos. Veja e dê boas risadas.

Em 2003, o secretário de defesa americano, Donald Rumsfeld, declarou que os fatos ocorridos na prisão de Abu Ghraib foram resultado de “umas poucas maçãs podres” no turno da noite. Zimbardo considerou que existem três categorias para explicar os fatos ocorridos na prisão iraquiana:

– disposicional – originadas de dentro de cada indivíduo, de cada soldado, as chamadas “maçãs podres”;
– situacional – originadas no entorno dos indivíduos, a prisão, o “barril de maçãs ruim”;
– sistêmica – são as influências mais amplas, poderes econômicos, políticos e legais, os “fabricantes dos barris de maçãs ruins”.

Uma das fotos da Prisão de Abu Ghraib

Zimbardo considera que a linha entre o bem e o mal é muito tênue e permeável. Eu gostaria de salientar que o mal não é um país, um povo ou uma raça. O mal está nos pensamentos e atitudes de cada indivíduo, independente de nacionalidade ou religião. Ele listou sete processos sociais que facilitam o escorregão para o mal:

– displicentemente dar o primeiro passo;
– desumanização dos outros;
– anonimato;
– responsabilidade individual difusa;
– obediência cega à autoridade;
– conformismo não crítico às regras do grupo;
– tolerância passiva ao mal pela inação ou indiferença.

Não esqueçam que o primeiro choque do experimento de Milgram foi de apenas 15 volts. Quem apertou o botão deve ter pensado que não havia problema, porque o “aluno” não deve ter sentido nada… Como diz Zimbardo, “esta é a chave, todo o mal começa com 15 volts”.

Por incrível que pareça, os experimentos que descrevi nos dois posts anteriores passaram pelos sete processos… A responsabilidade difusa, a obediência cega e o conformismo passivo são pontos de partida para uma série de comportamentos errados, principalmente em situações novas ou não familiares.

Assista à palestra de Zimbardo sobre o Efeito Lúcifer.

Zimbardo conclui que a mesma situação pode inflamar a imaginação para o mal, também pode inspirar heroísmo em outros, mas o pior, em minha opinião, é que a maioria das pessoas é culpada pelo mal da inação. Assim ele recomenda que nossos filhos sejam criados para serem heróis. Quando falamos em heróis pensamos em super-herois com superpoderes ou heróis modernos de carne e osso como Mahatma Gandhi, Martin Luther King ou Nelson Mandela. Apesar destes três últimos homens terem assumido enormes sacrifícios pessoais em nome da sociedade, buscamos herois comuns do dia a dia. Pessoas que não aceitam passivamente as injustiças denunciam e lutam para mudar o mundo que os cerca. Pode ser em casa, no trabalho, na escola ou na sua comunidade.

Para ser um heroi, você deve ser divergente, deve agir quando outras pessoas são passivas. Deve pensar de modo sociocêntrico ao invés de egocêntrico. O mais interessante é que as conclusões e recomendações de Zimbardo vão ao encontro do filósofo espanhol José Ortega y Gasset. Ele é o autor da frase que utilizei como título desta série de posts:

– “O homem é o homem e a sua circunstância”.

Filósofo espanhol José Ortega y Gasset

Para Ortega y Gasset, não é possível considerar o ser humano como sujeito ativo sem levar em conta simultaneamente tudo o que o circunda, incluindo o contexto histórico em que se insere. A Educação se transforma em instrumento para que cada um possa conscientizar-se de sua circunstância, relacionar-se com ela e superá-la. “Se não a salvo, não me salvo”, conclui o filósofo espanhol.

Sempre uso como exemplo o caso das relações entre árabes e judeus. No Brasil, não ouvimos falar de conflitos, porque o contexto não estimula violência entre estas duas etnias no nosso país. Agora se transferirmos algumas pessoas daqui para o Oriente Médio, a situação muda. O meio influencia decisivamente o comportamento dos indivíduos.

Amizade entre meninos árabe e judeu

Voltando para o mundo empresarial, muitas iniciativas são bloqueadas pela cultura interna. Grandes corporações muitas vezes tem responsabilidade individual difusa, obediência cega à autoridade, conformismo não crítico às regras e tolerância passiva ou indiferença aos verdadeiros problemas da empresa. Isto pode ser resumido por frases como:

– Esta não é minha responsabilidade!
– Eu estou fazendo a minha parte…
– Temos que manter o foco naquilo que “realmente” é importante!

Pensando bem, isto não acontece apenas em grandes corporações, pode acontecer em qualquer lugar, até mesmo nos nossos lares…

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O Efeito Lúcifer – O Homem é o Homem e sua Circunstância (parte 2)

Na primeira parte, comentei o experimento de Stanley Milgram sobre a obediência, no qual pessoas davam choques de até 450 volts em desconhecidos. Desta vez, o experimento da prisão de Stanford, criado por Philip Zimbardo em 1971, será nosso assunto principal.

Phil Zimbardo em 1971

Zimbardo recrutou 24 jovens voluntários do sexo masculino que foram divididos em dois grupos: doze seriam guardas e os demais presos. Ele transformou algumas salas do subsolo do Departamento de Psicologia da renomada Universidade de Stanford em um presídio, instalando grades no lugar de portas. O experimento deveria durar duas semanas e cada voluntário receberia US$ 15 por dia, o equivalente a US$ 85 em 2012.

Os “guardas” usavam uniformes militares, óculos escuros e cassetetes de madeiras e receberam instruções que deveriam fazer de tudo para manter a ordem com exceção do uso de violência física. Os “presos” usavam camisolões compridos, sem roupa de baixo, tocas de nylon na cabeça para simular a raspagem dos cabelos e tiveram seus nomes trocados por números. O “superintendente” do presídio era o próprio Zimbardo.

Após o primeiro dia calmo, estourou uma rebelião no segundo dia. Os guardas passaram a humilhar os presos das mais diferentes formas, inclusive sexual. Obrigavam os presos a fazerem longos períodos de exercícios forçados. Cortavam refeições e retiravam os colchões dos presos com mau comportamento. Um dos presos teve um colapso nervoso e foi substituído por outro jovem que estava na lista de espera.

Stanford Prison Experiment

Algumas fotos da Prisão de Stanford

Este novo preso, o número 416, se revoltou contra os maus tratos sofridos e iniciou uma greve de fome. Os guardas o trancaram em uma pequena peça no escuro (solitária) por algumas horas e depois tentaram forçá-lo a comer, sem sucesso.

Muitos guardas se ofereciam para fazer horas extras não remuneradas para “ajudar” a manter a ordem na prisão. No turno da noite, alguns deles achavam que as câmeras não filmavam no escuro e protagonizaram várias cenas de humilhação grave contra os prisioneiros.

No sexto dia, Zimbrado pediu que uma colega pesquisadora, Christina Maslach, avaliasse o andamento do experimento. Ela ficou horrorizada com as condições e recomendou o final imediato das atividades. Zimbardo, que estava se sentindo envolvido emocionalmente pela situação, concordou. Assim o que deveria levar duas semanas, durou apenas seis dias.

A própria Drª Maslach avaliou os participantes do experimento e concluiu que um terço dos guardas apresentaram fortes tendências sádicas, enquanto que os demais permaneceram omissos. A grande maioria dos presos aceitou passivamente as humilhações impingidas pelos guardas.

Zimbardo chegou à conclusão de que a situação é mais importante do que a personalidade individual para a determinação do comportamento das pessoas. Os guardas uniformizados ajudaram a construir uma autoridade inquestionável sobre os presos que a legitimaram através da aceitação passiva. Estes resultados são semelhantes aos obtidos por Milgram em seu experimento.

A situação ocorrida neste experimento em Stanford guarda uma incrível semelhança com os lamentáveis fatos praticados por militares americanos na prisão iraquiana Abu Ghraib (foto abaixo). Parece que lá também o ambiente estimulou comportamentos reprováveis.

Foto de tortura na Prisão de Abu Ghraib

Se você quiser saber mais sobre este experimento, veja este documentário preparado pela BBC. No último post desta série, finalmente falarei sobre o Efeito Lúcifer e como evitá-lo.

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O Efeito Lúcifer – O Homem é o Homem e sua Circunstância (parte 1)

Na semana passada, participei de um programa de treinamento na renomada Harvard Business School sobre a construção de novos negócios em organizações consolidadas. Entre os vários estudos de casos e discussões sobre as diversas dimensões que influenciam este assunto, achei muito interessante a aula sobre cultura empresarial.

A ideia geral é que o contexto influencia decisivamente na atitude das pessoas, determinando seus comportamentos. Se a empresa tem uma forte cultura tradicional e anti-inovadora, os comportamentos de seus colaboradores seguirão esta cultura, mesmo que suas personalidades sejam distintas dela. Ou seja, se a empresa quer inovar, tem que primeiro ajustar sua cultura. O instrutor desta aula comentou rapidamente o trabalho de dois pesquisadores, Stanley Milgram e Phil Zimbardo. Suas experiências me causaram um impacto no meu entendimento sobre as pessoas. Usei o tempo de espera nos aeroportos na volta para estudar mais sobre os métodos e conclusões dos experimentos destes dois psicólogos.

Stanley Milgram

Stanley Milgram

O teste de Milgram foi realizado no início dos ano 60, inicialmente na Universidade de Yale. Sob a falsa alegação de que participariam de um teste sobre melhoria de memória, voluntários foram atraídos e selecionados. Na verdade o teste era sobre a obediência das pessoas em relação a ordens e apenas uma pessoa era testada (o “professor”), as outras duas (o “experimentador” e o “aluno”) eram atores. A figura abaixo apresenta o esquema básico do experimento.

Experimento de Milgram

O “professor” (T) lia uma série de pares de palavras, depois dizia uma destas palavras e as opções que completariam o par. O “aluno” (L) escolhia uma das opções. Se estivesse certa, o teste seguiria normalmente. Em caso de erro o “professor” aplicaria um choque elétrico no aluno, antes de prosseguir a leitura. O primeiro choque era de 15 volts, cada choque na sequência era acrescido de 15 volts até chegar a incríveis 450 volts! É importante salientar que ninguém sofria os choques, porque o “professor” não tinha contato visual com “aluno” que era substituído por uma gravação.

Num certo momento, após um choque, o “aluno” gritava de dor e pedia para sair. Os “professores” se viravam para o “experimentador” (E) e pediam para encerrar o teste, mas este ordenava a sua continuação, argumentando que o “aluno” não corria risco e que o teste era importante. Em um dos experimentos,  o “professor” realmente sofria a cada resposta errada do “aluno” e disse para o “experimentador” que não queria ser o responsável pela morte do “aluno”. O “experimentador” repetiu as ordens e completou que era o responsável pela integridade do “aluno”. Como não tinha mais responsabilidade, este “professor” continuou o teste, mesmo quanto o “aluno” parou de responder ou reclamar, ele prosseguiu com os choques até repetir três vezes os 450 volts, quando o teste foi finalmente encerrado.

No final, o teste era explicado para o “professor” e um ambiente mais leve era criado para atenuar o clima pesado durante o experimento. Por incrível que pareça dois terços dos testados foram até o final, conforme o gráfico apresentado abaixo. Ou seja, deram três choques de 450 volts! Nenhum dos testados, mesmos os que pararam antes, insistiu para ver o real estado dos “alunos”.

Resultado do Experimento de Milgram

Fica claro que em uma situação completamente fora do normal e do controle, ao receber as ordens, foi mais cômodo segui-las mesmo não concordando com a ação realizada. Ficou ainda mais fácil, quando a responsabilidade foi completamente removida dos ombros. Como se fosse aceitável puxar o gatilho do revólver e matar alguém, só porque alguém assumiu toda a responsabilidade.

Estas situações podem acontecer de modo mais sútil. O gerente ordena uma ação que você não concorda, mas realiza sem questionar. Esta forma é o popular “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Será que tem mesmo?  Outra, mais sútil ainda, é a do “expert” profundo conhecedor de determinada técnica. Ele fala alguma coisa sobre este assunto e todos concordam sem pensar ou questionar. Como se existisse alguém infalível…

Se você quiser saber mais sobre o experimento de Stanley Milgram, assista ao trecho do documentário abaixo. No próximo post, falarei sobre o Experimento da Prisão de Stanford desenvolvido por Phil Zimbardo.

 

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