Deus, Sempre Ele

Nestes últimos dias, Claudia e eu nos divertimos no cinema na quinta-feira e no teatro no sábado. No cinema, assistimos ao polêmico filme Noé do diretor Darren Aronofsky (seu trabalho anterior foi o intenso “Cisne Negro”). No sábado, foi a vez da peça “Meu Deus” da israelense Anat Gov com Dan Stulbach, no papel de Deus, e Irene Ravache como sua psicoterapeuta.

Começarei com um comentário sobre as polêmicas do filme. Não podemos esquecer que Noé, além de ser patriarca bíblico, é um dos profetas do islamismo. Assim as maiores críticas dos religiosos judaicos, cristãos e mulçumanos basearam-se nas inconsistências do filme em relação ao Gênesis e ao Al Corão. Aronofsky alega que, com as informações contidas sobre Noé e o dilúvio, seria impossível fazer um filme com duas horas de duração. Afinal todo o caso é tratado em apenas quatro capítulos curtos do Gênesis. A questão maior não se refere ao “recheio” de detalhes para preencher as lacunas, mas a algumas alterações em relação ao original. O diretor e roteirista, Aronofsky, deu um enfoque ecológico para a história, onde Deus teria decidido extinguir a espécie humana. Deste modo, nenhuma mulher fértil deveria entrar na arca para salvar-se do Dilúvio. A gravidez da esposa, supostamente estéril, de Sem, seu filho mais velho, gera um enorme dilema para Noé no filme. Os outros dois filhos, Cam e Jafé, na história original, entraram na arca com suas esposas, enquanto que no filme estavam sozinhos. A tensão entre Cam e Noé, por exemplo, é explicada no filme pela inexistência de uma esposa para Cam. Poderia comentar outros pontos, como a morte do pai de Noé, Lameque, a participação de Tubalcaim, um dos descendentes da sétima geração de Caim, mas não me estenderei, porque vale a pena ir ao cinema para assistir ao filme. Gosto de filmes que sejam persistentes na minha cabeça.

Noe - filme

Na peça “Meu Deus”, um Deus amargurado e deprimido procura a ajuda de uma psicoterapeuta para achar a explicação para sua perda de poderes e para sua vontade de acabar com a própria vida. Temos que entender que o Deus da peça é o Deus do Velho Testamento, muito mais temido do que amado. No final, chega-se a conclusão que Deus ficou deprimido após tudo o que fez com Jó, um dos seus servos mais fiéis.

meu-deus-teatro

Farei a análise de algumas passagens da Bíblia, onde Deus tem algumas atitudes no mínimo interessantes. Após criar e colocar Adão e Eva no Jardim do Éden, Deus resolveu tentá-los através da árvore do conhecimento do bem e do mal, a única que não poderia ter seus frutos comidos. Todos sabem o final desta história; a serpente tenta Eva; Eva convence Adão; os dois experimentam o fruto proibido; Deus descobre, amaldiçoa a serpente, Adão e Eva e os expulsa do Paraíso. Por que colocar esta árvore bem no meio do Jardim do Éden? Parece uma mera provocação da curiosidade de dois jovens imaturos que cometeram apenas um erro e não foram perdoados.

O caso dos filhos mais velhos de Adão e Eva, Caim e Abel, nos mostra mais um teste de Deus. Abel era pastor e Caim agricultor. Abel ofertou um cordeiro ao Senhor; e Caim, frutos do seu trabalho na terra. Deus aceita apenas a oferenda de Abel, o que causa enorme irritação de Caim. Deus fala a Caim que ele tem que aprender a controlar sua ira. Não adianta, logo após Caim golpeia a cabeça do irmão com uma pedra e o mata. Deus descobre o assassinato, amaldiçoa Caim e o expulsa para uma terra no leste do Éden. Incrivelmente Ele protege Caim e diz que quem matá-lo sofrerá sete vezes a vingança. Caim constrói uma cidade, Enoque, tem vários descendentes, como os que moram em tendas e criam rebanhos, os que tocam harpa e flauta, e os que fabricavam todos os tipos de ferramentas de bronze e ferro. Por que Deus primeiro provoca a ira de Caim e depois de Caim matar o próprio irmão o protege? Será que Deus se sentiu culpado ou tinha alguma identificação com a ira de Caim?

“O Assassinato de Abel” de Tintoretto

“O Assassinato de Abel” de Tintoretto

Mais tarde arrependido da Criação, Deus resolve exterminar a humanidade através do dilúvio. Salva-se apenas a família de Noé, descendente de Set, filho mais novo de Adão e Eva. Todos os demais são mortos – homens, mulheres, crianças e animais que não entraram na arca. No final Deus diz a si mesmo:

– “Nunca mais amaldiçoarei a terra por causa do homem, porque seu coração é inteiramente inclinado para o mal desde a infância. E nunca mais destruirei todos os seres vivos como fiz desta vez”.

“A Construção da Arca” de Francesco Bassano

“A Construção da Arca” de Francesco Bassano

Interessante é que o homem foi criado por Deus “a sua imagem e semelhança”.

Mais adiante no Gênesis, tem uma das provações mais cruéis de toda a Bíblia. Deus pede para que Abraão ofereça a Ele, em sacrifício, Isaac, seu único filho com Sara. Abraão vai com o filho para um monte, prepara o altar para o sacrifício, amarra o filho, saca a faca e, no instante em que consumaria o ato, um anjo do Senhor aparece e o impede:

– “Não toque no rapaz. Não faça nada. Agora sei que você teme a Deus, porque não me negou seu filho, seu único filho”.

Por que fazer um teste de lealdade deste tipo? Forçar alguém a preparar a morte do próprio filho… Como se não pudesse amar simultaneamente o seu filho e a Deus? Como se Deus sempre exigisse estar acima de tudo?

“O Sacrifício de Isaac” de Caravaggio

“O Sacrifício de Isaac” de Caravaggio

Não vou falar da destruição de Sodoma e Gomorra ou dos conflitos entre irmãos como Ismael e Isaac ou Esaú e Jacó. Vou falar um pouco sobre Jó.

Jó era justo, temente a Deus, seu servo mais leal. Ele tinha dez filhos, possuía muitas posses – terras, servos e animais. Um dia Deus se encontra com Satanás e comenta sobre a lealdade de Jó. O Satanás comenta que é fácil ser fiel quando se é protegido por Deus com casa, família, propriedades. Para provar a fidelidade de Jó, Deus permite que Satanás lhe tire de uma só vez todos os bens, seus animais são mortos ou roubados, a maioria dos seus servos é assassinada e os dez filhos morrem no desabamento da casa do irmão mais velho atingida por um furacão. Ao saber de todas estas notícias, Jó desespera-se, rasga suas roupas, raspa a cabeça, cai por terra e, em adoração, diz:

– “Nu, saí do ventre de minha mãe e nu, voltarei para lá. O Senhor deu, o Senhor tirou; como foi do agrado do Senhor, assim aconteceu. Seja bendito o nome do Senhor!”

Deus reencontra-se com Satanás e mostra como, apesar de tudo, Jó manteve-se fiel a Ele. O Satanás diz que o que fizera até aquele momento era pouco. Se Jó fosse atingido na sua saúde, não permaneceria fiel a Deus. Deus pede apenas que a vida de Jó fosse poupada. O corpo do pobre homem fica coberto por feridas purulentas. Depois três amigos aparecem e ficam acusando Jó de ter feito algo errado para merecer isto. Jó somente quer que Deus lhe diga o que fez de errado para merecer tudo aquilo. No final, Deus enfim aparece e faz um discurso em mostra toda a grandeza de sua obra. Jó, no final daquele debate desigual, ainda desculpa-se. Deus restabelece seus bens e Jó tem mais dez filhos.

“A Paciência de Jó” de Gerard Seghers

“A Paciência de Jó” de Gerard Seghers

Na peça “Meu Deus”, o Satanás que tenta Deus é apresentado pela psicanalista Ana como o lado ruim do próprio Deus. Na verdade, o Senhor faz mais um teste, desta vez com seu servo mais fiel, fazendo-o sofrer terrivelmente. Jó aceita todas as perdas e, quando sofre uma terrível doença, apenas quer saber o motivo de tanto sofrimento. Onde Jó havia errado?

O Deus do Velho Testamento nos passa a impressão de ser um jovem brilhante, mas orgulhoso de sua capacidade. Quando se sente contrariado, age de forma impulsiva e pune impiedosamente os faltosos. Não consegue perceber que a pessoa que cometeu o erro pode estar num estágio inferior ao Seu. Pune ao invés de educar. Não perdoa! Criou, como um cientista em um laboratório, muitas formas de vida e, simplesmente, as extermina se agiram de forma diversa das suas expectativas. Fez vários testes para provar que ninguém era mais temido do que Ele, basta lembrar-se dos casos de Adão, Caim, Abraão ou Jó. Afinal parecia melhor ser temido do que amado…

Lembra o Zeus grego, distribuindo sua ira santa. Apenas moralmente mais correto que seu “par” grego, pois não engana ou comete adultérios, por exemplo. Deus exige e cobra os acordos firmados, sem perdão.

Após uns 4 mil anos, considerando os períodos de tempo do Gênesis, Deus se mostra muito mais reservado e manda para a Terra, Jesus Cristo que prega o amor entre todos. Agora Deus é amor. Devemos amar Deus, não temê-lo. Deus perdoa a quem se arrepende, um novo paradigma…

“A Criação de Adão” de Michelangelo

“A Criação de Adão” de Michelangelo

A frase mais impactante da peça foi feita por Ana, após Deus revelar que queria se matar, ela conclui que seria impossível Ele fazer isto, porque Deus vive na cabeça das pessoas e, para Ele deixar de existir, teria que matar todas as pessoas. Enquanto houver uma pessoa viva, Deus permaneceria vivo…

Veja o filme, assista à peça, pense bem e decida qual Deus você quer que viva dentro de sua cabeça! Mas lembre-se de que talvez não sejamos tão importantes quanto imaginamos ou desejamos. Assista ao inesquecível final do “MIB – Homens de Preto 1”.

 

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De Volta para o Meu Lugar

Neste final de semana, voltei a Porto Alegre para acompanhar as festividades de reinauguração do Gigante da Beira-Rio. Após mais de um ano fechado, o estádio do Internacional foi reaberto com uma linda e emocionante festa.

Nunca me apeguei a lugares, já comprei e vendi alguns apartamentos e terrenos. As boas recordações sempre eram carregadas por mim e o resto ficava para trás. Na minha infância, minha família mudou várias vezes de cidade devido ao trabalho do meu pai. No máximo a cada dois anos, tudo se repetia. Eu não criava raízes e me acostumei a ser “meio-cigano”. Eu me apegava à minha família, principalmente meus pais, depois à minha irmã. Os lugares eram descartáveis…

Revendo toda emoção que senti neste final de semana, em especial na noite de sábado, concluí que o meu lugar é o Beira-Rio. Como se ao entrar nele, depois de alguns anos de “exílio voluntário” em São Paulo, tudo voltasse a minha mente, um verdadeiro turbilhão de emoções.

Meu filho Leonardo e eu na frente do Beira no dia da festa de reinauguração.

Meu filho Leonardo e eu na frente do Beira no dia da festa de reinauguração.

Pude rever ídolos colorados de diferentes gerações e reviver os momentos dos anos 70 que passei ao lado do meu pai e meu tio nas conquistas dos campeonatos brasileiros. Os jogos dos anos 80 nos quais quase conquistamos títulos importantes. O sofrimento quase instransponível dos anos 90. E a redenção dos anos 2000, quando conquistamos os títulos mais importantes da história do clube, sempre ao lado do meu irmão e do meu filho. No momento da festa em que é mostrada a conquista do Mundial em 2006, na apresentação do gol do Gabiru, eu e meu filho nos abraçamos e choramos. Nossas lágrimas eram da mais pura alegria por estarmos vivendo aquele momento maravilhoso juntos naquele lugar especial.

Festa colorada em 05-04-2014.

Festa colorada em 05-04-2014.

Como brinde ainda pude cantar a plenos pulmões “Camila” com o Nenhum de Nós e “Deu Pra Ti” com Kleiton & Kledir. O encerramento da festa ficou por conta do músico e DJ britânico Fatboy Slim. Não gosto muito deste tipo de música, mas assisti a apresentação com atenção. Os telões, durante a segunda música, mostravam frases do comediante e músico americano Bill Hicks falecido em 1994 aos 32 anos de idade. Em minha opinião, Hicks é muito mais um crítico social do que comediante. A frase repetida várias vezes no telão era:

– “Is this real or is this just a ride?”

Esta questão sobre a vida é filosoficamente complexa. Isto é real ou isto é apenas um passeio? Vale a pena assistir ao vídeo feito no final de um dos shows de Bill Hicks.

Se tudo é real ou se não passa de um passeio em um parque de diversões, eu não sei, mas em qualquer das duas hipóteses eu diria:

– O Gigante da Beira-Rio é meu lugar e ele está lindo!

Interior do Beira-Rio antes do jogo contra o Peñarol em 06-04-2014.

Interior do Beira-Rio antes do jogo contra o Peñarol em 06-04-2014.

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Nova Intervenção Militar no Brasil – 1º de Abril

Hoje se completa 50 anos do golpe que levou os militares brasileiros ao poder em 1º de abril de 1964. Nossos militares tentaram puxar a data para o dia 31 de março para evitar piadas a respeito…

Vejo cada vez mais pessoas nas redes sociais, pedindo uma nova intervenção militar devido aos níveis alarmantes de corrupção do atual governo. Muitas destas pessoas têm menos de 40 anos. Ou seja, quando o regime militar encerrou seu ciclo em 15 de março de 1985, tinham no máximo uns 10 anos. Não foram às ruas na campanha das “Diretas Já”. Não viveram a expectativa pela possibilidade de um novo golpe militar na madrugada da véspera da posse de Tancredo Neves, quando ele foi internado para uma cirurgia de emergência. Não viveram sob o regime da censura da produção cultural e dos meios de comunicação. Não tiveram aulas com um agente do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) infiltrado como “colega”, em alguma cadeira como, por exemplo, EPB (Estudo dos Problemas Brasileiros). Não acompanharam cassações de políticos por apenas fazerem discursos fortes contra o regime militar. Também não ouviram histórias sobre prisões arbitrárias, exílio, tortura e desaparecimento de pessoas.

Para aqueles que já esqueceram ou não sabem, selecionei algumas histórias. Vou começar pela censura. Hoje falamos que nunca houve tanta corrupção e desmando no Brasil, mas nos esquecemos de que atualmente temos abundância de fontes de informação. Através dos “portais da transparência”, é possível fiscalizar as despesas dos três poderes nos âmbitos municipal, estadual e federal. As principais estatais têm ações na Bolsa de Valores de São Paulo, o que obriga a comunicar os atos relevantes e publicar seus resultados trimestralmente. Existem revistas com as mais diversas tendências da direita à esquerda. Temos Internet com suas redes sociais e blogs com a divulgação das mais variadas opiniões e informações sobre tudo. Na época do regime militar, estávamos restritos a jornais impressos, rádios e poucas redes de televisão, onde apenas os amigos do regime conseguiam as concessões estatais para explorar as emissoras de rádio e TV.

Muitos jornais que se atreviam a divulgar alguma notícia que desagradava o regime eram censurados. No início para mostrar que a notícia foi censurada, deixavam enormes espaços em branco. Os militares não gostaram daquela afronta e exigiram que o espaço fosse ocupado. Alguns jornais resolveram ocupar estes espaços com receitas culinárias ou poesias. Segundo o jornal “O Estado de São Paulo”, entre agosto de 1973 e janeiro de 1975, versos de “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões, apareceram 655 vezes nas páginas do Estadão.

Versos de “Os Lusíadas” no Estadão

Versos de “Os Lusíadas” no Estadão

A censura também atingiu a cultura. Chico Buarque foi um dos mais censurados na época. Uma de suas músicas censuradas mais emblemáticas foi “Apesar de Você” que parece ser uma inocente música sobre um conflito entre dois namorados, mas, na verdade, era uma crítica ao governo Médici. Clara Nunes inocentemente gravou esta música e, para limpar a barra com os militares, teve que cantar até na abertura das Olimpíadas do Exército em 1971. Você pode ouvir a interpretação de Clara Nunes de “Apesar de Você” e “Fado Tropical”.

Outro cantor e compositor muito censurado foi o brega Odair José. Os censores não se limitavam apenas às questões políticas, mas também aos costumes. O governo iniciava uma campanha de controle da natalidade, não gostou do refrão da música “Uma Vida Só” que dizia “pare de tomar a pílula” e censurou a música.

Era preciso manter o país livre da ameaça causada por qualquer coisa que ameaçasse os valores das famílias. Esta atitude paternalista levava à censura de músicas, filmes, jornais e revistas.

O pior mesmo foram as torturas e mortes durante o período da ditadura militar. Vou comentar apenas dois dos vários casos conhecidos – Rubens Paiva e Vladimir Herzog.

Rubens Paiva foi um deputado federal cassado em 1964 logo após o golpe militar. Em 1971, foi preso em sua casa, torturado e assassinado nos porões do DOI-CODI no Rio de Janeiro. Há alguns dias, o coronel reformado Paulo Malhães admitiu que liderou uma operação na qual os restos do corpo de Rubens Paiva foram desenterrados na praia do Recreio dos Bandeirantes e lançados em alto-mar. Dias depois no depoimento na Comissão Nacional da Verdade (CNV), ele negou que havia participado desta missão, mas admitiu que participou de torturas na chamada “Casa da Morte”, localizada em Petrópolis na serra carioca.

Rubens Paiva com seu filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva

Rubens Paiva com seu filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva

O que falar então do caso do jornalista Vladimir Herzog que foi preso, torturado e morto no DOI-CODI em São Paulo? A foto de Herzog morto em uma simulação grotesca de suicídio se transformou no símbolo da luta pelo fim da ditadura militar no Brasil.

Vladimir Herzog morto no DOI-CODI

Vladimir Herzog morto no DOI-CODI

Os regimes totalitários, de qualquer matiz ideológica, podem até começar com boas intenções, mas, depois de um tempo, o mais importante é se manter no poder, não importam os meios. Já escrevi um artigo sobre um caso ocorrido em 1968, no qual o brigadeiro João Paulo Burnier criou um plano onde haveria uma onda de atentados e a culpa recairia sobre os comunistas. A ação heroica do militar Sérgio Macaco, que denunciou o esquema, evitou uma tragédia, onde centenas de pessoas morreriam.

Winston Churchill, em um pronunciamento em 1947 disse uma frase célebre:

– “A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.

Quase 70 anos depois que Churchill disse esta frase, a situação não mudou. A democracia é um sistema imperfeito, a jovem democracia brasileira pode possuir mais imperfeições ainda, mas não existe como melhorar a democracia fora do estado direito, sem liberdade de expressão. O povo tem muito mais força do que imagina e todas as vezes que a usa faz valer sua vontade. O resultado da votação do “Marco Civil da Internet” na Câmara Federal, na semana passada, foi a mais recente prova disto. Infelizmente o povo brasileiro não exerce seus direitos frequentemente.

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O Medo

Uma das sensações mais controversas que existe é o medo. Sem dúvida, a espécie humana só foi preservada até os dias de hoje devido a este sentimento. Provavelmente os humanos destemidos, que decidiram lutar sozinhos à unha com feras, morreram e não deixaram descendentes. Como diria Darwin, a seleção natural preservou uma característica útil para a sobrevivência da espécie – a habilidade de sentir medo.

Darwin

Charles Darwin

O medo nos dá limites! Sabemos que não se pode entrar no mar agitado, porque temos o risco de morrer afogados. Sabemos que não devemos ficar do outro lado dos arrecifes na Praia da Boa Viagem em Pernambuco, porque um tubarão pode nos atacar. Sabemos que não podemos atravessar uma rua antes de ver se ela esta livre, porque podemos ser atropelados. O medo nos ajuda a evitar acidentes, lesões e mortes.

Por outro lado, quando este medo é excessivo, podemos ficar paralisados, o que é terrível. Muitas vezes, não se consegue tomar uma decisão simplesmente pelo medo de errar. Theodore Roosevelt, presidente americano nos primeiros anos do século XX, disse uma frase interessante:

– Em um momento de decisão, a melhor coisa que você pode fazer é a coisa certa; a segunda melhor é a coisa errada e a pior coisa é não fazer nada.

Theodore Roosevelt

Theodore Roosevelt

Na universidade, lembro-me de uma professora da cadeira de Equações Diferenciais que era muito exigente e suas turmas sempre tinham um percentual alto de reprovações. Suas provas sempre tinham alguma frase “inspiradora” no cabeçário. A melhor de todas era baseada em outra frase famosa de Theodore Roosevelt:

– É melhor lutar em busca de triunfos gloriosos, mesmo expondo-se ao fracasso, do que viver em uma penumbra cinzenta sem conhecer vitória ou derrota.

Vi pessoas, que sabiam o que era o certo a fazer, ficarem paralisadas pelo medo de perder o emprego. No final, perdiam o emprego pela completa falta de ação. Isto vale para muitas situações na vida pessoal ou profissional. Casais se separam por medo de enfrentar suas diferenças. Pais e filhos brigam e, por medo da rejeição, não se reconciliam e lamentam amargamente quando a morte encerra qualquer chance de entendimento.

O certo é viver sem medo de perseguir nossos sonhos. Se algo der errado, vamos tentar de novo. Não podemos ser escravos do medo de fracassar, porque, neste caso, já teremos fracassado.

medo

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Putin e a Crimeia – Como o que Começa Pequeno Pode Tornar-se Insolúvel

Ontem iniciou mais uma semana de testes na fria Saskatoon no Canadá. No café da manhã, conduzi a conversa com dois colegas da Polônia para a questão Putin e a Crimeia. Para nós brasileiros, esta questão pode parecer distante e sem importância, mas para os poloneses, que são vizinhos da Ucrânia, a coisa é bem mais séria.

Farei a seguir uma pequena retrospectiva para aqueles não estão acompanhando o caso. No final de 2013, o então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovytch, decidiu aproximar o país da Rússia ao invés de efetivar um acordo com a União Europeia. Este ato foi o estopim para os protestos populares que iniciaram pacíficos, mas tornaram-se violentos em fevereiro de 2014. Apenas os confrontos entre os dias 18 e 20 desse mês deixaram 98 mortos e milhares de feridos na capital Kiev. Logo após, Viktor Yanukovytch foi destituído da presidência e eleições foram convocadas para o mês de maio. Dias depois, a Crimeia, uma região autônoma da Ucrânia, divulgou sua intenção de desligar-se do país e anexar-se à Rússia. Vladimir Putin mandou exércitos para a região sob o pretexto de garantir a segurança da população de origem russa (cerca de 60% do total). Um plebiscito foi realizado neste final de semana com vitória esmagadora da proposta de anexação à Rússia e ontem Putin reconheceu o resultado.

Viktor Yanukovytch e Vladimir Putin

Viktor Yanukovytch e Vladimir Putin

A crítica mais contundente até agora foi feita pela senadora e candidata à presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton. Ela comparou, segundo o “The Washington Post”, a atitude de Putin à de Adolf Hitler nos anos 30, ao invadir regiões da Tchecoslováquia e Romênia sob a justificativa de garantir os direitos dos cidadãos de origem alemã.

Placa em manifestação mostra Putin como Hitler

Placa em manifestação mostra Putin como Hitler

A questão é complexa, porque, por um lado, a União Europeia não pode aceitar este tipo de interferência da Rússia nos países vizinhos, mas, por outro lado, deve-se considerar a dependência da Europa em relação ao gás natural russo, as enormes reservas de petróleo do país e, principalmente, seu enorme poderio bélico herdado dos tempos da extinta União Soviética.

Perguntei para meus colegas poloneses se existe outra região da Europa Oriental, onde a população de origem russa seja a maioria. A resposta foi preocupante. Eles não sabiam, mas, no período de 1945 a 1989, houve muita movimentação dentro daquela zona e pode existir alguma região estratégica na mesma situação da Crimeia. Deste modo, o caso pode ser definido da seguinte forma. Hoje a anexação da Crimeia pela Rússia pode não ser uma grande agressão aos direitos de autodeterminação dos povos, mas é um importante precedente. Ontem foi a Chechênia; hoje, a Crimeia. Se ninguém fizer nada, amanhã será o quê?

Ucrânia com a península da Crimeia em verde

Ucrânia com a península da Crimeia em verde

Não estou pedindo sansões terríveis contra a Rússia, porque provavelmente o povo pobre deste país será o mais atingido. No final, Putin poderia até sair fortalecido com este tipo de procedimento. Por outro lado, se tudo ficar como está, pode ser a senha para um próximo passo. Putin já fez várias – mandou prender políticos da oposição, as cantoras do Pussy Riot e ativistas do Green Peace. Poucas autoridades de outros países falaram contra. Durante a invasão de um teatro por terroristas chechenos, em Moscou, causou a morte de pelo menos 129 reféns devido à colocação de um gás tóxico desconhecido no sistema de ventilação do prédio. Ninguém se levantou contra o uso de armas químicas em civis. Vetou qualquer resolução mais forte da ONU contra o regime de seu aliado Bashar al-Assad na Síria, alegando o direito de autodeterminação dos povos. Todos terminaram engolindo a posição de Putin. Agora é a Crimeia…

Bashar al-Assad e Vladimir Putin

Bashar al-Assad e Vladimir Putin

As grandes maldades geralmente começam por pequenas maldades. Isto vale também para nosso dia a dia. Aceitamos que os outros façam coisas erradas, cometemos pequenos delitos, não acontece nada, fazemos maiores. Se não tem blitz da “Lei Seca”, então está liberado dirigir depois de beber todas. Tapamos os olhos para os problemas que temos dentro de nossas casas, até que num dia eles se tornam grandes o suficiente para parecerem insolúveis, verdadeiros “Putins”. Nessa hora, perguntamos para nós mesmos:

– Como a situação chegou neste ponto? O que fizemos de errado?

A resposta é simples, agimos como avestruzes, fizemos de conta que o problema não era com a gente e o que antes seria uma simples correção de rumo, pode se tornar uma tragédia. Pode ser tarde…

dúvidas

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O que Dar e o que Esperar do Futuro de Nossos Filhos

Na sexta-feira, a Claudia me avisou que haveria uma reunião com os pais na escola da Júlia no dia seguinte. Sábado! E o início estava marcado para as 9 horas da manhã. Perguntou se participaríamos e eu respondi, quase com lágrimas nos olhos, que sim apesar de ser um dia de descanso.

A escola da Júlia segue a pedagogia Waldorf, a qual nós ainda não conhecemos profundamente. Então toda oportunidade para conversar com a professora do 1º ano e com a coordenadora pedagógica sempre é bem-vinda. Realmente foi uma manhã encantadora, a forma lúdica do ensino e o cuidado com todos os detalhes, incluindo até a alimentação, me chamaram a atenção.

Num certo momento, me dei conta de um ponto importante – o que eu espero do futuro da Júlia? Cada vez vejo mais pais ansiosos com o futuro dos filhos. Alguns pais entram em uma competição para mostrar como os filhos são inteligentes, estudam nos mais afamados colégios da região e, no futuro, deverão passar nos mais disputados vestibulares para os cursos que levam às carreiras mais prestigiadas. Se me perguntarem sobre a Júlia, acho que simplesmente responderia:

– A Ju é ótima. Tem muita energia, tem muita vontade de aprender e, principalmente, tem um lindo brilho no olhar.

– E seu futuro? Vai ser construído por ela de acordo com sua vontade. Só tenho que ajudá-la a ser uma pessoa íntegra.

Lembrei que muitas destas escolas de ponta, conhecidas por terem seus alunos nas listas de aprovados dos vestibulares, empurram goela abaixo dos seus alunos grande quantidade de conteúdo – teoremas matemáticos, leis da física, fórmulas químicas, datas de acontecimentos históricos, nomes de livros, classificação de orações…

A imagem que me vem à cabeça é daquele horrível processo para alimentar os gansos para a produção do foie gras, a gavagem. Como você pode ver na foto abaixo, o ganso é obrigado a comer. No final, ele é abatido e seu fígado gordo é vendido como uma especiaria, o foie gras.

Gavagem de gansos para a produção de foie gras

Gavagem de gansos para a produção de foie gras

Será que a “gavagem” de conteúdos na criança não vai “engordar” seu cérebro, sem fortalecê-lo efetivamente? Será que as crianças e adolescentes que não suportarem a ingestão desta quantidade de conteúdos não entrarão em depressão por sentirem-se pior do que os outros colegas? Será que os pais não estão pressionando seus filhos além da conta?

Vivemos em um mundo repleto de fontes de informação. O mais importante seria a capacidade de entender criticamente o mundo que nos cerca, desenvolver a visão do todo, ver e entender os outros que estão ao redor e entender que somos diferentes, mas devemos respeitar e valorizar estas diferenças.

Não temos certeza se um caminho é melhor do que outro, mas devemos tentar oferecer aos nossos filhos as “ferramentas” – auto-confiança, amor, espaço para crescer, tempo para brincar – para viver em um futuro muito diferente do mundo em que nós vivemos.

Valeu a pena acordar cedo no sábado…

Futuro

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Eu Sou um Homem Rico

Guardei a mala e a mochila no bagageiro sobre meu assento no avião. Tirei o tênis e coloquei aquela meia que vem no nécessaire das companhias aéreas. Acomodei-me na poltrona e resolvi conferir quais eram as opções disponíveis de filmes. Escolhi “Captain Phillips” como primeiro filme da noite, esperando mais uma convincente atuação de Tom Hanks. A surpresa ficou com seu antagonista no filme, o somali Barkhad Abdi.

Capitão Phillips

“Captain Phillips” com Tom Hanks e Barkhad Abdi

Antes de o filme começar, passou um comercial do Bank of Singapore. Você pode assisti-lo abaixo.

Realmente, não há nada mais precioso em nossas vidas do que os relacionamentos que mantemos com as pessoas ao nosso redor, mas não é fácil se dar conta disto. Enquanto a moça da Columbia Pictures aparecia com aquela pose de Estátua da Liberdade, eu cheguei a uma importante conclusão:

– Eu sou um homem rico!

Mais importante do que casas, apartamentos, automóveis e investimentos que pudessem fazer parte do meu patrimônio, tenho três filhos e uma esposa que amo muito e que me amam. Todo o dia tenho uma troca intensa com eles e a cada reencontro parece que tudo se renova, me sinto feliz!

No ano passado, fiz um curso sobre finanças no INSEAD da França. A primeira parte do curso poderia ser resumida em três frases simples em inglês:

Cash is king!

Time is queen!

Risk matters!

Ou seja, o caixa é o rei, o tempo é a rainha e o risco importa. Os investidores procuram projetos que tornem o fluxo de caixa da empresa mais positivo do que projetos apenas lucrativos. Manter o fluxo de caixa positivo conserva a saúde da empresa. O tempo é importante, porque, ao comparar diferentes projetos, devemos trazer suas contribuições ao caixa da empresa para o tempo presente, para o dia de hoje. Finalmente, sempre que investimos em alguma coisa, olhamos para o retorno e para o risco associados ao investimento.

Paradoxalmente, pela minha nova definição de homem rico, o caixa deve estar sempre praticamente zerado. Devemos retornar tudo o que recebemos o mais rápido possível. Isto não significa que os fluxos de entrada e saída sejam pequenos, pelo contrário devemos circular grandes volumes de amor, carinho e compreensão. Vamos ser mais perdulários do que a caricata figura do “rei do camarote”, mas ao invés de focar nos bens materiais, vamos prestar atenção aos sentimentos.

O "rei do camarote"

O “rei do camarote”

Para finalizar, lembro-me de um presente que meu filho Léo me deu há um bom tempo, o saco do carinho. Estava escrito assim:

– Carinho – quanto mais se dá, mais se tem!

Este parece um daqueles círculos virtuosos. Quanto mais a gente dá e demonstra afeto, mais recebe, mais feliz e autoconfiante fica, mais a gente dá, mais recebe…

Como eu apresentei antes, a nova lógica é sempre devolver, no mínimo, tudo o que se recebeu e nosso “caixa” ficará zerado, mas nossos corações ficarão cada vez mais plenos em felicidade e alegria.

Foto da minha família (São Paulo, julho de 2013)

Foto da minha família (São Paulo, julho de 2013)

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O Novo Fim da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 5)

CONTINUANDO…

Os soldados feridos foram transportados para a Blue Spaceship. A colônia foi cercada, e as buscas começaram de casa em casa. Um dos oficiais da força de paz da ONU foi abordado por uma mulher visivelmente nervosa que queria saber o que houve na sede do conselho. O oficial contou que, quando os soldados invadiram o prédio, bombas incendiárias explodiram e todos que estavam dentro morreram. A mulher caiu de joelhos, e começou a chorar e disse que seu marido era um dos seguranças. O oficial consolou-a, mas procurou obter mais informações:

– Meus pêsames! Com certeza, seu marido não queria estar naquele prédio com apenas mais um colega…

– Não, eu até preferi que ele ficasse lá do que no meio da floresta, com os conselheiros e os outros seguranças. Achei que ele e o colega se entregariam e ficaria tudo bem, mas…

– Em qual floresta estão os outros?

– Na floresta da fonte da juventude.

O oficial desejou que a mulher se recuperasse da perda de seu marido e pediu ao soldado, que o acompanhava, a ajudasse no que fosse necessário. Em seguida, despediu-se e relatou imediatamente sua descoberta ao líder da operação. A tropa se reuniu e avançou até a floresta.

As sentinelas do conselho de Perennial entraram em combate com os primeiros soldados invasores da floresta. Ambos os lados sofreram baixas; contudo, a força de paz da ONU, mais numerosa e bem treinada, avançou rapidamente até o prédio onde o conselho do planeta estava escondido. Dessa vez, os soldados explodiram uma parede lateral para entrar no prédio. Quando chegaram à sala onde estava o conselheiro-mor, um soldado mirou em seu corpo e gritou para que ele se entregasse. O conselheiro-mor respondeu à ordem:

– Você quer me levar para a Terra como um troféu? Como a cabeça empalhada de um animal selvagem morto por um caçador em um daqueles antigos safáris na África? Todos nós já estamos mortos!

O soldado, assustado, disparou sua arma laser contra o peito do conselheiro-mor que, agonizando, apertou o botão do controle que estava em sua mão direita, acionando uma bomba térmica. A temperatura em toda a região da floresta da fonte da juventude superou os 3.000°C. Toda a vida da floresta foi destruída — nenhum humano, kwasha, inseto ou planta resistiu.

“A Apoteose da Guerra” de Vasily Vasilyevich Vereshchagin (1871)

“A Apoteose da Guerra” de Vasily Vasilyevich Vereshchagin (1871)

A notícia gerou uma enorme comoção na Terra, afinal, dezenas de pessoas morreram. Além disso, a possibilidade de vida eterna foi inviabilizada com a destruição total da floresta da fonte da juventude.

No dia seguinte à tragédia, o secretário-geral convocou a imprensa para um comunicado oficial na sede da ONU. Bilhões de pessoas aguardavam ansiosamente o seu pronunciamento. No horário marcado, ele chegou ao plenário lotado, esperou que as autoridades e os repórteres se acomodassem e iniciou seu discurso:

– Há pouco mais de dois anos, uma incrível descoberta encheu a humanidade de esperança. As sementes de uma planta encontrada no planeta Perennial, apelidada de fonte da juventude, interrompiam o envelhecimento celular. Foram realizadas inúmeras tentativas de isolar o princípio ativo, sem sucesso. Tentou-se também cultivar a fonte da juventude, empregando as mais modernas técnicas agrícolas, mas as plantas resultantes não possuíam as mesmas propriedades. Decidiu-se, então, coletar suas sementes de forma controlada e distribuí-las aleatoriamente entre a população humana da Terra e das colônias espaciais.

– Os membros do conselho de Perennial sugeriram que fossem empregados para esta tarefa de coleta dóceis animais do planeta Arborea, os kwasha-kwashas. Essas pobres criaturas foram escravizadas, e nós permitimos isso devido à cegueira causada pela possibilidade da vida eterna. Será que a vida de um humano vale mais do que a de um kwasha?

– Posteriormente, os conselheiros de Perennial passaram a desviar as sementes para obter vantagens pessoais. Chegaram ao ponto de sequestrar e manter em cativeiro uma equipe da ONU que investigava o caso. Houve intransigência tanto por parte do conselheiro-mor de Perennial quanto da minha. Todos estavam cegos pela fonte da juventude.

– Em vez de diálogo ou negociação, partiu-se para um confronto sangrento. Eu deveria ter percebido que nossa vantagem poderia acuar os conselheiros de Perennial. Ao sentirem-se sem saída, partiram para atos extremos. A floresta que abrigava a fonte da juventude foi totalmente destruída por uma bomba acionada pelo conselheiro-mor de Perennial, em um momento de completo desespero. Eu errei! Meu erro causou a morte de mais de uma centena pessoas. Meu erro gerou o genocídio de aproximadamente dois terços da população de kwashas. Meu erro deve ter exterminado inúmeras espécies de plantas e animais que só existiam naquela floresta. Meu erro acabou com a única forma conhecida, até agora, de paralisar o envelhecimento dos homens.

– Hoje, penso que a fonte da juventude pode ter sido um teste que uma Entidade superior deste Universo fez conosco, humanos. Em vez de ouro ou pedras preciosas, foi-nos oferecida a vida eterna; mas, como não havia o suficiente para todos, não soubemos como compartilhar. Não demonstramos solidariedade nem compaixão! Deixamos aflorar nossos instintos mais vis: a ambição, a ira, a vingança. O sinal de alerta foi a permissão para escravizar  os kwashas. Nenhuma maravilha pode ser construída sobre as bases da dor e da exploração. Só uns poucos lutaram contra a barbárie cometida contra aqueles animais inocentes. Devemos aprender a lição e não repetir mais estes erros. Espero que o dia de ontem seja lembrado, como a explosão da primeira bomba atômica, em Hiroshima, foi lembrada durante muito tempo, como algo que não deve se repetir.

Hiroshima após ser atingida pela bomba atômica (1945)

Hiroshima após ser atingida pela bomba atômica (1945)

– Finalizo, renunciando ao posto de secretário-geral da ONU. Espero que um ser humano melhor, mais equilibrado, me suceda. Estou à disposição para receber a punição que acharem justa. Agradeço a atenção de todos.

A reação de todos que ouviram o pronunciamento do então ex-secretário-geral da ONU foi de profundo silêncio. Todos sabiam que ele não era o único culpado; muitos também erraram por omissão. Aquela tragédia serviu, pelo menos, para mostrar que a construção da humanidade ainda não estava completa e que todos deveriam permanecer vigilantes, pois nada poderia justificar as práticas adotadas no célebre caso da “fonte da juventude de Perennial”.

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História Sangrenta – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 4)

CONTINUANDO…

Havia duas proposições a serem votadas pela Assembleia Geral da ONU. A primeira, apresentada pelo embaixador de Perennial, solicitava a independência do planeta. A segunda, elaborada pelo próprio secretário-geral, concedia 24 horas para a libertação da equipe de auditoria detida em Perennial e a renúncia de todo o conselho do planeta, sob pena de invasão pelas forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

O secretário-geral expôs todos os fatos ocorridos: desde o desvio e contrabando de sementes da fonte da juventude, passando pelo sequestro da equipe de auditoria enviada ao planeta e chegando finalmente à barganha proposta pelo conselheiro-mor de Perennial — libertação da equipe em troca da independência do planeta.

Assembleia Geral da ONU

Assembleia Geral da ONU

Em seguida, ele pediu que o embaixador de Perennial apresentasse suas explicações. Como esperado, os circunlóquios do diplomata não convenceram os demais participantes; provavelmente, nem ele mesmo acreditou na sua defesa. Os discursos de outros membros da assembleia foram acalorados. Todos pediam punição exemplar para o conselho de Perennial e, em especial, para seu líder.

Percebendo que o ambiente estava totalmente favorável, o secretário-geral anunciou uma pausa de uma hora para que os diplomatas conversassem com seus respectivos chefes de Estado. No reinício dos trabalhos, as duas proposições seriam votadas.

Após o intervalo, como já se esperava, a independência de Perennial foi rejeitada por unanimidade, e o ultimato do secretário-geral foi aprovado com apenas algumas abstenções e nenhum voto contrário. O Conselho de Segurança da ONU se reuniu em seguida e definiu a estratégia: a tropa partiria no início do dia seguinte. Graças a um buraco de minhoca (equivalente à dobra espacial da série Jornada nas Estrelas), era possível vencer os anos-luz que separam a Terra de Perennial em poucas horas. A nave espacial Blue Spaceship, das forças de manutenção da paz da ONU, ficaria em órbita do planeta até completar as 24 horas do prazo da resolução. Caso as condições não fossem atendidas, a sede do conselho seria invadida.

Forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

Forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

Tudo foi executado conforme o planejado. Quando faltava apenas uma hora, o secretário-geral da ONU enviou o ultimato ao conselheiro-mor e avisou a população do planeta:

– Caros irmãos de Perennial! O conselho deste planeta agiu de forma totalmente antiética – roubou, mentiu e acabou sequestrando funcionários da ONU que cumpriam missão oficial no planeta. Se dentro de uma hora, seu conselho não libertar os funcionários e renunciar pacificamente, invadiremos a sede do conselho. Não há motivos para pânico, peço que todos os cidadãos permaneçam em suas casas. Ninguém será ferido.

É óbvio que o aviso gerou uma grande correria na colônia, mas, vinte minutos antes do fim do prazo, as ruas estavam completamente desertas. O conselho e quase toda a equipe segurança de Perennial esperavam o desenrolar das ações no QG improvisado na floresta da fonte da juventude. Apenas dois seguranças permaneceram na sede do conselho para vigiar os prisioneiros e alertar sobre a chegada dos capacetes azuis na colônia.

No horário marcado, a invasão do planeta foi iniciada, a sede do conselho foi cercada, e o líder da operação exigiu que os reféns fossem libertados e que todos os demais se entregassem. Os seguranças, após avisarem o conselheiro-mor, libertaram todos os prisioneiros, com exceção do delegado e de seu assistente direto.

O líder da operação concedeu um prazo de 30 minutos para que os dois reféns fossem libertados; caso contrário, o prédio seria invadido. Ao término do prazo, os seguranças de Perennial acionaram suas armas laser contra os capacetes azuis. Alguns soldados ficaram gravemente feridos. A porta do prédio foi arrombada pelos soldados; entretanto, bombas incendiárias instaladas junto às entradas foram acionadas, e toda a instalação incendiou-se rapidamente.

O resultado foi trágico: sete mortes — três soldados capacetes azuis, dois seguranças do conselho de Perennial, o delegado da ONU e seu assistente. A Terra, que vivia um período de paz, testemunhou o ressurgimento dos horrores da guerra em uma de suas colônias espaciais.

O conselheiro-mor, ao ser informado sobre o resultado da primeira batalha, reuniu os demais membros do conselho:

– Iremos até o fim! Mostraremos a esses canalhas que não temos medo! Quem não estiver preparado para tudo pode sair agora.

Ninguém foi embora; vários gritaram frases de efeito, mas, no fundo, todos sabiam que dificilmente sairiam vivos daquele lugar.

O secretário-geral ficou revoltado com a notícia das mortes, especialmente a de seu amigo, o delegado. Suas ordens foram claras:

– A partir de agora, será olho por olho, dente por dente! Descubram onde esse verme está escondido e capturem-no junto com toda a sua corja. Se não for possível trazê-los vivos, não importa mais, mate-os!

A justiça não era mais importante; apenas a vingança…

A Execução dos Defensores de Madrid [Francisco Goya]

A Execução dos Defensores de Madrid  de Francisco Goya

CONTINUA…

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História Déjà Vu – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 3)

CONTINUANDO…

O conselheiro-mor de Perennial conversou sobre a situação com seu par de Aquamundi na sala de reuniões virtual, onde eram representados por seus hologramas. Ao final, o líder de Aquamundi foi muito honesto e aconselhou-o a buscar uma solução negociada com a Terra:

– A colônia em nosso planeta ainda é relativamente recente. Precisamos dos recursos e do apoio da Terra, não resistiríamos a um bloqueio econômico. Vocês têm a fonte da juventude, uma moeda de troca muito interessante. Não comecem uma guerra, na qual todos sempre perdem.

O conselheiro-mor de Perennial, embora contrariado com o resultado da reunião e principalmente com o conselho final, agradeceu o tempo e a atenção dispensados. Em seguida, finalizou a reunião e solicitou o contato do conselheiro-mor de Arborea.

Reunião virtual com hologramas

Reunião virtual com hologramas

A reunião com o conselheiro-mor de Arborea teve outro tom, porque ele estava claramente dividido. Uma verba considerável estava entrando no planeta por meio do tráfico de kwashas; contudo, a maior parte da população era formada por cientistas que pesquisavam fitoterápicos oriundos da enorme biodiversidade local. Caso seu planeta se alinhasse com Perennial, a torneira dos recursos terráqueos para as pesquisas seria lacrada. Desde a descoberta da fonte da juventude, alguns projetos com alta probabilidade de aprovação foram adiados. Se a Terra não tivesse mais acesso à fonte da juventude de Perennial, verbas generosas poderiam jorrar em Arborea para premiar sua fidelidade e acelerar a busca por novas alternativas na área de saúde e longevidade.

O conselheiro-mor de Perennial prometeu grandes vantagens a Arborea como parceiro preferencial, incluindo generosas quantidades de sementes da fonte da juventude. Quando questionado sobre se apoiaria Perennial na criação de uma nova federação de planetas independentes, o conselheiro-mor de Arborea mostrou-se reticente:

– Acredito que a proposta é muito interessante, mas não estou totalmente certo de que este seja o melhor momento para implementá-la. Talvez possamos conquistar mais autonomia por meio de negociações com a Terra… Solicitarei ao nosso conselho que analise as alternativas o mais rapidamente possível, conforme a situação exige, e retornarei com nossa decisão. Agradeço imensamente pelo amável convite.

O conselheiro-mor de Perennial sentiu que estavam sozinhos. O que fazer? Ele havia avançado demais ao prender o delegado da ONU e sua equipe. Mesmo que a negociação trouxesse vantagens para seu planeta, ele cairia em desgraça.

Seu assessor informou que o secretário-geral da ONU aguardava-o em uma sala de reuniões virtual para discutir sobre a delegação desaparecida. Ele pediu que a conexão fosse estabelecida. O secretário-geral fez uma saudação protocolar e perguntou como estavam as buscas por sua equipe. O conselheiro-mor respondeu que, apesar da grande mobilização, os progressos foram pequenos; ainda não havia pistas. A resposta do secretário-geral foi incisiva:

– Não esperava outra resposta! Qual é a próxima mentira? Não somos tolos ou ingênuos! Vocês inventaram histórias sobre a fonte da juventude, e nossa equipe desmascarou a farsa que vocês criaram. Eles foram mortos ou sequestrados para não revelar tudo o que descobriram? Exijo a verdade!

– Nenhum representante da Terra tem o direito de exigir algo de um cidadão de Perennial. A era do domínio e exploração acabou! O povo de Perennial agora está livre! Se quiserem seus espiões de volta, reconheçam nossa independência.

– Não negociamos com chantagistas. Perennial é uma colônia terráquea e permanecerá com este status. Liberte minha equipe e entregue-se imediatamente. Você terá um julgamento justo. Caso contrário, seremos obrigados a empregar a força!

– Se esta é a sua palavra final, nosso embaixador apresentará imediatamente o pedido de independência de Perennial. Caso tentem invadir nosso planeta, destruiremos a fonte da juventude.

– Convocarei uma reunião de emergência para hoje, e teremos a decisão sobre o futuro de Perennial até o fim do dia. Adeus!

O conselho aguardava o resultado das reuniões do conselheiro-mor para determinar qual plano seria adotado. Ele entrou na sala e foi direto ao assunto:

– A guerra é inevitável! Estamos sozinhos, e o secretário-geral da ONU já sabe de tudo. Seguiremos o plano “solução final”. Os dispositivos explosivos já foram instalados na área de extração de sementes da fonte da juventude. Caso tentem invadir este perímetro, detonaremos as bombas. Os prédios administrativos naquela área já estão preparados para ser nosso quartel-general. Iremos agora para lá!

Como observado muitas vezes na história da humanidade, inúmeras guerras poderiam ter sido evitadas, mas os interesses de uma minoria, combinados com o orgulho de líderes inescrupulosos, impediram negociações benéficas para todas as partes. No final, o prejuízo sempre foi repartido por todos, principalmente pelos menos favorecidos. Fica aquela sensação de déjà vu

Guernica de Pablo Picasso

Guernica de Pablo Picasso

CONTINUA…

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A “Evolução” da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 2)

CONTINUANDO…

Após um ano de coleta de sementes, a população humana de Perennial começou a ficar descontente com aquela situação. Afinal, estavam enviando toneladas de sementes da fonte da juventude para a Terra e não recebiam praticamente nada em troca. Nesse período, apenas dois moradores do planeta foram sorteados na loteria. Por outro lado, o ônus de gerenciar toda a operação, incluindo os kwashas, recaiu sobre os ombros de Perennial.

Em determinado momento, a produção começou a declinar. O secretário-geral da ONU quis entender o que estava acontecendo, e o conselho de Perennial apresentou uma série de explicações:

– A produtividade das fontes da juventude caiu; cada planta estava gerando menos sementes.

– Os kwashas estavam mais preguiçosos e, como não se podia exagerar nos castigos, eles não temiam mais os humanos.

– Havia uma praga de insetos noturnos que obrigava a antecipar o fim das atividades diárias.

O secretário-geral solicitou um plano de ação e, sem avisar o conselho de Perennial, enviou um delegado com um grupo de auditores ao planeta para investigar mais profundamente os fatos.

Quando o grupo chegou a Perennial, foi fácil refutar a versão do conselho local. Não havia nada errado com as plantas. Os kwachas continuavam trabalhando da mesma forma, e um novo contingente havia chegado de Arborea há um mês. Além disso, a praga de insetos noturnos era mais uma mentira. Na verdade, parte da produção de sementes havia sido desviada e contrabandeada. Uma parte serviu de pagamento aos mercadores de kwachas de Arborea, e a maior parte foi vendida para pessoas ricas que não foram sorteadas na loteria.

Mercado de Escravos

Mercado de Escravos de Johann Moritz Rugendas

O delegado reuniu-se com o conselho para apresentar suas conclusões. Ao final, o conselheiro-mor ordenou para que seu serviço de segurança prendesse a comitiva da Terra e declarou a independência de Perennial:

– Basta de exploração! Basta de humilhações! O tempo de subserviência à Terra acabou hoje! A partir de agora, somos um planeta independente e, se os habitantes da Terra quiserem as sementes da fonte da juventude, deverão pagar o preço que nós determinarmos. Prendam estes canalhas e cortem toda a comunicação deles com a Terra!

Chegou a hora do motim, da revolução: algo que aconteceu inúmeras vezes na história da humanidade na Terra e já estava meio esquecido por seus habitantes.

Revolução Francesa

“A Liberdade Guiando o Povo” de Eugène Delacroix.

O delegado havia enviado um relatório parcial da investigação para a ONU. Quando o secretário-geral leu o documento, tentou contatar imediatamente seu subordinado, mas não obteve sucesso. Então, decidiu convocar o embaixador de Perennial na ONU para obter esclarecimentos. Como todo bom diplomata, ele afirmou que deveria ser um engano e que, talvez, o delegado e sua comitiva estivessem perdidos nas florestas do planeta. E para concluir, disse:

– Entrarei imediatamente em contato com as autoridades de Perennial. Tenho certeza de que todos os esforços serão envidados para encontrar a delegação enviada por Vossa Excelência ao nosso modesto planeta.

O secretário-geral não acreditou naquela história e temia que o pior tivesse acontecido com sua equipe. Não havia tempo a perder!

Em Perennial, o conselho do planeta decidiu apoiar a ruptura dos vínculos com a Terra. Além disso, acharam que não poderiam ficar sozinhos e decidiram fazer uma aliança com os dois planetas mais próximos – Arborea e Aquamundi. Assim, pelo menos, esses planetas não serviriam de base terráquea em caso de ataque das tropas da ONU.

O conflito parecia inevitável. Desta vez, o motivo não era ideológico, nem reservas de petróleo ou metais nobres, nem mesmo territórios. Ironicamente, as pessoas estavam dispostas a morrer para conseguir a semente que prolongaria suas vidas.

Guerra por petróleo

Guerra por petróleo

CONTINUA…

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O Recomeço da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 1)

Pela primeira vez em séculos, a população da Terra apresentou uma redução. A atividade econômica, apesar de certo dinamismo, apresentava crescimento global praticamente nulo. Havia fontes abundantes e baratas de energia e alimentos; vivia-se um período de paz e prosperidade. Seria este o Fim da História que alguns pensadores descreveram no passado? Como não havia mais alternativas para a economia mundial crescer na Terra, os olhos dos homens se voltaram para o espaço.

Novos planetas, onde existiam condições para o desenvolvimento de vida, foram descobertos. Sondas não tripuladas e naves espaciais foram enviadas para procurar formas de vida e recursos minerais nestes planetas, além de analisar a viabilidade da instalação de colônias de seres humanos.

Foram criados grupos de investidores públicos e privados para explorar os planetas mais promissores. Por coincidência ou não, os planetas mais interessantes possuíam ecossistemas mais desenvolvidos, mas não apresentavam formas de vidas tão evoluídas quanto o ser humano. Após grandes investimentos e muitos anos de planejamento, foram construídas as primeiras bases fora do Sistema Solar. A nova “Era das Grandes Navegações” iniciava-se pelo cosmos, em vez dos mares da Terra do século XV.

As Grandes Navegações do Século XV

As Grandes Navegações do Século XV

Em um desses planetas, “Perennial”, foi encontrada uma planta cujas sementes possuem propriedades milagrosas – seu consumo interrompia o envelhecimento celular. A planta foi chamada de “Fonte da Juventude”. Muitas tentativas foram feitas para isolar a substância responsável por esse efeito, mas não houve sucesso. Também se tentou multiplicar as sementes e fazer grandes plantações na Terra e na própria Perennial, mas a produtividade foi baixa e não foi observado o efeito rejuvenescedor das sementes da planta selvagem. Restava apenas uma alternativa: coletar as sementes do ambiente natural, mas havia um grande problema. Os bilhões de habitantes da Terra e os milhões de humanos que viviam em outros planetas desejavam consumir a semente e viver por toda a eternidade. Após muito debate na sede das Nações Unidas em Nova York, foi definida a quantidade anual de sementes a ser coletada para evitar a extinção da fonte da juventude. Uma espécie de loteria foi criada para determinar quem seriam os felizardos a receber pequenas quantidades de sementes.

Quando se iniciou a coleta de sementes, surgiram as primeiras dificuldades. O ambiente não era amistoso aos humanos. Havia animais selvagens, plantas venenosas, novas doenças transmitidas por animais parecidos com os insetos terráqueos.

Como não havia como mecanizar essa atividade, alguém teve a ideia de usar uma espécie muito dócil de Arboreal, o planeta das árvores gigantes. Os kwasha-kwashas, ou simplesmente kwashas, pareciam com lêmures, mas eram mais altos. Um macho adulto, por exemplo, media 1,40 metros.

Lêmure

Lêmure

Um grupo de kwashas foi levado para Perennial com o objetivo de analisar a viabilidade de utilizá-los na coleta das sementes da fonte da juventude. Os resultados foram excelentes e se decidiu transferir um quarto da população dos simpáticos lêmures gigantes de Arboreal para Perennial.

No trajeto entre os dois planetas, muitos kwashas entraram em profunda depressão; um em cada dez morreu. Ao chegarem a Perennial, não encontraram boas condições de alojamento, e as florestas eram diferentes das de seu planeta natal. Também não havia alimento na quantidade e qualidade necessárias.

A adaptação foi difícil, mas, após alguns meses, os kwashas começaram a acostumar-se ao novo ambiente. A coleta das sementes era uma atividade árdua e perigosa, pois as plantas cresciam em áreas de difícil acesso. Os kwashas, contudo, demonstraram grande habilidade e eficiência na tarefa, superando as expectativas iniciais. Com o tempo, a demanda pelas sementes aumentou significativamente, e a pressão sobre os kwashas intensificou-se.

Não havia tempo a perder, o envio de sementes da fonte da juventude estava muito atrasado e apenas uma remessa fora despachada à Terra. Desta vez, não houve o mesmo cuidado que se teve com o primeiro grupo de kwashas. A situação estava prestes a atingir um ponto crítico que mudaria para sempre a relação entre humanos e kwashas. Eles foram expostos a longas jornadas de trabalho, com pouca água e comida. Quando os responsáveis por supervisionar o trabalho perceberam que os kwashas estavam comendo a fonte da juventude, espancaram e castigaram brutalmente os animais. Alguns não resistiram ao cansaço, aos ferimentos e morreram. Seus corpos ficaram atirados no meio da floresta.

A produção da fonte da juventude aumentou exponencialmente, atingindo finalmente a meta. Os kwashas não aguentavam mais os maus tratos e tentavam fugir. Para evitar perda expressiva de mão de obra, tornozeleiras com localizadores e máquinas de choque foram colocadas em todos kwashas. Algumas pessoas da Terra, de Arboreal e de Perennial se revoltaram com aquela forma antiética de tratamento a seres sencientes, mas eram chamados de loucos, idiotas ou românticos. A maioria das pessoas falava:

– O que é mais importante, a vida de uma pessoa ou de um kwasha? Você deixaria sua mãe morrer para salvar um kwasha?

A própria Igreja definiu que os kwashas não eram humanos e que seriam os instrumentos que Deus nos presenteou para coletar a fonte da juventude. Só se deveria cuidar para não castigar excessivamente os animais a ponto de mutilá-los ou matá-los.

Os interesses econômicos prevaleceram. E a Escravidão, que estava banida na Terra, ressurgia com toda força em Perennial.

Escravo sendo castigado (Debret)

Escravo sendo castigado (Debret)

CONTINUA…

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Rir é Contagioso

Tenho fama de estar sempre de bom humor, mas quem convive mais diretamente comigo sabe que isto não é verdade. Tenho meus momentos de rabugice, aliás, supervalorizados pelos meus irmãos, mas não sou como os personagens vividos por Walter Matthau!

Walter Matthau

Walter Matthau

No ano passado, li uma reportagem sobre o inglês Malcolm Myatt, ele sofreu um AVC há dez anos. Depois de meses de tratamento hospitalar e fisioterapia, Malcolm recuperou-se fisicamente, mas algumas coisas mudaram. Sua memória recente foi afetada, ele recorda-se perfeitamente do que ocorreu há vinte anos, mas não se lembra dos acontecimentos da semana passada. A habilidade de comportar-se de acordo com a situação também foi irreversivelmente prejudicada, agora ele sempre diz o que pensa, gerando às vezes embaraços. E, acima de tudo, ele não sente mais tristeza, passa os dias rindo de tudo.

Malcolm Myatt com sua esposa Kath

Malcolm Myatt com sua esposa Kath

Sua esposa Kath teve que adaptar-se a esta nova rotina, admite que as questões da memória e da inconveniência causam alguns problemas, mas, em relação às risadas do marido, sua avaliação é totalmente diferente:

– Ele é muito infantil agora. Quando ele começa a rir, todo mundo na sala ri também. Ele alegra qualquer ambiente, todo mundo sente falta quando ele não está.

A palavra “infantil” é muito importante na resposta da esposa de Malcolm. As crianças riem de tudo e têm o assombro da descoberta. Nós adultos temos vergonha de ter estes comportamentos. Afinal quem já não ouviu a expressão:

– Já está na hora de ser mais sério!

O que quer dizer “ser mais sério”? Perder o bom humor? Ser carrancudo?

Assista ao vídeo abaixo e comprove como rir é contagioso.

A neurociência explica que temos os chamados “neurônios espelho”, localizados em duas áreas do cérebro, uma das quais é envolvida diretamente no desenvolvimento da linguagem, onde a repetição é muito útil. Voltando para as risadas, o que seria melhor ver as pessoas imitando rabugices ou gostosas gargalhadas?

Vamos seguir aquela expressão “sorria e o mundo inteiro vai sorrir com você”!

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O Verdadeiro Fim da História

Em 2014, completará 25 anos da publicação do polêmico ensaio “The End of History?” do cientista político americano Francis Fukuyama na revista National Interest. Depois, no final daquele ano, aconteceu a queda do Muro de Berlim, o que levou muita gente a afirmar que a História havia terminado, porque a democracia liberal triunfara e não surgiria outro sistema para disputar a hegemonia, como foram os casos do fascismo e do socialismo no século XX.

Francis Fukuyama

Francis Fukuyama

No último parágrafo deste ensaio, Fukuyama fala do fim das disputas ideológicas e da “estagnação” que tomará conta da humanidade após o fim da História:

“O fim da história será um momento muito triste. A luta pelo reconhecimento, a vontade de arriscar a própria vida por um objetivo puramente abstrato, a luta ideológica mundial que suscitou ousadia, coragem, imaginação e idealismo, será substituída pelo cálculo econômico, pela solução interminável de problemas técnicos, por preocupações ambientais, e pela satisfação de exigências sofisticadas dos consumidores. No período pós-histórico não haverá nem arte nem filosofia, apenas a guarda perpétua do museu da história humana. Eu posso sentir em mim mesmo, e ver nos outros ao meu redor, uma nostalgia poderosa para o momento em que a história existia. Essa nostalgia, de fato, continuará a alimentar competição e conflito, mesmo no mundo pós-histórico por algum tempo. Apesar de eu reconhecer a sua inevitabilidade, eu tenho os sentimentos mais ambivalentes para a civilização que foi criado na Europa desde 1945, com suas ramificações pelo Atlântico Norte e Ásia. Talvez esta perspectiva de séculos de tédio no final da história servirá para iniciar a história mais uma vez.”

Para começar, não acredito no fim da arte ou da filosofia e prefiro a guerra trancafiada no Musée de l’Armée de Paris. Você pode acessar a íntegra do ensaio através do link abaixo.

http://www.wesjones.com/eoh.htm

Em 1992, Fukuyama lançou o livro “The End of History and the Last Man”, onde desenvolveu melhor os pressupostos de seu ensaio de 1989. Com o fim da Guerra Fria devido ao dilaceramento do bloco socialista, a democracia liberal tornou-se, segundo ele, a forma final de governo para todas as nações. Não poderia haver progressão da democracia liberal para um sistema alternativo. Como a História deve ser vista como um processo evolutivo, poderíamos concluir que a História chegou ao fim, mesmo que eventos ainda ocorram.

Não acredito que esta seria uma boa definição do “fim da História”. Atualmente temos uma série de revoluções acontecendo de forma pacífica no mundo. Estamos entrando em uma era de informação, nunca as pessoas tiveram informação com a abundância de hoje. Figuras como Assis Chateaubriand, o poderoso dono dos Diários Associados entre as décadas de 40 e 60, ou Roberto Marinho, dono das Organizações Globo que chegou ao auge da sua influência entre as décadas de 60 e 90, teriam hoje como principal limitador a Internet. Qualquer um pode dar sua versão dos fatos ou publicar fotos e documentos comprometedores que derrubam versões da grande imprensa.

Assis Chateaubriand (esq.) e Roberto Marinho (dir.)

Assis Chateaubriand (esq.) e Roberto Marinho (dir.)

A tecnologia, em todas as áreas, avança e sinaliza um futuro de maior longevidade e abundância. A biotecnologia é outra revolução deste século. Fukuyama demonstrava pessimismo sobre o futuro da humanidade devido à incapacidade humana de controlar a tecnologia. Em minha opinião, as discussões éticas acontecem depois do desenvolvimento tecnológico, o que evidentemente pode causar sérios problemas, mas dificilmente ocorrerão problemas irreversíveis. Os erros fazem parte do processo de aprendizado.

Voltando para o “fim da História”, o capitalismo, o neoliberalismo e a globalização atacam em duas frentes para garantir a manutenção da sua expansão:

– estímulo ao consumismo das populações mais ricas;
– busca e desenvolvimento de novos mercados.

Atualmente pode-se citar os países pobres ou emergentes da África, Ásia, América Latina e do próprio leste europeu como exemplos destes novos mercados-alvo da globalização. Há quase dois anos escrevi o artigo “Malditas Multinacionais”, onde faço uma análise do binômio lucro e risco. Na África, por exemplo, as instituições dos países estão ficando mais estáveis, atraindo novos investimentos, porque os riscos estão menores ou, pelo menos, administráveis. Como consequência, há uma melhoria considerável nos padrões sociais destes países. O número de filhos por casal cai, o crescimento demográfico declina e a expansão econômica perde velocidade. Outros novos mercados serão procurados e o ciclo se repete.

Conforme minha visão, o “Fim da História” acontecerá quando houver igualdade entre as pessoas e povos. Isto não significa que não existirão pessoas e povos mais ricos ou mais pobres, mas todos terão liberdade e acesso à alimentação de qualidade, moradia digna, saúde e educação. Continuará a haver mobilidade interna entre pessoas e povos, mas isto não será o suficiente para estimular o crescimento da atividade econômica. Assim o neoliberalismo e a globalização perderão fôlego. O que vai acontecer em um mundo com redução de população, com fontes de energia alternativas baratas e confiáveis, com abundância de alimentos de qualidade, onde não será preciso trabalhar mais do que 20 ou 24 horas semanais?

Talvez só exista uma alternativa para o capitalismo, a expansão espacial – a conquista e colonização de novos planetas. Neste caso, se tornará realidade aquela frase do seriado de TV “Jornada nas Estrelas” (“Star Trek” no original em inglês):

– “Espaço – a fronteira final”.

Para os fãs da série, grupo no qual me incluo, matem ou alimentem a saudade, assistindo a abertura original da segunda temporada.

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Bem-vindo ao Programa Saúde Fácil

No meu último check-up, os resultados de modo geral foram bons apesar das medições da pressão arterial mais altas do que o normal. Existia ainda a possibilidade de ser a chamada “hipertensão do avental branco”, onde a pressão arterial aumenta consideravelmente quando é medida dentro de um consultório médico.

Para tirar a dúvida, o cardiologista do Sírio Libanês pediu que eu fizesse o MAPA (monitorização ambulatorial da pressão arterial). Neste exame, a pressão arterial é medida a cada 20 minutos, durante 24 horas. Você pode imaginar com é desagradável ficar um dia com aquela braçadeira inflando até quase esmagar seu braço! Na cintura, você carrega uma caixinha responsável por enviar o ar para a braçadeira, medir e arquivar os resultados. O dia deveria ser o mais normal possível: dirigi no complicado trânsito paulistano, trabalhei, participei de reuniões, almocei num restaurante próximo ao escritório… De noite, tentei dormir normalmente, mas não foi muito fácil. O resultado final confirmou a suspeita inicial, eu estou ou sou hipertenso.

Aparelho para o MAPA

Aparelho para o MAPA

Na sequência, fui a um cardiologista clínico próximo da nossa nova casa. Ele conversou comigo, me examinou, auscultou coração e pulmões, mediu pressão e viu os resultados dos exames de imagem e laboratoriais do check-up. No final, fez um comentário que, apesar de elogioso, não me deixou muito feliz:

– Seus exames e condição física são muito bons para alguém da tua idade.

Este é aquele momento no qual lembramos que não somos mais garotões. É o peso dos 47 anos de vida…

Fiz uma pergunta que meu médico disse que todos os diagnosticados como hipertensos fazem:

– Por que eu fiquei hipertenso de uma hora para outra? Minha pressão foi sempre 12 por 8.

Ele sorriu e disse que todos fazem a mesma pergunta e comentou que 90 a 95% dos casos de hipertensão não têm uma causa claramente definida. Citou alguns exemplos, como os casos ligados à obesidade, mas meus 6 quilos de sobrepeso não se enquadravam nesta justificativa. Parece que a genética (pais hipertensos) me levou para este caminho…

Na sequência, perguntei se havia chance de eu deixar de ser hipertenso e não precisar mais tomar remédio. Ele disse que mais de 90% daqueles que se tornaram hipertensos, sem uma causa clara definida, continuavam consumindo remédios até o final da vida. Má notícia…

Como ouvimos toda hora nos meios de comunicação, mas normalmente não prestamos a atenção devida, a hipertensão é uma doença crônica. Hoje não tem cura e, se não for controlada com dieta sem sal e medicamentos, vai danificando aos poucos órgãos importantes do nosso organismo. No meu caso, o corpo se adaptou ao novo patamar de pressão e eu não sentia sintomas como dores de cabeça ou tonturas. É exatamente aí que mora o perigo! Em um “belo” dia, acontece um infarto ou um AVC, por isso devemos controlar e monitorar nossa pressão arterial.

Agora recebi o cartão do “Programa Saúde Fácil” do laboratório fabricante do meu remédio para controle da pressão com o qual consigo 50% de desconto e, depois de dois meses, já adquiri o hábito de tomar um comprimido todas as manhãs.

Basicamente temos três opções – morrer jovem, envelhecer doente ou envelhecer com saúde. O melhor é optar pela última alternativa e fazer o melhor possível para atingir este objetivo, sem exageros e sem dramas…

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Os números de 2013 by WordPress

Os macacos ajudantes de estatística do WordPress.com prepararam um relatório para o ano de 2013 deste blog.

Aqui está um resumo:

A sala de concertos da Sydney Opera House tem capacidade para 2.700 pessoas. Este blog foi visto 24.400 vezes em 2013. Se fosse um concerto na Sydney Opera House, haveria cerca de 9 apresentações totalmente vendidas para muita gente assistir.

Clique aqui para ver o relatório completo.

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Sensações de Final de Ano

Quem inventou o calendário fez um gol de placa! Imagina se não contássemos os anos e simplesmente tivéssemos uma contagem interminável de dias? Neste caso, 31 de dezembro de 2013 poderia ser o dia 735248 da era cristã… A graça da contagem de anos é a vontade de fazer aquele balanço dos nossos sucessos e fracassos no final de cada período. Como consequência, muitas vezes elaboramos os famosos “propósitos de final de ano”. Infelizmente a maioria destes propósitos não se concretiza e muitos não são, ao menos, perseguidos…

Calendario_December-31st

Não é muito fácil analisar com distanciamento suficiente o que fizemos durante um ano. Às vezes é melhor confiar mais na intuição do que na razão. Este ano de 2013, por exemplo, me gerou um turbilhão de sensações, muitas delas antagônicas.

Estes últimos dias me trouxeram vários pensamentos. Por exemplo, há pouco mais de três anos, compramos um terreno com muitas árvores na cidade de Ivoti no Rio Grande do Sul para construir nossa nova casa. Logo depois, mudei de trabalho e havia a iminente possibilidade de mudança de estado. Faz dois anos, fui transferido para a cidade de São Paulo. No segundo semestre deste ano, eu e a Claudia decidimos vender o terreno de Ivoti e comprar uma casa em São Paulo. Esta semana, fomos ao cartório em Ivoti para transferir o terreno ao novo proprietário. Na saída da cidade, eu estava calado e a Claudia perguntou:

– Está se despedindo de Ivoti?

Eu concordei e complementei:

– Talvez a gente nunca mais entre nesta cidade. Estranho que há três anos nós estávamos fazendo planos para morar o resto de nossas vidas aqui. Incrível como as coisas mudam…

No mesmo dia, depois do almoço em Novo Hamburgo, resolvemos ir a um hospital local para que um pediatra examinasse nossa filha caçula, Luiza. Ela já estava há três dias com um pouco de febre, sem se alimentar direito e muito mais chorosa do que seu normal. Nossa espera no hospital foi muito maior do que o esperado devido ao número reduzido de pediatras, ao número elevado de crianças e aos exames laboratoriais complementares que a médica solicitou, incluindo uma análise adicional. Felizmente nossa filha não tinha nada grave, só deveríamos controlar sua febre com paracetamol.

Quando fomos ao restaurante do hospital para fazer um lanche, vimos que havia preparativos para uma cerimônia no jardim em frente da capela. Uma mulher estava vestida de noiva e deduzimos que ela casaria com um paciente. A Claudia me contou depois que o noivo era um doente em estado grave, provavelmente terminal, do setor de oncologia do hospital. Seu leito foi levado até o jardim onde a noiva e um seleto grupo de convidados esperavam por ele. Os convidados pareciam felizes, apesar da situação do noivo, era um pequeno oásis no meio de um deserto de sofrimento, um instante de reconforto. Com certeza não era a felicidade planejada, mas era a possível…

Nossas oito horas de espera no hospital ganharam sua dimensão real, um quase nada!

Passamos a vida planejando o que vamos comprar, em qual posição queremos trabalhar e a renda que teremos, onde passaremos as férias. Os planos parecem centrados no material ou nos modelos de felicidade que a mídia nos apresenta. Neste Natal e final de ano, ao invés de seguir o ícone consumista Papai Noel, deveríamos mergulhar na parte mais escondida do nosso ser e entender o que somos e no que queremos nos transformar. Neste processo, uma frase do Dalai Lama pode ajudar muito:

– “Grande parte do sofrimento é criada por nós mesmos.”

Dalai Lama

Dalai Lama

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Futebol, Sociologia e Psicologia

Quem mora em São Paulo, deve estar sempre atento às notícias sobre o trânsito. Um pequeno acidente com apenas danos materiais, por exemplo, pode ser responsável por dezenas de quilômetros de lentidão na cidade. Assim, quando saio do escritório, ligo o rádio na Band News para saber como está a situação no meu trajeto. Semanalmente, nesta rádio, existe um quadro chamado “Brasil com S”, no qual estrangeiros que moram no Brasil contam suas histórias pessoais e suas impressões sobre nosso país e sobre seus países de origem.

Algumas destas entrevistas são muito interessantes, outras são apenas engraçadas, enquanto que outras caem no lugar comum e me empurram para alguma emissora que tenha música e boletim de trânsito alternadamente. Há pouco mais de um mês ouvi uma entrevista surpreendente do correspondente de esportes da BBC, Tim Vickery, que mora no Rio de Janeiro.

Tim Vickery

Tim Vickery

Ele começou a entrevista, afirmando que todos os países são mitos, normalmente criados pela elite. Na sequência, disse que o Brasil moderno iniciou com Getúlio Vargas e, durante o Estado Novo, ele percebeu que seria muito bom criar o mito da felicidade – povo pobre, mas feliz. Para construir esta mentalidade, ele patrocinou manifestações populares, com destaque para o carnaval. Finalmente Vickery entrou no assunto futebol que também definiu com um mito. Citou o mito do futebol ofensivo (leva sete, mas faz oito), mas para o brasileiro o que importa mesmo é ganhar e afirmou que o torcedor brasileiro não é tão fiel assim. Se o time começa a perder, ele não vai mais no estádio, porque o torcedor não quer ter vínculo com a derrota e tem comportamento do tipo:

– Eu torço para este clube, mas este time não me representa.

Citou, como exemplo, a seleção brasileira de futebol de 1950. Definiu o time como espetacular, mas perdeu apenas o último jogo e, durante mais de meio século, nunca permitiram que a derrota fosse esquecida. E arrematou dizendo que, através do futebol, há uma abordagem sociológica muito profunda sobre quem são os brasileiros.

Seleção Brasileira de Futebol - 1950

Seleção Brasileira de Futebol – 1950

Eu fiquei impressionado! Muitas vezes, alguém de fora consegue enxergar nossas virtudes e mazelas com mais clareza do que nós mesmos. Sobre a decantada felicidade do povo, Vickery disse que a palavra carente diz mais do que feliz para o estado de espírito dos brasileiros. Isto obviamente gerou polêmica, mas a pessoa carente não é aquela que sempre se acha pior do que as outras e está sempre em busca de aprovação? O brasileiro, ao invés de esperar por manchetes favoráveis dos jornais “The New York Times” e “Washington Post” ou da revista “The Economist” para ficar satisfeito com o país, deveria se orgulhar das coisas boas que temos e lutar para modificar as ruins. Nestes últimos vinte anos, tivemos avanços admiráveis em várias áreas. Em outras, como saúde e educação, progredimos com uma velocidade inferior a desejada. Assim, onde estamos “perdendo”, ao invés de simplesmente desistir e “cornetear”, deveríamos “ir para arquibancada gritar até o time virar o jogo e garantir a vitória”.

No nível dos indivíduos, também podemos tirar conclusões interessantes sobre o comportamento no futebol e no trabalho. Existem aqueles que parecem que ganhar ou perder é indiferente. Só jogam quando recebem a bola, não ajudam o time a se defender ou recuperar a bola. No trabalho, são aqueles que dizem repetidamente que estão fazendo a sua parte.

Outros passam o jogo inteiro reclamando dos colegas de time. Para seus erros sempre existem boas desculpas. No trabalho, não é muito diferente…

Há aqueles que se escondem do jogo, têm a habilidade de estar sempre longe das jogadas. No trabalho, fogem das responsabilidades e se escondem atrás de outros colegas.

Outra categoria é a dos desanimados. Se o outro time é forte e sai vencendo o jogo, já desistem de lutar e tentar reverter o jogo. No trabalho, também desanimam ao enfrentar os primeiros obstáculos.

Tem o jogador-operário, aquele cara que joga para o time e não se preocupa em aparecer, mas nunca foge da batalha. No trabalho, este é aquele colega que todo mundo gosta de conviver, porque costuma apoiar os que estão em dificuldade e pensa em primeiro lugar no time.

Um tipo interessante é o “firuleiro”, aquele jogador que, ao invés de armar um contra-ataque, prefere dar um drible humilhante no adversário e acaba atrasando toda a jogada. Cada jogada transforma-se em demonstração de habilidade, mas com baixa efetividade. No trabalho, adora soluções complexas, porque o simples não demonstraria sua competência.

Uma variação deste último tipo é o “fominha”, aquele cara que não passa bola para nenhum colega de time. Não importa se há um companheiro livre na frente do gol vazio, ele prefere tentar a sorte sozinho. No trabalho, este seria aquele chefe centralizador que não repassa atividades para os subordinados, porque ele só confia em si mesmo.

O fominha

O fominha

Você acha que existe relação da forma de jogar futebol e trabalhar? Você conhece outro tipo de jogador-colega de trabalho? Como você se enquadraria?

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Quarenta Vezes Mário

Na semana passada, o primeiro chefe da minha carreira profissional, engenheiro Mário Meneghini, completou quarenta anos de trabalho no mesmo site. Os colegas prepararam uma grande homenagem surpresa no estilo do quadro “Arquivo Confidencial” do “Domingão do Faustão’.

Também gravei um depoimento de aproximadamente dois minutos, no qual contei como conheci o Mário, fiz uma brincadeira, falei do equilíbrio emocional quase inabalável e do jogo de futsal no qual ele tentou acertar o juiz com uma bolada. Gostaria de fazer hoje mais uma pequena homenagem ao ex-chefe, ex-colega e eterno amigo.

dupont sustainable growth excellence awards 2007

Começo lembrando-me do nosso primeiro encontro, foi a entrevista para uma vaga de estagiário. Fui o escolhido e ele era meu chefe direto. Depois de um ano, me contratou como engenheiro de processo da área. Era uma época difícil. A planta nova, que havia entrado em operação há pouco tempo, tinha resultados abaixo do prometido por uma série de motivos – desde problemas do projeto de engenharia à opção da área comercial de vender produtos de produtividade mais baixa. Mário era brutalmente pressionado, mas nunca perdeu a educação, nem jogava os membros da equipe aos leões ou uns contra os outros. Quando tudo parecia ruir, a frase mais indignada que dizia era:

– “É broca!”

Realmente é muito bom trabalhar com alguém que preserva os princípios do respeito e da boa convivência. No meu caso, serviu de exemplo para toda minha vida. No vídeo que gravei, falei de um paradoxo, ter alguém como o Mário como primeiro chefe também tem seu lado negativo. Passei a acreditar que o mundo corporativo agia de acordo com aquele “modus operandis”. Foi um doloroso aprendizado, eu estava errado, mas o Mário prosseguiu como modelo de como tratar as pessoas – ajudantes de limpeza, operadores da fábrica, engenheiros, gerentes ou diretores – ele sempre teve apenas uma cara. Isto fortalece a equipe e cria um ambiente favorável para todos.

Ele também foi o primeiro engenheiro, ainda nos 70, a se “misturar” aos operadores para, por exemplo, jogar futebol, apesar das críticas dos gerentes da época, não mudou sua forma de agir.

No meu depoimento, lembrei-me de um dos raríssimos momentos de descontrole, justamente em um jogo de futsal do campeonato interno da empresa. Após o juiz validar um gol totalmente irregular do adversário, eu e o Mário o pressionamos pela anulação do gol. Quando percebi que não adiantaria reclamar, virei às costas e voltei, xingando o cara. O Mário encarava o juiz e gritava:

– Sacanagem, hein? Sacanagem, hein???

Parecia que em cada repetição ele se irritava um pouco mais. Finalmente ele explodiu e chutou a bola, que estava no centro da quadra para o reinício do jogo, na direção do juiz. A bola quase acertou o alvo. Ao invés de expulsar o Mário, o juiz demonstrou a consciência pesada e deu apenas cartão amarelo. Jogamos juntos pelo menos uma vez por semana, durante vinte anos, e houve mais dois ou três episódios menos graves do que o narrado, nenhuma briga, nenhum bate-boca. Não dá para comparar com as minhas confusões esportivas que renderiam muitas páginas…

Outra característica marcante do Mário é a proatividade. Como definiu muito bem outro ex-subordinado:

– O Mário está sempre disposto a dizer “sim”, enquanto a maioria diz primeiro “não” e depois pensa sobre o assunto.

E, se o mundo infelizmente perdeu na sexta-feira passada Nelson Mandela, homem de tolerância e conciliação, fico feliz que nosso Mário Meneghini continue saudável e na ativa!

Para finalizar, vou plagiar um verso do “Samba da Minha Terra” de Dorival Caymmi:

– “Quem não gosta do Mário bom sujeito não é”.

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Há dois Mil Anos Atrás – O Genial Heron de Alexandria

Muitas vezes fazemos conjecturas sobre como as coisas teriam evoluído, se tivéssemos optado por um caminho diferente do escolhido. Os pensamentos ou diálogos sempre começam da mesma forma:

– Se isto tivesse acontecido, tudo seria diferente…

Normalmente alguém responde:

– Pois é, mas “se” não existe!

Isto ocorre nas mais diversas esferas – pessoal, profissional ou, até mesmo, na história da humanidade. Todo este preâmbulo serviu apenas para introduzir o assunto do artigo de hoje, falarei sobre um dos meus ídolos, o grande engenheiro da antiguidade Heron de Alexandria.

Heron de Alexandria

Heron de Alexandria

Heron foi um grande matemático, engenheiro e inventor da antiguidade. Viveu em Alexandria no século I e, hoje, sua produção é conhecida através dos vários livros que escreveu.

Em geometria, por exemplo, fez vários cálculos de superfície e volume de figuras tridimensionais como esferas, pirâmides, cubos e outras. Desenvolveu a fórmula, que leva seu nome, na qual se obtém a área de qualquer triângulo a partir apenas das medidas dos seus lados.

Apesar da sua obra nas áreas de matemática e geometria ser consistente, sinto-me muito mais atraído por seus inventos. Heron projetou o primeiro dispositivo acionado por um moinho de vento, um órgão musical.

Heron's_Windwheel

Órgão musical acionado por um moinho de vento

Em outro livro, Heron descreve o uso da dioptra (a avô do teodolito) e do odômetro para medição da área de terrenos, sendo um dos pioneiros em Topografia. Também inventou seringas, bombas para combater incêndios e robôs mecânicos. Dentre suas criações mais curiosas, destaco a primeira máquina de venda automática com moedas. No modelo de Heron, o usuário colocava uma moeda na fenda superior que acionava uma alavanca que liberava uma quantidade de Coca-Cola, ou melhor, água benta. Esta era uma forma dos templos conseguirem oferendas…

Máquina para venda de água

Máquina para venda de água

Mas a mais impressionante de todas as suas invenções foi a eolípila, uma máquina a vapor. Como você pode ver na figura abaixo, a água adicionada à caldeira era aquecida com fogo. O vapor formado na caldeira alimentava a esfera através de um tubo que também servia de eixo. O vapor saia da esfera através de dois tubos curvos localizados em lados diametralmente opostos, gerando movimento. Heron inventou a máquina a vapor mil e setecentos anos antes da Revolução Industrial do século XVIII.

Eolípila - máquina a vapor de Heron

Eolípila – máquina a vapor de Heron

Uma história, provavelmente uma lenda, diz que Heron mostrou com empolgação sua invenção ao rei que reagiu dizendo:

– O que vamos fazer com os nossos escravos?

Agora retorno a minha indagação inicial. Como seria o mundo se a eolípila fosse usada como ponto de partida para o desenvolvimento de uma revolução industrial na antiguidade? Acho difícil prever, talvez estivéssemos em um nível de desenvolvimento muito superior ao atual ou talvez os humanos já estivessem extintos devido a guerras. Quem pode prever? O “se” não existe…

Segundo estimativas, a população na época de Heron, século I, era apenas 250 milhões, enquanto que na época da Revolução Industrial já caminhava para o primeiro bilhão. Isto aumenta a necessidade da criação de formas mais eficientes de produção de bens e de transporte, favorecendo o desenvolvimento e uso da máquina a vapor no século XVIII.

O documentário abaixo mostra um pouco da história de Heron de Alexandria e suas invenções. Você verá que Heron não abandonou a eolípia e empregou seus princípios para automatizar a abertura e fechamento de portas em templos de Alexandria. As pessoas acreditavam que as portas abriam através da magia dos deuses, mas as verdadeiras responsáveis eram a ciência e a engenharia de Heron.

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