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Resolver Caminhando

Meu filho Leonardo nos visitou na segunda quinzena de julho e voltou para o Rio Grande do Sul no primeiro domingo de agosto. Não tivemos muito tempo juntos nestas duas semanas, porque eu não consegui uma folga no trabalho e ainda fiz uma viagem não programada.

No último sábado juntos, recebemos em nossa casa a visita um casal de amigos. A noite foi muito agradável, jantamos, bebemos vinho, conversamos e nos lembramos de várias histórias (as velhas histórias de sempre). Por volta da meia-noite, eles se despediram e retornaram para São Paulo.

O Léo apareceu na sala com um moletom em cada mão e deu a ordem:

– Escolhe um, veste e vamos caminhar.

Vestimos os moletons e fomos caminhar na pista em torno do lago e da área de lazer do condomínio. A noite estava fria e conversamos sem parar sobre os mais variados assuntos por uma hora, enquanto caminhávamos. Pedi então para terminarmos nossa conversa no aconchego da sala da casa. Afinal eu já estava congelando…

Caminhamos de volta para casa, e conversamos até as 3 horas da madrugada. Excelente bate-papo!

Como coincidências não existem, na viagem que eu fiz na semana anterior li uma revista Newsweek, onde havia uma seção chamada “Newswalks”, na qual a revista convida pensadores para dar caminhadas por locais escolhidos pelos próprios convidados, enquanto refletem sobre suas vidas, inspirações e ambições. A introdução desta seção está apresentada abaixo:

Em seus “Walking Essays” de 1912, um jovem e brilhante escritor inglês, A. H. Sidgwick, propôs que a caminhada “estabelece uma base de respeito mútuo mais rapidamente e com mais segurança” do que qualquer outra atividade. O ambiente de uma caminhada foi o mais acertado: “familiar suficiente para criar uma sensação de facilidade, e ainda estranho o suficiente para jogar os caminhantes de volta sobre si mesmos com o instinto de solidariedade humana”.

Quando Leigh Fermor Paddy e Bruce Chatwin cruzaram, conversando através da paisagem do Peloponeso, eles estavam encenando solvitur ambulando de Diógenes – resolver caminhando.

Achei a ideia ótima. Muitos filósofos e escritores defenderam a caminhada como fonte de inspiração para seus pensamentos, como Nietzsche e Rousseau. As caminhadas do poeta gaúcho Mário Quintana pela Rua da Praia em Porto Alegre devem ter inspirado inúmeros poemas. Talvez “O Mapa”, que reproduzo abaixo, seja fruto dessas caminhadas inspiradas.

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…

(E nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei…)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso…

Poeta Mário Quintana caminhando na Rua da Praia em Porto Alegre.

Poeta Mário Quintana caminhando na Rua da Praia em Porto Alegre.

Concordo que qualquer conversa flui melhor durante uma caminhada tranquila, sem pressa. Também percebo que, quando caminho solitariamente, as ideias começam a brotar de forma diferente do que entre quatro paredes, sob pressão. Mas por que as pessoas não aproveitam mais um ato tão simples como caminhar para solucionar seus problemas (a tradução literal do solvitur ambulando)?

A principal dificuldade para aproveitar o ato de caminhar é a necessidade de se desplugar de todos os estímulos que recebemos – ligações telefônicas, mensagens do WhatsApp ou de e-mail, atualizações do Facebook ou Twitter, navegação em sites da Internet… Tudo isto ocupa a cabeça de uma forma que fica impossível manter uma comunicação empática com seu colega de caminhada ou pensar na própria vida, se estiver solitário.

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O Papa é Pop – O Carisma e a Mensagem

No dia 22 de julho, o Papa Francisco chegou ao Rio de Janeiro para participar, entre outros eventos, da Jornada Mundial da Juventude. Impressionou a agenda dura que o papa cumpriu em apenas uma semana. Pareceu exagerada para um senhor de 76 anos. Bastava ligar a televisão na semana passada e lá estava ele, esbanjando simplicidade e simpatia.

Papa Francisco

Papa Francisco

O atual papa possui um carisma invejável, é quase impossível não simpatizar com ele, a forma como sorri, o carinho com as crianças e a paciência com as brincadeiras e presentes de gosto duvidoso. Por outro lado, tenho receio quando as pessoas são julgadas somente por suas imagens. Por exemplo, o governo Médici foi o mais duro do período de ditadura militar no Brasil, mas para as pessoas comuns Geisel foi pior. Este julgamento é baseado nos sorrisos do Médici e na “carranca” do Geisel, não importa que a tortura corresse solta no período Médici e que, no período Geisel, as denúncias a respeito da morte, tortura e desaparecimento de presos políticos reduziram muito.

General Emílio Garrastazu Médici com Pelé

General Emílio Garrastazu Médici com Pelé

   

General Ernesto Geisel e sua tradicional "carranca"

General Ernesto Geisel e sua tradicional “carranca”

Como o tempo do Papa Francisco para fazer alguma coisa prática ainda é curto desde sua posse, procurei ouvir suas mensagens. Minha percepção é que, ao falar para os jovens, ele buscou tocar o coração de cada um. A ideia é que para mudar a Igreja e o mundo, comece por você. Mário Quintana disse certa vez esta frase simples e verdadeira:

Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.

o poeta Mário Quintana

o poeta Mário Quintana

Ou seja, o Papa Francisco, através de suas mensagens, quer inicialmente mudar as pessoas. Assim ele incentivou a juventude a largar o egoísmo e comodismo e se tornar agente da mudança na Igreja e no mundo. Isto fica claro nesta mensagem:

Sigo as notícias do mundo e vejo que tantos jovens de muitas partes do mundo têm saído pelas ruas para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna. Os jovens nas ruas são jovens que querem ser protagonistas da mudança. Por favor, não deixem que outros sejam protagonistas da mudança, vocês jovens são os que têm o futuro. Através de vocês o futuro chega ao mundo…

Vi na noite de domingo uma entrevista do papa ao programa Fantástico da Rede Globo. Fora a parte “festiva” da entrevista com questões sobre clima, rivalidade Brasil-Argentina, segurança pessoal, gostei especialmente da análise do papa sobre o momento atual da economia. Ele citou que a globalização com o “protagonismo do dinheiro, economicista, sem qualquer controle ético”, acaba por marginalizar expressivas parcelas da população, como os mais velhos e os mais novos nos mais variados locais do planeta. Ele exemplificou que oscilações nas bolsas de valores são mais importantes do que pessoas sem comida ou educação:

Hoje em dia há crianças que não têm o que comer no mundo. Crianças que morrem de fome, de desnutrição. Há doentes que não têm acesso a tratamento. Há homens e mulheres que são mendigos de rua e morrem de frio no inverno. Há crianças que não têm educação. Nada disso é notícia. Mas quando as bolsas de algumas capitais caem três ou quatro pontos, isso é tratado como uma grande catástrofe mundial. Esse é o drama do humanismo desumano que estamos vivendo. Por isso, é preciso recuperar crianças e jovens, e não cair numa globalização da indiferença.

O papa ainda incentivou os jovens a expressarem seus descontentamentos e as pessoas a ajudarem os mais necessitados, se doando. Entendo que esta ajuda não deveria ser apenas monetária, por exemplo, uma esmola, um dízimo ou uma contribuição em dinheiro para uma entidade assistencial. A definição de Gibran Khalil Gibran, no seu livro “O Profeta” sobre a doação deveria ser seguida por todos:

Vós pouco dais quando doais de vossas posses. É quando doais de vós próprios que realmente dais.

Gibran Khalil Gibran

Gibran Khalil Gibran

Assim, quando usamos nosso tempo, nossa energia, nossa sabedoria ou nossos conhecimentos para ajudar os mais necessitados, estaremos realmente nos doando. Esta não é uma missão fácil, a inércia a que nossas vidas estão submetidas só pode ser quebrada com muito esforço, senão o comodismo vai nos levar a assistir passivamente o que está ao nosso redor.

Acredito que foi um bom início do pontificado de Francisco, mas é melhor aguardar seus próximos passos. João Paulo II também era popular e carismático, mas seu conservadorismo dogmático foi um dos motivos do afastamento da Igreja Católica das reais necessidades do povo.

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