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Ludwig Von Mises e seu Liberalismo Cadillac Eldorado – Lições 5 e 6

Hoje encerraremos nossa jornada pelo livro “As Seis Lições” (Economic Policy: Thoughts for Today and Tomorrow) baseado em seis palestras de Ludwig Von Mises ministradas em Buenos Aires em 1959.

Nos dois artigos anteriores, apresentei as quatro primeiras lições sobre o capitalismo, o socialismo, o intervencionismo e a inflação. Hoje apresentarei as duas últimas lições que tratam sobre o investimento estrangeiro e política & ideias.

Encerrarei com um comentário com minha impressão geral sobre a visão de Ludwig von Mises e a aplicabilidade de seus pensamentos no mundo atual.

Quinta Lição – O Investimento Estrangeiro

Mises reconhece as diferenças expressivas nas remunerações dos trabalhadores ao redor do mundo. Nos países mais desenvolvidos, os trabalhadores recebem maiores salários devido às condições mais favoráveis dos seus países em termos de tecnologia de produção. Ele deixa claro que isto não quer dizer que os trabalhadores e empresários de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento sejam inferiores aos dos países desenvolvidos, porque um trabalhador que utiliza ferramentas mais modernas produzirá mais do que outro que emprega ferramentas obsoletas. Deste modo, o custo adicionado pelo trabalho por unidade de produto será menor nos países desenvolvidos, graças às tecnologias mais eficientes e a maior produtividade. A origem desta diferenciação está na acumulação de capitais que permitem maiores investimentos em equipamentos mais modernos e eficientes, gerando um ciclo virtuoso.

Como a Grã-Bretanha foi pioneira na formação de poupança interna, o processo de desenvolvimento ocorreu inicialmente neste país. No século XIX, capitalistas da Grã-Bretanha iniciam investimentos externos, principalmente, em países da Europa continental e nos Estados Unidos, em áreas como gás e ferrovias. Este processo acelerou a transferência de tecnologia para estes países que também se capitalizaram e se desenvolveram economicamente,

Mises defende com veemência os investimentos como mecanismos de desenvolvimento de países mais atrasados economicamente e na construção de importantes obras ao redor do mundo.

Certamente sem estes investimentos, os países mais pobres estariam condenados a permanecerem eternamente nesta condição. Por outro lado, sempre é importante verificar quais concessões foram aceitas pelos governos locais para receber estes investimentos.

Mises citou que, na segunda metade do século XIX, não havia risco de expropriação de investimentos estrangeiros, mas, progressivamente, a ameaça começou a crescer, em especial, nos países em desenvolvimento. Em alguns casos, ocorreu uma “expropriação indireta”, através de empecilhos para investimentos e discriminação tributária, levando os capitalistas estrangeiros a liquidarem seus negócios no país.

Considero importante verificar se na origem do investimento estrangeiro não houve um favorecimento exagerado em relação aos capitalistas locais. Neste caso, a simples equiparação tributária ou legal poderia ser encarada como hostilidade devido à perda dos privilégios.

Mises apresenta o exemplo da elevada carga tributária americana no final da década de 50 que taxava o lucro da empresa e os dividendos distribuídos aos acionistas. Curiosamente, os dividendos são isentos de tributação no Brasil. A lógica de Mises é que se o lucro fosse menos tributado, aumentaria a poupança interna e estimularia novos investimentos. Vejo que, no caso brasileiro, poder-se-ia reduzir a tributação dos lucros das empresas e passar a tributar os dividendos, evitando perda de arrecadação e estimulando as empresas a reinvestirem seus lucros.

Mises sugere que, para evitar ingerências dos governos dos países, com alteração em regras, o melhor seria retirar os investimentos estrangeiros da jurisdição nacional. Neste caso, um órgão internacional, como a ONU (duramente criticada por Mises), teria esta incumbência. Eu vejo este ponto como uma surpreendente convergência com as ideias atuais de Yuval Harari que sugere que uma série de questões transfronteriças sejam tratadas por organismos internacionais (Globalismo). Evidentemente, entramos em uma discussão sobre a perda da soberania nacional.

Mises enfatiza que a acumulação de capital é o principal fator que diferencia os países em desenvolvimento de países desenvolvidos, como os Estados Unidos. E a única forma das camadas populares sentirem confiança no sistema econômico para criar poupança é através da estabilidade da moeda. Ou seja, a inflação é absolutamente inadmissível.

A industrialização, segundo Mises, é a condição essencial para o desenvolvimento do país, o que só é possível através da acumulação e investimento em capitais. Medidas como controle de câmbio (que impedem importações), piso salarial e protecionismo não ajudam a desenvolver o país. O sindicalismo também não ajuda a criar riqueza, apenas desemprego duradouro.

Concordo com Mises que o investimento de capital per capita é a chave para o desenvolvimento do país. Por outro lado, sua visão em relação ao sindicalismo, parte do princípio de que os capitalistas não maximizarão seus lucros através do arrocho salarial. Se os salários reais não aumentarem, não há possibilidade de desenvolver o país. Sempre lembrando de que a poupança acumulada pelos capitalistas atualmente pode ser investida maciçamente no mercado financeiro ao invés de atividades produtivas.

Mises conclui esta quinta lição, comentando que, como há restrições à migração de pessoas, a saída para melhorar o padrão de vida dos países mais pobres é a migração de capitais. Ainda afirma que não existem atalhos, apesar de lenta, esta é a única forma de atingir este equilíbrio.

Eu concluo com a constatação que hoje a distância entre ricos e pobres aumenta na maioria dos países. Indicadores como PIB e renda per capita não refletem a melhoria da condição de vida dos mais pobres em cada país. A questão não será resolvida através do livre mercado, mas através da atuação responsável do Estado nas áreas de educação, saúde e assistência social. Não podemos esperar indefinidamente pelo equilíbrio entre os países e pela redução das desigualdades. Como disse Keynes, “a longo prazo, todos estaremos mortos”.

John Maynard Keynes

Sexta Lição – Política e Ideias

Mises coloca que até o princípio do século XIX, a política buscava discutir os grandes problemas do país. Assim as pessoas se organizavam em partidos de acordo com suas afinidades ideológicas e visão de mundo. As discussões buscavam convencer outros grupos a seguirem determinada linha de pensamento. Assim, Mises apoia sua visão de não-intervenção do governo na economia no pressuposto de que todos os cidadãos tivessem como objetivo político o bem-estar de toda nação.

A visão de Mises, no final da década de 50 do século XX, é que os partidos políticos clássicos foram substituídos por grupos de pressão. No caso dos Estados Unidos, representantes de determinados grupos (por exemplo agronegócio, petróleo, mineração) podiam estar tanto no Partido Democrata, quanto Republicanos. Para viabilizar sua ação, cada grupo se alia a outros grupos para garantir a aprovação de sua pauta. Deste modo, os interesses do país não relegados a um segundo plano. Mises enxerga esta ação, conhecida atualmente como lobby, como nefasta para a democracia e um dos principais motivos do intervencionismo governamental na economia. Assim elevam-se os gastos públicos, sem o crescimento correspondente da arrecadação pela dificuldade da criação de novos impostos.

Mises também critica a postura do representante de um distrito eleitoral de pautar sua ação apenas nas necessidades do seu distrito, sem considerar o impacto na situação do país como um todo.

Eu concordo com vários pontos desta explicação de Mises sobre a democracia representativa. O principal problema é que esta análise prova que o laissez-faire absoluto, transforma o poderio econômico no absolutismo francês dos séculos XVII e XVIII.

“L’État c’est moi” (O Estado sou eu)

Luís XIV, rei da França de 1643 a 1715

No Brasil atual, grupos de pressão com interesses aparentemente desconexos, como agronegócio, segurança pública e conservadores em relação aos costumes (principalmente evangélicos), apoiam-se mutuamente nas votações para terem seus interesses específicos aprovados no Congressos Nacional. Assim se criou a bancada suprapartidária BBB (boi, bala e Bíblia) com membros de vários partidos diferentes.

Deste modo, grupos com pouco peso econômico não conseguem representação expressiva e ficam alijados da política nacional. Por este motivo, defendo financiamento 100% público das campanhas eleitorais.

Mises defende a liberdade e é abertamente contrário à ditadura. Deste modo, a ditadura não é uma alternativa para os problemas da democracia.

Mises descreve que o intervencionismo e a inflação foram as causas da decadência do Império Romano. Muitos historiadores apresentam que a crise foi inicialmente causada pela redução no número de escravos, com a consequente redução da disponibilidade de mão de obra para a produção de alimentos. Assim os preços dos alimentos subiram e houve tabelamento dos preços máximos. Ou seja, a intervenção do governo romano foi na consequência ao invés de incentivar o aumento da produção de alimentos por homens livres. Quando iniciou o êxodo urbano, houve queda na arrecadação de impostos, com a consequente diminuição do poderio do exército romano.

“Tudo o que ocorre na sociedade de nossos dias é fruto de ideias, sejam elas boas, sejam elas más. Faz-se necessário combater as más ideias. Devemos lutar contra tudo o que não é bom na vida pública.”

Ludwig von Mises

Mises afirma que se deve lutar principalmente contra confiscos de propriedade, controle de preços e inflação.

Cadillac Eldorado 1959

Comentários Finais

Mises era, acima de tudo, um defensor das liberdades individuais. Podemos defini-lo como um libertário. Deste modo, defende a liberdade cultural e a menor interferência possível do Estado sobre o cidadão. Por um lado, esta postura é elogiável, entretanto pode levar a duas consequências que considero indesejáveis:

– o Estado mínimo que não garante educação e saúde aos mais pobres;

– a exacerbação do individualismo.

Neste segundo caso, o “direito de ser tolo” (defendido por Mises) esbarra no direito da comunidade. Em tempos de pandemia, se várias pessoas optarem tolamente por não se vacinar, o vírus poderá sofrer mutações e reduzir a eficiência das vacinas, prejudicando toda a população. Ou seja, neste caso, o “direito de ser tolo” não pode ser permitido.

Ao longo da leitura dos três artigos sobre o livro “As Seis Lições”, pode-se ver que concordei com uma série de pontos apresentados por Mises, por exemplo, sobre as causas inflação, o fracasso do tabelamento de preços e a importância dos investimentos estrangeiros.

Também impressiona a análise de Mises, há sessenta anos, sobre os danos causados pelos lobbies na democracia representativa. A descrição é muito atual. Ele não apresenta respostas de como reverter este mal, mas descarta qualquer forma de ditadura como solução. Lamentavelmente, esta não é a posturas de muitos “liberais” brasileiros que flertam com o autoritarismo.

Afinal por que comparei o liberalismo econômico de Mises a um Cadillac Eldorado 1959 (ano das seis palestras na Argentina)?

Em 1959, a indústria era a mola propulsora do capitalismo. Assim alguns pressupostos ingênuos de Mises baseados em conceitos de microeconomia e desregulação do mercado podiam parecer atuais como um flamejante Cadillac Eldorado em 1959.

Hoje com o crescimento descomunal da especulação, devido à desregulação do mercado financeiro, trocamos o capitalismo industrial pelo capitalismo financeiro. Eu diria que, se um Cadillac Eldorado 1959 se deslocasse por uma rua movimentada de alguma metrópole, muito admirariam o carro, mas a maioria entenderia que o tempo daquele automóvel já passou. Ele virou uma peça de museu. Assim é o liberalismo de Mises que não aceita que o Estado deve apoiar os mais pobres. Não coloca como as principais funções do Estado, além da segurança interna e externa, a educação e a saúde. Um liberalismo que deixa os pobres à própria sorte e os responsabiliza pelas dificuldades na vida. Acredita que algum dia, talvez através da “mão invisível” de Adam Smith, tudo melhore apenas pela ação dos capitalistas, sem qualquer ação estatal para tentar reduzir o abismo que separa ricos e pobres.

Ou seja, se a ideia de Mises der errado, perderemos décadas. Prefiro que o Estado invista em educação e saúde para os mais pobres e atue na geração de empregos e distribuição de renda. Se estas ações não funcionarem, ao menos ficará um legado de melhor educação e saúde para o povo.

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Ludwig Von Mises e seu Liberalismo Cadillac Eldorado – Lições 3 e 4

Continuamos com nosso passeio pelo livro “As Seis Lições” (Economic Policy: Thoughts for Today and Tomorrow) baseado em seis palestras de Ludwig Von Mises ministradas em Buenos Aires em 1959.

No primeiro artigo, apresentei as duas primeiras lições sobre o capitalismo e o socialismo. Hoje apresentarei a terceira e a quarta lições sobre intervencionismo e a inflação.

Terceira Lição – O Intervencionismo

Mises considera que as únicas funções do Estado, em uma economia de livre mercado, são a segurança interna e a defesa de agressões externas. As demais funções seriam da iniciativa privada.

Também considera que, no momento em estas palestras foram proferidas, não existiam livres mercados e sim “economias mistas”. Uma das razões desta constatação é a existência de empresas estatais. Mises considera a questão do tratamento do déficit como fundamental para comparar uma empresa administrada pelo Estado de outra administrada pela iniciativa privada. No caso da estatal, o governo pode suportar o déficit através da tributação da sociedade. Se o aumento da carga tributária não for suficiente, pode haver, inclusive, inflação. No caso da iniciativa privada, esta situação não pode perdurar por muito tempo sob pena do encerramento das atividades da empresa deficitária. Mises não considera, nesta proposição, as empresas de interesse social.

Mises define o intervencionismo como qualquer atividade que o Estado executa fora das atividades relacionadas à segurança interna e externa. Um dos exemplos apresentados foi o tabelamento de preços. Na sequência, ele explica, de maneira muito lógica e didática, as razões que levam ao fracasso todas as tentativas dos governos de tabelar preço. Inevitavelmente, esta prática leva ao aumento do consumo e à diminuição da oferta do item com preço tabelado. A oferta diminui pela redução do lucro ou, até mesmo, a existência de prejuízos auferidos pelos produtores. Assim os governos podem estabelecer racionamento deste produto ou tabelar os preços dos insumos deste produto, afetando toda a cadeia produtiva. O problema maior desta explicação de Mises é a ausência de uma solução que permita que os mais pobres tenham acesso ao leite (exemplo apresentado por Mises no livro). Esta é uma lógica perversa onde o mercado só oferece produtos de primeira necessidade aos que podem pagar e o Estado não deve interferir, buscando melhorar o acesso destes itens às camadas mais pobres da população.

Mises argumenta que, devido ao fracasso do tabelamento de preço de uma área específica, o governo passaria a controlar todos os preços, os reajustes de salário e as taxas de juros. Assim, o país caminharia para o socialismo. O mais interessante é que, no período do regime militar no Brasil, havia o Conselho Interministerial de Preços (CIP) que tabelava o preço de vários itens como eletricidade e combustíveis. Além disso, o câmbio era fixo, os juros eram controlados e havia monopólios estatais em áreas como energia elétrica, petróleo e telecomunicações. Ou seja, segundo a definição de Mises, o governo militar brasileiro era socialista. Pelos mesmos motivos, ele define a Alemanha de Hitler como socialista. Mises também parece não entender a diferença da administração de um país em um tempo de paz ou em um tempo de guerra, onde o governo precisa definir o que deve ser produzido para suportar os esforços de guerra.

Ele também critica o controle dos aluguéis residenciais, comentando que este expediente desincentiva famílias a mudarem para casas menores após a saída dos filhos mais velhos e desestimulam a construção de novas moradias.

Mises não acredita na viabilidade de uma terceira via, entre o capitalismo e o socialismo. Qualquer tentativa, levaria inevitavelmente ao socialismo. Ou seja, qualquer espécie de controle do governo para evitar a formação de cartéis, trustes e monopólios privados seriam práticas socialistas. A economia deveria seguir solta sem interferência dos governos. Como Mises veria a crise do Subprime de 2007?

Ele termina esta aula, criticando os poderes da burocracia e de um poder “legitimado” por algo divino.

“Haveria um remédio contra tudo isso? Eu diria que sim. Há um remédio. E esse remédio é a força dos cidadãos: cabe-lhes impedir a implantação de um regime tão autoritário que se arrogue de uma sabedoria superior à do cidadão comum. Esta é a diferença fundamental entre a liberdade e a servidão. ”

Ludwig von Mises

Podemos fazer o paralelo com a frase “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.”?

Inflação e a perda do valor da moeda

Quarta Lição – A Inflação

Mises considera que a inflação é causada pela expansão da quantidade de dinheiro em circulação ao invés do aumento de preços. Neste caso, quando se imprime mais dinheiro, o poder de compra por unidade monetária se reduz na mesma proporção, causando aumento dos preços de produtos e serviços.

Todos novos gastos de um governo devem estar cobertos pelo aumento de arrecadação através de novos tributos ou incremento nas taxas dos tributos existentes. Deste modo, não há impressão de novo papel-moeda e aumento da inflação. Mises resume seu pensamento dizendo que “não é o modo como o dinheiro é gasto, é antes o modo como é obtido pelo governo que dá lugar a esta consequência que chamamos inflação”.

Esta visão monetarista é a atualmente a mais aceita pelos economistas e serve de base para o controle da inflação em órgãos internacionais como o FMI. Mises afirma que muitos governos preferem imprimir dinheiro, gerando inflação, do que partir para uma medida impopular como aumentar impostos.

Mises coloca que a expressão “nível de preços” é imprecisa e não deveria ser usada, porque cada produto ou serviço tem uma dinâmica diferente no que se refere ao aumento ou à diminuição de seus preços. Da mesma forma, a inflação atinge diferentemente os grupos que compõe a sociedade. Alguns grupos podem ter aumento de renda antes do início do processo inflacionário, enquanto que outros só terão reajustes salariais quando a maioria dos produtos e serviços já tiverem seus preços majorados. Deste modo, sempre existirão pessoas beneficiadas pela inflação. A análise de Mises não leva em consideração os ganhos oriundos de especulação financeira.

Mises afirma que a inflação não pode subsistir por muito tempo, sob pena de causar o colapso da moeda. Cita como exemplo o caso alemão do entreguerras, em 1914 um dólar valia 4,20 marcos alemães; nove anos depois, um dólar estava cotado a 4,2 trilhões de marcos. Ou seja, o marco perdeu totalmente seu valor, devido ao processo inflacionário, e foi necessário estabelecer uma nova moeda.

Mises, assim como os outros membros da escola austríaca de economia, defende o padrão-ouro da moeda. Ou seja, o papel-moeda teria valor real lastreado em reservas, no Banco Central do país. de metais preciosos, especialmente ouro e prata. Deste modo, o governo não poderia emitir mais moeda sem ter reserva equivalente em ouro.

No livro, é citada uma frase atribuída ao presidente americano Grover Cleveland ao vetar a ajuda a uma comunidade atingida por uma catástrofe: “É dever do cidadão manter o governo, mas não é dever do governo manter os cidadãos”. Mises arremata que “estas são palavras que todo estadista deveria escrever numa parede de seu gabinete, para mostrar aos que viessem pedir dinheiro”.

Mises cita uma frase do economista inglês John Maynard Keynes: “A longo prazo, todos estaremos mortos.”. Em minha opinião, a concepção de Mises é extremamente dogmática e não considera que, em momentos excepcionais, o governo pode endividar-se para evitar colapsos econômicos ou sociais.

No Brasil, no final de 2016, foi promulgada a emenda constitucional do teto de gastos públicos (PEC 55/2016). Esta lei limita o aumento dos gastos do governo, impedindo o aumento do endividamento. O que fazer em um momento de pandemia, quando milhares de pessoas perdem renda? Se pensarmos unicamente através da ótica liberal de Mises, “não é dever do governo manter os cidadãos”.

Mises defende que os salários deveriam flutuar de acordo com o poder de compra da moeda do país em mercados desregulamentados. Ou seja, se a moeda se valoriza, o poder aquisitivo dos salários cresceria e causaria inflação devido ao aumento do consumo. Deste modo, ele é um inimigo dos sindicatos por defenderem ganhos salariais aos trabalhadores, considera-os um segundo poder logo abaixo dos governos e critica os métodos violentos que empregavam na época.

Mises afirma que a moeda supervalorizada e os salários mais altos reduzem a competitividade do país e aumentam o desemprego. Ele apresenta a desvalorização da moeda como uma das ações do governo para reduzir este problema. O problema desta prática é a diminuição do poder de compra dos salários. Ele também é crítico de qualquer forma de indexação dos salários à inflação.

Nesta palestra, Mises critica abertamente Keynes, dizendo que ele prefere enganar os trabalhadores, evitando falar a verdade sobre desemprego, salário, valor da moeda (Keynes era contrário ao padrão-ouro) e inflação.

Para finalizar esta lição, Mises afirma que só é possível obter o pleno emprego em um mercado de trabalho livre, no qual os salários flutuem conforme a demanda por mão de obra. Ou seja, em caso de redução da demanda, os salários seriam reduzidos (como qualquer bem ou serviço à venda) para manter o pleno emprego. Devido a impossibilidade de os salários flutuarem livremente, os governos optam por uma política inflacionária. Se esta política funcionar no curto prazo e a inflação for um mal no longo prazo, os trabalhadores só seriam beneficiados em um sistema de livre mercado, sem a presença do governo ou de sindicatos. A função do governo seria somente a de manter o equilíbrio orçamentário.

Em minha opinião, Mises simplifica demais a situação e desconsidera a tendência individual da maximização dos lucros e a assimetria de poder entre os capitalistas e os trabalhadores. Atualmente, com a automação, postos de trabalhos são destruídos em nome da competitividade. Como ficaríamos em um mercado livre, onde os trabalhadores desempregados não são assistidos pelo Estado?

No próximo artigo, apresentarei as duas últimas lições que tratam sobre o investimento estrangeiro e política & ideias.

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Ludwig Von Mises e seu Liberalismo Cadillac Eldorado – Lições 1 e 2

Em um mundo cada vez mais polarizado, precisamos buscar pensamentos cada vez mais plurais. Ler livros, completamente desarmado, com ideias diferentes das suas é fundamental neste momento. Com este princípio em mente, li o livro “As Seis Lições” (Economic Policy: Thoughts for Today and Tomorrow) baseado em seis palestras de Ludwig Von Mises ministradas em Buenos Aires em 1959.

As lições correspondem a palestras apresentadas em dias consecutivos.

Neste primeiro artigo, apresentarei as duas primeiras lições sobre o capitalismo e o socialismo.

Primeira Lição – O Capitalismo

Mises defende enfaticamente a evolução da condição de vida dos mais pobres com a passagem do feudalismo rural para o capitalismo industrial. Por outro lado, fica claro que todo o seu pensamento é baseado no capitalismo industrial, onde o setor financeiro é apenas uma engrenagem para favorecer o crescimento da indústria e consumo.

Em 1950, 28% do PIB americano vinha da produção industrial e apenas 11% vinha da área financeira. Após a desregulamentação do setor na década de 70, cresceu o montante de investimentos de alto risco, impulsionando este setor que passou a representar 21% do PIB americano contra 11% da produção industrial.”

Fonte: Réquiem para o Sonho Americano, Noam Chomsky, março 2017

Mises coloca os consumidores como únicos agentes para servir de bússola para as empresas de cada ramo de atividade. Ou seja, parece não imaginar que as empresas possam induzir as pessoas a consumirem bens que não estariam dispostas a adquirir, através da propaganda.

Mises também defende que as poupanças dos capitalistas beneficiam os trabalhadores. Em minha opinião, isto é verdade quando há reinvestimentos produtivos, geração de novos empregos e aumento de salários. Se a poupança for aplicada em especulação, isto não ocorre.

“Quanto mais se eleva o capital investido por indivíduo, mais próspero se torna o país”

Ludwig Von Mises

Se for investimento produtivo, também concordo. O problema é que vivemos na era do capitalismo não-produtivo ou especulativo.

Com relação à recuperação da Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial, Mises afirmou que “houve tão somente a aplicação dos princípios da economia do livre mercado”. Esta afirmação não condiz com a história. Os Estados Unidos, com o objetivo de bloquear o aumento da influência da União Soviética na Europa, desenvolveu o Plano Marshall para promover a recuperação dos países europeus. A orientação deste plano era majoritariamente keynesiana, onde o Estado tem um importante papel na economia, através de investimentos em períodos de retração. O governo norte-americano fez parcerias com os partidos sociais-democratas europeus ao invés de partidos conservadores, criando as bases para a formação de Estados de bem-estar social. Deste modo, havia redistribuição de riquezas e redução de desigualdades sociais. Estas políticas geraram um grande crescimento nos países desenvolvidos do ocidente, com melhoria das condições de vida acompanhada por um boom populacional.

Ludwig von Mises

Segunda Lição – O Socialismo

Mises é a favor das liberdades econômica e individuais. Considera o livre mercado essencial para garantir a liberdade de expressão e demais direitos sociais.

Ele não considera as distorções do mercado como monopólios privados, oligopólios e cartéis no seu pensamento. Coloca os consumidores como únicos agentes para servir de bússola para as empresas de cada ramo de atividade.

Como Mises encarou a análise de Theodor Adorno sobre a influência da indústria cultural no consumismo?

Ele defende o “direito de ser tolo”. Cita o exemplo do fracasso da Lei Seca nos Estados Unidos. Em última análise, a liberação das drogas seria apoiada por este pensamento. A inexistência de censura também seria apoiada por este pensamento. Liberdade significa “liberdade para errar”. Apesar de libertária, esta posição também coloca os interesses de cada indivíduo acima dos interesses da coletividade. Um exemplo atual seria a recusa de ser vacinado contra Covid. Se este “direito de ser tolo” fosse aceito, a erradicação da varíola não teria ocorrido.

Mises considera que, antes da implantação do capitalismo, não havia mobilidade social. Os filhos dos nobres seriam nobres e manteriam seus privilégios. Os filhos dos servos seriam servos e manteriam suas desvantagens sociais. Deste modo, o capitalismo trouxe a possibilidade da mobilidade social e “as pessoas só podem culpar a si mesmas se não chegam a alcançar a posição que almejam”. Este trecho que destaquei da fala de Mises lembra muito as declarações de muitos liberais brasileiros na defesa da meritocracia. Mises e seus discípulos brasileiros desconsideram a assimetria em relação às oportunidades entre as classes sociais. Afinal, quem nasce em uma família rica estudará nas melhores escolas e universidades, consequentemente, terá muito mais chances na vida. Este fato reduz a mobilidade entre classes sociais.

Por outro lado, Mises afirma que o sistema socialista proíbe a liberdade para a escolha da carreira. Não sei qual é a sua fonte de informação que apoia esta conclusão.

Considera o planejamento (central, único, feito pelo governo) um sinônimo de socialismo e comunismo. Defende que todos tenham a liberdade para planejar a própria vida. Neste capítulo, Mises também desconsidera o keynesianismo como uma forma de capitalismo.

Ele também critica duramente a ajuda do Estado a artistas. Considera uma forma de socialismo.

Mises também considera impossível o cálculo econômico dos custos de bens e serviços no sistema socialista pela ausência do mercado.

Ele finaliza esta lição, considerando que uma das provas da superioridade do capitalismo é a condição média de vida muito melhor nos Estados Unidos em comparação à União Soviética. Outro ponto está relacionado ao maior dinamismo do capitalismo americano em relação ao socialismo soviético, medido através do maior número de invenções e inovações.

Esta comparação é muito simplista, se considerarmos que a palestra de Mises aconteceu 42 anos após a Revolução Russa e 14 anos após o final da Segunda Guerra Mundial, onde a União Soviética sofreu muitas baixas. Como comparar com os Estados Unidos, um país que já era uma potência econômica há mais de um século? Por outro lado, concordo com a questão do maior dinamismo do capitalismo. Ao visar o lucro, as inovações são muito mais frequentes no capitalismo, além da indução do consumismo para acelerar o crescimento econômico.

No próximo artigo, apresentarei a terceira e quarta lições que tratam sobre o intervencionismo e a inflação.

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Autofagia Liberal e o Umbigocentrismo

As reformas trabalhistas e da Previdência em andamento no Brasil são provas evidentes da autofagia liberal e do umbigocentrismo dos nossos dias.

autofagia liberal

Vamos às explicações sobre o significado destas duas expressões. O liberalismo é autofágico, porque, ao buscar a maximização do lucro, pode comprometer seriamente o meio ambiente, a comunidade onde atua e, até mesmo, segmentos significativos da população de diversos país. Em 1962, Milton Friedman escreveu sua principal obra “Capitalismo e Liberdade”. Sobre a atuação do governo na economia, escreveu:

Do que precisamos urgentemente, para a estabilidade e o crescimento econômico, é de uma redução da intervenção do governo não de seu aumento.

milton-friedman

Milton Friedman

Alinha-se a conhecida ideia neoliberal de que tudo anda melhor se o Estado desregulamentar a economia. Sobre a responsabilidade social das empresas, o resumo de sua opinião está apresentado abaixo.

A ideia de que as empresas têm “responsabilidade social” para além de ter lucro é perigosa. Ela mostra uma concepção fundamentalmente errada da natureza de uma economia de livre mercado. Em tal economia, a obrigação social das empresas é aumentar seus lucros dentro da lei. É só isto. A aceitação pelos líderes das empresas da responsabilidade de fazerem mais que aumentar valor para os acionistas pode minar os fundamentos de nosso sistema econômico.

Como a obrigação social das empresas, segundo Friedman, é apenas aumentar seus lucros dentro da lei, se a lei for alterada em benefício da empresa, não há nenhum arrepio ético. Após alguns anos, a aplicação desta lei pode causar queda do poder aquisitivo da população e o que beneficiou a empresa, no curto prazo, através da redução de seus custos com pessoal, se voltará contra a própria empresa devido à queda de suas vendas. Autofagia!

A reforma trabalhista proposta pelo governo Temer em tramitação acelerada no Congresso é um exemplo. Cito três pontos que deveríamos pensar a respeito:

  1. Acordos coletivos prevalecem sobre a legislação.
  2. Ratificação da lei da terceirização, sancionada há pouco por Temer.
  3. Demissão em massa não precisará mais ter a concordância do sindicato.

Assim, durante um período de alto desemprego, como o que estamos vivendo atualmente, a faca e o queijo estarão nas mãos das empresas. A empresa simplesmente pode ameaçar os empregados com o encerramento de suas atividades naquele local, forçando-os a aceitar cláusulas em que abrem mão de alguns benefícios, como as “horas in itinere”, o tempo de deslocamento até o trabalho. Os bancos de horas poderão ser revalidados eternamente, se o acordo coletivo permitir.

A terceirização das atividades-fim das empresas deve gerar também uma redução dos seus gastos com pessoal, porque uma série de benefícios sociais deixam de ser pagos. Além de abrir a possibilidade de colocar outro profissional mais barato na função.

A possibilidade de fazer uma demissão em massa sem concordância do sindicato enfraquece as posições dos trabalhadores e dos próprios sindicatos. Sempre será possível mudar a empresa para uma região onde o “estoque” de mão de obra barata seja maior.

O umbigocentrismo é a certeza que o universo gira em torno do próprio umbigo. Se existe vantagem ou, até mesmo, ausência de prejuízo para o dono do umbigo, nada mais importa. O impacto nos outros de qualquer decisão não é relevante.

Umbigocentrismo

A reforma da Previdência Social brasileira mostra como as pessoas que deveriam ser mais críticas em relação às medidas estão olhando para o próprio umbigo e acatam o discurso oficial. Esta reforma acabará prejudicando sensivelmente as pessoas com escolaridade mais baixa, O ator Wagner Moura liderou uma campanha contra a reforma. Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil e ex-economista chefe de uma série de grandes bancos privados, na sua coluna semanal na Folha de São Paulo, criticou o ator, dizendo que ele foi intelectualmente desonesto.

Wagner Moura_reforma Previdencia

Wagner Moura

Schwartsman apresentou o gráfico abaixo, baseado em dados do IBGE. O gráfico mostra qual é a expectativa de vida em cada idade para homens e mulheres. Por exemplo, uma mulher brasileira quando nasce tem expectativa de vida de 78,6 anos. Aos 60 anos, ela viveria, em média, mais 23,5 anos. Ou seja, uma mulher de 60 anos viveria, em média, até os 83,5 anos.

Expectativa de vida condicional

Gráfico do artigo de Alexandre Schwartsman, baseado em dados do IBGE [http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2013/defaulttab_xls.shtm]

Abaixo está a explicação de Schwartsman no seu atigo, onde tenta provar que Wagner Moura foi desonesto intelectualmente ao dizer que “querem que você morra antes de se aposentar!”.

De fato, a expectativa de vida ao nascer se encontra ao redor de 75 anos, porque (infelizmente) a mortalidade infantil ainda é relativamente elevada e a violência cobra muitas vidas de homens jovens. Quem, porém, se aposenta por tempo de contribuição atinge esta condição em média aos 54,5 anos (homens 55,5 e mulheres 52,3), idade em que, como mostrado no gráfico, a expectativa de vida supera 80 anos (78,4 homens, 82,1 mulheres). Quem não comprova tempo de contribuição, os mais pobres, já se aposenta hoje aos 65 anos, com expectativa de vida de 83 anos.

Parece que você, Alexandre Schwartsman, foi desonesto intelectualmente ao pegar estatísticas que não consideram as diferenças entre regiões e nível educacional. Sua visão é liberal autofágica e umbigocêntrica. Sua visão é baseada em trabalhadores urbanos com formação superior que terão chances de manterem-se ativos até os 65 anos. Imagina pessoas com baixa formação educacional, trabalhadores braçais. Como conseguirão emprego com carteira assinada após os 55 anos?

Esta reforma da Previdência segue o velho script – trabalhadores organizados do serviço público e militares, os maiores responsáveis pelos déficits previdenciários, são deixados de lado, enquanto os trabalhadores de empresas privadas mais uma vez pagarão a conta. Não é uma razão válida colocar idade mínima de 65 anos, porque nos países desenvolvidos é esta a idade. Precisamos ser mais críticos e exercitar a empatia para nos colocarmos no lugar dos outros – os mais pobres, menos protegidos.

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O Verdadeiro Fim da História

Em 2014, completará 25 anos da publicação do polêmico ensaio “The End of History?” do cientista político americano Francis Fukuyama na revista National Interest. Depois, no final daquele ano, aconteceu a queda do Muro de Berlim, o que levou muita gente a afirmar que a História havia terminado, porque a democracia liberal triunfara e não surgiria outro sistema para disputar a hegemonia, como foram os casos do fascismo e do socialismo no século XX.

Francis Fukuyama

Francis Fukuyama

No último parágrafo deste ensaio, Fukuyama fala do fim das disputas ideológicas e da “estagnação” que tomará conta da humanidade após o fim da História:

“O fim da história será um momento muito triste. A luta pelo reconhecimento, a vontade de arriscar a própria vida por um objetivo puramente abstrato, a luta ideológica mundial que suscitou ousadia, coragem, imaginação e idealismo, será substituída pelo cálculo econômico, pela solução interminável de problemas técnicos, por preocupações ambientais, e pela satisfação de exigências sofisticadas dos consumidores. No período pós-histórico não haverá nem arte nem filosofia, apenas a guarda perpétua do museu da história humana. Eu posso sentir em mim mesmo, e ver nos outros ao meu redor, uma nostalgia poderosa para o momento em que a história existia. Essa nostalgia, de fato, continuará a alimentar competição e conflito, mesmo no mundo pós-histórico por algum tempo. Apesar de eu reconhecer a sua inevitabilidade, eu tenho os sentimentos mais ambivalentes para a civilização que foi criado na Europa desde 1945, com suas ramificações pelo Atlântico Norte e Ásia. Talvez esta perspectiva de séculos de tédio no final da história servirá para iniciar a história mais uma vez.”

Para começar, não acredito no fim da arte ou da filosofia e prefiro a guerra trancafiada no Musée de l’Armée de Paris. Você pode acessar a íntegra do ensaio através do link abaixo.

http://www.wesjones.com/eoh.htm

Em 1992, Fukuyama lançou o livro “The End of History and the Last Man”, onde desenvolveu melhor os pressupostos de seu ensaio de 1989. Com o fim da Guerra Fria devido ao dilaceramento do bloco socialista, a democracia liberal tornou-se, segundo ele, a forma final de governo para todas as nações. Não poderia haver progressão da democracia liberal para um sistema alternativo. Como a História deve ser vista como um processo evolutivo, poderíamos concluir que a História chegou ao fim, mesmo que eventos ainda ocorram.

Não acredito que esta seria uma boa definição do “fim da História”. Atualmente temos uma série de revoluções acontecendo de forma pacífica no mundo. Estamos entrando em uma era de informação, nunca as pessoas tiveram informação com a abundância de hoje. Figuras como Assis Chateaubriand, o poderoso dono dos Diários Associados entre as décadas de 40 e 60, ou Roberto Marinho, dono das Organizações Globo que chegou ao auge da sua influência entre as décadas de 60 e 90, teriam hoje como principal limitador a Internet. Qualquer um pode dar sua versão dos fatos ou publicar fotos e documentos comprometedores que derrubam versões da grande imprensa.

Assis Chateaubriand (esq.) e Roberto Marinho (dir.)

Assis Chateaubriand (esq.) e Roberto Marinho (dir.)

A tecnologia, em todas as áreas, avança e sinaliza um futuro de maior longevidade e abundância. A biotecnologia é outra revolução deste século. Fukuyama demonstrava pessimismo sobre o futuro da humanidade devido à incapacidade humana de controlar a tecnologia. Em minha opinião, as discussões éticas acontecem depois do desenvolvimento tecnológico, o que evidentemente pode causar sérios problemas, mas dificilmente ocorrerão problemas irreversíveis. Os erros fazem parte do processo de aprendizado.

Voltando para o “fim da História”, o capitalismo, o neoliberalismo e a globalização atacam em duas frentes para garantir a manutenção da sua expansão:

– estímulo ao consumismo das populações mais ricas;
– busca e desenvolvimento de novos mercados.

Atualmente pode-se citar os países pobres ou emergentes da África, Ásia, América Latina e do próprio leste europeu como exemplos destes novos mercados-alvo da globalização. Há quase dois anos escrevi o artigo “Malditas Multinacionais”, onde faço uma análise do binômio lucro e risco. Na África, por exemplo, as instituições dos países estão ficando mais estáveis, atraindo novos investimentos, porque os riscos estão menores ou, pelo menos, administráveis. Como consequência, há uma melhoria considerável nos padrões sociais destes países. O número de filhos por casal cai, o crescimento demográfico declina e a expansão econômica perde velocidade. Outros novos mercados serão procurados e o ciclo se repete.

Conforme minha visão, o “Fim da História” acontecerá quando houver igualdade entre as pessoas e povos. Isto não significa que não existirão pessoas e povos mais ricos ou mais pobres, mas todos terão liberdade e acesso à alimentação de qualidade, moradia digna, saúde e educação. Continuará a haver mobilidade interna entre pessoas e povos, mas isto não será o suficiente para estimular o crescimento da atividade econômica. Assim o neoliberalismo e a globalização perderão fôlego. O que vai acontecer em um mundo com redução de população, com fontes de energia alternativas baratas e confiáveis, com abundância de alimentos de qualidade, onde não será preciso trabalhar mais do que 20 ou 24 horas semanais?

Talvez só exista uma alternativa para o capitalismo, a expansão espacial – a conquista e colonização de novos planetas. Neste caso, se tornará realidade aquela frase do seriado de TV “Jornada nas Estrelas” (“Star Trek” no original em inglês):

– “Espaço – a fronteira final”.

Para os fãs da série, grupo no qual me incluo, matem ou alimentem a saudade, assistindo a abertura original da segunda temporada.

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Obama e o Dilema Capitalista

Nesta semana, a principal notícia foi a reeleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, o país mais poderoso do mundo. Um dos pontos mais importantes debatidos, durante toda a campanha, foi a lenta recuperação da economia americana. Na segunda-feira, li um artigo muito interessante no The New York Times escrito por um professor de Harvard, Clayton Christensen, que iniciava com a seguinte constatação:

– Independente do que acontecerá no Dia das Eleições, os americanos continuarão perguntando: quando a economia melhorará?

Um dos recados transmitidos é que a influência do presidente eleito, Obama ou mesmo Romney, na retomada da economia seria pequena. Você pode ler o artigo na íntegra, clicando no link abaixo.

http://www.nytimes.com/2012/11/04/business/a-capitalists-dilemma-whoever-becomes-president.html?pagewanted=all

Romney e Obama

Um dos debates entre Romney e Obama

Segundo o autor, existem três tipos de inovação:

  1. Inovação capacitante (“empowering innovation”)
  2. Inovação de sustentação (“sustaining innovation”)
  3. Inovação de eficiência (“efficiency innovation”)

O primeiro tipo de inovação supre uma demanda do mercado ainda não atendida. Ela transforma produtos caros disponíveis apenas para um pequeno grupo de pessoas em produtos mais baratos para a maioria da população. Ele cita os exemplos do Ford Modelo T e dos computadores pessoais. Esta forma de inovação cria empregos e usa capital para estruturação da nova cadeia produtiva. Ou seja, estimula o crescimento econômico.

Linha de produção do Ford modelo T

Linha de produção do Ford modelo T

A inovação de sustentação substitui os velhos produtos por novos modelos. Por exemplo, os carros híbridos possuem tecnologia mais avançada do que os convencionais, entretanto o número total de automóveis vendidos não crescerá devido à sua introdução no mercado, porque o público-alvo é exatamente o mesmo dos modelos tradicionais. Esta forma de inovação, apesar de criar poucos empregos novos, mantém o dinamismo da economia.

Automóvel híbrido Toyota Prius

Automóvel híbrido Toyota Prius

A inovação de eficiência, como o próprio nome sugere, busca a redução dos custos de geração de um produto ou serviço. Assim o número de empregos sempre é reduzido com a aplicação deste terceiro tipo de inovação. Por outro lado, a empresa recupera o capital investido que poderá ser o combustível para o próximo ciclo de inovação capacitante.

Estas três formas de inovação devem operar de modo cíclico, onde as inovações capacitantes são essenciais, porque criam novos consumos e mais empregos do que as inovações de eficiência conseguem eliminar posteriormente.

Segundo Christensen, nos últimos 150 anos, a economia americana operou desta forma e conseguiu manter-se distante dos longos períodos de recessão. De 1948 a 1981, o nível de emprego anterior à recessão era recuperado em apenas 6 meses. Na recessão de 1990, demorou 15 meses; na de 2001, 39 meses. E agora já são 60 meses, lutando para voltar ao nível anterior a esta recessão.

O que está havendo? O autor explica que as inovações de eficiência estão gerando capital que é reinvestido em novas inovações de eficiência ao invés das capacitantes. Desta forma, gera-se mais capital, mas não são gerados novos empregos. O capitalismo trata com carinho os bens escassos e “despreza” os bens abundantes. Hoje capital não representa mais uma restrição, porque existem abundantes linhas de financiamento com baixas taxas de juros no mundo. O problema é que os líderes das empresas estão seguindo fielmente os ensinamentos que receberam no passado. Ao analisar a taxa interna de retorno (I.R.R. em inglês) de dois investimentos, uma inovação capacitante com retorno em 8 anos e uma inovação de eficiência que retorna na metade deste período, a opção pelo ganho mais fácil e garantido tem sido a escolhida na grande maioria dos casos.

Eu diria que os capitalistas se viciaram no capital. Ou, em inglês, deixaram de ser capitalist e viraram capital addict.

Dilema capitalista

O Dilema Capitalista

O autor sugere que existe um problema educacional nos Estados Unidos, porque as habilidades para a criação de inovações capacitantes estão escassas atualmente. As universidades deveriam treinar os estudantes para estes tipos de desenvolvimentos, passando a mirar no longo prazo. Em paralelo, o governo americano deveria criar um sistema para incentivar este tipo de investimento.

Clayton Christensen

Clayton Christensen

O Brasil experimentou um crescimento baseado no aumento do consumo interno nos últimos anos. Este modelo parece ter se esgotado. Parece que este artigo dá uma pista sobre o que deve ser feito para que nosso país dê um novo salto de desenvolvimento, mas para que isto ocorra, investimentos em inovação e educação são fundamentais.

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