Quem Não Treina, Não Ganha

Nestes tempos de Copa do Mundo, sempre se chega à mesma conclusão – para se ganhar uma competição deste nível, a equipe deve estar bem treinada. Todos concordam com este pressuposto, quando o assunto é esporte, mas nem sempre conseguem ter a mesma percepção em outras áreas.

Eu já estava há alguns anos trabalhando como engenheiro de processo de uma empresa. Comecei a sentir que os ganhos advindos da minha atividade estavam cada vez menores, o que os economistas chamam de ganhos marginais decrescentes. Em bom português, cada vez se trabalha ou se gasta mais para ganhar menos em termos de custo, eficiência ou produtividade. Eu me sentia estagnado e queria fazer algo diferente. Procurei externar o que eu sentia, me pediram um pouco de calma e, depois de um tempo, me ofereceram a gerência de produção de uma fábrica. Não era uma fábrica qualquer, aquela fábrica estava em mau estado de conservação, era totalmente manual e havia muita gente trabalhando na área de empacotamento. Para completar, o produto tinha baixa margem de lucro, resumindo era o “patinho feio” daquele parque industrial.

Como a maioria dos engenheiros, achei que resolveria tecnicamente os problemas da fábrica. Boa parte dos problemas eram mecânicos. Eu e o responsável por esta área da manutenção, preparamos um plano, onde detalhamos o que deveria ser feito, como e quando. Seguíamos cada passo com atenção. Lembro-me do caso do transporte pneumático de matéria prima. Explicarei rapidamente para os leigos como era aquele equipamento.

Esquema simples de um transporte pneumático similar ao descrito

Esquema simples de um transporte pneumático similar ao descrito

O tipo de transporte pneumático que tínhamos, naquela fábrica, funcionava como um aspirador de pó gigante. A matéria prima ficava estocada em silos e roscas, no andar térreo do prédio, dosavam-na na tubulação por onde passava a corrente de ar. O material ficava em suspensão no interior da tubulação que subia até o último andar do prédio, quando era separado do ar através de filtro de mangas (mesma função do saco do aspirador de pó). Neste filtro, diferentemente do aspirador de pó doméstico, um sistema automático com ar comprimido era responsável pela remoção do material das mangas. O ar limpo passava por um ventilador e saia pela chaminé. O processo seguia continuamente e a matéria prima era encaminhada a um misturador, onde recebia os demais ingredientes.

O problema é que havia muitas falhas neste sistema e frequentemente a fábrica parava por falta de matéria prima nos misturadores, apesar dos silos estarem cheios.

Toda a vez que havia uma falha, o trecho da tubulação por onde entrava a matéria prima ficava totalmente obstruído e o ar não arrastava mais o material. Os operadores, então, batiam nas tubulações até formar um caminho por onde o ar passava, arrastando o material. Como aconteciam falhas frequentes, você pode imaginar o estado das tubulações… As pobres coitadas já estavam meio quadradas de tanto levar pancada!

Todos os componentes do transporte pneumático foram consertados ou trocados, incluindo as tubulações deformadas. Os problemas aparentemente terminaram…

Em um final de tarde, eu estava guardando minhas coisas para ir embora, quando ouvi umas batidas no andar de baixo. Desci rapidamente a escada e vi dois operadores, batendo com martelos de borracha com toda a força nos tubos novos. Já cheguei gritando:

– O que é isto? O que vocês pensam que estão fazendo?

Os dois operadores se assustaram e responderam que o transporte pneumático havia “embuchado” (entupido). Novamente parti para o ataque:

– Precisa destruir as tubulações novas? Vocês já foram até o último andar para verificar se o sistema de limpeza das mangas está funcionando direito? Vejam isto e depois passem na minha sala.

Os dez minutos de espera foram suficientes para baixar a adrenalina. Os dois operadores entraram na minha sala e avisaram que o sistema de limpeza não estava funcionando e eles já haviam chamado alguém da manutenção para consertá-lo.

Eu pedi desculpas pelos meus gritos e expliquei como funcionava o transporte pneumático e, no caso de outro problema, o que eles deveriam fazer.

Naquele momento, me dei conta que os operadores tinham de receber treinamentos melhores do que as simples conversas e explicações que eu havia feito até então. Quem é bem treinado reage melhor aos desvios do processo, porque tem domínio da situação e sabe o que está fazendo. Escute a gravação da comunicação de um piloto para torre de comando, avisando que fará um pouso de emergência. Um profissional só consegue ter este comportamento com muito conhecimento, treinamento e confiança.

http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/ouca-o-audio-do-piloto-da-avianca-antes-do-pouso

Avião da Avianca fez pouso de emergência em Brasília devido a um problema no trem de pouso dianteiro em março de 2014

Avião da Avianca fez pouso de emergência em Brasília devido a um problema no trem de pouso dianteiro em março de 2014.

O maior aprendizado que tive, no meu caso, é que a técnica traz a base indispensável para entender o que está acontecendo, como solucionar problemas e o que fazer para atingir novos patamares de excelência, mas quem faz tudo acontecer são as pessoas. Só as pessoas conseguem manter tudo rodando corretamente. A partir daquele momento, passei a investir muito mais tempo no treinamento da equipe para ajudá-los a mudar suas atitudes e visões.

Só as pessoas mudam o mundo, o que podemos fazer é ajudar a mudar as pessoas.

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