Arquivo da categoria: Economia

Para Obter a Paz, não Basta uma Vitória Militar sobre o Estado Islâmico

Há uma semana, as pessoas ficaram chocadas com a série de atentados terroristas acontecidos na noite de sexta-feira em Paris. O Estado Islâmico assumiu a responsabilidade pela operação que causou a morte de dezenas de pessoas, com 89 vítimas fatais apenas na casa de espetáculos Bataclan.

Grávida tenta fugir pela janela do Bataclan

Grávida tenta fugir pela janela do Bataclan

Três grupos islâmicos, considerados por muitos como terroristas, surpreenderam ao condenar veementemente os atentados em Paris. O grupo libanês xiita Hezbollah e os movimentos palestinos Hamas, no poder na Faixa de Gaza, e Jihad Islâmica desaprovaram a ação do Estado Islâmico que vitimou inocentes. Assim norte-americanos e russos, todos os países europeus, todos os países muçulmanos (independente da orientação sunita ou xiita), além de diversos grupos armados islâmicos alinharam-se no objetivo de acabar com a ameaça do Estado Islâmico.

Abaixo está a tradução de uma nota publicada no diário “The Economist Espresso” na terça-feira passada:

Cada um com seu próprio interesse: o Oriente Médio depois de Paris

A região fragmentada está unida na indignação e sobre a necessidade de fazer mais para combater Estado Islâmico. Os líderes políticos concordam com mais ataques aéreos, incluindo um bombardeio francês contra Raqqa, base síria do EI. No entanto, apenas esta unidade é tão profunda. Muitos libaneses estão reclamando que os atentados mortais em Beirute, um dia antes dos ataques em Paris tiveram muito menos atenção. Alguns sírios apontam que Bashar al-Assad matou milhares a mais do que o EI. Todos os lados estão usando os ataques para reforçar suas narrativas: o regime de Assad insiste que está combatendo apenas “terroristas”, em vez de seu próprio povo; no Egito Abdel-Fattah al-Sisi usa a ameaça extremista para justificar a regra da mão de ferro. Uma segunda rodada de conversações de paz sobre a Síria neste fim de semana obteve pouco progresso. Os grandes vencedores até agora são os principais aliados do Ocidente, os curdos. Eles estão propensos a tirar proveito de mais ataques aéreos para expandir seu território.

Para entender (ou compreender menos ainda) as complexas relações entre os diversos agentes que atuam no Oriente Médio, veja a figura abaixo.

Middle Eastern relationships

Não tenho dúvida que os territórios ocupados pelo EI no Iraque e na Síria serão reconquistados e este grupo perderá grande parte do seu poderio bélico. Infelizmente tenho convicção que esta futura vitória militar não trará paz para o mundo e estabilidade para o Oriente Médio em particular.

Não farei uma detalhada análise sobre as causas do agravamento dos conflitos na região ou o aumento da violência dos terroristas mundo afora. Apenas levantarei alguns pontos para reflexão.

Em primeiro lugar e acima de tudo, tão importante quanto neutralizar militarmente o Estado Islâmico é apoiar social e economicamente a enorme população muçulmana pobre. Estas pessoas marginalizadas são a matéria prima para pseudolíderes religiosos radicais. Como apresentei no artigo “A Ignorância, o Atraso e o Oportunismo” de 2012, metade da população de analfabetos do mundo é muçulmana e dois terços deste total são mulheres. Sem empregos, sem educação e saúde, a juventude muçulmana carente vira presa fácil dos aliciadores de grupos terroristas. Isto vale inclusive para os jovens que vivem na periferia de Paris ou outra cidade europeia.

Sem dúvida, uma ação diplomática ampla também deve ser feita. Existe uma janela de oportunidade, na qual os atores principais têm um inimigo em comum – o Estado Islâmico. As diversas linhas do Islã – sunitas, xiitas e alauitas sírios, além dos curdos e dos governos do Irã, Iraque, Arábia Saudita, Turquia, Egito, Síria, Israel, Estados Unidos, Rússia e Comunidade Europeia deveriam buscar um grande acordo em busca da paz e estabilidade na região.

Na Primeira Grande Guerra Mundial, a Alemanha foi derrotada e o acordo de paz, assinado em Versalhes na França, foi terrível para o país. Anos depois, o Nazismo ascendeu na Alemanha com o que parecia ser a única forma para reverter aquela situação. Derrotas humilhantes e acordos de paz parciais e injustos causam revolta entre a população e favorecem o surgimento de lideranças populistas. Durante uma guerra, cada bombardeio que atinge uma escola ou um hospital gera novas vítimas inocentes. Serão os mártires a serem explorados por estes regimes violentos.

Outro ponto é a interpretação literal do Alcorão pelo Estado Islâmico, sem o entendimento que a peregrinação de Maomé (Profeta Muhammad) ocorreu no início do século VII. Também não são consideradas as mensagens de perdão e compaixão contidas nesta escritura. Da mesma forma, a Bíblia tem livros que regulamentam o comportamento dos fiéis – Levítico e Deuteronômio. Por exemplo, se a filha de um sacerdote se prostituir, deve ser queimada viva diante de todos de acordo com o Levítico 21:9. Um filho muito rebelde, que não obedece a seus pais, pode ser condenado à morte por apedrejamento, conforme Deuteronômio 21:18-21.

Os homens e mulheres bombas seguramente não são perdoados pelo Alcorão. Não sei se alguma religião incentiva ou, pelo menos, perdoa o suicídio. Ou seja, esta é mais uma exploração da ignorância e da completa falta de significado da vida de um ser humano usado como um objeto descartável a favor dos interesses de líderes inescrupulosos.

Quando o Xá Reza Pahlevi foi deposto pela revolução islâmica do Irã, no final dos anos 70, o seu líder, Aiatolá Khomeini, virou a representação do Mal no Ocidente.

Aiatolá Khomeini com uma criança (foto bem diferente das publicadas usualmente no Ocidente)

Aiatolá Khomeini com uma criança (foto bem diferente das publicadas usualmente no Ocidente)

Os Estados Unidos armou o Iraque de Saddam Hussein para lutar contra o Irã para impedir que outros países da região se transformassem em Estados islâmicos. Na mesma época, ainda sob a Guerra Fria, os americanos apoiaram a resistência às tropas soviéticas no Afeganistão. Diz-se que o Al-Qaeda de Osama Bin Laden recebeu armas, dinheiro e treinamento dos americanos durante este conflito. O Afeganistão ficou esquecido e em ruínas após a dissolução da União Soviética em 1989. O Al-Qaeda revoltou-se contra os americanos que eram aliados de Israel na região e, em 11 de setembro de 2011, protagonizaram uma série de atentados em solo americano, culminando com a destruição das torres gêmeas do World Trade Center em New York. Em represália, os Estados Unidos invadiu o Afeganistão, atrás de Bin Laden. Depois invadiu pela segunda vez o Iraque, caçou Saddam Hussein e o país se transformou em um barril de pólvora. Acabou surgindo uma dissidência ainda mais radical do que o Al-Qaeda, nascia o Estado Islâmico, cujo objetivo é a criação de um califado no Iraque e Síria.

Ou seja, se apenas a opção militar for considerada, teremos novos e mais terríveis capítulos desta história. Diplomacia e investimentos econômicos e sociais são indispensáveis. Esta crise é uma grande oportunidade!

1 comentário

Arquivado em Ética, Economia, Educação, História, linkedin, Política, Religião, Segurança

São Paulo “Atacama” – A Verdade sobre a Seca em São Paulo

El Niño foi generoso com os paulistas e, nos últimos quatro meses, choveu um pouco mais do que a média histórica para o período. El Niño, para os que não conhecem o “menino”, é um fenômeno que se caracteriza pelo aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico, causando grandes mudanças climáticas. No Sul do Brasil, aumenta a quantidade de chuvas; no Sudeste, eleva a temperatura ambiente; e no Nordeste, causa estiagem. Segundo previsões, esta condição pode se estender até o início de 2016.

São Paulo é uma zona de transição. Deste modo, não ficou embaixo d’água, como os estados do Sul ou ficou seco como os estados nordestinos. Choveu na medida certa em 2015, como está apresentado na tabela abaixo, onde são apresentadas as médias históricas e as chuvas acumuladas mensalmente sobre cada manancial. Os dados foram obtidos no site da Sabesp. Para ver a tabela em tamanho maior, basta clicar em cima dela.

Tabela das chuvas sobre os sistemas de abastecimento de São Paulo em 2015

Tabela das chuvas sobre os sistemas de abastecimento de São Paulo em 2015

Apenas no pequeno sistema Alto Cotia, as chuvas ficaram significativamente abaixo da média em 2015. O Guarapiranga ficou bem acima, o que gerou um bom aumento no seu volume, como veremos a seguir. No Alto Tietê, as chuvas ficaram na média; no pequeno Rio Claro, ficaram acima; e no Cantareira e Rio Grande, as chuvas ficaram um pouco abaixo da média histórica.

Fiz tabelas semelhantes para o período entre outubro de 2012 e outubro de 2014. Para não saturá-los com uma montanha de números, resumi tudo nesta tabela e neste gráfico.

Tabela das chuvas sobre os sistemas de abastecimento de São Paulo entre 2013 e 2015

Tabela das chuvas sobre os sistemas de abastecimento de São Paulo entre 2013 e 2015

 

Grafico chuvas sp 2013-2015

Em 2013, as chuvas ficaram entre 15 e 20% abaixo do histórico no Cantareira, Guarapiranga e no Alto Cotia; na média, no Alto Tietê; e acima da média nos demais sistemas. No ano passado, tivemos uma seca muito severa que atingiu todos os mananciais, com exceção do Rio Claro. O volume de chuvas foi aproximadamente 40% menor do que o esperado.

A variação dos volumes dos mananciais está apresentada na tabela e no gráfico abaixo.

Tabela dos volumes dos sistemas de abastecimento de São Paulo entre outubro de 2012 e outubro de 2015

Tabela dos volumes dos sistemas de abastecimento de São Paulo entre outubro de 2012 e outubro de 2015

 

Grafico volumes sp 2013-2015

A próxima tabela sintetiza tudo! A variação do volume de cada sistema foi calculada com base na sua capacidade total, incluindo os volumes mortos.

Tabela chuvas-volumes 2013-2015

Fica claro que São Paulo viveu apenas um ano de estiagem – 2014. As chuvas em 2013 e 2015 ficaram dentro da normalidade. No Cantareira, apesar de não haver uma grande estiagem em 2013, 15% de sua capacidade total foi consumida, 185 milhões de metros cúbicos. Entre outubro de 2013 e outubro de 2014, no auge da estiagem, 41% da capacidade do Cantareira foram consumidos, incríveis 526 milhões de metros cúbicos. Durante este período, muito pouco foi feito:

– inicio do programa de descontos da Sabesp em fevereiro de 2014;
– início do uso do primeiro volume morto do Cantareira em maio de 2014;
– início do uso do segundo volume morto do Cantareira em outubro de 2014.

Em setembro de 2015, 81% dos clientes da Sabesp reduziram seu consumo em relação ao ano anterior e ganharam descontos na conta d’água. Mesmo com esta economia e chuvas dentro da média histórica, o volume total dos mananciais cresceu nos últimos doze meses apenas 164 milhões de metros cúbicos (7% da capacidade total). Os dois principais sistemas, Cantareira e Alto Tietê, ficaram com seus níveis praticamente estáveis.

Ou seja, o sistema de abastecimento de água de São Paulo continua frágil e as poucas obras concluídas em 2015, não ajudariam a resistir a um novo período de estiagem. Por que nada foi feito em 2014? Havia as eleições e o governador Geraldo Alckmin concorria à reeleição. Deste modo, preferiu minimizar, em seus discursos, os riscos do desabastecimento de água. Depois colocou a culpa no clima e prossegue com a mesma tática. Imagina se estivéssemos com uma seca de quatro anos como a Califórnia?

Neste momento de “petralhas” e “coxinhas”, certamente os tucanos dirão que sou petista. Tenho a isenção de quem já denunciou a administração petista de Novo Hamburgo (cidade gaúcha onde morei quase vinte anos). O PSDB está duas décadas no poder em São Paulo e tratou a questão do abastecimento de água do estado de forma secundária. O mais importante era garantir o lucro e a distribuição de dividendos que caem no caixa do estado com liberdade para ser usado onde o governo quiser sem aquelas vinculações “indesejáveis”.

Alckmin sabia da gravidade da crise hídrica e não cumpriu sua obrigação para garantir sua reeleição. Agiu de má-fé. Se ele achasse que o problema não era importante, então seria um incompetente e não merecia vencer a eleição. Da mesma forma, Dilma sabia da gravidade da crise econômica do país e mentiu na campanha eleitoral para a presidência da república. Também agiu de má-fé. A prova foi a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e as medidas de austeridade econômica que seu governo tenta aprovar no Congresso desde o início deste ano. O El Niño salvou Alckmin, Dilma parece não ter a mesma sorte…

Os políticos brasileiros estão muito interessados em garantir a próxima eleição. Fazer o que deve ser feito e servir o povo fica para um plano secundário ou terciário…

Deixe um comentário

Arquivado em Ética, Economia, Gerenciamento de Projetos, linkedin, Meio Ambiente, Política

A Direita, a Esquerda e o Papa Marxista

Este negócio de direita e esquerda começou em 1789, durante a Revolução Francesa, quando no lado direito da Assembleia ficavam os Girondinos (moderados); e na esquerda, os Jacobinos (radicais e mais exaltados). Os Girondinos queriam instituir uma monarquia constitucional na França; os Jacobinos, a república. O tempo passou e as palavras direita e esquerda passaram a designar diferentes correntes de pensamento político e econômico. Em algumas ocasiões, a direita passou a representar a manutenção do status quo; e a esquerda, a mudança.

Desenho de Jacques-Louis David sobre um episódio da Revolução Francesa

Desenho de Jacques-Louis David sobre um episódio da Revolução Francesa

Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo se dividiu em dois blocos. A esquerda passou a ser representada pelo bloco socialista ou comunista, liderado pela União Soviética. Um aspecto deve ficar bem claro, os regimes do leste europeu eram ditaduras, nas quais liberdades e direitos civis foram suprimidos. Da mesma forma, existiam ditaduras na América Latina, que se opunham à esquerda, e empregaram alguns métodos muito semelhantes aos dos seus antagonistas. Regimes totalitários devem ser condenados independente da corrente ideológica. Não há nada de bom sem liberdade.

Com a falência do bloco comunista, simbolizada pela queda do Muro de Berlim em 1989, muitos passaram a considerar a esquerda como sinônimo de atraso e ineficiência. Nas últimas décadas, podemos considerar que a direita é representada pelo pensamento liberal conservador. Quem pensa diferente muitas vezes é ridicularizado e desacreditado como se só existisse uma forma de ver a realidade. De acordo com esta forma de pensar, o egoísmo humano é considerado irremediável. Assim sendo, não se deve lutar contra esta característica ou sentir-se culpado por demonstrá-la. Na área econômica, cada indivíduo deve buscar a maximização de seu lucro, seu bem-estar, sua riqueza. O economista americano Milton Friedman, conselheiro do governo do ditador chileno Augusto Pinochet e influenciador dos presidentes americanos Nixon e Reagan, define perfeitamente, neste contexto, qual é a função social das empresas:

“Há poucas coisas capazes de minar tão profundamente as bases de nossa sociedade livre como a aceitação por parte dos dirigentes das empresas de uma responsabilidade social que não seja a de gerar tanto dinheiro quanto possível para seus acionistas. Trata-se de uma doutrina fundamentalmente subversiva. Se homens de negócios têm outra responsabilidade social diferente de maximizar o lucro para seus acionistas, como poderão eles saber qual seria esta responsabilidade? Podem os indivíduos decidir o que constitui o interesse social? Podem eles decidir que carga impor a si próprios e a seus acionistas para servir ao interesse social? É tolerável que funções públicas como imposição de impostos, despesas e controle sejam exercidas pelas pessoas, que estão no momento dirigindo empresas particulares, escolhidas para estes postos por grupos estritamente privados? Se os homens de negócios são servidores civis e não empregados de seus acionistas – então, numa democracia, eles serão, cedo ou tarde, escolhidos pelas técnicas públicas de eleições e nomeações.”

Milton Friedman

Milton Friedman

Ou seja, o administrador da empresa deve apenas maximizar o lucro dentro dos limites legais requeridos, nada mais. O impacto econômico positivo da atividade econômica trará os benefícios para a sociedade. Este pensamento parece ser utópico e simplista. Se um país ou uma comunidade estiver preso em um círculo vicioso de pobreza, poderá ficar eternamente condenado a esta situação, porque não haverá estímulo à atividade econômica e, deste modo, não haverá progresso social.

Se um país ou estado tiver exigências ambientais menos restritivas ou fiscalização mais frouxa, uma empresa poderá optar por se instalar nesta região para reduzir seus custos, maximizando seus lucros. Segundo Friedman, esta seria a atitude que os acionistas esperariam do CEO da empresa. Se a comunidade passaria a ter seu rio poluído, com menos peixes, ou o ar com substâncias nocivas à saúde, esta preocupação não deveria afetar este CEO, porque sua missão é maximizar o lucro dos acionistas da empresa dentro da legalidade.

Poderia dar outros exemplos, como alimentos com ingredientes nocivos à saúde ou medicamentos com efeitos colaterais, mas acredito que a distorção causada pelo liberalismo econômico defendido por Friedman já está clara. O problema pode ser agravado, se as empresas, através de lobbies, usarem seu poderio econômico para influenciar na legislação que rege suas atividades.

O mais curioso é que uma parcela expressiva da direita alia, ao liberalismo econômico, uma postura conservadora em relação às questões sociais e comportamentais. São contrários à ampliação dos direitos das minorias, especialmente dos homossexuais, ou programas sociais – cotas raciais ou econômicas, complementação de renda, universalização da saúde, etc..

Sem dúvida o capitalismo é muito mais eficiente economicamente do que o comunismo. Existe estímulo muito maior para a evolução tecnológica e a busca pela eficiência, mas o consumismo é um dos pilares para a manutenção do crescimento econômico. Vivemos em um planeta que possui limites e, se todos os habitantes da Terra passarem a ter padrões americanos de consumo, nossos filhos não terão um ambiente saudável no futuro próximo.

As críticas sobre o Papa Francisco se iniciaram no início de 2015. Liberais conservadores americanos passaram a atacá-lo, dizendo que suas posições são da esquerda marxista. Parece claro que o papa deseja apenas que as distorções causadas pela busca desenfreada de riqueza por alguns e pelo consumismo de muitos sejam repensadas. Com este modelo de capitalismo, será difícil viver em um mundo socialmente mais justo e ecologicamente mais equilibrado.

Papa Francisco recebe polêmico presente de Evo Morales (Foto: Osservatore Romano)

Papa Francisco recebe polêmico presente de Evo Morales (Foto: Osservatore Romano)

Francisco sugere a leitura do “Compêndio da Doutrina Social da Igreja” publicado em 2006 durante o papado de João Paulo II. A propriedade privada é defendida nesta obra desde que atenda uma função social e todos tenham condições de adquirir a sua. Parece justo…

Se pensarmos unicamente na figura de Jesus Cristo, veremos que sua opção foi pelos pobres e injustiçados. O Reino de Deus, antes de ser um jardim onde ficaremos após a morte, é a Terra em que os humanos viverão um dia, onde haverá justiça e melhor divisão das riquezas. Se Cristo lutava por justiça social como um revolucionário de esquerda adepto da não violência, por que Marx, por exemplo, rejeitou a Igreja Católica? A Igreja havia perdido há séculos completamente sua ligação com o social, apoiando os poderosos, a manutenção da escravidão de negros ou a exploração de indígenas.

Francisco quer que os cristãos não façam leituras mecânicas dos Evangelhos, mas que os vivenciem genuinamente, buscando promover justiça para todos. Isto não tem a ver com ser comunista ou marxista, tem a ver com ser um cristão de verdade. Esta é a volta aos ensinamentos originais de Jesus. Não é assistir a missa dominical para ter os pecados expiados, é deixar o egoísmo de lado e ajudar os outros.

“Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25,40).

1 comentário

Arquivado em Ética, Economia, História, linkedin, Meio Ambiente, Política, Religião

São Paulo “Atacama” – A Crise Hídrica Acabou?

Hoje chove em Cotia. As notícias sobre a crise hídrica de São Paulo são tão escassas quanto as chuvas das últimas semanas. Passa a impressão de que o problema foi superado ou, pelo menos, não é grave. A tabela abaixo compara as reservas atuais de água com a situação no mesmo período do ano passado.

Seca_SP_Tabela_30-06-15

Por incrível que pareça, as reservas atuais estão 21% menores do que em 30/06 de 2014. Deste modo, entramos no inverno, o período mais crítico do ano, com 167 milhões de metros cúbicos a menos do que no ano passado. Se você comparar a redução do volume dos reservatórios no segundo semestre de 2014, verá que três sistemas de reservatórios poderão chegar praticamente vazios ao próximo período de chuvas – Cantareira, Alto Tietê e Rio Claro.

Seca_SP_Grafico_30-06-15

A Sabesp publicou a seguinte frase abaixo da definição de “reserva técnica” na página de seu site onde apresenta a situação dos mananciais:

“É possível ampliar em cerca de 180 milhões de metros cúbicos o volume da reserva técnica, desde que executadas obras que ampliem as instalações de bombeamento.”

Não achei nada sobre a obra acima. O projeto mais importante de 2015 é a transposição das águas do sistema Rio Grande para o Alto Tietê, orçada em R$ 130 milhões. Com esta obra, o Alto Tietê poderia abastecer diariamente mais 1,5 milhões de pessoas a partir de setembro. No final de junho, foi inaugurada a transposição de água do rio Guaió para o Sistema Alto Tietê, um volume de água suficiente para abastecer entre 300 e 400 mil pessoas.

O projeto mais importante é a ligação entre a bacia do rio Paraíba do Sul e a represa Atibainha (Bacia do Sistema Cantareira), orçada em R$ 830 milhões, prevista para entrar em funcionamento em 2016, deverá entrar em operação apenas em 2017. Esta obra poderá transferir um volume de água para o Cantareira suficiente para abastecer uma população entre 2 e 3,4 milhões de pessoas. Todos estes projetos são necessários, mas apenas interligam mananciais que passarão a esvaziar ou encher de forma mais equilibrada. Não se planejam projetos para racionalizar o consumo e reduzir desperdícios.

Todas as obras para mitigar a crise hídrica atrasaram. Ou seja, nem perante uma situação emergencial, o governo paulista conseguiu ser ágil.

Geraldo Alckmin dá início a obra de interligação de sistemas [Fonte: site do El País]

Geraldo Alckmin dá início a obra de interligação de sistemas [Fonte: site do El País]

A população de São Paulo está colaborando para a economia de água. No mês de maio, 83% dos clientes receberam bônus por economizar água e apenas 17% consumiram mais do que sua média do ano anterior. Como “prêmio”, a tarifa de água da Sabesp teve um reajuste de 15,24% em maio. A medida provavelmente foi estimulada pela queda na lucratividade da empresa – no primeiro trimestre de 2015, o lucro que foi de R$ 318,2 milhões contra R$ 477,6 milhões no mesmo período de 2014.

Como a geração de energia elétrica no Brasil é majoritariamente hídrica, a seca também complicou a situação em relação à eletricidade. Termoelétricas a gás natural e a óleo combustível foram ativadas e o custo do kWh subiu. O governo federal inventou a regra das bandeiras na conta de luz e agora estamos sob o regime da bandeira vermelha, a tarifa mais alta. Se isto não bastasse, reajustes tarifários são autorizados com índices muito acima da inflação oficial.

A geração domiciliar de eletricidade, através de painéis solares fotovoltaicos, é pouco incentivada no país. Se uma pessoa produzir mais do que consome, não receberá nada em troca. Este montante será acumulado em uma conta para compensar o total consumido através da rede da concessionária e, se após 3 anos não for utilizado, este crédito é zerado. Deste modo, não existe incentivo para gerar mais do que é consumido e a maioria dos projetos prevê uma geração entre 80 e 90% da necessidade média da residência. A Alemanha trilhou um caminho radicalmente oposto, seu governo incentivou a geração solar distribuída com enorme sucesso.

Painel solar fotovoltaico residencial

Painel solar fotovoltaico residencial

No Brasil, o litoral norte de Santa Catarina é a região com menor irradiação solar global (4,25 kWh/m2) devido à localização geográfica e à nebulosidade. Mesmo assim seu potencial para geração de eletricidade é 3,4 vezes maior do que a melhor região da Alemanha. A geração fotovoltaica em telhados residenciais tem o potencial de gerar o equivalente a mais de 2,3 vezes o consumo de eletricidade residencial brasileiro. Apesar do seu enorme potencial, o Brasil produziu em 2012 apenas 42 GWh de energia elétrica de fonte solar contra 28 mil GWh da líder mundial Alemanha.

No caso da seca no sudeste brasileiro, incentivar a captação e aproveitamento de água da chuva e o reuso de águas com menor potencial poluidor também não faz parte das agendas dos governadores estaduais.

Nos dois casos, os grandes, complexos e caríssimos projetos são sempre os preferidos para a solução dos problemas em detrimento do incentivo a obras muito mais simples em residências e empresas. Parece que os grandes lobbies empresariais conseguem sempre influenciar decisivamente na elaboração dos regulamentos que regem as atividades do próprio setor e nas políticas governamentais.

Deixe um comentário

Arquivado em Economia, Gerenciamento de Projetos, Inovação, linkedin, Meio Ambiente, Política, Tecnologia

Post 200 – Retrospectiva

Este é o ducentésimo (por que não é “duzentésimo”?) post publicado neste blog.

200-posts

Normalmente o centésimo é mais festejado, talvez pela introdução do terceiro dígito na contagem do número de posts, mas não posso perder a chance de fazer uma retrospectiva dos últimos cem posts publicados.

Vários posts foram inspirados por filmes. “Diários de Motocicleta” ajudou a contar a história da formação da consciência social de Che Guevara. “As Aventuras de Pi” tratou de temas como religiosidade e espiritualidade. “Amour” tratou dos sacrifícios extremos assumidos em nome do amor. “Meia-Noite em Paris” inspirou uma discussão sobre “O Passado e o Futuro”. “Ela” (título original Her) trouxe à tona as maravilhas e os perigos da inteligência artificial meio ano antes do físico Stephen Hawking externar seus temores sobre o assunto (fiquei bem acompanhado desta vez…).

Outros posts resgataram fatos históricos, como as descobertas e invenções de Heron de Alexandria ou o ato heroico de Sérgio Macaco que evitou centenas de mortes durante os anos de chumbo no Brasil. O próprio golpe militar foi protagonista de um post, onde reafirmei minha certeza que a democracia é o único caminho. As semelhanças dos casos de Napoleão Bonaparte e Eike Batista também renderam um post. E a guerra, o ato mais estúpido do ser humano, foi meu alvo após uma visita a Les Invalides em Paris,”Pra Não Dizer que Não Falei das Flores“.

O nascimento de nossa caçula, Luiza, recebeu um post superespecial – “A Maior Emoção da Minha Vida”. A Claudia deve futuramente fazer um post mais aprofundado sobre o parto humanizado.

Alguns posts trataram das minhas visões pessoais sobre família, amor pelos filhos (“Quando nos sentimos pais”) e educação dos filhos (“O que Dar e o que Esperar do Futuro de Nossos Filhos”). Afinal minha riqueza não deve ser medida pelos meus bens materiais, mas pela qualidade dos meus relacionamentos e “Eu Sou um Homem Rico”.

As questões do exibicionismo e da privacidade foram discutidas em dois posts, o primeiro sobre o BBB e o segundo que também trata do monitoramento da vida privada das pessoas pelos Estados – “Privacidade, Intromissão e Exibicionismo”. A propósito este post foi publicado quatro meses antes das denúncias de Edward Snowden.

As religiões e a manipulação dos fiéis por líderes inescrupulosos são fontes inesgotáveis de inspiração. Não escaparam deste blog o Islamismo, a igreja católica, representada pelos papas Bento XVI e Francisco, e nem mesmo “Deus, Sempre Ele”.

Dediquei dois posts para uma das piores figuras públicas da atualidade, o russo Vladimir Putin, sobre seu ecomarketing e sobre a Crimeia. Muito, mas muito menos importante, o ex-prefeito de Novo Hamburgo, Tarcísio Zimmermann, também foi “agraciado” com dois posts, enquanto tentava se reeleger antes de ser cassado devido à Lei da Ficha Limpa.

Em outros três posts, procurei comentar como nossos pensamentos podem ser nossos maiores aliados ou inimigos – “Como a Matrix de Neo e a Caverna de Platão nos Mostram a Realidade”, “Memórias e os Fantasmas do Passado” e “Como Assassinamos Nossos Insights”. Na mesma linha, escrevi mais dois posts – “O Medo” e “A Autossabotagem”.

A culinária vegana manteve seu lugar de destaque – moqueca de tofu, ratatouille, torta de sorvete, estrogonofe ou como preparar proteína texturizada de soja.

Aventurei-me em novos territórios – primeiro escrevi uma história infantil sobre bullying (“A Bruxinha Totute”); depois um poema no meio da “Turbulência” de um voo entre a França e o Brasil; mais um conto de ficção científica dividido em cinco partes sobre a expansão da humanidade em outros sistemas planetários e sua incontrolável ambição (“A Fonte da Juventude de Perennial”). Para finalizar escrevi, na semana passada, uma história que mescla ciência e religião (“Projeto Gaia – Experiência Final”).

Vários posts tiveram como inspiração as manifestações de junho do ano passado. Iniciei com “Os Protestos e a Verdadeira Democracia”, na sequência sugeri como próximo alvo a finada PEC 37/2011. Imaginem como ficaria a investigação da “Operação Lava Jato”, se o poder de investigação do Ministério Público Federal fosse tolhido? A melhoria nos serviços públicos de saúde foi um dos principais alvos dos manifestantes e o governo federal reagiu com a criação do “Programa Mais Médicos” que inspirou um artigo. Em breve, voltarei a escrever sobre a política brasileira.

Tentei desvendar os mistérios da satisfação pessoal em ”Não Esqueçam seus Objetivos Pessoais no Avião” e “Salário Motiva os Funcionários?”.

Questões éticas com animais foram tratadas em “Golfinhos de Guerra” e “Sofrer e Amar não são Exclusividades dos Humanos”.

A sustentabilidade ambiental também teve destaque com artigos sobre reciclagem de metais raros de telefones celulares, reciclagem de fósforo e da influência do consumo de carne na degradação do meio ambiente.

Este blog não é mais somente meu. A Claudia estreou em grande estilo com o post que conta como virou vegetariana, “Eu, a carne e a berinjela…”. Sinto que o respeito aos vegetarianos cresce a cada dia como retratei no post “Vitória Vegetariana”. E aqui entre nós, “Por Que Comer Carne?”.

A Copa do Mundo de Futebol realizada no Brasil em 2014 rendeu dois posts, “A Copa do Mundo Envergonhada” e “Como o Futebol Brasileiro foi Massacrado pelo Alemão”. Dentro da esfera futebolística, publiquei mais dois post “De Volta para o Meu Lugar”, sobre a reabertura do Beira-Rio, e “Fernandão, Vida, Morte e Piscadas”, sobre o morte do ídolo colorado Fernandão.

A seca em São Paulo que ameaça o fornecimento de água à população do estado também inspirou dois posts – “o que fazer quando a água acabar?” e “as medidas que evitariam a crise de abastecimento de água”. Apesar das excelentes chuvas dos últimos dias, o risco continua…

Falei sobre os mais variados assuntos, das “Gambiarras” ao “Portuglish ou Portunglês”, do show de Yusuf Islam em São Paulo aos “Múltiplos Papéis da Mulher no Mundo Atual”, dos conflitos entre judeus e palestinos em “O Escudo Humano” aos problemas da economia americana em “Obama e o Dilema Capitalista”, do racismo contra o goleiro Aranha a “Os Psicopatas, os Hiperativos, os Estranhos e os Normais”. Afinal “As Pessoas são Diferentes – Que Bom!!!”.

Agradeço a todos que acompanham nosso blog, espero críticas e sugestões para os assuntos dos próximos cem posts e lembro, mais uma vez que tento não falhar e fazer “Jornalismo Profundo como um Pires“ e “Eu Não me Chamo “Martho Medeiros”.

2 Comentários

Arquivado em Animais, Arte, Ética, Blog, Cinema, Economia, Educação, Esporte, Filosofia, Gastronomia, Gerenciamento de Projetos, Gestão de Pessoas, História, Inovação, Inter, Lazer, linkedin, Literatura, Música, Meio Ambiente, Política, Psicologia, Religião, Saúde, Segurança, Tecnologia, Turismo

Drogas – O Fim da Guerra

Recentemente pessoas de diversos lugares do mundo ficaram chocadas com o desaparecimento e provável assassinato de 43 estudantes no México. Segundo membros do cartel de narcotraficantes, “Guerreros Unidos”, um ônibus com os estudantes foi interceptado pela polícia, quando estava a caminho da cidade de Iguala. Após a prisão, os estudantes foram entregues ao grupo de criminosos que os executou e seus corpos foram queimados. José Luis Abarca Velázquez, o prefeito de Iguala, e sua esposa, María de los Ángeles Pineda Villa, foram apontados como os prováveis autores intelectuais deste crime bárbaro.

Painel com as fotos dos 43 estudantes mexicanos desaparecidos.

Painel com as fotos dos 43 estudantes mexicanos desaparecidos.

O envolvimento de autoridades políticas, policiais e traficantes de drogas infelizmente não é novidade. A corrupção do sistema pode ser explicada pelo tamanho do negócio das drogas ilícitas, um mercado de US$ 300 bilhões por ano.

Por que algumas drogas são lícitas e outras são ilícitas? Álcool, cigarro e açúcar têm consumo permitido; e maconha, cocaína e heroína, não! Você pode ficar surpreso com a inclusão do açúcar no rol das drogas lícitas, mas foi assim que começou minha conversa com Ethan Nadelmann, diretor e fundador da ONG Drug Policy Alliance, durante o TEDGlobal 2014 no Rio de Janeiro. Você pode assistir sua impactante apresentação durante o TED abaixo.

 

Eu estava na mesa do buffet de sobremesas, quando ele chegou. Escolhi alguns doces e disse para ele:

– Dizem que o açúcar vicia mais do que cocaína…

Ele sorriu e concordou. Contou a história de um donut cheio de açúcar e creme que, segundo um comediante americano, dava a sensação que o cérebro iria explodir – efeito semelhante da cocaína. Elogiei a apresentação dele, falamos sobre amenidades e ele disse que estaria em São Paulo na semana seguinte. Comentei sobre o programa da prefeitura paulistana para reintegrar ao convívio social os viciados em crack. Lembrei também da reação da polícia do estado que agiu de forma agressiva, batendo e prendendo usuários de drogas da região da cracolândia de São Paulo. Nadelmann elogiou a iniciativa da prefeitura e disse que, em todo o mundo, a polícia é a maior inimiga da legalização das drogas.

Na sequência, para exemplificar, ele contou a história de um rapaz que criou uma ONG na Colômbia que procurava ajudar dependentes de drogas injetáveis, auxiliando-os a se libertar do vício e, se isto não fosse possível, dando agulhas esterilizadas para evitar a proliferação de doenças, como a AIDS. A atuação desta ONG começou a incomodar os traficantes e os policiais corruptos que faziam parte do esquema. A Justiça Colombiana decidiu proteger a vida do rapaz com policiais honestos e a intimidade entre o protegido e seus protetores começou a crescer. Numa noite, enquanto bebiam cerveja juntos, um dos policiais falou:

– Você é um cara legal! Está fazendo o acredita, é honesto, bem-intencionado, mas eu agiria diferente. Se pudesse, daria um tiro na cabeça de cada um destes viciados e acabava com o problema…

Esta postura lembra o ódio do Capitão Nascimento nutria contra os viciados no primeiro filme da “Tropa de Elite”.

capitao-nascimento_maconheiro

Capitão Nascimento agride um viciado e diz que ele é o responsável por aquela situação.

 

Os Estados Unidos gastaram US$ 1 trilhão no combate às drogas nos últimos 40 anos. O fracasso é evidente, o consumo de drogas ilícitas só cresce e a violência ligada à atividade atinge níveis impressionantes em várias regiões do mundo como no México.

Nadelmann brincou na sua apresentação que muda de opinião muitas vezes em relação à legalização das drogas:

– Estou dividido: três dias por semana eu acho que sim, três dias por semana eu acho que não, e aos domingos, eu sou agnóstico.

Eu também me sinto dividido, mas vejo que alguns argumentos contra a descriminalização são fracos. Se a proteção à saúde fosse realmente o motivo principal, deveríamos proibir o consumo de álcool, cigarro, açúcar, gorduras saturadas…

Se o argumento é a proteção de nossos filhos em relação à violência, também podemos demonstrar que uma boa dose da violência urbana advém desta guerra antidrogas que vitima muitos inocentes. Além disto, proibir alguma coisa para nossos filhos não é, com certeza, tão efetivo quanto amá-los, educá-los, orientá-los e sermos pais presentes.

Hoje não é permitida a venda de álcool e cigarros para menores de 18 anos. O mesmo critério poderia ser adotado em relação a outras drogas. Em minha opinião, a maconha poderia ser a primeira droga atualmente ilícita a ser liberada e vendida com estas restrições de idade, com cobrança de impostos similar às bebidas alcoólicas destiladas ou cigarros. A maioria das demais drogas poderia ser liberada na sequência de acordo com as peculiaridades de cada uma.

Se a proibição das drogas resolvesse a questão, ninguém nos Estados Unidos beberia álcool. A Lei Seca só serviu para capitalizar a Máfia americana e enriquecer seu líder, Al Capone.

Termino este post, reproduzindo o encerramento da apresentação de Ethan Nadelmann no TEDGlobal que foi aplaudido de pé pela plateia presente.

– Então é a isso que eu tenho dedicado a minha vida para a construção de uma organização e um movimento de pessoas que acreditam que precisamos virar as costas a proibições fracassadas do passado e abraçar novas políticas de drogas baseadas em ciência, compaixão, saúde e direitos humanos, onde as pessoas que vêm de todo o espectro político e todos os outros espectros, onde pessoas que amam as nossas drogas, pessoas que odeiam drogas e pessoas que não dão a mínima para as drogas, mas onde cada um de nós acredite que essa guerra às drogas, este atraso, sem coração, esta guerra desastrosa tem que acabar.

1 comentário

Arquivado em Ética, Cinema, Economia, linkedin, Política, Psicologia, Saúde, Segurança

Quem Não Treina, Não Ganha

Nestes tempos de Copa do Mundo, sempre se chega à mesma conclusão – para se ganhar uma competição deste nível, a equipe deve estar bem treinada. Todos concordam com este pressuposto, quando o assunto é esporte, mas nem sempre conseguem ter a mesma percepção em outras áreas.

Eu já estava há alguns anos trabalhando como engenheiro de processo de uma empresa. Comecei a sentir que os ganhos advindos da minha atividade estavam cada vez menores, o que os economistas chamam de ganhos marginais decrescentes. Em bom português, cada vez se trabalha ou se gasta mais para ganhar menos em termos de custo, eficiência ou produtividade. Eu me sentia estagnado e queria fazer algo diferente. Procurei externar o que eu sentia, me pediram um pouco de calma e, depois de um tempo, me ofereceram a gerência de produção de uma fábrica. Não era uma fábrica qualquer, aquela fábrica estava em mau estado de conservação, era totalmente manual e havia muita gente trabalhando na área de empacotamento. Para completar, o produto tinha baixa margem de lucro, resumindo era o “patinho feio” daquele parque industrial.

Como a maioria dos engenheiros, achei que resolveria tecnicamente os problemas da fábrica. Boa parte dos problemas eram mecânicos. Eu e o responsável por esta área da manutenção, preparamos um plano, onde detalhamos o que deveria ser feito, como e quando. Seguíamos cada passo com atenção. Lembro-me do caso do transporte pneumático de matéria prima. Explicarei rapidamente para os leigos como era aquele equipamento.

Esquema simples de um transporte pneumático similar ao descrito

Esquema simples de um transporte pneumático similar ao descrito

O tipo de transporte pneumático que tínhamos, naquela fábrica, funcionava como um aspirador de pó gigante. A matéria prima ficava estocada em silos e roscas, no andar térreo do prédio, dosavam-na na tubulação por onde passava a corrente de ar. O material ficava em suspensão no interior da tubulação que subia até o último andar do prédio, quando era separado do ar através de filtro de mangas (mesma função do saco do aspirador de pó). Neste filtro, diferentemente do aspirador de pó doméstico, um sistema automático com ar comprimido era responsável pela remoção do material das mangas. O ar limpo passava por um ventilador e saia pela chaminé. O processo seguia continuamente e a matéria prima era encaminhada a um misturador, onde recebia os demais ingredientes.

O problema é que havia muitas falhas neste sistema e frequentemente a fábrica parava por falta de matéria prima nos misturadores, apesar dos silos estarem cheios.

Toda a vez que havia uma falha, o trecho da tubulação por onde entrava a matéria prima ficava totalmente obstruído e o ar não arrastava mais o material. Os operadores, então, batiam nas tubulações até formar um caminho por onde o ar passava, arrastando o material. Como aconteciam falhas frequentes, você pode imaginar o estado das tubulações… As pobres coitadas já estavam meio quadradas de tanto levar pancada!

Todos os componentes do transporte pneumático foram consertados ou trocados, incluindo as tubulações deformadas. Os problemas aparentemente terminaram…

Em um final de tarde, eu estava guardando minhas coisas para ir embora, quando ouvi umas batidas no andar de baixo. Desci rapidamente a escada e vi dois operadores, batendo com martelos de borracha com toda a força nos tubos novos. Já cheguei gritando:

– O que é isto? O que vocês pensam que estão fazendo?

Os dois operadores se assustaram e responderam que o transporte pneumático havia “embuchado” (entupido). Novamente parti para o ataque:

– Precisa destruir as tubulações novas? Vocês já foram até o último andar para verificar se o sistema de limpeza das mangas está funcionando direito? Vejam isto e depois passem na minha sala.

Os dez minutos de espera foram suficientes para baixar a adrenalina. Os dois operadores entraram na minha sala e avisaram que o sistema de limpeza não estava funcionando e eles já haviam chamado alguém da manutenção para consertá-lo.

Eu pedi desculpas pelos meus gritos e expliquei como funcionava o transporte pneumático e, no caso de outro problema, o que eles deveriam fazer.

Naquele momento, me dei conta que os operadores tinham de receber treinamentos melhores do que as simples conversas e explicações que eu havia feito até então. Quem é bem treinado reage melhor aos desvios do processo, porque tem domínio da situação e sabe o que está fazendo. Escute a gravação da comunicação de um piloto para torre de comando, avisando que fará um pouso de emergência. Um profissional só consegue ter este comportamento com muito conhecimento, treinamento e confiança.

http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/ouca-o-audio-do-piloto-da-avianca-antes-do-pouso

Avião da Avianca fez pouso de emergência em Brasília devido a um problema no trem de pouso dianteiro em março de 2014

Avião da Avianca fez pouso de emergência em Brasília devido a um problema no trem de pouso dianteiro em março de 2014.

O maior aprendizado que tive, no meu caso, é que a técnica traz a base indispensável para entender o que está acontecendo, como solucionar problemas e o que fazer para atingir novos patamares de excelência, mas quem faz tudo acontecer são as pessoas. Só as pessoas conseguem manter tudo rodando corretamente. A partir daquele momento, passei a investir muito mais tempo no treinamento da equipe para ajudá-los a mudar suas atitudes e visões.

Só as pessoas mudam o mundo, o que podemos fazer é ajudar a mudar as pessoas.

Deixe um comentário

Arquivado em Economia, Esporte, Gestão de Pessoas, linkedin

A Ameaça da Fome no Mundo – Reciclar é Preciso, Extrair não é Preciso

Na semana passada, escrevi sobre a reciclagem de metais valiosos presentes em equipamentos eletrônicos. Nesta semana, falarei sobre um elemento essencial para a vida, o fósforo.

No século XVII, o alemão Henning Brand descobriu o fósforo por acaso. Seu real objetivo era produzir a pedra filosofal, aquilo que transformaria tudo que tocasse em ouro. Brand recuperou a partir da urina uma substância que brilhava no escuro, o fósforo. Por incrível que pareça, ele ganhou muito dinheiro com esta descoberta, pois vendia a grama deste novo produto por valor mais alto do que o ouro.

“Alquimista à procura da pedra filosofal”, de Joseph Wright (1771): a descoberta do fósforo por Henning Brand

“Alquimista à procura da pedra filosofal”, de Joseph Wright (1771): a descoberta do fósforo por Henning Brand

Hoje se sabe que não existe vida sem o fósforo. Ele faz parte do metabolismo dos animais e plantas. Com o aumento da população mundial, apareceu a agricultura intensiva com o uso de variedades de plantas mais adaptadas a cada solo e clima, com o uso de herbicidas para matar plantas concorrentes aos alimentos, inseticidas para matar as pragas que se alimentariam destes alimentos e fertilizantes que suprem as necessidades de nutrientes das plantas.

Os três principais elementos que compõem os fertilizantes são o nitrogênio, o fósforo e o potássio. O nitrogênio é abundante na atmosfera da Terra e existem bactérias que conseguem fixá-lo ao solo. As reservas exploráveis de potássio são suficientes para atender o crescimento da demanda pelos próximos 250 anos, além da descoberta de novas reservas que poderiam dobrar esta expectativa. O grande problema acontece com o fósforo, muitos pesquisadores estimam que as reservas viáveis durem de 60 a 130 anos, sendo que a maioria estima um prazo de 70 a 90 anos. Ou seja, na virada do século XXI, a humanidade deverá explorar fontes bem mais custosas ou contaminadas por metais pesados.

Como podemos ver na figura abaixo, 82% do fósforo é empregado na produção de fertilizantes, sendo praticamente todo o montante usado para a produção de alimentos. Apenas 2% dos fertilizantes são usados para biocombustíveis (etanol ou biodiesel). Ou seja, se aumentar a participação dos biocombustíveis na matriz energética, mais fertilizantes com fósforo serão usados e mais rapidamente as reservas viáveis serão esgotadas.

Os usos do fósforo

Os usos do fósforo

Outros 7% do consumo total do fósforo são usados em suplementos nutricionais para animais. Na medida em que mais pessoas comem carne, ovos ou leite, maior será o consumo de fertilizantes para produzir grãos (principalmente soja e milho) para rações, além do fósforo para suplemento. Nesta hipótese, o esgotamento das reservas se acelerará ainda mais.

O gráfico abaixo mostra a produção real até 2008 e a projeção até o final deste século. Se nada for feito, os rendimentos agrícolas vão cair sensivelmente e poderemos ter redução na oferta de alimentos a partir de 2035.

Produção de fósforo

Produção de fósforo

Para compensar a redução das reservas de fósforo, deve-se aumentar a eficiência na mineração e no beneficiamento do fósforo. Outra ação é limitar drasticamente os usos de fósforo em aplicações não ligadas à produção de alimentos. Os rendimentos agrícolas também devem se elevar e toda a cadeia deve ser mais eficiente com a redução dos desperdícios de alimentos. A mudança da dieta de pessoas e animais também pode gerar uma enorme redução na necessidade de novas fontes de fósforo. Outra ação fundamental é o reciclo do fósforo. Existe grande abundância deste elemento nos resíduos orgânicos, nos dejetos de animais e esgotos sanitários.

O uso de resíduos orgânicos depende da boa separação dos recicláveis, principalmente os plásticos, e de resíduos perigosos como baterias e lâmpadas. Na Alemanha, o lixo é incinerado. Deste modo, torna-se mais importante ter uma boa separação prévia. Se você acha que devido ao nível cultural, os alemães separam bem seus lixos, então errou. As autoridades daquele país ainda não conseguiram sensibilizar a população e, por exemplo, um quarto dos plásticos das embalagens segue para incineração junto com o lixo orgânico. O lodo do tratamento de esgoto sanitário também é incinerado, mas também pode estar contaminado com metais pesados, inviabilizando seu reciclo para o solo.

Assim o fósforo que serviu como fertilizante para produção de alimentos, depois de virar resíduos ou esgoto, não volta para o solo e mais fósforo é extraído das minas.

No Brasil, ainda jogamos esgoto e águas contaminadas por excrementos de animais nos rios, causando poluição e mais prejuízos para a população.

Parece que devemos voltar ao século XVII, quando o alquimista Henning Brand descobriu o fósforo recuperando-o da urina humana…

Sustentabilidade no uso do fósforo – perspectivas

Sustentabilidade no uso do fósforo – perspectivas

Fonte: Os gráficos deste artigo foram copiados do trabalho “Sustainable Use of Phosphorus” de J.J.Schröder, D.Cordell, A.L.Smit & A.Rosemarin de outubro de 2010.

 

2 Comentários

Arquivado em Ética, Economia, Educação, Inovação, linkedin, Meio Ambiente, Tecnologia

Reciclar é Preciso, Extrair não é Preciso

Depois de alguns dias em uma das maiores feiras ambientais do mundo, a IFAT, na bela e sempre agradável Munique, eu passei a dar mais importância para a análise do ciclo de vida dos produtos do que dava anteriormente.

Achei os dois gráficos abaixo na internet, vi um similar em uma apresentação sobre a necessidade de buscar modos de vida mais sustentáveis. Por muito tempo, se pensou que os recursos naturais eram abundantes e infindáveis, mas atualmente o ser humano começa a se dar conta que a história não é bem assim. Apesar disto, muito pouco de prático é feito. Veja os incríveis crescimentos da população humana, da economia e da produção de bens de consumo.

Crescimento da Economia Mundial

Crescimento da Economia Mundial

Com o crescimento da economia mundial, a extração de recursos naturais cresceu exponencialmente, afetando a disponibilidade de água, a fauna e a flora de muitas regiões da Terra.

Crescimento Econômico – Recursos e Meio Ambiente

Crescimento Econômico – Recursos e Meio Ambiente

Para agravar mais a situação apresentada no gráfico anterior, ainda temos o aparecimentos de novos produtos eletrônicos – celulares, notebooks, tablets – que empregam novas matérias primas. A figura abaixo apresenta alguns metais empregados na fabricação de aparelhos celulares.

Celular_Tesouros

O Índio, junto com o Estanho, é responsável pelo desempenho da tela touch screen. Você já pode deduzir que o consumo aumentou muito com a onda de smartphones e tablets.

O Neodímio é um dos “misteriosos” elementos da tabela periódica que ficam naquelas duas linhas debaixo, os Terras Raras. Ele é usado para fazer os minúsculos e poderosos ímãs dos autofalantes.

O Tântalo é matéria prima para a produção de microcapacitores. A maior reserva do mineral Coltan, de onde este metal é extraído, está localizada na República Democrática do Congo (ex-Zaire) no centro da África. Este país sofre com uma terrível guerra civil, abastecida pelo contrabando deste valioso minério através da vizinha Ruanda.

As baterias têm Lítio. Os contatos das placas do circuito do celular são de cobre. E na placa e no chip tem Ouro! Sim, a cada tonelada de celulares devem ter umas 300 gramas de Ouro!

Então temos em nossas casas tesouros esquecidos, atirados em gavetas ou, pior ainda, lançados em algum lixão. Se você acha que na rica e esclarecida Alemanha é muito diferente, está enganado… Eles agora estão discutindo a obrigatoriedade de devolver o celular velho para a compra de um novo. O consumismo obriga muitas pessoas a trocar todo ano de celular e o anterior não tem mercado. Para agravar a situação, o índice de reciclagem é muito baixo. Matem a saudade e observem a tabela periódica abaixo. Ela é muito especial, porque mostra o índice de reciclagem de cada elemento metálico.

Tabela Periódica - Índice de reciclagem de metais

Tabela Periódica – Índice de reciclagem de metais

Em nosso exemplo do celular, temos o Índio (In), o Tântalo (Tl), o Neodímio (Nd) e o Lítio (Li) com índice de reciclagem inferior a 1%. Apenas o Cobre (Cu) e o Ouro (Au) têm índice de reciclagem superior a 50%.

Hoje todos nós falamos sobre como o ser humano poderá evitar o aumento da emissão de gases de efeito estufa. Desejamos energias limpas como a solar e a eólica. O carro elétrico está se tornando uma realidade concreta. Por outro lado, muitos metais, entre eles o Índio, entram na constituição dos painéis solares. As baterias, além de outros metais, têm Lítio que, como já vimos, apresenta um índice de reciclagem menor do que 1%. Se não houver reciclagem, o dano ambiental causado pela mineração será enorme.

Ao invés de se pensar apenas nos efeitos diretos das ditas soluções sustentáveis, os cientistas, os engenheiros e os políticos deveriam pensar e trabalhar no plano completo. Todas as etapas deveriam ser consideradas – a mineração, a purificação dos metais, a produção dos bens e sua reciclagem e disposição final. Só assim teríamos um mundo realmente sustentável.

4 Comentários

Arquivado em Ética, Economia, Inovação, linkedin, Meio Ambiente, Tecnologia

Putin e a Crimeia – Como o que Começa Pequeno Pode Tornar-se Insolúvel

Ontem iniciou mais uma semana de testes na fria Saskatoon no Canadá. No café da manhã, conduzi a conversa com dois colegas da Polônia para a questão Putin e a Crimeia. Para nós brasileiros, esta questão pode parecer distante e sem importância, mas para os poloneses, que são vizinhos da Ucrânia, a coisa é bem mais séria.

Farei a seguir uma pequena retrospectiva para aqueles não estão acompanhando o caso. No final de 2013, o então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovytch, decidiu aproximar o país da Rússia ao invés de efetivar um acordo com a União Europeia. Este ato foi o estopim para os protestos populares que iniciaram pacíficos, mas tornaram-se violentos em fevereiro de 2014. Apenas os confrontos entre os dias 18 e 20 desse mês deixaram 98 mortos e milhares de feridos na capital Kiev. Logo após, Viktor Yanukovytch foi destituído da presidência e eleições foram convocadas para o mês de maio. Dias depois, a Crimeia, uma região autônoma da Ucrânia, divulgou sua intenção de desligar-se do país e anexar-se à Rússia. Vladimir Putin mandou exércitos para a região sob o pretexto de garantir a segurança da população de origem russa (cerca de 60% do total). Um plebiscito foi realizado neste final de semana com vitória esmagadora da proposta de anexação à Rússia e ontem Putin reconheceu o resultado.

Viktor Yanukovytch e Vladimir Putin

Viktor Yanukovytch e Vladimir Putin

A crítica mais contundente até agora foi feita pela senadora e candidata à presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton. Ela comparou, segundo o “The Washington Post”, a atitude de Putin à de Adolf Hitler nos anos 30, ao invadir regiões da Tchecoslováquia e Romênia sob a justificativa de garantir os direitos dos cidadãos de origem alemã.

Placa em manifestação mostra Putin como Hitler

Placa em manifestação mostra Putin como Hitler

A questão é complexa, porque, por um lado, a União Europeia não pode aceitar este tipo de interferência da Rússia nos países vizinhos, mas, por outro lado, deve-se considerar a dependência da Europa em relação ao gás natural russo, as enormes reservas de petróleo do país e, principalmente, seu enorme poderio bélico herdado dos tempos da extinta União Soviética.

Perguntei para meus colegas poloneses se existe outra região da Europa Oriental, onde a população de origem russa seja a maioria. A resposta foi preocupante. Eles não sabiam, mas, no período de 1945 a 1989, houve muita movimentação dentro daquela zona e pode existir alguma região estratégica na mesma situação da Crimeia. Deste modo, o caso pode ser definido da seguinte forma. Hoje a anexação da Crimeia pela Rússia pode não ser uma grande agressão aos direitos de autodeterminação dos povos, mas é um importante precedente. Ontem foi a Chechênia; hoje, a Crimeia. Se ninguém fizer nada, amanhã será o quê?

Ucrânia com a península da Crimeia em verde

Ucrânia com a península da Crimeia em verde

Não estou pedindo sansões terríveis contra a Rússia, porque provavelmente o povo pobre deste país será o mais atingido. No final, Putin poderia até sair fortalecido com este tipo de procedimento. Por outro lado, se tudo ficar como está, pode ser a senha para um próximo passo. Putin já fez várias – mandou prender políticos da oposição, as cantoras do Pussy Riot e ativistas do Green Peace. Poucas autoridades de outros países falaram contra. Durante a invasão de um teatro por terroristas chechenos, em Moscou, causou a morte de pelo menos 129 reféns devido à colocação de um gás tóxico desconhecido no sistema de ventilação do prédio. Ninguém se levantou contra o uso de armas químicas em civis. Vetou qualquer resolução mais forte da ONU contra o regime de seu aliado Bashar al-Assad na Síria, alegando o direito de autodeterminação dos povos. Todos terminaram engolindo a posição de Putin. Agora é a Crimeia…

Bashar al-Assad e Vladimir Putin

Bashar al-Assad e Vladimir Putin

As grandes maldades geralmente começam por pequenas maldades. Isto vale também para nosso dia a dia. Aceitamos que os outros façam coisas erradas, cometemos pequenos delitos, não acontece nada, fazemos maiores. Se não tem blitz da “Lei Seca”, então está liberado dirigir depois de beber todas. Tapamos os olhos para os problemas que temos dentro de nossas casas, até que num dia eles se tornam grandes o suficiente para parecerem insolúveis, verdadeiros “Putins”. Nessa hora, perguntamos para nós mesmos:

– Como a situação chegou neste ponto? O que fizemos de errado?

A resposta é simples, agimos como avestruzes, fizemos de conta que o problema não era com a gente e o que antes seria uma simples correção de rumo, pode se tornar uma tragédia. Pode ser tarde…

dúvidas

5 Comentários

Arquivado em Ética, Economia, História, linkedin, Política, Psicologia

Eu Sou um Homem Rico

Guardei a mala e a mochila no bagageiro sobre meu assento no avião. Tirei o tênis e coloquei aquela meia que vem no nécessaire das companhias aéreas. Acomodei-me na poltrona e resolvi conferir quais eram as opções disponíveis de filmes. Escolhi “Captain Phillips” como primeiro filme da noite, esperando mais uma convincente atuação de Tom Hanks. A surpresa ficou com seu antagonista no filme, o somali Barkhad Abdi.

Capitão Phillips

“Captain Phillips” com Tom Hanks e Barkhad Abdi

Antes de o filme começar, passou um comercial do Bank of Singapore. Você pode assisti-lo abaixo.

Realmente, não há nada mais precioso em nossas vidas do que os relacionamentos que mantemos com as pessoas ao nosso redor, mas não é fácil se dar conta disto. Enquanto a moça da Columbia Pictures aparecia com aquela pose de Estátua da Liberdade, eu cheguei a uma importante conclusão:

– Eu sou um homem rico!

Mais importante do que casas, apartamentos, automóveis e investimentos que pudessem fazer parte do meu patrimônio, tenho três filhos e uma esposa que amo muito e que me amam. Todo o dia tenho uma troca intensa com eles e a cada reencontro parece que tudo se renova, me sinto feliz!

No ano passado, fiz um curso sobre finanças no INSEAD da França. A primeira parte do curso poderia ser resumida em três frases simples em inglês:

Cash is king!

Time is queen!

Risk matters!

Ou seja, o caixa é o rei, o tempo é a rainha e o risco importa. Os investidores procuram projetos que tornem o fluxo de caixa da empresa mais positivo do que projetos apenas lucrativos. Manter o fluxo de caixa positivo conserva a saúde da empresa. O tempo é importante, porque, ao comparar diferentes projetos, devemos trazer suas contribuições ao caixa da empresa para o tempo presente, para o dia de hoje. Finalmente, sempre que investimos em alguma coisa, olhamos para o retorno e para o risco associados ao investimento.

Paradoxalmente, pela minha nova definição de homem rico, o caixa deve estar sempre praticamente zerado. Devemos retornar tudo o que recebemos o mais rápido possível. Isto não significa que os fluxos de entrada e saída sejam pequenos, pelo contrário devemos circular grandes volumes de amor, carinho e compreensão. Vamos ser mais perdulários do que a caricata figura do “rei do camarote”, mas ao invés de focar nos bens materiais, vamos prestar atenção aos sentimentos.

O "rei do camarote"

O “rei do camarote”

Para finalizar, lembro-me de um presente que meu filho Léo me deu há um bom tempo, o saco do carinho. Estava escrito assim:

– Carinho – quanto mais se dá, mais se tem!

Este parece um daqueles círculos virtuosos. Quanto mais a gente dá e demonstra afeto, mais recebe, mais feliz e autoconfiante fica, mais a gente dá, mais recebe…

Como eu apresentei antes, a nova lógica é sempre devolver, no mínimo, tudo o que se recebeu e nosso “caixa” ficará zerado, mas nossos corações ficarão cada vez mais plenos em felicidade e alegria.

Foto da minha família (São Paulo, julho de 2013)

Foto da minha família (São Paulo, julho de 2013)

1 comentário

Arquivado em Arte, Cinema, Economia, Gerenciamento de Projetos, Gestão de Pessoas, linkedin, Psicologia

O Novo Fim da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 5)

CONTINUANDO…

Os soldados feridos foram transportados para a Blue Spaceship. A colônia foi cercada, e as buscas começaram de casa em casa. Um dos oficiais da força de paz da ONU foi abordado por uma mulher visivelmente nervosa que queria saber o que houve na sede do conselho. O oficial contou que, quando os soldados invadiram o prédio, bombas incendiárias explodiram e todos que estavam dentro morreram. A mulher caiu de joelhos, e começou a chorar e disse que seu marido era um dos seguranças. O oficial consolou-a, mas procurou obter mais informações:

– Meus pêsames! Com certeza, seu marido não queria estar naquele prédio com apenas mais um colega…

– Não, eu até preferi que ele ficasse lá do que no meio da floresta, com os conselheiros e os outros seguranças. Achei que ele e o colega se entregariam e ficaria tudo bem, mas…

– Em qual floresta estão os outros?

– Na floresta da fonte da juventude.

O oficial desejou que a mulher se recuperasse da perda de seu marido e pediu ao soldado, que o acompanhava, a ajudasse no que fosse necessário. Em seguida, despediu-se e relatou imediatamente sua descoberta ao líder da operação. A tropa se reuniu e avançou até a floresta.

As sentinelas do conselho de Perennial entraram em combate com os primeiros soldados invasores da floresta. Ambos os lados sofreram baixas; contudo, a força de paz da ONU, mais numerosa e bem treinada, avançou rapidamente até o prédio onde o conselho do planeta estava escondido. Dessa vez, os soldados explodiram uma parede lateral para entrar no prédio. Quando chegaram à sala onde estava o conselheiro-mor, um soldado mirou em seu corpo e gritou para que ele se entregasse. O conselheiro-mor respondeu à ordem:

– Você quer me levar para a Terra como um troféu? Como a cabeça empalhada de um animal selvagem morto por um caçador em um daqueles antigos safáris na África? Todos nós já estamos mortos!

O soldado, assustado, disparou sua arma laser contra o peito do conselheiro-mor que, agonizando, apertou o botão do controle que estava em sua mão direita, acionando uma bomba térmica. A temperatura em toda a região da floresta da fonte da juventude superou os 3.000°C. Toda a vida da floresta foi destruída — nenhum humano, kwasha, inseto ou planta resistiu.

“A Apoteose da Guerra” de Vasily Vasilyevich Vereshchagin (1871)

“A Apoteose da Guerra” de Vasily Vasilyevich Vereshchagin (1871)

A notícia gerou uma enorme comoção na Terra, afinal, dezenas de pessoas morreram. Além disso, a possibilidade de vida eterna foi inviabilizada com a destruição total da floresta da fonte da juventude.

No dia seguinte à tragédia, o secretário-geral convocou a imprensa para um comunicado oficial na sede da ONU. Bilhões de pessoas aguardavam ansiosamente o seu pronunciamento. No horário marcado, ele chegou ao plenário lotado, esperou que as autoridades e os repórteres se acomodassem e iniciou seu discurso:

– Há pouco mais de dois anos, uma incrível descoberta encheu a humanidade de esperança. As sementes de uma planta encontrada no planeta Perennial, apelidada de fonte da juventude, interrompiam o envelhecimento celular. Foram realizadas inúmeras tentativas de isolar o princípio ativo, sem sucesso. Tentou-se também cultivar a fonte da juventude, empregando as mais modernas técnicas agrícolas, mas as plantas resultantes não possuíam as mesmas propriedades. Decidiu-se, então, coletar suas sementes de forma controlada e distribuí-las aleatoriamente entre a população humana da Terra e das colônias espaciais.

– Os membros do conselho de Perennial sugeriram que fossem empregados para esta tarefa de coleta dóceis animais do planeta Arborea, os kwasha-kwashas. Essas pobres criaturas foram escravizadas, e nós permitimos isso devido à cegueira causada pela possibilidade da vida eterna. Será que a vida de um humano vale mais do que a de um kwasha?

– Posteriormente, os conselheiros de Perennial passaram a desviar as sementes para obter vantagens pessoais. Chegaram ao ponto de sequestrar e manter em cativeiro uma equipe da ONU que investigava o caso. Houve intransigência tanto por parte do conselheiro-mor de Perennial quanto da minha. Todos estavam cegos pela fonte da juventude.

– Em vez de diálogo ou negociação, partiu-se para um confronto sangrento. Eu deveria ter percebido que nossa vantagem poderia acuar os conselheiros de Perennial. Ao sentirem-se sem saída, partiram para atos extremos. A floresta que abrigava a fonte da juventude foi totalmente destruída por uma bomba acionada pelo conselheiro-mor de Perennial, em um momento de completo desespero. Eu errei! Meu erro causou a morte de mais de uma centena pessoas. Meu erro gerou o genocídio de aproximadamente dois terços da população de kwashas. Meu erro deve ter exterminado inúmeras espécies de plantas e animais que só existiam naquela floresta. Meu erro acabou com a única forma conhecida, até agora, de paralisar o envelhecimento dos homens.

– Hoje, penso que a fonte da juventude pode ter sido um teste que uma Entidade superior deste Universo fez conosco, humanos. Em vez de ouro ou pedras preciosas, foi-nos oferecida a vida eterna; mas, como não havia o suficiente para todos, não soubemos como compartilhar. Não demonstramos solidariedade nem compaixão! Deixamos aflorar nossos instintos mais vis: a ambição, a ira, a vingança. O sinal de alerta foi a permissão para escravizar  os kwashas. Nenhuma maravilha pode ser construída sobre as bases da dor e da exploração. Só uns poucos lutaram contra a barbárie cometida contra aqueles animais inocentes. Devemos aprender a lição e não repetir mais estes erros. Espero que o dia de ontem seja lembrado, como a explosão da primeira bomba atômica, em Hiroshima, foi lembrada durante muito tempo, como algo que não deve se repetir.

Hiroshima após ser atingida pela bomba atômica (1945)

Hiroshima após ser atingida pela bomba atômica (1945)

– Finalizo, renunciando ao posto de secretário-geral da ONU. Espero que um ser humano melhor, mais equilibrado, me suceda. Estou à disposição para receber a punição que acharem justa. Agradeço a atenção de todos.

A reação de todos que ouviram o pronunciamento do então ex-secretário-geral da ONU foi de profundo silêncio. Todos sabiam que ele não era o único culpado; muitos também erraram por omissão. Aquela tragédia serviu, pelo menos, para mostrar que a construção da humanidade ainda não estava completa e que todos deveriam permanecer vigilantes, pois nada poderia justificar as práticas adotadas no célebre caso da “fonte da juventude de Perennial”.

1 comentário

Arquivado em Animais, Ética, Economia, Filosofia, História, linkedin, Literatura, Meio Ambiente, Política, Psicologia, Tecnologia

História Sangrenta – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 4)

CONTINUANDO…

Havia duas proposições a serem votadas pela Assembleia Geral da ONU. A primeira, apresentada pelo embaixador de Perennial, solicitava a independência do planeta. A segunda, elaborada pelo próprio secretário-geral, concedia 24 horas para a libertação da equipe de auditoria detida em Perennial e a renúncia de todo o conselho do planeta, sob pena de invasão pelas forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

O secretário-geral expôs todos os fatos ocorridos: desde o desvio e contrabando de sementes da fonte da juventude, passando pelo sequestro da equipe de auditoria enviada ao planeta e chegando finalmente à barganha proposta pelo conselheiro-mor de Perennial — libertação da equipe em troca da independência do planeta.

Assembleia Geral da ONU

Assembleia Geral da ONU

Em seguida, ele pediu que o embaixador de Perennial apresentasse suas explicações. Como esperado, os circunlóquios do diplomata não convenceram os demais participantes; provavelmente, nem ele mesmo acreditou na sua defesa. Os discursos de outros membros da assembleia foram acalorados. Todos pediam punição exemplar para o conselho de Perennial e, em especial, para seu líder.

Percebendo que o ambiente estava totalmente favorável, o secretário-geral anunciou uma pausa de uma hora para que os diplomatas conversassem com seus respectivos chefes de Estado. No reinício dos trabalhos, as duas proposições seriam votadas.

Após o intervalo, como já se esperava, a independência de Perennial foi rejeitada por unanimidade, e o ultimato do secretário-geral foi aprovado com apenas algumas abstenções e nenhum voto contrário. O Conselho de Segurança da ONU se reuniu em seguida e definiu a estratégia: a tropa partiria no início do dia seguinte. Graças a um buraco de minhoca (equivalente à dobra espacial da série Jornada nas Estrelas), era possível vencer os anos-luz que separam a Terra de Perennial em poucas horas. A nave espacial Blue Spaceship, das forças de manutenção da paz da ONU, ficaria em órbita do planeta até completar as 24 horas do prazo da resolução. Caso as condições não fossem atendidas, a sede do conselho seria invadida.

Forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

Forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

Tudo foi executado conforme o planejado. Quando faltava apenas uma hora, o secretário-geral da ONU enviou o ultimato ao conselheiro-mor e avisou a população do planeta:

– Caros irmãos de Perennial! O conselho deste planeta agiu de forma totalmente antiética – roubou, mentiu e acabou sequestrando funcionários da ONU que cumpriam missão oficial no planeta. Se dentro de uma hora, seu conselho não libertar os funcionários e renunciar pacificamente, invadiremos a sede do conselho. Não há motivos para pânico, peço que todos os cidadãos permaneçam em suas casas. Ninguém será ferido.

É óbvio que o aviso gerou uma grande correria na colônia, mas, vinte minutos antes do fim do prazo, as ruas estavam completamente desertas. O conselho e quase toda a equipe segurança de Perennial esperavam o desenrolar das ações no QG improvisado na floresta da fonte da juventude. Apenas dois seguranças permaneceram na sede do conselho para vigiar os prisioneiros e alertar sobre a chegada dos capacetes azuis na colônia.

No horário marcado, a invasão do planeta foi iniciada, a sede do conselho foi cercada, e o líder da operação exigiu que os reféns fossem libertados e que todos os demais se entregassem. Os seguranças, após avisarem o conselheiro-mor, libertaram todos os prisioneiros, com exceção do delegado e de seu assistente direto.

O líder da operação concedeu um prazo de 30 minutos para que os dois reféns fossem libertados; caso contrário, o prédio seria invadido. Ao término do prazo, os seguranças de Perennial acionaram suas armas laser contra os capacetes azuis. Alguns soldados ficaram gravemente feridos. A porta do prédio foi arrombada pelos soldados; entretanto, bombas incendiárias instaladas junto às entradas foram acionadas, e toda a instalação incendiou-se rapidamente.

O resultado foi trágico: sete mortes — três soldados capacetes azuis, dois seguranças do conselho de Perennial, o delegado da ONU e seu assistente. A Terra, que vivia um período de paz, testemunhou o ressurgimento dos horrores da guerra em uma de suas colônias espaciais.

O conselheiro-mor, ao ser informado sobre o resultado da primeira batalha, reuniu os demais membros do conselho:

– Iremos até o fim! Mostraremos a esses canalhas que não temos medo! Quem não estiver preparado para tudo pode sair agora.

Ninguém foi embora; vários gritaram frases de efeito, mas, no fundo, todos sabiam que dificilmente sairiam vivos daquele lugar.

O secretário-geral ficou revoltado com a notícia das mortes, especialmente a de seu amigo, o delegado. Suas ordens foram claras:

– A partir de agora, será olho por olho, dente por dente! Descubram onde esse verme está escondido e capturem-no junto com toda a sua corja. Se não for possível trazê-los vivos, não importa mais, mate-os!

A justiça não era mais importante; apenas a vingança…

A Execução dos Defensores de Madrid [Francisco Goya]

A Execução dos Defensores de Madrid  de Francisco Goya

CONTINUA…

2 Comentários

Arquivado em Ética, Economia, Filosofia, História, linkedin, Literatura, Meio Ambiente, Política, Psicologia, Tecnologia

História Déjà Vu – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 3)

CONTINUANDO…

O conselheiro-mor de Perennial conversou sobre a situação com seu par de Aquamundi na sala de reuniões virtual, onde eram representados por seus hologramas. Ao final, o líder de Aquamundi foi muito honesto e aconselhou-o a buscar uma solução negociada com a Terra:

– A colônia em nosso planeta ainda é relativamente recente. Precisamos dos recursos e do apoio da Terra, não resistiríamos a um bloqueio econômico. Vocês têm a fonte da juventude, uma moeda de troca muito interessante. Não comecem uma guerra, na qual todos sempre perdem.

O conselheiro-mor de Perennial, embora contrariado com o resultado da reunião e principalmente com o conselho final, agradeceu o tempo e a atenção dispensados. Em seguida, finalizou a reunião e solicitou o contato do conselheiro-mor de Arborea.

Reunião virtual com hologramas

Reunião virtual com hologramas

A reunião com o conselheiro-mor de Arborea teve outro tom, porque ele estava claramente dividido. Uma verba considerável estava entrando no planeta por meio do tráfico de kwashas; contudo, a maior parte da população era formada por cientistas que pesquisavam fitoterápicos oriundos da enorme biodiversidade local. Caso seu planeta se alinhasse com Perennial, a torneira dos recursos terráqueos para as pesquisas seria lacrada. Desde a descoberta da fonte da juventude, alguns projetos com alta probabilidade de aprovação foram adiados. Se a Terra não tivesse mais acesso à fonte da juventude de Perennial, verbas generosas poderiam jorrar em Arborea para premiar sua fidelidade e acelerar a busca por novas alternativas na área de saúde e longevidade.

O conselheiro-mor de Perennial prometeu grandes vantagens a Arborea como parceiro preferencial, incluindo generosas quantidades de sementes da fonte da juventude. Quando questionado sobre se apoiaria Perennial na criação de uma nova federação de planetas independentes, o conselheiro-mor de Arborea mostrou-se reticente:

– Acredito que a proposta é muito interessante, mas não estou totalmente certo de que este seja o melhor momento para implementá-la. Talvez possamos conquistar mais autonomia por meio de negociações com a Terra… Solicitarei ao nosso conselho que analise as alternativas o mais rapidamente possível, conforme a situação exige, e retornarei com nossa decisão. Agradeço imensamente pelo amável convite.

O conselheiro-mor de Perennial sentiu que estavam sozinhos. O que fazer? Ele havia avançado demais ao prender o delegado da ONU e sua equipe. Mesmo que a negociação trouxesse vantagens para seu planeta, ele cairia em desgraça.

Seu assessor informou que o secretário-geral da ONU aguardava-o em uma sala de reuniões virtual para discutir sobre a delegação desaparecida. Ele pediu que a conexão fosse estabelecida. O secretário-geral fez uma saudação protocolar e perguntou como estavam as buscas por sua equipe. O conselheiro-mor respondeu que, apesar da grande mobilização, os progressos foram pequenos; ainda não havia pistas. A resposta do secretário-geral foi incisiva:

– Não esperava outra resposta! Qual é a próxima mentira? Não somos tolos ou ingênuos! Vocês inventaram histórias sobre a fonte da juventude, e nossa equipe desmascarou a farsa que vocês criaram. Eles foram mortos ou sequestrados para não revelar tudo o que descobriram? Exijo a verdade!

– Nenhum representante da Terra tem o direito de exigir algo de um cidadão de Perennial. A era do domínio e exploração acabou! O povo de Perennial agora está livre! Se quiserem seus espiões de volta, reconheçam nossa independência.

– Não negociamos com chantagistas. Perennial é uma colônia terráquea e permanecerá com este status. Liberte minha equipe e entregue-se imediatamente. Você terá um julgamento justo. Caso contrário, seremos obrigados a empregar a força!

– Se esta é a sua palavra final, nosso embaixador apresentará imediatamente o pedido de independência de Perennial. Caso tentem invadir nosso planeta, destruiremos a fonte da juventude.

– Convocarei uma reunião de emergência para hoje, e teremos a decisão sobre o futuro de Perennial até o fim do dia. Adeus!

O conselho aguardava o resultado das reuniões do conselheiro-mor para determinar qual plano seria adotado. Ele entrou na sala e foi direto ao assunto:

– A guerra é inevitável! Estamos sozinhos, e o secretário-geral da ONU já sabe de tudo. Seguiremos o plano “solução final”. Os dispositivos explosivos já foram instalados na área de extração de sementes da fonte da juventude. Caso tentem invadir este perímetro, detonaremos as bombas. Os prédios administrativos naquela área já estão preparados para ser nosso quartel-general. Iremos agora para lá!

Como observado muitas vezes na história da humanidade, inúmeras guerras poderiam ter sido evitadas, mas os interesses de uma minoria, combinados com o orgulho de líderes inescrupulosos, impediram negociações benéficas para todas as partes. No final, o prejuízo sempre foi repartido por todos, principalmente pelos menos favorecidos. Fica aquela sensação de déjà vu

Guernica de Pablo Picasso

Guernica de Pablo Picasso

CONTINUA…

2 Comentários

Arquivado em Animais, Ética, Economia, Filosofia, História, linkedin, Literatura, Meio Ambiente, Política, Psicologia, Tecnologia

A “Evolução” da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 2)

CONTINUANDO…

Após um ano de coleta de sementes, a população humana de Perennial começou a ficar descontente com aquela situação. Afinal, estavam enviando toneladas de sementes da fonte da juventude para a Terra e não recebiam praticamente nada em troca. Nesse período, apenas dois moradores do planeta foram sorteados na loteria. Por outro lado, o ônus de gerenciar toda a operação, incluindo os kwashas, recaiu sobre os ombros de Perennial.

Em determinado momento, a produção começou a declinar. O secretário-geral da ONU quis entender o que estava acontecendo, e o conselho de Perennial apresentou uma série de explicações:

– A produtividade das fontes da juventude caiu; cada planta estava gerando menos sementes.

– Os kwashas estavam mais preguiçosos e, como não se podia exagerar nos castigos, eles não temiam mais os humanos.

– Havia uma praga de insetos noturnos que obrigava a antecipar o fim das atividades diárias.

O secretário-geral solicitou um plano de ação e, sem avisar o conselho de Perennial, enviou um delegado com um grupo de auditores ao planeta para investigar mais profundamente os fatos.

Quando o grupo chegou a Perennial, foi fácil refutar a versão do conselho local. Não havia nada errado com as plantas. Os kwachas continuavam trabalhando da mesma forma, e um novo contingente havia chegado de Arborea há um mês. Além disso, a praga de insetos noturnos era mais uma mentira. Na verdade, parte da produção de sementes havia sido desviada e contrabandeada. Uma parte serviu de pagamento aos mercadores de kwachas de Arborea, e a maior parte foi vendida para pessoas ricas que não foram sorteadas na loteria.

Mercado de Escravos

Mercado de Escravos de Johann Moritz Rugendas

O delegado reuniu-se com o conselho para apresentar suas conclusões. Ao final, o conselheiro-mor ordenou para que seu serviço de segurança prendesse a comitiva da Terra e declarou a independência de Perennial:

– Basta de exploração! Basta de humilhações! O tempo de subserviência à Terra acabou hoje! A partir de agora, somos um planeta independente e, se os habitantes da Terra quiserem as sementes da fonte da juventude, deverão pagar o preço que nós determinarmos. Prendam estes canalhas e cortem toda a comunicação deles com a Terra!

Chegou a hora do motim, da revolução: algo que aconteceu inúmeras vezes na história da humanidade na Terra e já estava meio esquecido por seus habitantes.

Revolução Francesa

“A Liberdade Guiando o Povo” de Eugène Delacroix.

O delegado havia enviado um relatório parcial da investigação para a ONU. Quando o secretário-geral leu o documento, tentou contatar imediatamente seu subordinado, mas não obteve sucesso. Então, decidiu convocar o embaixador de Perennial na ONU para obter esclarecimentos. Como todo bom diplomata, ele afirmou que deveria ser um engano e que, talvez, o delegado e sua comitiva estivessem perdidos nas florestas do planeta. E para concluir, disse:

– Entrarei imediatamente em contato com as autoridades de Perennial. Tenho certeza de que todos os esforços serão envidados para encontrar a delegação enviada por Vossa Excelência ao nosso modesto planeta.

O secretário-geral não acreditou naquela história e temia que o pior tivesse acontecido com sua equipe. Não havia tempo a perder!

Em Perennial, o conselho do planeta decidiu apoiar a ruptura dos vínculos com a Terra. Além disso, acharam que não poderiam ficar sozinhos e decidiram fazer uma aliança com os dois planetas mais próximos – Arborea e Aquamundi. Assim, pelo menos, esses planetas não serviriam de base terráquea em caso de ataque das tropas da ONU.

O conflito parecia inevitável. Desta vez, o motivo não era ideológico, nem reservas de petróleo ou metais nobres, nem mesmo territórios. Ironicamente, as pessoas estavam dispostas a morrer para conseguir a semente que prolongaria suas vidas.

Guerra por petróleo

Guerra por petróleo

CONTINUA…

2 Comentários

Arquivado em Animais, Ética, Economia, Filosofia, História, linkedin, Literatura, Meio Ambiente, Política, Psicologia, Tecnologia

O Recomeço da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 1)

Pela primeira vez em séculos, a população da Terra apresentou uma redução. A atividade econômica, apesar de certo dinamismo, apresentava crescimento global praticamente nulo. Havia fontes abundantes e baratas de energia e alimentos; vivia-se um período de paz e prosperidade. Seria este o Fim da História que alguns pensadores descreveram no passado? Como não havia mais alternativas para a economia mundial crescer na Terra, os olhos dos homens se voltaram para o espaço.

Novos planetas, onde existiam condições para o desenvolvimento de vida, foram descobertos. Sondas não tripuladas e naves espaciais foram enviadas para procurar formas de vida e recursos minerais nestes planetas, além de analisar a viabilidade da instalação de colônias de seres humanos.

Foram criados grupos de investidores públicos e privados para explorar os planetas mais promissores. Por coincidência ou não, os planetas mais interessantes possuíam ecossistemas mais desenvolvidos, mas não apresentavam formas de vidas tão evoluídas quanto o ser humano. Após grandes investimentos e muitos anos de planejamento, foram construídas as primeiras bases fora do Sistema Solar. A nova “Era das Grandes Navegações” iniciava-se pelo cosmos, em vez dos mares da Terra do século XV.

As Grandes Navegações do Século XV

As Grandes Navegações do Século XV

Em um desses planetas, “Perennial”, foi encontrada uma planta cujas sementes possuem propriedades milagrosas – seu consumo interrompia o envelhecimento celular. A planta foi chamada de “Fonte da Juventude”. Muitas tentativas foram feitas para isolar a substância responsável por esse efeito, mas não houve sucesso. Também se tentou multiplicar as sementes e fazer grandes plantações na Terra e na própria Perennial, mas a produtividade foi baixa e não foi observado o efeito rejuvenescedor das sementes da planta selvagem. Restava apenas uma alternativa: coletar as sementes do ambiente natural, mas havia um grande problema. Os bilhões de habitantes da Terra e os milhões de humanos que viviam em outros planetas desejavam consumir a semente e viver por toda a eternidade. Após muito debate na sede das Nações Unidas em Nova York, foi definida a quantidade anual de sementes a ser coletada para evitar a extinção da fonte da juventude. Uma espécie de loteria foi criada para determinar quem seriam os felizardos a receber pequenas quantidades de sementes.

Quando se iniciou a coleta de sementes, surgiram as primeiras dificuldades. O ambiente não era amistoso aos humanos. Havia animais selvagens, plantas venenosas, novas doenças transmitidas por animais parecidos com os insetos terráqueos.

Como não havia como mecanizar essa atividade, alguém teve a ideia de usar uma espécie muito dócil de Arboreal, o planeta das árvores gigantes. Os kwasha-kwashas, ou simplesmente kwashas, pareciam com lêmures, mas eram mais altos. Um macho adulto, por exemplo, media 1,40 metros.

Lêmure

Lêmure

Um grupo de kwashas foi levado para Perennial com o objetivo de analisar a viabilidade de utilizá-los na coleta das sementes da fonte da juventude. Os resultados foram excelentes e se decidiu transferir um quarto da população dos simpáticos lêmures gigantes de Arboreal para Perennial.

No trajeto entre os dois planetas, muitos kwashas entraram em profunda depressão; um em cada dez morreu. Ao chegarem a Perennial, não encontraram boas condições de alojamento, e as florestas eram diferentes das de seu planeta natal. Também não havia alimento na quantidade e qualidade necessárias.

A adaptação foi difícil, mas, após alguns meses, os kwashas começaram a acostumar-se ao novo ambiente. A coleta das sementes era uma atividade árdua e perigosa, pois as plantas cresciam em áreas de difícil acesso. Os kwashas, contudo, demonstraram grande habilidade e eficiência na tarefa, superando as expectativas iniciais. Com o tempo, a demanda pelas sementes aumentou significativamente, e a pressão sobre os kwashas intensificou-se.

Não havia tempo a perder, o envio de sementes da fonte da juventude estava muito atrasado e apenas uma remessa fora despachada à Terra. Desta vez, não houve o mesmo cuidado que se teve com o primeiro grupo de kwashas. A situação estava prestes a atingir um ponto crítico que mudaria para sempre a relação entre humanos e kwashas. Eles foram expostos a longas jornadas de trabalho, com pouca água e comida. Quando os responsáveis por supervisionar o trabalho perceberam que os kwashas estavam comendo a fonte da juventude, espancaram e castigaram brutalmente os animais. Alguns não resistiram ao cansaço, aos ferimentos e morreram. Seus corpos ficaram atirados no meio da floresta.

A produção da fonte da juventude aumentou exponencialmente, atingindo finalmente a meta. Os kwashas não aguentavam mais os maus tratos e tentavam fugir. Para evitar perda expressiva de mão de obra, tornozeleiras com localizadores e máquinas de choque foram colocadas em todos kwashas. Algumas pessoas da Terra, de Arboreal e de Perennial se revoltaram com aquela forma antiética de tratamento a seres sencientes, mas eram chamados de loucos, idiotas ou românticos. A maioria das pessoas falava:

– O que é mais importante, a vida de uma pessoa ou de um kwasha? Você deixaria sua mãe morrer para salvar um kwasha?

A própria Igreja definiu que os kwashas não eram humanos e que seriam os instrumentos que Deus nos presenteou para coletar a fonte da juventude. Só se deveria cuidar para não castigar excessivamente os animais a ponto de mutilá-los ou matá-los.

Os interesses econômicos prevaleceram. E a Escravidão, que estava banida na Terra, ressurgia com toda força em Perennial.

Escravo sendo castigado (Debret)

Escravo sendo castigado (Debret)

CONTINUA…

3 Comentários

Arquivado em Animais, Ética, Economia, Filosofia, História, linkedin, Literatura, Meio Ambiente, Política, Psicologia, Tecnologia

O Verdadeiro Fim da História

Em 2014, completará 25 anos da publicação do polêmico ensaio “The End of History?” do cientista político americano Francis Fukuyama na revista National Interest. Depois, no final daquele ano, aconteceu a queda do Muro de Berlim, o que levou muita gente a afirmar que a História havia terminado, porque a democracia liberal triunfara e não surgiria outro sistema para disputar a hegemonia, como foram os casos do fascismo e do socialismo no século XX.

Francis Fukuyama

Francis Fukuyama

No último parágrafo deste ensaio, Fukuyama fala do fim das disputas ideológicas e da “estagnação” que tomará conta da humanidade após o fim da História:

“O fim da história será um momento muito triste. A luta pelo reconhecimento, a vontade de arriscar a própria vida por um objetivo puramente abstrato, a luta ideológica mundial que suscitou ousadia, coragem, imaginação e idealismo, será substituída pelo cálculo econômico, pela solução interminável de problemas técnicos, por preocupações ambientais, e pela satisfação de exigências sofisticadas dos consumidores. No período pós-histórico não haverá nem arte nem filosofia, apenas a guarda perpétua do museu da história humana. Eu posso sentir em mim mesmo, e ver nos outros ao meu redor, uma nostalgia poderosa para o momento em que a história existia. Essa nostalgia, de fato, continuará a alimentar competição e conflito, mesmo no mundo pós-histórico por algum tempo. Apesar de eu reconhecer a sua inevitabilidade, eu tenho os sentimentos mais ambivalentes para a civilização que foi criado na Europa desde 1945, com suas ramificações pelo Atlântico Norte e Ásia. Talvez esta perspectiva de séculos de tédio no final da história servirá para iniciar a história mais uma vez.”

Para começar, não acredito no fim da arte ou da filosofia e prefiro a guerra trancafiada no Musée de l’Armée de Paris. Você pode acessar a íntegra do ensaio através do link abaixo.

http://www.wesjones.com/eoh.htm

Em 1992, Fukuyama lançou o livro “The End of History and the Last Man”, onde desenvolveu melhor os pressupostos de seu ensaio de 1989. Com o fim da Guerra Fria devido ao dilaceramento do bloco socialista, a democracia liberal tornou-se, segundo ele, a forma final de governo para todas as nações. Não poderia haver progressão da democracia liberal para um sistema alternativo. Como a História deve ser vista como um processo evolutivo, poderíamos concluir que a História chegou ao fim, mesmo que eventos ainda ocorram.

Não acredito que esta seria uma boa definição do “fim da História”. Atualmente temos uma série de revoluções acontecendo de forma pacífica no mundo. Estamos entrando em uma era de informação, nunca as pessoas tiveram informação com a abundância de hoje. Figuras como Assis Chateaubriand, o poderoso dono dos Diários Associados entre as décadas de 40 e 60, ou Roberto Marinho, dono das Organizações Globo que chegou ao auge da sua influência entre as décadas de 60 e 90, teriam hoje como principal limitador a Internet. Qualquer um pode dar sua versão dos fatos ou publicar fotos e documentos comprometedores que derrubam versões da grande imprensa.

Assis Chateaubriand (esq.) e Roberto Marinho (dir.)

Assis Chateaubriand (esq.) e Roberto Marinho (dir.)

A tecnologia, em todas as áreas, avança e sinaliza um futuro de maior longevidade e abundância. A biotecnologia é outra revolução deste século. Fukuyama demonstrava pessimismo sobre o futuro da humanidade devido à incapacidade humana de controlar a tecnologia. Em minha opinião, as discussões éticas acontecem depois do desenvolvimento tecnológico, o que evidentemente pode causar sérios problemas, mas dificilmente ocorrerão problemas irreversíveis. Os erros fazem parte do processo de aprendizado.

Voltando para o “fim da História”, o capitalismo, o neoliberalismo e a globalização atacam em duas frentes para garantir a manutenção da sua expansão:

– estímulo ao consumismo das populações mais ricas;
– busca e desenvolvimento de novos mercados.

Atualmente pode-se citar os países pobres ou emergentes da África, Ásia, América Latina e do próprio leste europeu como exemplos destes novos mercados-alvo da globalização. Há quase dois anos escrevi o artigo “Malditas Multinacionais”, onde faço uma análise do binômio lucro e risco. Na África, por exemplo, as instituições dos países estão ficando mais estáveis, atraindo novos investimentos, porque os riscos estão menores ou, pelo menos, administráveis. Como consequência, há uma melhoria considerável nos padrões sociais destes países. O número de filhos por casal cai, o crescimento demográfico declina e a expansão econômica perde velocidade. Outros novos mercados serão procurados e o ciclo se repete.

Conforme minha visão, o “Fim da História” acontecerá quando houver igualdade entre as pessoas e povos. Isto não significa que não existirão pessoas e povos mais ricos ou mais pobres, mas todos terão liberdade e acesso à alimentação de qualidade, moradia digna, saúde e educação. Continuará a haver mobilidade interna entre pessoas e povos, mas isto não será o suficiente para estimular o crescimento da atividade econômica. Assim o neoliberalismo e a globalização perderão fôlego. O que vai acontecer em um mundo com redução de população, com fontes de energia alternativas baratas e confiáveis, com abundância de alimentos de qualidade, onde não será preciso trabalhar mais do que 20 ou 24 horas semanais?

Talvez só exista uma alternativa para o capitalismo, a expansão espacial – a conquista e colonização de novos planetas. Neste caso, se tornará realidade aquela frase do seriado de TV “Jornada nas Estrelas” (“Star Trek” no original em inglês):

– “Espaço – a fronteira final”.

Para os fãs da série, grupo no qual me incluo, matem ou alimentem a saudade, assistindo a abertura original da segunda temporada.

2 Comentários

Arquivado em Ética, Cinema, Economia, Filosofia, História, Inovação, linkedin, Política, Psicologia

O que Eike Batista e Napoleão Bonaparte Têm em Comum?

Napoleão Bonaparte, sem dúvida, é uma das figuras mais polêmicas da história da humanidade. Como pude perceber recentemente no Hôtel des Invalides em Paris, o culto à memória do Imperador da França continua vivo. Sua tumba majestosa é cercada por uma série de painéis que apresentam suas contribuições para a França, começando pela centralização administrativa e pacificação interna do país, passando pelo chamado Código Napoleônico para o direito civil em vigor até hoje, chegando às inúmeras benfeitorias implementadas no país, especialmente em Paris. Abaixo você pode ver um destes painéis, onde o baixinho Napoleão parece um daqueles heróis gregos ou romanos…

Napoleão_painel_tumba

Napoleão tinha o sonho de acabar com as tradicionais monarquias europeias. Teve sucesso em várias batalhas, mesmo naquelas em que seu exército estava com inferioridade numérica, o que aumentou sua fama de grande estrategista militar, um gênio invencível. Em junho de 1812, as tropas francesas invadiram a Rússia e após cinco meses se retiraram, deixando para trás aproximadamente 550 mil soldados mortos. Após esta grande derrota, os povos das áreas conquistadas por Napoleão se revoltaram e, em março de 1814, atacaram Paris. Napoleão abdicou do trono de imperador, foi preso e enviado para o exílio na ilha de Elba, na costa italiana. No Museu do Exército (Musée de l’Armée), vi estes quadros que mostram um Napoleão derrotado, muito diferente das telas que estamos acostumados.

Napoleão montado no seu cavalo após prder uma batalha (quadro de Jean-Louis Ernest Meissonier)

Napoleão montado no seu cavalo após perder uma batalha (quadro de Jean-Louis Ernest Meissonier)

Napoleão em Fontainebeau 31-03-1814 (quadro de Paul Delaroche)

Napoleão em Fontainebeau 31-03-1814 (quadro de Paul Delaroche)

Um ano depois, ele fugiu de Elba, voltou para França, foi novamente aclamado imperador. Desta vez seu reinado durou apenas 100 dias, quando foi derrotado na Batalha de Waterloo na Bélgica. Foi novamente preso e enviado desta vez para a Ilha de Santa Helena, distante 2 mil km do sudoeste da África, onde morreu seis anos depois.

Há duas semanas, o semanário econômico Businessweek da Bloomberg, um dos principais provedores de informação para o mercado financeiro mundial, botou na sua capa o brasileiro Eike Batista. A manchete era muito desabonadora – “como perder uma fortuna de 34,5 bilhões de dólares em um ano”. Veja a capa da revista abaixo.

Eike_Batista_Businessweek

Eike Batista é o empresário brasileiro que criou há alguns anos o grupo EBX com atuação em diversos setores como petróleo, carvão mineral, energia, mineração, logística e indústria naval. Para expandir agressivamente seus negócios, captou recursos , entre 2004 e 2012, através de uma série de IPO’s (oferta pública inicial) no mercado acionário brasileiro. A estratégia foi um sucesso e ele se tornou bilionário. Naquele momento, ele passou a ter como meta ser o homem mais rico do mundo. No segundo semestre do ano passado, o mercado começou a desconfiar da capacidade de Eike cumprir suas promessas e as cotações das ações das suas empresas começaram a cair. Em 2013, ficou claro que estas promessas não seriam cumpridas. Para evitar a bancarrota do seu grupo, ele começou a se desfazer do seu patrimônio, já vendeu controle de algumas de suas empresas e a OGX, sua petrolífera, corre grande risco de entrar em concordata. Eike que já foi o sétimo no ranking dos mais ricos do mundo, atualmente deixou de ser bilionário.

Parece que tanto Eike Batista, como Napoleão Bonaparte, guardadas as devidas proporções, sofreram do mesmo mal. Após um período de sucesso, passaram a acreditar que podiam fazer qualquer coisa. Tudo daria certo! Napoleão quis conquistar a Europa e Eike quis ser o homem mais rico do mundo. Napoleão achou que era possível conquistar a Rússia durante seu curto verão e Eike achou que era possível gerenciar a implantação simultânea de vários megaprojetos em poucos anos. O orgulho, em relação às suas capacidades, os fez minimizarem os riscos de insucesso. Assim, ao invés de consolidarem suas posições, eles arriscaram e perderam praticamente tudo o que tinham.

Antes de jogar pedras, temos que compreender que esta é uma armadilha fácil de cair. Quando nos acostumamos apenas com vitórias, passamos a sentir orgulho da nossa capacidade e facilmente podemos nos tornar arrogantes. Neste momento, surdez e cegueira nos fazem ouvir e ver apenas o que apoia nossos pensamentos. Está tudo pronto para o fracasso, a queda é iminente! Cada um de nós deve ter inúmeros exemplos destes casos. Devemos ficar atentos aos sinais que nos cercam, porque isto acontece em todas as esferas de nossas vidas – profissional, casamento, família…

1 comentário

Arquivado em Economia, Gerenciamento de Projetos, História, linkedin, Psicologia

Bônus – Os Interesses Pessoais e os Corporativos

Muitas empresas pagam generosos bônus para seus executivos com base no atingimento de metas. Acho bom remunerar os profissionais pelos resultados das empresas geridas por eles. Por outro lado, muitas vezes as metas escolhidas causam conflitos de interesses.

Duas das principais medidas financeiras que medem o desempenho de uma empresa são o ROIC e o EVA. O ROIC (Return on Invested Capital) é o retorno sobre o capital investido pela empresa. Ele é calculado através da divisão do lucro líquido (lucro operacional menos impostos) pelo capital investido (soma do capital líquido da empresa com a dívida de longo prazo). O resultado desta operação é um percentual que será comparado com a taxa de remuneração do capital desejado pela empresa.

ROIC = ( Lucro Operacional Líquido – Impostos ) / (Capital Investido)

Outra forma de medir o desempenho da empresa é o EVA (Economic Value Added). Ele é calculado através da diferença entre o lucro líquido e a remuneração esperada sobre o capital investido.

EVA = (Lucro Operacional Líquido – Impostos) – (Custo do Capital × Capital Investido)

Como vocês já perceberam, se o capital investido da empresa aumentar, tanto o ROIC, quanto o EVA, diminuirão. Assim se a empresa investir em novas fábricas ou novos equipamentos, o capital investido crescerá e as duas medidas de desempenho serão reduzidas.

Agora você está na pele do CEO de uma empresa e seu objetivo é atingir ROIC de 10% ou EVA de R$ 10 milhões. Se atingir este resultado, o executivo receberá um polpudo bônus. Por outro lado, se ele aceitar aprovar excelentes investimentos que gerarão caixa e lucros para a empresa pelos próximos dez anos, as medidas de ROIC e EVA diminuirão e as metas talvez não sejam atingidas.

O que este CEO fará? Ele pensará nos seu próprio benefício ou agirá para beneficiar a empresa? Mas o pior mesmo é quando balanços e demonstrações de resultados são “fajutados” para atingir as metas…

Balance Sheet special effects

Deixe um comentário

Arquivado em Ética, Economia, Gerenciamento de Projetos, Gestão de Pessoas, linkedin

A Máquina Fotográfica Digital, o Sexo e a Concordata de um Gigante

Confesso que até hoje tenho certo trauma em relação à atividade de tirar fotografias, talvez porque, no passado, havia um verdadeiro rito processual. Tudo começava com o ato de tirar a foto e aguardar que todo o filme fosse usado, depois se deixava o filme em um laboratório para ser revelado e, finalmente, as fotos eram pagas, retiradas e surgia o resultado. Muitas fotos “queimavam”, porque eram tiradas contra o sol. Algumas eram tortas ou mal enquadradas, cabeças eram cortadas com a mesma eficiência das guilhotinas da Revolução Francesa. Outras ainda saiam “tremidas” ou desfocadas. Existia muita expectativa sobre algumas fotos, podiam ser reuniões de famílias ou amigos, belas paisagens, alguma celebridade. Muitas vezes havia decepção com o resultado…

Assim se procurava minimizar os riscos de “perder” fotos, a atividade era quase exclusiva de adultos. Alguns casais pediam para o filho mais velho tirar uma fotografia deles, mas normalmente com baixa expectativa de sucesso. Lembro que, quando moramos em Passo Fundo, fizemos um passeio na cidade de Vacaria. Eu devia ter seis anos e meus pais se sentaram em um banco da praça principal da cidade e pediram para eu tirar uma foto deles. Quando o filme foi revelado, não apareceu a foto deles, no lugar dela havia uma linda foto das árvores da praça. Minha mira falhou…

As coisas melhoraram um pouco quando ganhei de presente alguns anos depois uma Kodak Instamatic.

Kodak Instamatic

Era mais fácil de colocar o filme e tirar fotos, mas as fotos eram quadradas e era difícil tirar uma foto realmente boa. Abaixo uma foto histórica tirada com esta máquina onde apareço com minha irmã e meus primos de Pelotas.

Primo Éverton (esquerda), eu, prima Simone e mana Flávia

Primo Éverton (esquerda), eu, prima Simone e mana Flávia

Tem algumas invenções que alteram nosso modo de se relacionar com o mundo e favorecem o aparecimento de novos talentos. Uma destas invenções é a máquina fotográfica digital.

Na metade da década de 70, aconteceram os primeiros desenvolvimentos nos laboratórios da Kodak, mas somente no final dos anos 80 e início dos 90 se iniciou a comercialização dos primeiros modelos. O preço inicialmente era muito mais alto do que as câmeras convencionais com filme. A resolução das fotos digitais também era muito inferior. As agências jornalísticas foram os primeiros a perceberem o potencial desta nova invenção, onde um repórter fotográfico podia tirar uma foto e transmiti-la pela linha telefônica para a redação do jornal. Depois surgiram as câmeras com visor de LCD, onde instantaneamente a qualidade da foto poderia ser conferida. O medo de desperdiçar fotos sumiu, poderiam ser tiradas quantas fotos cada um quisesse e só seriam preservadas as que ficassem boas. As crianças ganharam a permissão de experimentar. Uma revolução! Quando o preço caiu, as máquinas fotográficas com filme ficaram restritas a um nicho de mercado, os amadores migraram maciçamente para a novidade.

Até o grande fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado aderiu à novidade durante seu último trabalho, Genesis, que traz imagens das regiões mais remotas da Terra. Assista ao vídeo sobre a abertura da turnê da exposição que ocorreu no Museu de História Natural de Londres.

Aqui em casa, nossa filha Júlia tira fotos e faz vídeos com a máquina fotográfica e, principalmente, com o smartphone da mãe. Alguns destes vídeos são bem interessantes! Parece que os smartphones já substituíram a maioria das máquinas fotográficas digitais. A tecnologia avança de forma cada vez mais rápida. Quando algo novo cai nas graças dos consumidores, a migração é muito rápida, abandonando-se a tecnologia anterior.

Agora um aspecto mais “quente” desta evolução tecnológica! As fotos digitais facilitaram outras atividades, como o sexo e a pornografia. Imagine a seguinte situação: um casal se inscreve num site de swing (troca de parceiros) e precisa anexar fotos desinibidas neste site. No caso das máquinas fotográficas com filme, eles tirariam fotos caseiras, iriam para um laboratório para solicitar a revelação, onde provavelmente todos os funcionários olhariam as fotos. Evidentemente, haveria uma “negociação” do casal para decidir qual dos dois retiraria as fotos, onde, certamente, o marido seria o perdedor. Ele entraria na loja, usando a sua melhor cara de pau, e entregaria o recibo para algum atendente. O marido pegaria o envelope, louco para sumir o mais rápido possível, mas uma atendente diria:

– O senhor tem direito a uma ampliação.

Neste momento, o homem poderia interpretar mal, ficar feliz e dizer:

– Que beleza! Vocês têm convênio com alguma clínica especializada?

Ou poderia se irritar e dizer:

– Achou pequeno, hein? Posso te mostrar ao vivo…

censurado

Deixando a palhaçada de lado, eu realmente acho incrível como um gigante como a Eastman Kodak, em apenas vinte anos, perdeu a liderança do negócio de fotografia e pediu concordata na metade de 2012. Na sequência, para evitar a falência, se desfez de negócios e vendeu suas patentes no segmento de imagens digitais. Parece que esta empresa, como tantas outras grandes corporações, não conseguiu perceber a ameaça que novas tecnologias emergentes representam para seu negócio e não se reinventou a tempo. No caso específico da Kodak, ainda existe o agravante de que o primeiro protótipo da nova invenção nasceu no interior de seus laboratórios de P&D. O orgulho da sua grandeza gerou a arrogância e a cegueira que despedaçaram a empresa, como acontece também com várias pessoas.

5 Comentários

Arquivado em Arte, Economia, História, Inovação, linkedin, Tecnologia