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Por um Mundo mais Sadio e Justo – o Lixo e a Consciência

Após passar alguns dias na maior feira do mundo de tecnologia para tratamento de água, esgotos e reciclagem, a IFAT, em Munique na Alemanha, fica escancarado como nosso mundo é desigual. Assisti a palestras de como remover micropoluentes da água, através de processos sofisticados com o uso de carvão ativado e membranas, e a um seminário sobre a situação do abastecimento de água e saneamento básico na Índia.

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IFAT 2016 – painel Future Dialog

Na manhã do primeiro dia da feira, assisti a um painel muito interessante, “Um mundo sem desperdício – visão ou ilusão? ”, no qual quatro apresentadores mostraram suas visões sobre o assunto e o que estavam fazendo sobre o tema. O cientista Prof. Dr. Michael Braungart afirmou que os principais problemas já são conhecidos há 25 anos, mas muito pouco foi feito até hoje. A questão não é melhorar o que está aí, mas criar algo novo que não gere resíduos. O antimônio, por exemplo é um metal usado como catalisador no processo de fabricação de garrafas PET e pode contaminar os líquidos contidos por elas. Outro exemplo é a série de metais pesados utilizados em equipamentos eletrônicos que não são reciclados e poluem o meio ambiente.

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Michael Braungart

O representante de Gana no painel, o jornalista e ambientalista Michael Anane, denunciou que mensalmente quinhentos containers são enviados para seu país por nações desenvolvidas com equipamentos eletrônicos obsoletos, boa parte deste material sem nenhuma condição de uso ou conserto. Nestes casos, fios são queimados ao ar livre, para recuperar o cobre que, posteriormente, será enviado para a Europa. Todo o material que sobra é lançado em um lixão, onde metais extremamente tóxicos, como mercúrio e cádmio, contaminam o solo. Se achou esta transferência de lixo tóxico estranha, você está certo! A Convenção de Basel (Basileia, em português) proíbe estas movimentações de resíduos perigosos e sua disposição final em outros países.

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Michael Anane

Se por um lado, os países desenvolvidos discutem os princípios da “economia circular”, onde resíduos não são gerados ou são aproveitados nos próximos elos da cadeia produtiva, por outro lado, os olhos são tapados para que lixo tóxico seja jogado “embaixo do tapete” dos países pobres.

Existem uma série de iniciativas elogiáveis como o “Plastic Bank” criado pelo canadense David Katz, um dos apresentadores do painel. O “Plastic Bank” cria centros de processamento de resíduos de plástico em áreas muito pobres que têm uma quantidade elevada deste tipo de resíduo. O objetivo do “Plastic Bank” é liderar o movimento em direção a uma demanda mundial para o uso deste “Social Plastic” em produtos de uso diário. Quanto maior for a demanda, maior será o impacto social para ajudar os pobres do mundo. Segundo Katz, grande parte do plástico nos oceanos do mundo é originária dos países em desenvolvimento. Deste modo, o “Plastic Bank” criou um sistema para evitar o desperdício de plástico lançado em oceanos, rios e cursos de água, tornando-o muito valioso para ser simplesmente jogado fora.

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David Katz

Para se ter ideia do tamanho deste problema, copiei o parágrafo abaixo do site da ONG Instituto Akatu (www.akatu.org.br).

Por ano, 250 milhões de toneladas de plástico produzidas e cerca de 35% desse montante são usados apenas uma vez, por apenas 20 minutos. Após o uso, em torno 10% do material descartado tem como destino o mar, revelou um estudo da Race for Water, fundação suíça dedicada à preservação da água.

A jornalista alemã independente Hanna Gersmann, quarta apresentadora do painel, defendeu a existência de um ambiente legal que favoreça os processos sustentáveis através, por exemplo, da taxação de processos muito intensivos em recursos. Os plásticos e papéis oriundos de reciclagem, por exemplo, deveriam ser menos tributados do que os produtos obtidos, respectivamente, a partir do petróleo e da madeira.

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Hanna Gersmann

No Brasil, a gasolina é mais pesadamente tributada do que etanol. Deste modo, aumenta a viabilidade econômica das pessoas abastecerem seus automóveis com um combustível renovável do que com o combustível fóssil, reduzindo a emissão de gás carbônico (principal gás do efeito estufa) por quilômetro rodado.

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Tributação dos combustíveis no Brasil

Michael Braungart, juntamente com o designer William McDonough, criou uma abordagem para o projeto de produtos ou sistemas chamada “Cradle to Cradle”. O nome é uma oposição à expressão do inglês “cradle to grave”, berço ao túmulo. Assim a ideia é um ciclo contínuo interminável, sustentável, baseado em cinco princípios:

  1. Saúde ligada ao material – ausência de compostos tóxicos, como metais pesados ou produtos químicos cancerígenos, para a saúde das pessoas e do meio ambiente. Neste item, também está incluída a origem das matérias primas, por exemplo, a origem da madeira – floresta nativa ou reflorestamento.
  2. Reutilização do material – todo o material deve ser recuperado ou reciclado após o final da sua vida útil.
  3. Energias renováveis – em todas as etapas do processo devem ser empregadas majoritariamente energias renováveis.
  4. Água limpa – o consumo de água deve ser minimizado e a água empregada deve ser reutilizada no próprio processo, reciclada ou, se não houver outra alternativa, tratada e devolvida ao meio ambiente com qualidade aceitável.
  5. Responsabilidade social – o impacto do produto ou sistema sobre a comunidade deve ser positivo.

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Tem um ponto que deve ser atacado em paralelo com o redesenho de processos produtivos – o consumismo crescente no mundo. Você acha racional trocar de celular anualmente? Apple e Samsung trazem todo ano novos modelos de seus carros chefe, iPhone e Galaxy. Qualquer destes aparelhos multifuncionais de dois ou três anos atrás já possui mais utilidades do que a esmagadora maioria dos mortais jamais imaginou. Podemos, além de fazer ligações telefônicas, trocar mensagens eletrônicas instantâneas (inclusive de áudio e vídeo), tirar fotografias em alta resolução e imediatamente compartilhá-las através de e-mails ou nas redes sociais, usar navegadores (Waze e Google Maps) que nos ajudam a chegar a qualquer lugar, fazer transações bancárias, ouvir música, ver vídeos, ler e escrever textos, tomar conhecimento sobre as últimas notícias, passar o tempo com jogos. Tudo isto está na palma de nossas mãos, precisando apenas de uma conexão sem fio com a Internet, mas muita gente se sente obrigada a comprar o modelo recém lançado e o “antigo” vai para a gaveta. Nos últimos modelos, até mesmo a remoção das baterias de lítio é complexa com a necessidade de ferramentas especiais.

O consumo de produtos descartáveis é outro ponto a ser atacado. Se mais de um terço de todo o plástico produzido no mundo, 90 milhões de toneladas, é descartado logo após o uso, devemos também repensar nosso estilo de vida. Estes plásticos são sacos e filmes que envolvem alimentos e produtos em geral, copos, pratos, garrafas, canudos e talheres. O destino final deste recurso transformado em lixo, pode ser o estômago de peixes, aves marinhas e tartarugas. Não seria melhor voltar aos velhos tempos e usar utensílios de vidro ou aço e embalagens de papel? Assista ao vídeo abaixo.

Resumindo, nosso planeta tem recursos e capacidade de regeneração finitos. Não adianta estimular o consumo, se não existe boas soluções para aproveitar o produto após sua vida útil. Não adianta também se livrar do problema, enviando resíduos para países pobres. A solução deve ser holística e sustentável – ambientalmente, socialmente e economicamente. Os nossos hábitos e valores devem seguir esta condição, porque, ao comprar um produto, deveríamos pagar todos os custos ambientais e sociais que este produto carrega desde sua produção até seu destino final após a vida útil. Nosso consumo deve ser consciente!

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Resolver Caminhando

Meu filho Leonardo nos visitou na segunda quinzena de julho e voltou para o Rio Grande do Sul no primeiro domingo de agosto. Não tivemos muito tempo juntos nestas duas semanas, porque eu não consegui uma folga no trabalho e ainda fiz uma viagem não programada.

No último sábado juntos, recebemos em nossa casa a visita um casal de amigos. A noite foi muito agradável, jantamos, bebemos vinho, conversamos e nos lembramos de várias histórias (as velhas histórias de sempre). Por volta da meia-noite, eles se despediram e retornaram para São Paulo.

O Léo apareceu na sala com um moletom em cada mão e deu a ordem:

– Escolhe um, veste e vamos caminhar.

Vestimos os moletons e fomos caminhar na pista em torno do lago e da área de lazer do condomínio. A noite estava fria e conversamos sem parar sobre os mais variados assuntos por uma hora, enquanto caminhávamos. Pedi então para terminarmos nossa conversa no aconchego da sala da casa. Afinal eu já estava congelando…

Caminhamos de volta para casa, e conversamos até as 3 horas da madrugada. Excelente bate-papo!

Como coincidências não existem, na viagem que eu fiz na semana anterior li uma revista Newsweek, onde havia uma seção chamada “Newswalks”, na qual a revista convida pensadores para dar caminhadas por locais escolhidos pelos próprios convidados, enquanto refletem sobre suas vidas, inspirações e ambições. A introdução desta seção está apresentada abaixo:

Em seus “Walking Essays” de 1912, um jovem e brilhante escritor inglês, A. H. Sidgwick, propôs que a caminhada “estabelece uma base de respeito mútuo mais rapidamente e com mais segurança” do que qualquer outra atividade. O ambiente de uma caminhada foi o mais acertado: “familiar suficiente para criar uma sensação de facilidade, e ainda estranho o suficiente para jogar os caminhantes de volta sobre si mesmos com o instinto de solidariedade humana”.

Quando Leigh Fermor Paddy e Bruce Chatwin cruzaram, conversando através da paisagem do Peloponeso, eles estavam encenando solvitur ambulando de Diógenes – resolver caminhando.

Achei a ideia ótima. Muitos filósofos e escritores defenderam a caminhada como fonte de inspiração para seus pensamentos, como Nietzsche e Rousseau. As caminhadas do poeta gaúcho Mário Quintana pela Rua da Praia em Porto Alegre devem ter inspirado inúmeros poemas. Talvez “O Mapa”, que reproduzo abaixo, seja fruto dessas caminhadas inspiradas.

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…

(E nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei…)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso…

Poeta Mário Quintana caminhando na Rua da Praia em Porto Alegre.

Poeta Mário Quintana caminhando na Rua da Praia em Porto Alegre.

Concordo que qualquer conversa flui melhor durante uma caminhada tranquila, sem pressa. Também percebo que, quando caminho solitariamente, as ideias começam a brotar de forma diferente do que entre quatro paredes, sob pressão. Mas por que as pessoas não aproveitam mais um ato tão simples como caminhar para solucionar seus problemas (a tradução literal do solvitur ambulando)?

A principal dificuldade para aproveitar o ato de caminhar é a necessidade de se desplugar de todos os estímulos que recebemos – ligações telefônicas, mensagens do WhatsApp ou de e-mail, atualizações do Facebook ou Twitter, navegação em sites da Internet… Tudo isto ocupa a cabeça de uma forma que fica impossível manter uma comunicação empática com seu colega de caminhada ou pensar na própria vida, se estiver solitário.

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São Paulo “Atacama” – A Crise Hídrica Acabou?

Hoje chove em Cotia. As notícias sobre a crise hídrica de São Paulo são tão escassas quanto as chuvas das últimas semanas. Passa a impressão de que o problema foi superado ou, pelo menos, não é grave. A tabela abaixo compara as reservas atuais de água com a situação no mesmo período do ano passado.

Seca_SP_Tabela_30-06-15

Por incrível que pareça, as reservas atuais estão 21% menores do que em 30/06 de 2014. Deste modo, entramos no inverno, o período mais crítico do ano, com 167 milhões de metros cúbicos a menos do que no ano passado. Se você comparar a redução do volume dos reservatórios no segundo semestre de 2014, verá que três sistemas de reservatórios poderão chegar praticamente vazios ao próximo período de chuvas – Cantareira, Alto Tietê e Rio Claro.

Seca_SP_Grafico_30-06-15

A Sabesp publicou a seguinte frase abaixo da definição de “reserva técnica” na página de seu site onde apresenta a situação dos mananciais:

“É possível ampliar em cerca de 180 milhões de metros cúbicos o volume da reserva técnica, desde que executadas obras que ampliem as instalações de bombeamento.”

Não achei nada sobre a obra acima. O projeto mais importante de 2015 é a transposição das águas do sistema Rio Grande para o Alto Tietê, orçada em R$ 130 milhões. Com esta obra, o Alto Tietê poderia abastecer diariamente mais 1,5 milhões de pessoas a partir de setembro. No final de junho, foi inaugurada a transposição de água do rio Guaió para o Sistema Alto Tietê, um volume de água suficiente para abastecer entre 300 e 400 mil pessoas.

O projeto mais importante é a ligação entre a bacia do rio Paraíba do Sul e a represa Atibainha (Bacia do Sistema Cantareira), orçada em R$ 830 milhões, prevista para entrar em funcionamento em 2016, deverá entrar em operação apenas em 2017. Esta obra poderá transferir um volume de água para o Cantareira suficiente para abastecer uma população entre 2 e 3,4 milhões de pessoas. Todos estes projetos são necessários, mas apenas interligam mananciais que passarão a esvaziar ou encher de forma mais equilibrada. Não se planejam projetos para racionalizar o consumo e reduzir desperdícios.

Todas as obras para mitigar a crise hídrica atrasaram. Ou seja, nem perante uma situação emergencial, o governo paulista conseguiu ser ágil.

Geraldo Alckmin dá início a obra de interligação de sistemas [Fonte: site do El País]

Geraldo Alckmin dá início a obra de interligação de sistemas [Fonte: site do El País]

A população de São Paulo está colaborando para a economia de água. No mês de maio, 83% dos clientes receberam bônus por economizar água e apenas 17% consumiram mais do que sua média do ano anterior. Como “prêmio”, a tarifa de água da Sabesp teve um reajuste de 15,24% em maio. A medida provavelmente foi estimulada pela queda na lucratividade da empresa – no primeiro trimestre de 2015, o lucro que foi de R$ 318,2 milhões contra R$ 477,6 milhões no mesmo período de 2014.

Como a geração de energia elétrica no Brasil é majoritariamente hídrica, a seca também complicou a situação em relação à eletricidade. Termoelétricas a gás natural e a óleo combustível foram ativadas e o custo do kWh subiu. O governo federal inventou a regra das bandeiras na conta de luz e agora estamos sob o regime da bandeira vermelha, a tarifa mais alta. Se isto não bastasse, reajustes tarifários são autorizados com índices muito acima da inflação oficial.

A geração domiciliar de eletricidade, através de painéis solares fotovoltaicos, é pouco incentivada no país. Se uma pessoa produzir mais do que consome, não receberá nada em troca. Este montante será acumulado em uma conta para compensar o total consumido através da rede da concessionária e, se após 3 anos não for utilizado, este crédito é zerado. Deste modo, não existe incentivo para gerar mais do que é consumido e a maioria dos projetos prevê uma geração entre 80 e 90% da necessidade média da residência. A Alemanha trilhou um caminho radicalmente oposto, seu governo incentivou a geração solar distribuída com enorme sucesso.

Painel solar fotovoltaico residencial

Painel solar fotovoltaico residencial

No Brasil, o litoral norte de Santa Catarina é a região com menor irradiação solar global (4,25 kWh/m2) devido à localização geográfica e à nebulosidade. Mesmo assim seu potencial para geração de eletricidade é 3,4 vezes maior do que a melhor região da Alemanha. A geração fotovoltaica em telhados residenciais tem o potencial de gerar o equivalente a mais de 2,3 vezes o consumo de eletricidade residencial brasileiro. Apesar do seu enorme potencial, o Brasil produziu em 2012 apenas 42 GWh de energia elétrica de fonte solar contra 28 mil GWh da líder mundial Alemanha.

No caso da seca no sudeste brasileiro, incentivar a captação e aproveitamento de água da chuva e o reuso de águas com menor potencial poluidor também não faz parte das agendas dos governadores estaduais.

Nos dois casos, os grandes, complexos e caríssimos projetos são sempre os preferidos para a solução dos problemas em detrimento do incentivo a obras muito mais simples em residências e empresas. Parece que os grandes lobbies empresariais conseguem sempre influenciar decisivamente na elaboração dos regulamentos que regem as atividades do próprio setor e nas políticas governamentais.

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Impossible Foods e o Hambúrguer Vegetal para os Amantes da Carne

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Em março deste ano, li um artigo do “The Economist” sobre as empresas start-ups do Vale do Silício, na Califórnia que estão desenvolvendo, a partir de vegetais, versões sustentáveis de alimentos à base de carne e leite. A Impossible Foods era uma das empresas citadas no artigo. No final de abril, visitei esta empresa em Redwood City, próxima a San Francisco na Califórnia. A seguir faço um resumo da minha conversa com Patrick Brown, fundador e CEO da empresa, realizada na sala “Avocado”.

Patrick Brown no laboratório da Impossible Foods  [Fonte: Wall Street Journal]

Patrick Brown no laboratório da Impossible Foods [Fonte: Wall Street Journal]

A área de atuação prévia do Dr. Brown era a biomedicina: mecanismos de regulação biológica, diagnóstico de detecção precoce de doenças humanas, ecologia microbiana do corpo humano e novas tecnologias e métodos experimentais e analíticos aplicados à pesquisa biomédica. Segundo suas próprias palavras, ele tinha o melhor trabalho do mundo, mas queria fazer alguma coisa que tivesse um impacto positivo muito maior para a humanidade. Decidiu então fazer produtos de origem 100% vegetal para substituir produtos de origem animal, como carne e queijo. Segundo “The Economist”, Pat Brown disse:

“A pecuária é uma atividade tremendamente destrutiva e totalmente insustentável. Mesmo assim, a demanda por carne e leite está em alta”.

Ele repetiu para mim aquela informação da ONU que a pecuária ocupa 30% da superfície degelada do planeta e é responsável por 14,5% de todas as emissões de gases do efeito estufa. Deste modo, para evitar um impacto maior no planeta por conta do aumento do consumo de carne e leite, seria necessário desenvolver alternativas vegetais que não devessem nada aos produtos de origem animal.

Nos primeiros anos de atividades da Impossible Foods, nenhum produto foi formulado, inúmeras moléculas foram extraídas de vegetais e analisadas. A partir daí se estudou a formulação de produtos e como obter as moléculas que seriam os ingredientes dos produtos. Todos os ingredientes escolhidos devem ser economicamente viáveis e possíveis de serem obtidos em grande escala.

Pat disse que a Impossible Foods já desenvolveu queijos, exclusivamente a base de vegetais, que foram aprovados por especialistas, mas seu primeiro empreendimento será o hambúrguer. Este primeiro produto a ser lançado terá a mordida, a suculência, o aroma e o sabor de um autêntico hambúrguer de carne. O preço também deverá ser competitivo com o produto convencional. A escolha é óbvia, além dos problemas já citados de desmatamento e aquecimento global, a conversão da ração em carne é muito ineficiente nos bovinos, 10 kg de ração são necessários para gerar apenas 1 kg de carne. Além disto, os norte-americanos são grandes consumidores de hambúrguer. Eu vi numa apresentação que, em média, cada americano consome três hambúrgueres por semana.

Hambúrguer – Foto do site da Impossible Foods

Hambúrguer 100% vegetal – Foto do site da Impossible Foods

Comentei com o Pat que a grande maioria dos vegetarianos não precisaria de um produto assim. Ele concordou e afirmou que o consumidor-alvo deste produto é o amante da carne que deseja reduzir o consumo, sem perder o prazer. Se existir uma alternativa tão boa quanto a carne, por um preço igual ou menor, por que alguém continuaria a consumir carne com todas as questões de maus tratos aos animais e prejuízos ambientais? Neste momento, haveria a migração para os produtos de origem vegetal e a pecuária entraria em declínio.

Neste ponto, eu contra-argumentei que a indústria leiteira está fortemente ligada à indústria da carne. A vaca leiteira fica prenha anualmente. Se a nova cria for um macho, será morto e se transformará em cortes de carne antes da puberdade. Se for uma fêmea, se transformará após dois ou três anos em uma nova vaca leiteira. Se tudo correr bem nos seis anos seguintes, a vaca não morrerá durante uma das gestações ou partos, nem será sacrificada devido à mastite ou outra doença. Como prêmio por ter gerado cinco ou seis crias sãs e ter produzido entre 20 e 25 toneladas de leite, a vaca será enviada para um matadouro onde será abatida e transformada em hambúrgueres e carne industrial. Se não houver bons produtos substitutos para os laticínios, como o queijo, o preço dos produtos lácteos tradicionais poderá aumentar e subsidiar o preço da carne. Se isto acontecer, a lucratividade do negócio da “carne vegetal” será corroída. Ou seja, o ataque contra a indústria da pecuária deve ser realizado pelos dois lados – carne e leite. O que é justo e deveria ser considerado nas leis num futuro próximo são as taxas sobre as externalidades causadas pela indústria da pecuária devido ao gigantesco impacto ambiental que causa. Aí sim a competição desequilibraria em favor das alternativas vegetais.

Perguntei ao Pat como ele enxergava alternativas como a carne in vitro. Provavelmente por causa dos longos anos de trabalho na área biomédica, ele foi enfático. Não acredita nesta alternativa! Explicou que os problemas com contaminações microbiológicas inviabilizam o aumento de escala do laboratório para a indústria. Um boi tem seu sistema de defesa que evita que micróbios destruam tecidos inteiros do seu organismo. No caso de carne in vitro, um simples vírus pode infectar uma célula, se multiplicar com uma velocidade extraordinária e destruir todas as células, acabando com a produção da fábrica.

Atualmente setenta pesquisadores trabalham no desenvolvimento dos produtos da Impossible Foods. Em 2016, a primeira planta deve iniciar a produção numa escala pequena. Se tudo correr bem, o próximo passo será uma planta muito maior para atingir a produção comercial plena pouco tempo depois. Depois virão os queijos…

Se você quiser ler o artigo original do “The Economist”, onde outras empresas são apresentadas, basta clicar no link abaixo.

The Economist

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São Paulo “Atacama” – Aproveitamento de Água da Chuva e Reuso de Água Já!

Na quarta-feira passada, terminamos a instalação de um sistema de aproveitamento de água da chuva, composto de calha para a coleta de chuva do telhado de nossa casa e tubulações para encaminhá-la até um tanque de 2 mil litros. Antes de entrar neste tanque, a água passa por um filtro e um separador de chuva fraca (mais poluída). Poderemos recuperar, dependendo da quantidade de chuvas, entre 6 e 15 mil litros de água por mês. Veja as fotos abaixo.

Sistema coleta agua chuva

Eu e Claudia estamos à disposição para ajudar a implantar sistemas de coleta de água da chuva como este se sua casa estiver localizada nas proximidades de Cotia. Especificamos o sistema e contamos com uma equipe com experiência neste tipo de instalação.

Nestes últimos meses, escrevi dois artigos sobre a seca em São Paulo e a inércia do governo de São Paulo para combater seus efeitos. No primeiro, em setembro do ano passado, mostrei que a situação rumava para o caos com a redução acelerada das reservas de água do estado, apesar do governador Alckmin negar o óbvio por motivos eleitorais. No segundo artigo, um mês depois, apresentei várias medidas para reduzir o consumo de água, inclusive a coleta de água da chuva.

O governo pede que a população economize água, mas o mais impressionante é que as sugestões não fogem do lugar comum: escovar os dentes ou fazer a barba de torneira fechada, tomar banhos mais curtos, não lavar calçadas e automóveis. Claro que estas medidas ajudam, mas é muito pouco para reverter o atual quadro da estiagem no estado. Precisa-se de ações que disponibilizem mais água em curto espaço de tempo, como a coleta de chuva e o reuso da água cinza (máquinas de lavar roupa, chuveiros e pias). Não podemos esperar, no mínimo dois anos, que um sistema sofisticado e caríssimo seja implementado para tratar as águas poluídas da Represa Billings. As outras obras já anunciadas pelo governo estadual só começarão a entrar em funcionamento no final de 2015. Como conseguiremos superar o período de estiagem que começará em abril?

Se o poder público não toma as decisões necessárias para tentar reverter a situação dramática causada por esta seca, cabe a nós cidadãos achar boas alternativas para reduzir o consumo de água. O diretor da Sabesp para a região metropolitana de São Paulo, Paulo Massato, citou a possibilidade de um “rodízio drástico” de até cinco dias sem água por semana. Você já imaginou ter água na sua torneira apenas dois dias da semana?

Para ter uma ideia mais clara da dimensão da crise hídrica paulista, apresento um raio-X que preparei sobre a queda das reservas de água nos principais sistemas de reservatórios de São Paulo.

Seca_SP_Tabela_31-01-15
Seca_SP_Grafico_31-01-15
Seca_SP_Reservas_31-01-15

Como pode ser visto o segundo volume morto do Cantareira deve acabar em março. Existe a possibilidade de usar uma terceira reserva de 41 bilhões de litros da Represa Atibainha, mas esta medida aumentaria o disponibilidade de água do Cantareira em apenas 4,2 pontos percentuais. Ou seja, daria uma sobrevida somente até abril. O Sistema Alto Tietê deve secar no primeiro semestre de 2015, junto com o Sistema Rio Claro. O Guarapiranga, que está em melhores condições graças às chuvas deste verão, deverá ter a retirada de água aumentada devido ao colapso do Cantareira e Alto Tietê, provavelmente não chegará com água até a próxima estação das chuvas, em dezembro deste ano. O pequeno Alto Cotia segue a mesma tendência do Guarapiranga.

Agora começamos a estudar o reaproveitamento da água da máquina de lavar roupa. Medimos o gasto de água por ciclo completo de lavagem e chegamos a 90 litros por ciclo. No nosso caso, a lavagem de roupas pode ser responsável por quase metade do consumo mensal de água! Se sua máquina tem abertura superior fica fácil aproveitar a água do enxágue final como água da primeira lavagem das roupas. Infelizmente, nossa máquina tem abertura frontal, mas vamos criar um sistema para reduzir seu consumo e apresentaremos a solução aqui no nosso blog.

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Post 200 – Retrospectiva

Este é o ducentésimo (por que não é “duzentésimo”?) post publicado neste blog.

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Normalmente o centésimo é mais festejado, talvez pela introdução do terceiro dígito na contagem do número de posts, mas não posso perder a chance de fazer uma retrospectiva dos últimos cem posts publicados.

Vários posts foram inspirados por filmes. “Diários de Motocicleta” ajudou a contar a história da formação da consciência social de Che Guevara. “As Aventuras de Pi” tratou de temas como religiosidade e espiritualidade. “Amour” tratou dos sacrifícios extremos assumidos em nome do amor. “Meia-Noite em Paris” inspirou uma discussão sobre “O Passado e o Futuro”. “Ela” (título original Her) trouxe à tona as maravilhas e os perigos da inteligência artificial meio ano antes do físico Stephen Hawking externar seus temores sobre o assunto (fiquei bem acompanhado desta vez…).

Outros posts resgataram fatos históricos, como as descobertas e invenções de Heron de Alexandria ou o ato heroico de Sérgio Macaco que evitou centenas de mortes durante os anos de chumbo no Brasil. O próprio golpe militar foi protagonista de um post, onde reafirmei minha certeza que a democracia é o único caminho. As semelhanças dos casos de Napoleão Bonaparte e Eike Batista também renderam um post. E a guerra, o ato mais estúpido do ser humano, foi meu alvo após uma visita a Les Invalides em Paris,”Pra Não Dizer que Não Falei das Flores“.

O nascimento de nossa caçula, Luiza, recebeu um post superespecial – “A Maior Emoção da Minha Vida”. A Claudia deve futuramente fazer um post mais aprofundado sobre o parto humanizado.

Alguns posts trataram das minhas visões pessoais sobre família, amor pelos filhos (“Quando nos sentimos pais”) e educação dos filhos (“O que Dar e o que Esperar do Futuro de Nossos Filhos”). Afinal minha riqueza não deve ser medida pelos meus bens materiais, mas pela qualidade dos meus relacionamentos e “Eu Sou um Homem Rico”.

As questões do exibicionismo e da privacidade foram discutidas em dois posts, o primeiro sobre o BBB e o segundo que também trata do monitoramento da vida privada das pessoas pelos Estados – “Privacidade, Intromissão e Exibicionismo”. A propósito este post foi publicado quatro meses antes das denúncias de Edward Snowden.

As religiões e a manipulação dos fiéis por líderes inescrupulosos são fontes inesgotáveis de inspiração. Não escaparam deste blog o Islamismo, a igreja católica, representada pelos papas Bento XVI e Francisco, e nem mesmo “Deus, Sempre Ele”.

Dediquei dois posts para uma das piores figuras públicas da atualidade, o russo Vladimir Putin, sobre seu ecomarketing e sobre a Crimeia. Muito, mas muito menos importante, o ex-prefeito de Novo Hamburgo, Tarcísio Zimmermann, também foi “agraciado” com dois posts, enquanto tentava se reeleger antes de ser cassado devido à Lei da Ficha Limpa.

Em outros três posts, procurei comentar como nossos pensamentos podem ser nossos maiores aliados ou inimigos – “Como a Matrix de Neo e a Caverna de Platão nos Mostram a Realidade”, “Memórias e os Fantasmas do Passado” e “Como Assassinamos Nossos Insights”. Na mesma linha, escrevi mais dois posts – “O Medo” e “A Autossabotagem”.

A culinária vegana manteve seu lugar de destaque – moqueca de tofu, ratatouille, torta de sorvete, estrogonofe ou como preparar proteína texturizada de soja.

Aventurei-me em novos territórios – primeiro escrevi uma história infantil sobre bullying (“A Bruxinha Totute”); depois um poema no meio da “Turbulência” de um voo entre a França e o Brasil; mais um conto de ficção científica dividido em cinco partes sobre a expansão da humanidade em outros sistemas planetários e sua incontrolável ambição (“A Fonte da Juventude de Perennial”). Para finalizar escrevi, na semana passada, uma história que mescla ciência e religião (“Projeto Gaia – Experiência Final”).

Vários posts tiveram como inspiração as manifestações de junho do ano passado. Iniciei com “Os Protestos e a Verdadeira Democracia”, na sequência sugeri como próximo alvo a finada PEC 37/2011. Imaginem como ficaria a investigação da “Operação Lava Jato”, se o poder de investigação do Ministério Público Federal fosse tolhido? A melhoria nos serviços públicos de saúde foi um dos principais alvos dos manifestantes e o governo federal reagiu com a criação do “Programa Mais Médicos” que inspirou um artigo. Em breve, voltarei a escrever sobre a política brasileira.

Tentei desvendar os mistérios da satisfação pessoal em ”Não Esqueçam seus Objetivos Pessoais no Avião” e “Salário Motiva os Funcionários?”.

Questões éticas com animais foram tratadas em “Golfinhos de Guerra” e “Sofrer e Amar não são Exclusividades dos Humanos”.

A sustentabilidade ambiental também teve destaque com artigos sobre reciclagem de metais raros de telefones celulares, reciclagem de fósforo e da influência do consumo de carne na degradação do meio ambiente.

Este blog não é mais somente meu. A Claudia estreou em grande estilo com o post que conta como virou vegetariana, “Eu, a carne e a berinjela…”. Sinto que o respeito aos vegetarianos cresce a cada dia como retratei no post “Vitória Vegetariana”. E aqui entre nós, “Por Que Comer Carne?”.

A Copa do Mundo de Futebol realizada no Brasil em 2014 rendeu dois posts, “A Copa do Mundo Envergonhada” e “Como o Futebol Brasileiro foi Massacrado pelo Alemão”. Dentro da esfera futebolística, publiquei mais dois post “De Volta para o Meu Lugar”, sobre a reabertura do Beira-Rio, e “Fernandão, Vida, Morte e Piscadas”, sobre o morte do ídolo colorado Fernandão.

A seca em São Paulo que ameaça o fornecimento de água à população do estado também inspirou dois posts – “o que fazer quando a água acabar?” e “as medidas que evitariam a crise de abastecimento de água”. Apesar das excelentes chuvas dos últimos dias, o risco continua…

Falei sobre os mais variados assuntos, das “Gambiarras” ao “Portuglish ou Portunglês”, do show de Yusuf Islam em São Paulo aos “Múltiplos Papéis da Mulher no Mundo Atual”, dos conflitos entre judeus e palestinos em “O Escudo Humano” aos problemas da economia americana em “Obama e o Dilema Capitalista”, do racismo contra o goleiro Aranha a “Os Psicopatas, os Hiperativos, os Estranhos e os Normais”. Afinal “As Pessoas são Diferentes – Que Bom!!!”.

Agradeço a todos que acompanham nosso blog, espero críticas e sugestões para os assuntos dos próximos cem posts e lembro, mais uma vez que tento não falhar e fazer “Jornalismo Profundo como um Pires“ e “Eu Não me Chamo “Martho Medeiros”.

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Projeto Gaia – Experiência Final

Um cientista observava atentamente várias telas digitais, onde eram apresentados dados e imagens. Ao seu lado, dezenas de imagens holográficas tridimensionais de moléculas de DNA eram projetadas. Naquele instante, um colega entrou no laboratório, lhe cumprimentou animadamente e perguntou o que ele fazia. A resposta foi lacônica:

– Projeto Gaia!

– Hum… O chefe quer acabar com este projeto! Você é nosso maior especialista em vida sintética. As estruturas de DNA que você cria têm tantas alternativas para ativar e desativar os genes que geram biodiversidade mais rápido do que qualquer outro membro do nosso time. Além disto, você monta sistemas complexos autônomos que possuem equilíbrio e resiliência incríveis. Por que você não larga o “Gaia” e vai para o próximo desafio? O cronograma do Projeto “Nexus Universal” é muito apertado e sem teu conhecimento e competência, não vamos conseguir atender as metas no prazo.

dna hologram

– Tem uma espécie que criei no “Gaia” que é muito interessante, está multiplicando-se cada vez mais rápido, com isto está consumindo recursos e desequilibrando Gaia. Eu já induzi cinco ondas de extinção, Gaia sempre consegue buscar um novo equilíbrio e uma nova biodiversidade é desenvolvida. Desta vez, uma sexta onda de extinção está em andamento causada por esta espécie. Nas outras vezes, eu causei enormes extinções de seres vivos. Já congelei as águas da superfície de Gaia, já aqueci o seu interior até que metal fundido extravasasse na sua superfície, já lancei objetos contra sua superfície – cometas ou meteoritos. Agora é uma espécie, teoricamente a mais evoluída de todas deste sistema, não é um simples vírus, que está ameaçando a vida das demais que coabitam Gaia.

Após a última frase, ele deu um sorriso enigmático e deixou o colega realmente intrigado com aquela situação.

– Mas como uma espécie pode ser mais evoluída e, ao mesmo tempo, destruir o ambiente onde vive, causando sua própria extinção? Isto não faz sentido!

– Eu criei um gatilho do DNA desta espécie que ativa um gene gerador de uma verdadeira compulsão para consumir cada vez mais. Quanto mais come, por exemplo, mais quer comer, incluindo a carne de outros animais. Chega ao ponto de consumir muitos recursos para criar animais somente para alimentá-los, mesmo com uma série de alternativas menos prejudiciais para Gaia. As modificações causadas pela ação desta única espécie estão gerando incríveis desequilíbrios em todo sistema.

– Parece interessante, mas esta experiência ainda pode demorar muito tempo…

– Agora a temperatura média de Gaia está subindo perigosamente. Isto é causado pelos padrões de consumo desta espécie que lança certos gases, como o gás carbônico e o metano, que absorvem a radiação infravermelha, impedindo que o calor saia de sua atmosfera e volte para o espaço. Assim, o gelo da superfície de Gaia está derretendo, suas águas doces estão poluídas e ficando cada vez mais escassas, suas águas salgadas estão ficando mais ácidas, o clima de Gaia está mudando radicalmente e as outras espécies estão desaparecendo. Pode avisar o chefe que esta etapa do teste deve estar concluída em menos de 100 ciclos completos de Gaia.

– Ah bom! Não vai demorar muito. Ele vai gostar desta informação. Pode deixar que eu acalmo a fera. Só me diz mais uma coisa e eu te deixarei em paz até o final deste teu experimento. Como se chama esta espécie terrível que você criou?

– Homem!

– Interessante… Até mais… Tchau!

gaia

O cientista voltou a ficar só em seu laboratório, onde criava novas formas de vida e sistemas complexos de conexão entre seres vivos evoluídos. De repente divagou sobre o que acontecia em Gaia:

– Criei um local inóspito há mais de 4 bilhões de ciclos. Depois criei a vida neste lugar há centenas de milhões de ciclos. Depois de alguns aprimoramentos, vi surgir o Homo sapiens há apenas 100 mil ciclos. Os genes consumistas que poderão causar a destruição da humanidade só foram ativados em grande escala há uns 250 ciclos com a chamada Revolução Industrial.

– Eles não imaginam com são pequenos, são apenas uma experiência no meu laboratório entre tantas deste instituto de pesquisa. Eu sou seu Deus ou seu Alá. Eu sou a tríade de deuses hindus. Fui Brahma ao criar este pequeno universo, mas meu chefe quer que eu seja Shiva e destrua tudo, pois só através da destruição algo novo pode renascer. Torço para que o ser humano se salve, mas, caso ele falhe, serei então Vishnu, protegendo Gaia ativamente, esperando o momento certo para trazer um novo equilíbrio ao ciclo da vida.

Brahma, Vishnu e Shiva

Brahma, Vishnu e Shiva

– De repente senti uma vontade de interferir neste teste e reduzir a expressão deste gene do consumismo. Será que uma ponta de vaidade está se apossando de mim? Será que eu quero continuar a ser o Deus desta estranha espécie?

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São Paulo “Atacama” – As Medidas que Evitariam a Crise de Abastecimento de Água

Há um mês escrevi um artigo sobre a situação crítica dos reservatórios de água em São Paulo e a falta de medidas efetivas do governo do estado. Hoje gostaria de comentar as possíveis alternativas técnicas que reduziriam o consumo de água nas residências, escolas, hospitais e empresas.

Começo revisando a tabela que apresentei no mês passado. Como pode ser visto na tabela abaixo, o Sistema Cantareira continua seguindo fielmente a tendência e deve ter a sua primeira reserva consumida integralmente em três semanas, o que está alinhado com a declaração feita na semana passada pela presidente da SABESP, que ironicamente também se chama Dilma. Ela disse que a primeira reserva do Cantareira seria totalmente consumida em meados de novembro, mas o governador Geraldo Alckmin desmentiu a informação e anunciou mais um bônus na conta de água. Uma medida inócua para a gravidade da situação.

Seca_SP_Tabela_21-10-14

O segundo “volume morto” do Sistema Cantareira será consumido em pouco mais de dois meses, se as chuvas não ajudarem. Ou seja, esta reserva terminaria na segunda quinzena de janeiro. A reserva do Sistema Alto Tietê seria consumida até o final de 2014. Também preocupa, nesta nova tabela, a aceleração do consumo nos sistemas Rio Claro e Guarapiranga que seriam totalmente consumidos, respectivamente, até meados de janeiro e final de fevereiro. Ou seja, a situação é gravíssima e, se as chuvas não forem abundantes neste verão, entraremos no período de estiagem com a maioria dos reservatórios vazios.

Independente das chuvas, uma série de medidas deveriam ser implantadas. A primeira e mais óbvia é combater os vazamentos e ligações ilegais. É também inevitável racionar água e, infelizmente, cortar a água para irrigação. Após a seca no verão passado, o governo do estado, com auxílio dos bancos estatais, poderia ter aberto uma linha de financiamento de longo prazo para substituir os sistemas tradicionais de irrigação por sistemas de gotejamento (muito mais eficientes). Agora teremos quebra de safra, especialmente dos hortifrutigranjeiros, com redução da oferta e aumento dos preços.

A captação da água da chuva é outra medida que ajudaria muito. Bastaria encaminhar a água dos terraços e telhados para tanques e cisternas. Esta água seria usada para regar gramados, hortas e jardins ou lavar calçadas. Com ou pequeno tratamento, também poderia ser usada na descarga dos vasos sanitários. Para ter uma ideia do volume de água potável que poderia ser economizado, siga meu raciocínio. A intensidade da chuva é medida em milímetros, onde um milímetro é equivalente a um litro por m². Considere uma casa que ocupe 100 m² de um terreno. Se em um mês de estiagem chovesse apenas 50 mm, esta casa captaria 5 mil litros de água da chuva. Esta é uma medida relativamente simples e poderia ter sido incentivada pelo governo estadual.

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Outra forma de economizar água potável é não usá-la na descarga dos vasos sanitários e mictórios. As águas que sobram de atividades domésticas como tomar banho, lavar louça ou roupas são conhecidas como água cinza. Normalmente apresentam baixa contaminação com microrganismos patogênicos e podem ser tratadas, cloradas e usadas nas descargas de vasos.

Alguns efluentes industriais tratados também podem ser usados para irrigação.

Além destas ideias existem milhares de outras. Assista ao vídeo abaixo, onde a universidade peruana UTEC criou um gerador de água potável a partir da umidade do ar e instalou o equipamento em um outdoor na periferia da capital Lima. A produção mensal foi de aproximadamente 3 mil litros por mês e abasteceu uma comunidade carente.

Talvez você possa pensar que agora é tarde demais para implantar projetos e medidas como as listadas acima. Na verdade, nunca é tarde para fazer a coisa certa. Se as medidas que listei neste artigo forem implantadas, seremos muito mais sustentáveis e será possível acelerar a recuperação dos mananciais hídricos do estado, quando as chuvas voltarem. Normalmente as crises são oportunidades para melhorarmos, mas se ficamos inertes, confiando apenas na sorte, o perigo pode crescer ao ponto de inviabilizar nossas atividades ou até mesmo o poderoso estado de São Paulo.

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O Clínico Geral dos Engenheiros

Em 1982, eu tinha uma importante decisão pela frente, era o momento de escolher qual seria a curso que eu concorreria a uma vaga no vestibular em janeiro do ano seguinte. Escolhi engenharia química, porque gostava de química, matemática e física, especialmente termodinâmica. Com apenas dezesseis anos, desconhecia o que fazia um engenheiro químico. Passei no vestibular da UFRGS e iniciei o curso. Nos primeiros anos, foi uma overdose de cálculo, física e química. Depois vieram as disciplinas mais diretamente ligadas à formação profissional – termodinâmica, fenômenos de transporte e operações unitárias. Sinceramente tudo foi um enorme quebra-cabeça. O mais interessante é que as peças podiam se encaixar de diferentes modos e, dependendo de cada um, sobravam ou faltavam peças.

Logotipo do Departamento de Engenharia Química da UFRGS

Logotipo do Departamento de Engenharia Química da UFRGS

No dia 16 de janeiro de 1988, peguei o canudo e conquistei o título de engenheiro. Depois de vinte e seis anos, passando pelas mais variadas funções, me tornei um engenheiro de processos generalista. Alguns podem torcer o nariz, como fazem em relação aos injustamente desvalorizados médicos clínicos gerais, mas é maravilhoso olhar para um processo complexo e ver como cada pequena parte é importante para o funcionamento harmonioso do todo.

Hoje o mundo está em busca de sustentabilidade. Devemos gerar alimentos, suprir água potável e energia e produzir bens de consumo para mais de 7 bilhões de pessoas, minimizando os impactos ao meio ambiente. Os engenheiros químicos têm uma missão importante nesta mudança de rumo da humanidade. Tive a sorte de escolher a melhor profissão do mundo!

Parabéns a todos os colegas neste dia 20 de setembro – Dia do Engenheiro Químico!

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Eu Não me Chamo “Martho Medeiros”

Faz quase quatro anos que mantenho este blog ativo e tenho publicado artigos todas as terças-feiras desde julho do ano passado, incluindo até a terça de carnaval. Confesso que algumas vezes não foi fácil encontrar algum assunto interessante. No penúltimo domingo, a Claudia me perguntou qual seria o assunto do próximo artigo. Eu comentei que escreveria sobre o reciclo de fósforo. Na sequência, completei:

– O número de acessos diretos através das redes sociais será baixo. Este tipo de artigo mais técnico tem pouco acesso.

Eu tinha assistido a algumas apresentações em uma feira sobre sustentabilidade na Alemanha e queria compartilhar algumas informações interessantes sobre reciclagem. Estava certo, não tive dez acessos diretos ao artigo, somando Facebook, Twitter e Linkedin. Tudo bem, não tenho como saber quantos dos assinantes diretos do blog, além da própria Claudia, leram este artigo… Alguns ainda dirão maldosamente que a “coitada” da Claudia é obrigada a ler tudo que eu escrevo, mas é mentira! Eu só tenho que obrigá-la a ler os posts sobre futebol…

Desde que criei meu blog, decidi que me manteria fiel a sua missão e escreveria sobre tudo o que me interessa. Alguns artigos fizeram mais sucesso; outros, muito pouco… Sinceramente, gostaria de ter milhares de acessos diários, mas não deixaria de publicar artigos que nasceram de uma boa reflexão e, ao escrevê-los, consegui resolver as maiores (só as maiores) inconsistências do meu pensamento. Muitas vezes não consigo solucionar meus conflitos, em relação ao tema, em uma ou, pior, duas páginas. Se a pessoa não se sente atraída por determinado tema, como vai suportar a leitura de um longo artigo? Parece impossível resumir tudo a poucos “tweets” de 140 caracteres…

Twitter

Meus sucessos (guardadas as devidas proporções) foram os artigos que tratavam de temas pessoais, como relacionamentos, ou os profissionais, como autorrealização e sucesso na carreira. Nesta hora, me dei conta de um dos motivos do sucesso da escritora Martha Medeiros.

Martha Medeiros

Martha Medeiros

Não sou um leitor frequente de suas colunas no jornal, mas acho seu estilo muito interessante. Ela apresenta temas, aparentemente simples do dia a dia, com sua visão de mundo, chegando a uma conclusão que eu concordo integralmente – não se preocupe com os rótulos e não se estresse em seguir os modelos de sucesso dos livros e revistas, ache seu modelo e seja feliz do seu jeito. E mais, sofrer de vez em quando também é normal.

Apesar dos meus textos de maior sucesso seguirem esta linha, eu não sou o “Martho Medeiros”!

Quero ter a mais completa liberdade no meu blog de baixar a lenha no ex-prefeito de Novo Hamburgo por causa de seus desmandos, como se minha antiga cidade no Rio Grande do Sul fosse a Antares de Érico Veríssimo ou a Lagoa Branca do excelente “Tambores Silenciosos” de Josué Guimarães. Afinal a política de Novo Hamburgo era a representação do pior da política brasileira (sobre a qual também escrevi)…

Quero falar livremente das religiões! Por que não questionar o Islamismo, o Judaísmo e o Cristianismo? Pior do que seguir cegamente alguma coisa, é ser manipulado por um líder sem escrúpulos. As escrituras não devem ser usadas literalmente fora do contexto da época. Não se pode destacar as passagens que interessam e omitir as que não interessam.

Quero escrever sobre futebol, sem deslumbramentos, apesar da maravilha que é meu Internacional, nem com aquele surrado chavão de “ópio do povo”.

Quero falar sobre tecnologia, meio ambiente, sobre o futuro da humanidade… Sou um otimista, apesar de ter certeza que o caminho até este futuro radioso não será um passeio no parque.

Quero falar sobre a ética como algo absoluto, jamais relativo. As circunstâncias que explicam os desvios de comportamento devem ser discutidas sem preconceitos, entendidas e alteradas.

Sei que muitas pessoas buscam algum conforto para seus problemas imediatos. Ler uma coluna da Martha Medeiros que ajude a perceber que você não é o único do mundo que sofre com certo tipo de dor é bom. Talvez por isto, as mulheres são suas maiores fãs. Como já escrevi no meu blog, as mulheres são pressionadas atualmente para serem mães, esposas, amantes e profissionais perfeitas. Sejam as melhores de acordo com suas possibilidades, porque perfeição total não existe! Quando eu escrevo sobre este tipo de assunto, existe sempre uma motivação pessoal, nasce dentro de mim ou da observação de uma pessoa próxima. O diabo é que ainda tenho aquela ideia de querer ajudar a salvar o mundo, por isso também tenho que escrever sobre política, religião, economia, tecnologia, meio ambiente…

Eu e Martha, sem dúvida, concordamos que escrever liberta, como pode ser visto neste trecho de uma entrevista:

– Para mim, escrever é libertador sempre. Posso ter sofrimentos meus pessoais, mas que na hora que começo a escrever começam a se dissolver. O ato da escrita não é sofrido. Sofrida é a vida. O ato de escrever, para mim, é mais cura do que sofrimento.

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A Ameaça da Fome no Mundo – Reciclar é Preciso, Extrair não é Preciso

Na semana passada, escrevi sobre a reciclagem de metais valiosos presentes em equipamentos eletrônicos. Nesta semana, falarei sobre um elemento essencial para a vida, o fósforo.

No século XVII, o alemão Henning Brand descobriu o fósforo por acaso. Seu real objetivo era produzir a pedra filosofal, aquilo que transformaria tudo que tocasse em ouro. Brand recuperou a partir da urina uma substância que brilhava no escuro, o fósforo. Por incrível que pareça, ele ganhou muito dinheiro com esta descoberta, pois vendia a grama deste novo produto por valor mais alto do que o ouro.

“Alquimista à procura da pedra filosofal”, de Joseph Wright (1771): a descoberta do fósforo por Henning Brand

“Alquimista à procura da pedra filosofal”, de Joseph Wright (1771): a descoberta do fósforo por Henning Brand

Hoje se sabe que não existe vida sem o fósforo. Ele faz parte do metabolismo dos animais e plantas. Com o aumento da população mundial, apareceu a agricultura intensiva com o uso de variedades de plantas mais adaptadas a cada solo e clima, com o uso de herbicidas para matar plantas concorrentes aos alimentos, inseticidas para matar as pragas que se alimentariam destes alimentos e fertilizantes que suprem as necessidades de nutrientes das plantas.

Os três principais elementos que compõem os fertilizantes são o nitrogênio, o fósforo e o potássio. O nitrogênio é abundante na atmosfera da Terra e existem bactérias que conseguem fixá-lo ao solo. As reservas exploráveis de potássio são suficientes para atender o crescimento da demanda pelos próximos 250 anos, além da descoberta de novas reservas que poderiam dobrar esta expectativa. O grande problema acontece com o fósforo, muitos pesquisadores estimam que as reservas viáveis durem de 60 a 130 anos, sendo que a maioria estima um prazo de 70 a 90 anos. Ou seja, na virada do século XXI, a humanidade deverá explorar fontes bem mais custosas ou contaminadas por metais pesados.

Como podemos ver na figura abaixo, 82% do fósforo é empregado na produção de fertilizantes, sendo praticamente todo o montante usado para a produção de alimentos. Apenas 2% dos fertilizantes são usados para biocombustíveis (etanol ou biodiesel). Ou seja, se aumentar a participação dos biocombustíveis na matriz energética, mais fertilizantes com fósforo serão usados e mais rapidamente as reservas viáveis serão esgotadas.

Os usos do fósforo

Os usos do fósforo

Outros 7% do consumo total do fósforo são usados em suplementos nutricionais para animais. Na medida em que mais pessoas comem carne, ovos ou leite, maior será o consumo de fertilizantes para produzir grãos (principalmente soja e milho) para rações, além do fósforo para suplemento. Nesta hipótese, o esgotamento das reservas se acelerará ainda mais.

O gráfico abaixo mostra a produção real até 2008 e a projeção até o final deste século. Se nada for feito, os rendimentos agrícolas vão cair sensivelmente e poderemos ter redução na oferta de alimentos a partir de 2035.

Produção de fósforo

Produção de fósforo

Para compensar a redução das reservas de fósforo, deve-se aumentar a eficiência na mineração e no beneficiamento do fósforo. Outra ação é limitar drasticamente os usos de fósforo em aplicações não ligadas à produção de alimentos. Os rendimentos agrícolas também devem se elevar e toda a cadeia deve ser mais eficiente com a redução dos desperdícios de alimentos. A mudança da dieta de pessoas e animais também pode gerar uma enorme redução na necessidade de novas fontes de fósforo. Outra ação fundamental é o reciclo do fósforo. Existe grande abundância deste elemento nos resíduos orgânicos, nos dejetos de animais e esgotos sanitários.

O uso de resíduos orgânicos depende da boa separação dos recicláveis, principalmente os plásticos, e de resíduos perigosos como baterias e lâmpadas. Na Alemanha, o lixo é incinerado. Deste modo, torna-se mais importante ter uma boa separação prévia. Se você acha que devido ao nível cultural, os alemães separam bem seus lixos, então errou. As autoridades daquele país ainda não conseguiram sensibilizar a população e, por exemplo, um quarto dos plásticos das embalagens segue para incineração junto com o lixo orgânico. O lodo do tratamento de esgoto sanitário também é incinerado, mas também pode estar contaminado com metais pesados, inviabilizando seu reciclo para o solo.

Assim o fósforo que serviu como fertilizante para produção de alimentos, depois de virar resíduos ou esgoto, não volta para o solo e mais fósforo é extraído das minas.

No Brasil, ainda jogamos esgoto e águas contaminadas por excrementos de animais nos rios, causando poluição e mais prejuízos para a população.

Parece que devemos voltar ao século XVII, quando o alquimista Henning Brand descobriu o fósforo recuperando-o da urina humana…

Sustentabilidade no uso do fósforo – perspectivas

Sustentabilidade no uso do fósforo – perspectivas

Fonte: Os gráficos deste artigo foram copiados do trabalho “Sustainable Use of Phosphorus” de J.J.Schröder, D.Cordell, A.L.Smit & A.Rosemarin de outubro de 2010.

 

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Reciclar é Preciso, Extrair não é Preciso

Depois de alguns dias em uma das maiores feiras ambientais do mundo, a IFAT, na bela e sempre agradável Munique, eu passei a dar mais importância para a análise do ciclo de vida dos produtos do que dava anteriormente.

Achei os dois gráficos abaixo na internet, vi um similar em uma apresentação sobre a necessidade de buscar modos de vida mais sustentáveis. Por muito tempo, se pensou que os recursos naturais eram abundantes e infindáveis, mas atualmente o ser humano começa a se dar conta que a história não é bem assim. Apesar disto, muito pouco de prático é feito. Veja os incríveis crescimentos da população humana, da economia e da produção de bens de consumo.

Crescimento da Economia Mundial

Crescimento da Economia Mundial

Com o crescimento da economia mundial, a extração de recursos naturais cresceu exponencialmente, afetando a disponibilidade de água, a fauna e a flora de muitas regiões da Terra.

Crescimento Econômico – Recursos e Meio Ambiente

Crescimento Econômico – Recursos e Meio Ambiente

Para agravar mais a situação apresentada no gráfico anterior, ainda temos o aparecimentos de novos produtos eletrônicos – celulares, notebooks, tablets – que empregam novas matérias primas. A figura abaixo apresenta alguns metais empregados na fabricação de aparelhos celulares.

Celular_Tesouros

O Índio, junto com o Estanho, é responsável pelo desempenho da tela touch screen. Você já pode deduzir que o consumo aumentou muito com a onda de smartphones e tablets.

O Neodímio é um dos “misteriosos” elementos da tabela periódica que ficam naquelas duas linhas debaixo, os Terras Raras. Ele é usado para fazer os minúsculos e poderosos ímãs dos autofalantes.

O Tântalo é matéria prima para a produção de microcapacitores. A maior reserva do mineral Coltan, de onde este metal é extraído, está localizada na República Democrática do Congo (ex-Zaire) no centro da África. Este país sofre com uma terrível guerra civil, abastecida pelo contrabando deste valioso minério através da vizinha Ruanda.

As baterias têm Lítio. Os contatos das placas do circuito do celular são de cobre. E na placa e no chip tem Ouro! Sim, a cada tonelada de celulares devem ter umas 300 gramas de Ouro!

Então temos em nossas casas tesouros esquecidos, atirados em gavetas ou, pior ainda, lançados em algum lixão. Se você acha que na rica e esclarecida Alemanha é muito diferente, está enganado… Eles agora estão discutindo a obrigatoriedade de devolver o celular velho para a compra de um novo. O consumismo obriga muitas pessoas a trocar todo ano de celular e o anterior não tem mercado. Para agravar a situação, o índice de reciclagem é muito baixo. Matem a saudade e observem a tabela periódica abaixo. Ela é muito especial, porque mostra o índice de reciclagem de cada elemento metálico.

Tabela Periódica - Índice de reciclagem de metais

Tabela Periódica – Índice de reciclagem de metais

Em nosso exemplo do celular, temos o Índio (In), o Tântalo (Tl), o Neodímio (Nd) e o Lítio (Li) com índice de reciclagem inferior a 1%. Apenas o Cobre (Cu) e o Ouro (Au) têm índice de reciclagem superior a 50%.

Hoje todos nós falamos sobre como o ser humano poderá evitar o aumento da emissão de gases de efeito estufa. Desejamos energias limpas como a solar e a eólica. O carro elétrico está se tornando uma realidade concreta. Por outro lado, muitos metais, entre eles o Índio, entram na constituição dos painéis solares. As baterias, além de outros metais, têm Lítio que, como já vimos, apresenta um índice de reciclagem menor do que 1%. Se não houver reciclagem, o dano ambiental causado pela mineração será enorme.

Ao invés de se pensar apenas nos efeitos diretos das ditas soluções sustentáveis, os cientistas, os engenheiros e os políticos deveriam pensar e trabalhar no plano completo. Todas as etapas deveriam ser consideradas – a mineração, a purificação dos metais, a produção dos bens e sua reciclagem e disposição final. Só assim teríamos um mundo realmente sustentável.

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Inteligência Artificial e Sentimentos Naturais

No sábado passado, no voo entre New York e Munique, assisti ao filme “Ela” (título original Her) do diretor americano Spike Jonze. Neste trabalho, além de dirigir, ele escreveu o roteiro e produziu o filme.

her-poster

A seguir faço um breve resumo do filme. A história acontece no futuro, onde todas as pessoas estão conectadas virtualmente. Theodore (atuação muito boa de Joaquin Phoenix) é um homem solitário e seu trabalho é escrever cartas a pedido de outras pessoas, normalmente entre casais. Ele não consegue iniciar novo relacionamento após o final do seu casamento. Para amenizar a sua solidão, ele compra um novo sistema operacional dotado de inteligência artificial (A.I.), Samantha (representada pela voz sexy de Scarlett Johansson). Samantha evolui rapidamente e a relação entre os dois passa pela amizade, cumplicidade, paixão e amor. Como toda relação humana, ela esquenta, esfria e tem crises. Já assisti a filmes bons com finais fracos ou, pelo menos, muito previsíveis. O final de “Ela” é inteligente e surpreendente. Sempre gosto de destacar uma frase do filme. Achei esta, de uma amiga de Theodore, muito boa, eu só trocaria a palavra amor por paixão:

– “O amor é uma forma de insanidade socialmente aceitável”.

Assista ao filme! Garanto que não é daquelas melosas comédias românticas. A história é ótima e nos faz pensar também o que se espera dos relacionamentos em uma era, onde existe muita conexão virtual, mas pouca compreensão e conversas reais. Por incrível que pareça, uma história possível que ganhou o Oscar de melhor roteiro original de 2014.

Outros filmes já trataram a questão da inteligência artificial. Em “A.I. – Inteligência Artificial” de Steven Spielberg, a história gira em torno de um androide menino que é comprado para amar seus pais e substituir o filho humano que está em estado vegetativo. Após um acidente, o “pai” resolve se livrar do androide para proteger o filho natural, mas a “mãe” o ajuda a fugir. Como na história de Pinóquio, o androide quer virar um menino de verdade.

AI_Poster

 

Em outros filmes, computadores dotados de inteligência artificial escravizam os humanos como no “Exterminador do Futuro” e no brilhante “Matrix”. A questão ética é se os sistemas computacionais poderiam ser programados para aprender a desenvolver sentimentos? Como um ser humano, os computadores poderiam sentir amor, compaixão, medo, orgulho, raiva… Até que ponto isto seria seguro?

Matrix_Poster

Lembro-me da declaração de Larry Page, fundador e atual presidente do Google, sobre a possibilidade dos sistemas lerem o cérebro humano. Assim não seriam mais necessárias interfaces de comunicação. Estaremos nus! Enquanto Samantha vasculhava os e-mails e arquivos de Theodore, os sistemas do futuro poderão explorar nossas mentes. Assustador…

Esta discussão pode parecer exótica, mas há pouco foi aprovado o marco civil da internet brasileira. A grande maioria dos países não tem regulação que garanta liberdade de expressão, privacidade e neutralidade da internet. Se hoje este é um assunto importante, há dez anos não tinha relevância. Assim, seria bom iniciar logo a discussão ética sobre a inteligência artificial, porque isto poderá ter grande impacto em nossas vidas no futuro.

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O Novo Fim da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 5)

CONTINUANDO…

Os soldados feridos foram transportados para a Blue Spaceship. A colônia foi cercada, e as buscas começaram de casa em casa. Um dos oficiais da força de paz da ONU foi abordado por uma mulher visivelmente nervosa que queria saber o que houve na sede do conselho. O oficial contou que, quando os soldados invadiram o prédio, bombas incendiárias explodiram e todos que estavam dentro morreram. A mulher caiu de joelhos, e começou a chorar e disse que seu marido era um dos seguranças. O oficial consolou-a, mas procurou obter mais informações:

– Meus pêsames! Com certeza, seu marido não queria estar naquele prédio com apenas mais um colega…

– Não, eu até preferi que ele ficasse lá do que no meio da floresta, com os conselheiros e os outros seguranças. Achei que ele e o colega se entregariam e ficaria tudo bem, mas…

– Em qual floresta estão os outros?

– Na floresta da fonte da juventude.

O oficial desejou que a mulher se recuperasse da perda de seu marido e pediu ao soldado, que o acompanhava, a ajudasse no que fosse necessário. Em seguida, despediu-se e relatou imediatamente sua descoberta ao líder da operação. A tropa se reuniu e avançou até a floresta.

As sentinelas do conselho de Perennial entraram em combate com os primeiros soldados invasores da floresta. Ambos os lados sofreram baixas; contudo, a força de paz da ONU, mais numerosa e bem treinada, avançou rapidamente até o prédio onde o conselho do planeta estava escondido. Dessa vez, os soldados explodiram uma parede lateral para entrar no prédio. Quando chegaram à sala onde estava o conselheiro-mor, um soldado mirou em seu corpo e gritou para que ele se entregasse. O conselheiro-mor respondeu à ordem:

– Você quer me levar para a Terra como um troféu? Como a cabeça empalhada de um animal selvagem morto por um caçador em um daqueles antigos safáris na África? Todos nós já estamos mortos!

O soldado, assustado, disparou sua arma laser contra o peito do conselheiro-mor que, agonizando, apertou o botão do controle que estava em sua mão direita, acionando uma bomba térmica. A temperatura em toda a região da floresta da fonte da juventude superou os 3.000°C. Toda a vida da floresta foi destruída — nenhum humano, kwasha, inseto ou planta resistiu.

“A Apoteose da Guerra” de Vasily Vasilyevich Vereshchagin (1871)

“A Apoteose da Guerra” de Vasily Vasilyevich Vereshchagin (1871)

A notícia gerou uma enorme comoção na Terra, afinal, dezenas de pessoas morreram. Além disso, a possibilidade de vida eterna foi inviabilizada com a destruição total da floresta da fonte da juventude.

No dia seguinte à tragédia, o secretário-geral convocou a imprensa para um comunicado oficial na sede da ONU. Bilhões de pessoas aguardavam ansiosamente o seu pronunciamento. No horário marcado, ele chegou ao plenário lotado, esperou que as autoridades e os repórteres se acomodassem e iniciou seu discurso:

– Há pouco mais de dois anos, uma incrível descoberta encheu a humanidade de esperança. As sementes de uma planta encontrada no planeta Perennial, apelidada de fonte da juventude, interrompiam o envelhecimento celular. Foram realizadas inúmeras tentativas de isolar o princípio ativo, sem sucesso. Tentou-se também cultivar a fonte da juventude, empregando as mais modernas técnicas agrícolas, mas as plantas resultantes não possuíam as mesmas propriedades. Decidiu-se, então, coletar suas sementes de forma controlada e distribuí-las aleatoriamente entre a população humana da Terra e das colônias espaciais.

– Os membros do conselho de Perennial sugeriram que fossem empregados para esta tarefa de coleta dóceis animais do planeta Arborea, os kwasha-kwashas. Essas pobres criaturas foram escravizadas, e nós permitimos isso devido à cegueira causada pela possibilidade da vida eterna. Será que a vida de um humano vale mais do que a de um kwasha?

– Posteriormente, os conselheiros de Perennial passaram a desviar as sementes para obter vantagens pessoais. Chegaram ao ponto de sequestrar e manter em cativeiro uma equipe da ONU que investigava o caso. Houve intransigência tanto por parte do conselheiro-mor de Perennial quanto da minha. Todos estavam cegos pela fonte da juventude.

– Em vez de diálogo ou negociação, partiu-se para um confronto sangrento. Eu deveria ter percebido que nossa vantagem poderia acuar os conselheiros de Perennial. Ao sentirem-se sem saída, partiram para atos extremos. A floresta que abrigava a fonte da juventude foi totalmente destruída por uma bomba acionada pelo conselheiro-mor de Perennial, em um momento de completo desespero. Eu errei! Meu erro causou a morte de mais de uma centena pessoas. Meu erro gerou o genocídio de aproximadamente dois terços da população de kwashas. Meu erro deve ter exterminado inúmeras espécies de plantas e animais que só existiam naquela floresta. Meu erro acabou com a única forma conhecida, até agora, de paralisar o envelhecimento dos homens.

– Hoje, penso que a fonte da juventude pode ter sido um teste que uma Entidade superior deste Universo fez conosco, humanos. Em vez de ouro ou pedras preciosas, foi-nos oferecida a vida eterna; mas, como não havia o suficiente para todos, não soubemos como compartilhar. Não demonstramos solidariedade nem compaixão! Deixamos aflorar nossos instintos mais vis: a ambição, a ira, a vingança. O sinal de alerta foi a permissão para escravizar  os kwashas. Nenhuma maravilha pode ser construída sobre as bases da dor e da exploração. Só uns poucos lutaram contra a barbárie cometida contra aqueles animais inocentes. Devemos aprender a lição e não repetir mais estes erros. Espero que o dia de ontem seja lembrado, como a explosão da primeira bomba atômica, em Hiroshima, foi lembrada durante muito tempo, como algo que não deve se repetir.

Hiroshima após ser atingida pela bomba atômica (1945)

Hiroshima após ser atingida pela bomba atômica (1945)

– Finalizo, renunciando ao posto de secretário-geral da ONU. Espero que um ser humano melhor, mais equilibrado, me suceda. Estou à disposição para receber a punição que acharem justa. Agradeço a atenção de todos.

A reação de todos que ouviram o pronunciamento do então ex-secretário-geral da ONU foi de profundo silêncio. Todos sabiam que ele não era o único culpado; muitos também erraram por omissão. Aquela tragédia serviu, pelo menos, para mostrar que a construção da humanidade ainda não estava completa e que todos deveriam permanecer vigilantes, pois nada poderia justificar as práticas adotadas no célebre caso da “fonte da juventude de Perennial”.

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História Sangrenta – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 4)

CONTINUANDO…

Havia duas proposições a serem votadas pela Assembleia Geral da ONU. A primeira, apresentada pelo embaixador de Perennial, solicitava a independência do planeta. A segunda, elaborada pelo próprio secretário-geral, concedia 24 horas para a libertação da equipe de auditoria detida em Perennial e a renúncia de todo o conselho do planeta, sob pena de invasão pelas forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

O secretário-geral expôs todos os fatos ocorridos: desde o desvio e contrabando de sementes da fonte da juventude, passando pelo sequestro da equipe de auditoria enviada ao planeta e chegando finalmente à barganha proposta pelo conselheiro-mor de Perennial — libertação da equipe em troca da independência do planeta.

Assembleia Geral da ONU

Assembleia Geral da ONU

Em seguida, ele pediu que o embaixador de Perennial apresentasse suas explicações. Como esperado, os circunlóquios do diplomata não convenceram os demais participantes; provavelmente, nem ele mesmo acreditou na sua defesa. Os discursos de outros membros da assembleia foram acalorados. Todos pediam punição exemplar para o conselho de Perennial e, em especial, para seu líder.

Percebendo que o ambiente estava totalmente favorável, o secretário-geral anunciou uma pausa de uma hora para que os diplomatas conversassem com seus respectivos chefes de Estado. No reinício dos trabalhos, as duas proposições seriam votadas.

Após o intervalo, como já se esperava, a independência de Perennial foi rejeitada por unanimidade, e o ultimato do secretário-geral foi aprovado com apenas algumas abstenções e nenhum voto contrário. O Conselho de Segurança da ONU se reuniu em seguida e definiu a estratégia: a tropa partiria no início do dia seguinte. Graças a um buraco de minhoca (equivalente à dobra espacial da série Jornada nas Estrelas), era possível vencer os anos-luz que separam a Terra de Perennial em poucas horas. A nave espacial Blue Spaceship, das forças de manutenção da paz da ONU, ficaria em órbita do planeta até completar as 24 horas do prazo da resolução. Caso as condições não fossem atendidas, a sede do conselho seria invadida.

Forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

Forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

Tudo foi executado conforme o planejado. Quando faltava apenas uma hora, o secretário-geral da ONU enviou o ultimato ao conselheiro-mor e avisou a população do planeta:

– Caros irmãos de Perennial! O conselho deste planeta agiu de forma totalmente antiética – roubou, mentiu e acabou sequestrando funcionários da ONU que cumpriam missão oficial no planeta. Se dentro de uma hora, seu conselho não libertar os funcionários e renunciar pacificamente, invadiremos a sede do conselho. Não há motivos para pânico, peço que todos os cidadãos permaneçam em suas casas. Ninguém será ferido.

É óbvio que o aviso gerou uma grande correria na colônia, mas, vinte minutos antes do fim do prazo, as ruas estavam completamente desertas. O conselho e quase toda a equipe segurança de Perennial esperavam o desenrolar das ações no QG improvisado na floresta da fonte da juventude. Apenas dois seguranças permaneceram na sede do conselho para vigiar os prisioneiros e alertar sobre a chegada dos capacetes azuis na colônia.

No horário marcado, a invasão do planeta foi iniciada, a sede do conselho foi cercada, e o líder da operação exigiu que os reféns fossem libertados e que todos os demais se entregassem. Os seguranças, após avisarem o conselheiro-mor, libertaram todos os prisioneiros, com exceção do delegado e de seu assistente direto.

O líder da operação concedeu um prazo de 30 minutos para que os dois reféns fossem libertados; caso contrário, o prédio seria invadido. Ao término do prazo, os seguranças de Perennial acionaram suas armas laser contra os capacetes azuis. Alguns soldados ficaram gravemente feridos. A porta do prédio foi arrombada pelos soldados; entretanto, bombas incendiárias instaladas junto às entradas foram acionadas, e toda a instalação incendiou-se rapidamente.

O resultado foi trágico: sete mortes — três soldados capacetes azuis, dois seguranças do conselho de Perennial, o delegado da ONU e seu assistente. A Terra, que vivia um período de paz, testemunhou o ressurgimento dos horrores da guerra em uma de suas colônias espaciais.

O conselheiro-mor, ao ser informado sobre o resultado da primeira batalha, reuniu os demais membros do conselho:

– Iremos até o fim! Mostraremos a esses canalhas que não temos medo! Quem não estiver preparado para tudo pode sair agora.

Ninguém foi embora; vários gritaram frases de efeito, mas, no fundo, todos sabiam que dificilmente sairiam vivos daquele lugar.

O secretário-geral ficou revoltado com a notícia das mortes, especialmente a de seu amigo, o delegado. Suas ordens foram claras:

– A partir de agora, será olho por olho, dente por dente! Descubram onde esse verme está escondido e capturem-no junto com toda a sua corja. Se não for possível trazê-los vivos, não importa mais, mate-os!

A justiça não era mais importante; apenas a vingança…

A Execução dos Defensores de Madrid [Francisco Goya]

A Execução dos Defensores de Madrid  de Francisco Goya

CONTINUA…

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História Déjà Vu – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 3)

CONTINUANDO…

O conselheiro-mor de Perennial conversou sobre a situação com seu par de Aquamundi na sala de reuniões virtual, onde eram representados por seus hologramas. Ao final, o líder de Aquamundi foi muito honesto e aconselhou-o a buscar uma solução negociada com a Terra:

– A colônia em nosso planeta ainda é relativamente recente. Precisamos dos recursos e do apoio da Terra, não resistiríamos a um bloqueio econômico. Vocês têm a fonte da juventude, uma moeda de troca muito interessante. Não comecem uma guerra, na qual todos sempre perdem.

O conselheiro-mor de Perennial, embora contrariado com o resultado da reunião e principalmente com o conselho final, agradeceu o tempo e a atenção dispensados. Em seguida, finalizou a reunião e solicitou o contato do conselheiro-mor de Arborea.

Reunião virtual com hologramas

Reunião virtual com hologramas

A reunião com o conselheiro-mor de Arborea teve outro tom, porque ele estava claramente dividido. Uma verba considerável estava entrando no planeta por meio do tráfico de kwashas; contudo, a maior parte da população era formada por cientistas que pesquisavam fitoterápicos oriundos da enorme biodiversidade local. Caso seu planeta se alinhasse com Perennial, a torneira dos recursos terráqueos para as pesquisas seria lacrada. Desde a descoberta da fonte da juventude, alguns projetos com alta probabilidade de aprovação foram adiados. Se a Terra não tivesse mais acesso à fonte da juventude de Perennial, verbas generosas poderiam jorrar em Arborea para premiar sua fidelidade e acelerar a busca por novas alternativas na área de saúde e longevidade.

O conselheiro-mor de Perennial prometeu grandes vantagens a Arborea como parceiro preferencial, incluindo generosas quantidades de sementes da fonte da juventude. Quando questionado sobre se apoiaria Perennial na criação de uma nova federação de planetas independentes, o conselheiro-mor de Arborea mostrou-se reticente:

– Acredito que a proposta é muito interessante, mas não estou totalmente certo de que este seja o melhor momento para implementá-la. Talvez possamos conquistar mais autonomia por meio de negociações com a Terra… Solicitarei ao nosso conselho que analise as alternativas o mais rapidamente possível, conforme a situação exige, e retornarei com nossa decisão. Agradeço imensamente pelo amável convite.

O conselheiro-mor de Perennial sentiu que estavam sozinhos. O que fazer? Ele havia avançado demais ao prender o delegado da ONU e sua equipe. Mesmo que a negociação trouxesse vantagens para seu planeta, ele cairia em desgraça.

Seu assessor informou que o secretário-geral da ONU aguardava-o em uma sala de reuniões virtual para discutir sobre a delegação desaparecida. Ele pediu que a conexão fosse estabelecida. O secretário-geral fez uma saudação protocolar e perguntou como estavam as buscas por sua equipe. O conselheiro-mor respondeu que, apesar da grande mobilização, os progressos foram pequenos; ainda não havia pistas. A resposta do secretário-geral foi incisiva:

– Não esperava outra resposta! Qual é a próxima mentira? Não somos tolos ou ingênuos! Vocês inventaram histórias sobre a fonte da juventude, e nossa equipe desmascarou a farsa que vocês criaram. Eles foram mortos ou sequestrados para não revelar tudo o que descobriram? Exijo a verdade!

– Nenhum representante da Terra tem o direito de exigir algo de um cidadão de Perennial. A era do domínio e exploração acabou! O povo de Perennial agora está livre! Se quiserem seus espiões de volta, reconheçam nossa independência.

– Não negociamos com chantagistas. Perennial é uma colônia terráquea e permanecerá com este status. Liberte minha equipe e entregue-se imediatamente. Você terá um julgamento justo. Caso contrário, seremos obrigados a empregar a força!

– Se esta é a sua palavra final, nosso embaixador apresentará imediatamente o pedido de independência de Perennial. Caso tentem invadir nosso planeta, destruiremos a fonte da juventude.

– Convocarei uma reunião de emergência para hoje, e teremos a decisão sobre o futuro de Perennial até o fim do dia. Adeus!

O conselho aguardava o resultado das reuniões do conselheiro-mor para determinar qual plano seria adotado. Ele entrou na sala e foi direto ao assunto:

– A guerra é inevitável! Estamos sozinhos, e o secretário-geral da ONU já sabe de tudo. Seguiremos o plano “solução final”. Os dispositivos explosivos já foram instalados na área de extração de sementes da fonte da juventude. Caso tentem invadir este perímetro, detonaremos as bombas. Os prédios administrativos naquela área já estão preparados para ser nosso quartel-general. Iremos agora para lá!

Como observado muitas vezes na história da humanidade, inúmeras guerras poderiam ter sido evitadas, mas os interesses de uma minoria, combinados com o orgulho de líderes inescrupulosos, impediram negociações benéficas para todas as partes. No final, o prejuízo sempre foi repartido por todos, principalmente pelos menos favorecidos. Fica aquela sensação de déjà vu

Guernica de Pablo Picasso

Guernica de Pablo Picasso

CONTINUA…

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A “Evolução” da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 2)

CONTINUANDO…

Após um ano de coleta de sementes, a população humana de Perennial começou a ficar descontente com aquela situação. Afinal, estavam enviando toneladas de sementes da fonte da juventude para a Terra e não recebiam praticamente nada em troca. Nesse período, apenas dois moradores do planeta foram sorteados na loteria. Por outro lado, o ônus de gerenciar toda a operação, incluindo os kwashas, recaiu sobre os ombros de Perennial.

Em determinado momento, a produção começou a declinar. O secretário-geral da ONU quis entender o que estava acontecendo, e o conselho de Perennial apresentou uma série de explicações:

– A produtividade das fontes da juventude caiu; cada planta estava gerando menos sementes.

– Os kwashas estavam mais preguiçosos e, como não se podia exagerar nos castigos, eles não temiam mais os humanos.

– Havia uma praga de insetos noturnos que obrigava a antecipar o fim das atividades diárias.

O secretário-geral solicitou um plano de ação e, sem avisar o conselho de Perennial, enviou um delegado com um grupo de auditores ao planeta para investigar mais profundamente os fatos.

Quando o grupo chegou a Perennial, foi fácil refutar a versão do conselho local. Não havia nada errado com as plantas. Os kwachas continuavam trabalhando da mesma forma, e um novo contingente havia chegado de Arborea há um mês. Além disso, a praga de insetos noturnos era mais uma mentira. Na verdade, parte da produção de sementes havia sido desviada e contrabandeada. Uma parte serviu de pagamento aos mercadores de kwachas de Arborea, e a maior parte foi vendida para pessoas ricas que não foram sorteadas na loteria.

Mercado de Escravos

Mercado de Escravos de Johann Moritz Rugendas

O delegado reuniu-se com o conselho para apresentar suas conclusões. Ao final, o conselheiro-mor ordenou para que seu serviço de segurança prendesse a comitiva da Terra e declarou a independência de Perennial:

– Basta de exploração! Basta de humilhações! O tempo de subserviência à Terra acabou hoje! A partir de agora, somos um planeta independente e, se os habitantes da Terra quiserem as sementes da fonte da juventude, deverão pagar o preço que nós determinarmos. Prendam estes canalhas e cortem toda a comunicação deles com a Terra!

Chegou a hora do motim, da revolução: algo que aconteceu inúmeras vezes na história da humanidade na Terra e já estava meio esquecido por seus habitantes.

Revolução Francesa

“A Liberdade Guiando o Povo” de Eugène Delacroix.

O delegado havia enviado um relatório parcial da investigação para a ONU. Quando o secretário-geral leu o documento, tentou contatar imediatamente seu subordinado, mas não obteve sucesso. Então, decidiu convocar o embaixador de Perennial na ONU para obter esclarecimentos. Como todo bom diplomata, ele afirmou que deveria ser um engano e que, talvez, o delegado e sua comitiva estivessem perdidos nas florestas do planeta. E para concluir, disse:

– Entrarei imediatamente em contato com as autoridades de Perennial. Tenho certeza de que todos os esforços serão envidados para encontrar a delegação enviada por Vossa Excelência ao nosso modesto planeta.

O secretário-geral não acreditou naquela história e temia que o pior tivesse acontecido com sua equipe. Não havia tempo a perder!

Em Perennial, o conselho do planeta decidiu apoiar a ruptura dos vínculos com a Terra. Além disso, acharam que não poderiam ficar sozinhos e decidiram fazer uma aliança com os dois planetas mais próximos – Arborea e Aquamundi. Assim, pelo menos, esses planetas não serviriam de base terráquea em caso de ataque das tropas da ONU.

O conflito parecia inevitável. Desta vez, o motivo não era ideológico, nem reservas de petróleo ou metais nobres, nem mesmo territórios. Ironicamente, as pessoas estavam dispostas a morrer para conseguir a semente que prolongaria suas vidas.

Guerra por petróleo

Guerra por petróleo

CONTINUA…

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O Recomeço da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 1)

Pela primeira vez em séculos, a população da Terra apresentou uma redução. A atividade econômica, apesar de certo dinamismo, apresentava crescimento global praticamente nulo. Havia fontes abundantes e baratas de energia e alimentos; vivia-se um período de paz e prosperidade. Seria este o Fim da História que alguns pensadores descreveram no passado? Como não havia mais alternativas para a economia mundial crescer na Terra, os olhos dos homens se voltaram para o espaço.

Novos planetas, onde existiam condições para o desenvolvimento de vida, foram descobertos. Sondas não tripuladas e naves espaciais foram enviadas para procurar formas de vida e recursos minerais nestes planetas, além de analisar a viabilidade da instalação de colônias de seres humanos.

Foram criados grupos de investidores públicos e privados para explorar os planetas mais promissores. Por coincidência ou não, os planetas mais interessantes possuíam ecossistemas mais desenvolvidos, mas não apresentavam formas de vidas tão evoluídas quanto o ser humano. Após grandes investimentos e muitos anos de planejamento, foram construídas as primeiras bases fora do Sistema Solar. A nova “Era das Grandes Navegações” iniciava-se pelo cosmos, em vez dos mares da Terra do século XV.

As Grandes Navegações do Século XV

As Grandes Navegações do Século XV

Em um desses planetas, “Perennial”, foi encontrada uma planta cujas sementes possuem propriedades milagrosas – seu consumo interrompia o envelhecimento celular. A planta foi chamada de “Fonte da Juventude”. Muitas tentativas foram feitas para isolar a substância responsável por esse efeito, mas não houve sucesso. Também se tentou multiplicar as sementes e fazer grandes plantações na Terra e na própria Perennial, mas a produtividade foi baixa e não foi observado o efeito rejuvenescedor das sementes da planta selvagem. Restava apenas uma alternativa: coletar as sementes do ambiente natural, mas havia um grande problema. Os bilhões de habitantes da Terra e os milhões de humanos que viviam em outros planetas desejavam consumir a semente e viver por toda a eternidade. Após muito debate na sede das Nações Unidas em Nova York, foi definida a quantidade anual de sementes a ser coletada para evitar a extinção da fonte da juventude. Uma espécie de loteria foi criada para determinar quem seriam os felizardos a receber pequenas quantidades de sementes.

Quando se iniciou a coleta de sementes, surgiram as primeiras dificuldades. O ambiente não era amistoso aos humanos. Havia animais selvagens, plantas venenosas, novas doenças transmitidas por animais parecidos com os insetos terráqueos.

Como não havia como mecanizar essa atividade, alguém teve a ideia de usar uma espécie muito dócil de Arboreal, o planeta das árvores gigantes. Os kwasha-kwashas, ou simplesmente kwashas, pareciam com lêmures, mas eram mais altos. Um macho adulto, por exemplo, media 1,40 metros.

Lêmure

Lêmure

Um grupo de kwashas foi levado para Perennial com o objetivo de analisar a viabilidade de utilizá-los na coleta das sementes da fonte da juventude. Os resultados foram excelentes e se decidiu transferir um quarto da população dos simpáticos lêmures gigantes de Arboreal para Perennial.

No trajeto entre os dois planetas, muitos kwashas entraram em profunda depressão; um em cada dez morreu. Ao chegarem a Perennial, não encontraram boas condições de alojamento, e as florestas eram diferentes das de seu planeta natal. Também não havia alimento na quantidade e qualidade necessárias.

A adaptação foi difícil, mas, após alguns meses, os kwashas começaram a acostumar-se ao novo ambiente. A coleta das sementes era uma atividade árdua e perigosa, pois as plantas cresciam em áreas de difícil acesso. Os kwashas, contudo, demonstraram grande habilidade e eficiência na tarefa, superando as expectativas iniciais. Com o tempo, a demanda pelas sementes aumentou significativamente, e a pressão sobre os kwashas intensificou-se.

Não havia tempo a perder, o envio de sementes da fonte da juventude estava muito atrasado e apenas uma remessa fora despachada à Terra. Desta vez, não houve o mesmo cuidado que se teve com o primeiro grupo de kwashas. A situação estava prestes a atingir um ponto crítico que mudaria para sempre a relação entre humanos e kwashas. Eles foram expostos a longas jornadas de trabalho, com pouca água e comida. Quando os responsáveis por supervisionar o trabalho perceberam que os kwashas estavam comendo a fonte da juventude, espancaram e castigaram brutalmente os animais. Alguns não resistiram ao cansaço, aos ferimentos e morreram. Seus corpos ficaram atirados no meio da floresta.

A produção da fonte da juventude aumentou exponencialmente, atingindo finalmente a meta. Os kwashas não aguentavam mais os maus tratos e tentavam fugir. Para evitar perda expressiva de mão de obra, tornozeleiras com localizadores e máquinas de choque foram colocadas em todos kwashas. Algumas pessoas da Terra, de Arboreal e de Perennial se revoltaram com aquela forma antiética de tratamento a seres sencientes, mas eram chamados de loucos, idiotas ou românticos. A maioria das pessoas falava:

– O que é mais importante, a vida de uma pessoa ou de um kwasha? Você deixaria sua mãe morrer para salvar um kwasha?

A própria Igreja definiu que os kwashas não eram humanos e que seriam os instrumentos que Deus nos presenteou para coletar a fonte da juventude. Só se deveria cuidar para não castigar excessivamente os animais a ponto de mutilá-los ou matá-los.

Os interesses econômicos prevaleceram. E a Escravidão, que estava banida na Terra, ressurgia com toda força em Perennial.

Escravo sendo castigado (Debret)

Escravo sendo castigado (Debret)

CONTINUA…

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Há dois Mil Anos Atrás – O Genial Heron de Alexandria

Muitas vezes fazemos conjecturas sobre como as coisas teriam evoluído, se tivéssemos optado por um caminho diferente do escolhido. Os pensamentos ou diálogos sempre começam da mesma forma:

– Se isto tivesse acontecido, tudo seria diferente…

Normalmente alguém responde:

– Pois é, mas “se” não existe!

Isto ocorre nas mais diversas esferas – pessoal, profissional ou, até mesmo, na história da humanidade. Todo este preâmbulo serviu apenas para introduzir o assunto do artigo de hoje, falarei sobre um dos meus ídolos, o grande engenheiro da antiguidade Heron de Alexandria.

Heron de Alexandria

Heron de Alexandria

Heron foi um grande matemático, engenheiro e inventor da antiguidade. Viveu em Alexandria no século I e, hoje, sua produção é conhecida através dos vários livros que escreveu.

Em geometria, por exemplo, fez vários cálculos de superfície e volume de figuras tridimensionais como esferas, pirâmides, cubos e outras. Desenvolveu a fórmula, que leva seu nome, na qual se obtém a área de qualquer triângulo a partir apenas das medidas dos seus lados.

Apesar da sua obra nas áreas de matemática e geometria ser consistente, sinto-me muito mais atraído por seus inventos. Heron projetou o primeiro dispositivo acionado por um moinho de vento, um órgão musical.

Heron's_Windwheel

Órgão musical acionado por um moinho de vento

Em outro livro, Heron descreve o uso da dioptra (a avô do teodolito) e do odômetro para medição da área de terrenos, sendo um dos pioneiros em Topografia. Também inventou seringas, bombas para combater incêndios e robôs mecânicos. Dentre suas criações mais curiosas, destaco a primeira máquina de venda automática com moedas. No modelo de Heron, o usuário colocava uma moeda na fenda superior que acionava uma alavanca que liberava uma quantidade de Coca-Cola, ou melhor, água benta. Esta era uma forma dos templos conseguirem oferendas…

Máquina para venda de água

Máquina para venda de água

Mas a mais impressionante de todas as suas invenções foi a eolípila, uma máquina a vapor. Como você pode ver na figura abaixo, a água adicionada à caldeira era aquecida com fogo. O vapor formado na caldeira alimentava a esfera através de um tubo que também servia de eixo. O vapor saia da esfera através de dois tubos curvos localizados em lados diametralmente opostos, gerando movimento. Heron inventou a máquina a vapor mil e setecentos anos antes da Revolução Industrial do século XVIII.

Eolípila - máquina a vapor de Heron

Eolípila – máquina a vapor de Heron

Uma história, provavelmente uma lenda, diz que Heron mostrou com empolgação sua invenção ao rei que reagiu dizendo:

– O que vamos fazer com os nossos escravos?

Agora retorno a minha indagação inicial. Como seria o mundo se a eolípila fosse usada como ponto de partida para o desenvolvimento de uma revolução industrial na antiguidade? Acho difícil prever, talvez estivéssemos em um nível de desenvolvimento muito superior ao atual ou talvez os humanos já estivessem extintos devido a guerras. Quem pode prever? O “se” não existe…

Segundo estimativas, a população na época de Heron, século I, era apenas 250 milhões, enquanto que na época da Revolução Industrial já caminhava para o primeiro bilhão. Isto aumenta a necessidade da criação de formas mais eficientes de produção de bens e de transporte, favorecendo o desenvolvimento e uso da máquina a vapor no século XVIII.

O documentário abaixo mostra um pouco da história de Heron de Alexandria e suas invenções. Você verá que Heron não abandonou a eolípia e empregou seus princípios para automatizar a abertura e fechamento de portas em templos de Alexandria. As pessoas acreditavam que as portas abriam através da magia dos deuses, mas as verdadeiras responsáveis eram a ciência e a engenharia de Heron.

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Jornalismo Profundo como um Pires

Qual é a função do jornalista no mundo de hoje? No passado, era muito mais difícil conseguir informações, o jornalista era a pessoa que disponibilizava notícias para a população em geral. Hoje, com a Internet cada vez mais onipresente, o tamanho do mundo encolheu. O massacre em um shopping center no Quênia é imediatamente divulgado em todos os cantos do planeta.

A divulgação de imagens também deixou de ser exclusividade de agências jornalísticas, qualquer pessoa com um celular com câmera pode filmar uma ocorrência de grande importância ou tirar uma foto digna de um Prêmio Esso ou Pulitzer. Na sequência, pode divulgar no Youtube ou através de outras redes sociais como o Twitter ou Facebook.

Ou seja, o jornalismo descritivo na era da abundância de imagens e informações perdeu terreno e importância. Os telejornais tentaram se reinventar, passaram a ter dois âncoras, normalmente uma mulher e um homem. Começaram a empregar linguagem mais informal. Os apresentadores algumas vezes trocam sorrisinhos e dizem gracinhas. Totalmente dispensável! Passaram também a ter maior participação popular, mas novamente se perderam na obviedade. O que acrescenta perguntar para uma pessoa na rua sua opinião sobre a inflação, a corrupção ou a violência? Tempo precioso perdido!

Vamos analisar dois casos recentes – a greve dos professores municipais no Rio de Janeiro e a libertação dos animais do Instituto Royal em São Paulo.

Os professores do Rio de janeiro ficaram em greve por aproximadamente 80 dias. Os meios de comunicação centraram suas matérias em dois aspectos – o prejuízo dos alunos e o vandalismo dos “black blocs”. Algumas imagens rolaram pela Internet, como a fotografia abaixo, mostrando uma grande manifestação popular no dia 7 de outubro em apoio aos professores. O governo municipal aprovou a toque de caixa um novo plano de carreira que foi rechaçado pelas lideranças da categoria. Não vi nenhum comparativo, mostrando as diferenças entre as propostas dos dois lados. Também não vi um raio X do ensino da cidade do Rio de Janeiro e um comparativo com outras capitais no Brasil e no exterior. Ou seja, ao invés de mostrar e analisar o essencial, a imprensa, de modo geral, preferiu mostrar o acessório – o vandalismo dos “black blocs”.

Manifestação em apoio aos professores cariocas em 07-10-2013.

Manifestação em apoio aos professores cariocas em 07-10-2013.

O caso da libertação de 178 cães da raça beagle do Instituto Royal segue o mesmo roteiro. Foi apresentado um grande número de vídeos com pessoas retirando os animais do local. Todos estavam sem máscaras, sem receio de serem identificados, não parecia uma ação planejada.

A grande discussão nos noticiários foi se a atuação do Instituto Royal era legal. A esta questão eu respondo que sim! A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA, exige que novos remédios e ingredientes para produtos de limpeza ou alimentícios sejam testados em animais. Ou seja, as empresas têm duas opções – ou fazem os testes em animais ou não lançam os produtos. Muitos destes remédios e ingredientes já foram testados e aprovados nos seus países de origem, por exemplo, Estados Unidos ou Europa, mas a ANVISA não aceita estes resultados e exige novos testes no Brasil. Por quê? Seria um bom início a ANVISA analisar os resultados dos testes realizados o exterior, evitando-se o sacrifício inútil de milhares de vidas.

Outro ponto é o sofrimento dos animais. As declarações dos representantes do Instituto Royal afirmando que os animais não sofrem são surrealistas. São aplicados produtos químicos na pele dos animais, eles são obrigados a comer produtos de limpeza, mas não sentem dor. No caso de rações para cachorro até vivissecção é realizada para ver o efeito no sistema digestivo do animal, mas “todos os procedimentos são realizados sem sofrimento”. No final todos os animais são sacrificados e dissecados.

Cão da raça beagle resgatado no Instituto Royal.

Cão da raça beagle resgatado no Instituto Royal.

Se atualmente não existem outras formas com eficácia comprovada para substituir os testes com animais, deveria ser criado um plano para a substituição para testes in vitro com células humanas. Por exemplo, em 2018 estariam proibidos testes de produtos de limpeza e alimentícios em animais; em 2025, remédios.

Os testes com animais ficaram parcialmente desacreditados após dois casos célebres:

– os testes em animais para verificar a ligação entre tabagismo e câncer;
– a má formação de fetos devido ao consumo de talidomida durante a gravidez.

Inúmeros testes foram realizados com animais para provar a ligação entre tabagismo e câncer. Em um destes testes, camundongos ficavam numa câmara, inalando fumaça de cigarro. Centenas passaram a vida nestas condições, mas não houve aumento nos índices de câncer de pulmão. Os resultados destes testes serviram de álibi para a indústria do fumo por anos. Em 1993, o The New York Times publicou o depoimento de William Campbell, na época presidente da Philip Morris, em um processo de indenização de comissários de bordo que tiveram problemas de saúde devido à inalação de fumaça de cigarro durante voos (naquele tempo era permitido fumar a bordo dos aviões).

– O tabagismo causa câncer?
– Que eu saiba, não está provado que o cigarro provoca câncer.

– No que você se baseia?
– Me baseio no fato de que, tradicionalmente , você sabe, existem em termos científicos dificuldades relacionadas com a determinação das causas e, até este momento, não há nenhuma evidência de que os cientistas tenham conseguido produzir câncer em animais a partir de fumaça de cigarro.

Se você quiser ler a íntegra deste depoimento, basta clicar no link abaixo.

http://www.nytimes.com/1993/12/06/business/on-cigarettes-health-and-lawyers.html

O problema é que o organismo da maioria dos mamíferos, incluindo camundongos e cães, sintetiza sua própria vitamina C, um poderoso antioxidante. Nós humanos somos incapazes de fazer isto e necessitamos de fontes externas. Deste modo, os camundongos tinham uma proteção natural nos seus pulmões, o que tornava os testes inúteis para simularmos o efeito da fumaça dos cigarros nos humanos. A ligação entre câncer e tabagismo foi provada através de estatística, porque a incidência de câncer no pulmão era significativamente maior nos fumantes. A indústria do cigarro fez um acordo bilionário para indenizar as vítimas do tabagismo nos Estados Unidos.

Sessão do senado americano em 1994, onde os presidentes das 7 maiores empresas de tabaco dos EUA afirmaram sob juramento que nicotina não vicia. William Campbell está na direita da foto.

Sessão do senado americano em 1994, onde os presidentes das 7 maiores empresas de tabaco dos EUA afirmaram sob juramento que nicotina não vicia. William Campbell está na direita da foto.

No caso da talidomida, no final dos anos 50 e durante os anos 60, cerca de dez mil bebês, segundo a BBC, nasceram com má-formação após suas mães consumirem este medicamento para combater enjoos durante a gravidez. A característica mais lembrada destas crianças é a focomelia, encurtamento e deformação dos membros superiores e inferiores, como pode ser visto na foto abaixo da artista inglesa Alison Lapper.

Artista inglesa Alison Lapper pintando.

Artista inglesa Alison Lapper pintando.

Foram realizados testes com animais, mas inicialmente não foram usadas fêmeas grávidas. Com o surgimento de casos teratogênicos em humanos, reiniciaram-se os testes com animais, mas em várias espécies a má-formação do feto só aparecia em dosagens significativamente maiores (centenas a milhares de vezes) do que a dose diária ingerida por um humano.

Se você acredita que está seguro com os testes em animais, engana-se, porque muitos medicamentos que causam, por exemplo, má-formação de fetos humanos não geram efeitos em algumas espécies e nenhum animal de teste tem resultados completamente alinhados aos humanos. A prova são as advertências às gestantes que estão impressas nas bulas dos remédios.

Ao invés de mostrar insistentemente “black blocs”, queimando carros de polícia nas proximidades do Instituto Royal na cidade paulista de São Roque, a imprensa poderia estimular a discussão da validade dos testes em animais.

O jornalismo hoje deveria ser mais analítico, mostrar os diversos lados da notícia, ser plural, ao mesmo tempo não deveria ser maniqueísta. Por exemplo, ao invés de simplesmente mostrar a ação dos “black blocs”, os meios de comunicação poderiam traçar perfis sociais e psicológicos dos seus integrantes. Poderiam mostrar as raízes históricas e ideológicas do movimento no mundo. Tenho certeza que haveria discussões mais ricas e toda sociedade sairia ganhando.

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