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História Sangrenta – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 4)

CONTINUANDO…

Havia duas proposições a serem votadas pela Assembleia Geral da ONU. A primeira, apresentada pelo embaixador de Perennial, solicitava a independência do planeta. A segunda, elaborada pelo próprio secretário-geral, concedia 24 horas para a libertação da equipe de auditoria detida em Perennial e a renúncia de todo o conselho do planeta, sob pena de invasão pelas forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

O secretário-geral expôs todos os fatos ocorridos: desde o desvio e contrabando de sementes da fonte da juventude, passando pelo sequestro da equipe de auditoria enviada ao planeta e chegando finalmente à barganha proposta pelo conselheiro-mor de Perennial — libertação da equipe em troca da independência do planeta.

Assembleia Geral da ONU

Assembleia Geral da ONU

Em seguida, ele pediu que o embaixador de Perennial apresentasse suas explicações. Como esperado, os circunlóquios do diplomata não convenceram os demais participantes; provavelmente, nem ele mesmo acreditou na sua defesa. Os discursos de outros membros da assembleia foram acalorados. Todos pediam punição exemplar para o conselho de Perennial e, em especial, para seu líder.

Percebendo que o ambiente estava totalmente favorável, o secretário-geral anunciou uma pausa de uma hora para que os diplomatas conversassem com seus respectivos chefes de Estado. No reinício dos trabalhos, as duas proposições seriam votadas.

Após o intervalo, como já se esperava, a independência de Perennial foi rejeitada por unanimidade, e o ultimato do secretário-geral foi aprovado com apenas algumas abstenções e nenhum voto contrário. O Conselho de Segurança da ONU se reuniu em seguida e definiu a estratégia: a tropa partiria no início do dia seguinte. Graças a um buraco de minhoca (equivalente à dobra espacial da série Jornada nas Estrelas), era possível vencer os anos-luz que separam a Terra de Perennial em poucas horas. A nave espacial Blue Spaceship, das forças de manutenção da paz da ONU, ficaria em órbita do planeta até completar as 24 horas do prazo da resolução. Caso as condições não fossem atendidas, a sede do conselho seria invadida.

Forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

Forças de manutenção da paz da ONU, os capacetes azuis.

Tudo foi executado conforme o planejado. Quando faltava apenas uma hora, o secretário-geral da ONU enviou o ultimato ao conselheiro-mor e avisou a população do planeta:

– Caros irmãos de Perennial! O conselho deste planeta agiu de forma totalmente antiética – roubou, mentiu e acabou sequestrando funcionários da ONU que cumpriam missão oficial no planeta. Se dentro de uma hora, seu conselho não libertar os funcionários e renunciar pacificamente, invadiremos a sede do conselho. Não há motivos para pânico, peço que todos os cidadãos permaneçam em suas casas. Ninguém será ferido.

É óbvio que o aviso gerou uma grande correria na colônia, mas, vinte minutos antes do fim do prazo, as ruas estavam completamente desertas. O conselho e quase toda a equipe segurança de Perennial esperavam o desenrolar das ações no QG improvisado na floresta da fonte da juventude. Apenas dois seguranças permaneceram na sede do conselho para vigiar os prisioneiros e alertar sobre a chegada dos capacetes azuis na colônia.

No horário marcado, a invasão do planeta foi iniciada, a sede do conselho foi cercada, e o líder da operação exigiu que os reféns fossem libertados e que todos os demais se entregassem. Os seguranças, após avisarem o conselheiro-mor, libertaram todos os prisioneiros, com exceção do delegado e de seu assistente direto.

O líder da operação concedeu um prazo de 30 minutos para que os dois reféns fossem libertados; caso contrário, o prédio seria invadido. Ao término do prazo, os seguranças de Perennial acionaram suas armas laser contra os capacetes azuis. Alguns soldados ficaram gravemente feridos. A porta do prédio foi arrombada pelos soldados; entretanto, bombas incendiárias instaladas junto às entradas foram acionadas, e toda a instalação incendiou-se rapidamente.

O resultado foi trágico: sete mortes — três soldados capacetes azuis, dois seguranças do conselho de Perennial, o delegado da ONU e seu assistente. A Terra, que vivia um período de paz, testemunhou o ressurgimento dos horrores da guerra em uma de suas colônias espaciais.

O conselheiro-mor, ao ser informado sobre o resultado da primeira batalha, reuniu os demais membros do conselho:

– Iremos até o fim! Mostraremos a esses canalhas que não temos medo! Quem não estiver preparado para tudo pode sair agora.

Ninguém foi embora; vários gritaram frases de efeito, mas, no fundo, todos sabiam que dificilmente sairiam vivos daquele lugar.

O secretário-geral ficou revoltado com a notícia das mortes, especialmente a de seu amigo, o delegado. Suas ordens foram claras:

– A partir de agora, será olho por olho, dente por dente! Descubram onde esse verme está escondido e capturem-no junto com toda a sua corja. Se não for possível trazê-los vivos, não importa mais, mate-os!

A justiça não era mais importante; apenas a vingança…

A Execução dos Defensores de Madrid [Francisco Goya]

A Execução dos Defensores de Madrid  de Francisco Goya

CONTINUA…

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História Déjà Vu – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 3)

CONTINUANDO…

O conselheiro-mor de Perennial conversou sobre a situação com seu par de Aquamundi na sala de reuniões virtual, onde eram representados por seus hologramas. Ao final, o líder de Aquamundi foi muito honesto e aconselhou-o a buscar uma solução negociada com a Terra:

– A colônia em nosso planeta ainda é relativamente recente. Precisamos dos recursos e do apoio da Terra, não resistiríamos a um bloqueio econômico. Vocês têm a fonte da juventude, uma moeda de troca muito interessante. Não comecem uma guerra, na qual todos sempre perdem.

O conselheiro-mor de Perennial, embora contrariado com o resultado da reunião e principalmente com o conselho final, agradeceu o tempo e a atenção dispensados. Em seguida, finalizou a reunião e solicitou o contato do conselheiro-mor de Arborea.

Reunião virtual com hologramas

Reunião virtual com hologramas

A reunião com o conselheiro-mor de Arborea teve outro tom, porque ele estava claramente dividido. Uma verba considerável estava entrando no planeta por meio do tráfico de kwashas; contudo, a maior parte da população era formada por cientistas que pesquisavam fitoterápicos oriundos da enorme biodiversidade local. Caso seu planeta se alinhasse com Perennial, a torneira dos recursos terráqueos para as pesquisas seria lacrada. Desde a descoberta da fonte da juventude, alguns projetos com alta probabilidade de aprovação foram adiados. Se a Terra não tivesse mais acesso à fonte da juventude de Perennial, verbas generosas poderiam jorrar em Arborea para premiar sua fidelidade e acelerar a busca por novas alternativas na área de saúde e longevidade.

O conselheiro-mor de Perennial prometeu grandes vantagens a Arborea como parceiro preferencial, incluindo generosas quantidades de sementes da fonte da juventude. Quando questionado sobre se apoiaria Perennial na criação de uma nova federação de planetas independentes, o conselheiro-mor de Arborea mostrou-se reticente:

– Acredito que a proposta é muito interessante, mas não estou totalmente certo de que este seja o melhor momento para implementá-la. Talvez possamos conquistar mais autonomia por meio de negociações com a Terra… Solicitarei ao nosso conselho que analise as alternativas o mais rapidamente possível, conforme a situação exige, e retornarei com nossa decisão. Agradeço imensamente pelo amável convite.

O conselheiro-mor de Perennial sentiu que estavam sozinhos. O que fazer? Ele havia avançado demais ao prender o delegado da ONU e sua equipe. Mesmo que a negociação trouxesse vantagens para seu planeta, ele cairia em desgraça.

Seu assessor informou que o secretário-geral da ONU aguardava-o em uma sala de reuniões virtual para discutir sobre a delegação desaparecida. Ele pediu que a conexão fosse estabelecida. O secretário-geral fez uma saudação protocolar e perguntou como estavam as buscas por sua equipe. O conselheiro-mor respondeu que, apesar da grande mobilização, os progressos foram pequenos; ainda não havia pistas. A resposta do secretário-geral foi incisiva:

– Não esperava outra resposta! Qual é a próxima mentira? Não somos tolos ou ingênuos! Vocês inventaram histórias sobre a fonte da juventude, e nossa equipe desmascarou a farsa que vocês criaram. Eles foram mortos ou sequestrados para não revelar tudo o que descobriram? Exijo a verdade!

– Nenhum representante da Terra tem o direito de exigir algo de um cidadão de Perennial. A era do domínio e exploração acabou! O povo de Perennial agora está livre! Se quiserem seus espiões de volta, reconheçam nossa independência.

– Não negociamos com chantagistas. Perennial é uma colônia terráquea e permanecerá com este status. Liberte minha equipe e entregue-se imediatamente. Você terá um julgamento justo. Caso contrário, seremos obrigados a empregar a força!

– Se esta é a sua palavra final, nosso embaixador apresentará imediatamente o pedido de independência de Perennial. Caso tentem invadir nosso planeta, destruiremos a fonte da juventude.

– Convocarei uma reunião de emergência para hoje, e teremos a decisão sobre o futuro de Perennial até o fim do dia. Adeus!

O conselho aguardava o resultado das reuniões do conselheiro-mor para determinar qual plano seria adotado. Ele entrou na sala e foi direto ao assunto:

– A guerra é inevitável! Estamos sozinhos, e o secretário-geral da ONU já sabe de tudo. Seguiremos o plano “solução final”. Os dispositivos explosivos já foram instalados na área de extração de sementes da fonte da juventude. Caso tentem invadir este perímetro, detonaremos as bombas. Os prédios administrativos naquela área já estão preparados para ser nosso quartel-general. Iremos agora para lá!

Como observado muitas vezes na história da humanidade, inúmeras guerras poderiam ter sido evitadas, mas os interesses de uma minoria, combinados com o orgulho de líderes inescrupulosos, impediram negociações benéficas para todas as partes. No final, o prejuízo sempre foi repartido por todos, principalmente pelos menos favorecidos. Fica aquela sensação de déjà vu

Guernica de Pablo Picasso

Guernica de Pablo Picasso

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A “Evolução” da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 2)

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Após um ano de coleta de sementes, a população humana de Perennial começou a ficar descontente com aquela situação. Afinal, estavam enviando toneladas de sementes da fonte da juventude para a Terra e não recebiam praticamente nada em troca. Nesse período, apenas dois moradores do planeta foram sorteados na loteria. Por outro lado, o ônus de gerenciar toda a operação, incluindo os kwashas, recaiu sobre os ombros de Perennial.

Em determinado momento, a produção começou a declinar. O secretário-geral da ONU quis entender o que estava acontecendo, e o conselho de Perennial apresentou uma série de explicações:

– A produtividade das fontes da juventude caiu; cada planta estava gerando menos sementes.

– Os kwashas estavam mais preguiçosos e, como não se podia exagerar nos castigos, eles não temiam mais os humanos.

– Havia uma praga de insetos noturnos que obrigava a antecipar o fim das atividades diárias.

O secretário-geral solicitou um plano de ação e, sem avisar o conselho de Perennial, enviou um delegado com um grupo de auditores ao planeta para investigar mais profundamente os fatos.

Quando o grupo chegou a Perennial, foi fácil refutar a versão do conselho local. Não havia nada errado com as plantas. Os kwachas continuavam trabalhando da mesma forma, e um novo contingente havia chegado de Arborea há um mês. Além disso, a praga de insetos noturnos era mais uma mentira. Na verdade, parte da produção de sementes havia sido desviada e contrabandeada. Uma parte serviu de pagamento aos mercadores de kwachas de Arborea, e a maior parte foi vendida para pessoas ricas que não foram sorteadas na loteria.

Mercado de Escravos

Mercado de Escravos de Johann Moritz Rugendas

O delegado reuniu-se com o conselho para apresentar suas conclusões. Ao final, o conselheiro-mor ordenou para que seu serviço de segurança prendesse a comitiva da Terra e declarou a independência de Perennial:

– Basta de exploração! Basta de humilhações! O tempo de subserviência à Terra acabou hoje! A partir de agora, somos um planeta independente e, se os habitantes da Terra quiserem as sementes da fonte da juventude, deverão pagar o preço que nós determinarmos. Prendam estes canalhas e cortem toda a comunicação deles com a Terra!

Chegou a hora do motim, da revolução: algo que aconteceu inúmeras vezes na história da humanidade na Terra e já estava meio esquecido por seus habitantes.

Revolução Francesa

“A Liberdade Guiando o Povo” de Eugène Delacroix.

O delegado havia enviado um relatório parcial da investigação para a ONU. Quando o secretário-geral leu o documento, tentou contatar imediatamente seu subordinado, mas não obteve sucesso. Então, decidiu convocar o embaixador de Perennial na ONU para obter esclarecimentos. Como todo bom diplomata, ele afirmou que deveria ser um engano e que, talvez, o delegado e sua comitiva estivessem perdidos nas florestas do planeta. E para concluir, disse:

– Entrarei imediatamente em contato com as autoridades de Perennial. Tenho certeza de que todos os esforços serão envidados para encontrar a delegação enviada por Vossa Excelência ao nosso modesto planeta.

O secretário-geral não acreditou naquela história e temia que o pior tivesse acontecido com sua equipe. Não havia tempo a perder!

Em Perennial, o conselho do planeta decidiu apoiar a ruptura dos vínculos com a Terra. Além disso, acharam que não poderiam ficar sozinhos e decidiram fazer uma aliança com os dois planetas mais próximos – Arborea e Aquamundi. Assim, pelo menos, esses planetas não serviriam de base terráquea em caso de ataque das tropas da ONU.

O conflito parecia inevitável. Desta vez, o motivo não era ideológico, nem reservas de petróleo ou metais nobres, nem mesmo territórios. Ironicamente, as pessoas estavam dispostas a morrer para conseguir a semente que prolongaria suas vidas.

Guerra por petróleo

Guerra por petróleo

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O Recomeço da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 1)

Pela primeira vez em séculos, a população da Terra apresentou uma redução. A atividade econômica, apesar de certo dinamismo, apresentava crescimento global praticamente nulo. Havia fontes abundantes e baratas de energia e alimentos; vivia-se um período de paz e prosperidade. Seria este o Fim da História que alguns pensadores descreveram no passado? Como não havia mais alternativas para a economia mundial crescer na Terra, os olhos dos homens se voltaram para o espaço.

Novos planetas, onde existiam condições para o desenvolvimento de vida, foram descobertos. Sondas não tripuladas e naves espaciais foram enviadas para procurar formas de vida e recursos minerais nestes planetas, além de analisar a viabilidade da instalação de colônias de seres humanos.

Foram criados grupos de investidores públicos e privados para explorar os planetas mais promissores. Por coincidência ou não, os planetas mais interessantes possuíam ecossistemas mais desenvolvidos, mas não apresentavam formas de vidas tão evoluídas quanto o ser humano. Após grandes investimentos e muitos anos de planejamento, foram construídas as primeiras bases fora do Sistema Solar. A nova “Era das Grandes Navegações” iniciava-se pelo cosmos, em vez dos mares da Terra do século XV.

As Grandes Navegações do Século XV

As Grandes Navegações do Século XV

Em um desses planetas, “Perennial”, foi encontrada uma planta cujas sementes possuem propriedades milagrosas – seu consumo interrompia o envelhecimento celular. A planta foi chamada de “Fonte da Juventude”. Muitas tentativas foram feitas para isolar a substância responsável por esse efeito, mas não houve sucesso. Também se tentou multiplicar as sementes e fazer grandes plantações na Terra e na própria Perennial, mas a produtividade foi baixa e não foi observado o efeito rejuvenescedor das sementes da planta selvagem. Restava apenas uma alternativa: coletar as sementes do ambiente natural, mas havia um grande problema. Os bilhões de habitantes da Terra e os milhões de humanos que viviam em outros planetas desejavam consumir a semente e viver por toda a eternidade. Após muito debate na sede das Nações Unidas em Nova York, foi definida a quantidade anual de sementes a ser coletada para evitar a extinção da fonte da juventude. Uma espécie de loteria foi criada para determinar quem seriam os felizardos a receber pequenas quantidades de sementes.

Quando se iniciou a coleta de sementes, surgiram as primeiras dificuldades. O ambiente não era amistoso aos humanos. Havia animais selvagens, plantas venenosas, novas doenças transmitidas por animais parecidos com os insetos terráqueos.

Como não havia como mecanizar essa atividade, alguém teve a ideia de usar uma espécie muito dócil de Arboreal, o planeta das árvores gigantes. Os kwasha-kwashas, ou simplesmente kwashas, pareciam com lêmures, mas eram mais altos. Um macho adulto, por exemplo, media 1,40 metros.

Lêmure

Lêmure

Um grupo de kwashas foi levado para Perennial com o objetivo de analisar a viabilidade de utilizá-los na coleta das sementes da fonte da juventude. Os resultados foram excelentes e se decidiu transferir um quarto da população dos simpáticos lêmures gigantes de Arboreal para Perennial.

No trajeto entre os dois planetas, muitos kwashas entraram em profunda depressão; um em cada dez morreu. Ao chegarem a Perennial, não encontraram boas condições de alojamento, e as florestas eram diferentes das de seu planeta natal. Também não havia alimento na quantidade e qualidade necessárias.

A adaptação foi difícil, mas, após alguns meses, os kwashas começaram a acostumar-se ao novo ambiente. A coleta das sementes era uma atividade árdua e perigosa, pois as plantas cresciam em áreas de difícil acesso. Os kwashas, contudo, demonstraram grande habilidade e eficiência na tarefa, superando as expectativas iniciais. Com o tempo, a demanda pelas sementes aumentou significativamente, e a pressão sobre os kwashas intensificou-se.

Não havia tempo a perder, o envio de sementes da fonte da juventude estava muito atrasado e apenas uma remessa fora despachada à Terra. Desta vez, não houve o mesmo cuidado que se teve com o primeiro grupo de kwashas. A situação estava prestes a atingir um ponto crítico que mudaria para sempre a relação entre humanos e kwashas. Eles foram expostos a longas jornadas de trabalho, com pouca água e comida. Quando os responsáveis por supervisionar o trabalho perceberam que os kwashas estavam comendo a fonte da juventude, espancaram e castigaram brutalmente os animais. Alguns não resistiram ao cansaço, aos ferimentos e morreram. Seus corpos ficaram atirados no meio da floresta.

A produção da fonte da juventude aumentou exponencialmente, atingindo finalmente a meta. Os kwashas não aguentavam mais os maus tratos e tentavam fugir. Para evitar perda expressiva de mão de obra, tornozeleiras com localizadores e máquinas de choque foram colocadas em todos kwashas. Algumas pessoas da Terra, de Arboreal e de Perennial se revoltaram com aquela forma antiética de tratamento a seres sencientes, mas eram chamados de loucos, idiotas ou românticos. A maioria das pessoas falava:

– O que é mais importante, a vida de uma pessoa ou de um kwasha? Você deixaria sua mãe morrer para salvar um kwasha?

A própria Igreja definiu que os kwashas não eram humanos e que seriam os instrumentos que Deus nos presenteou para coletar a fonte da juventude. Só se deveria cuidar para não castigar excessivamente os animais a ponto de mutilá-los ou matá-los.

Os interesses econômicos prevaleceram. E a Escravidão, que estava banida na Terra, ressurgia com toda força em Perennial.

Escravo sendo castigado (Debret)

Escravo sendo castigado (Debret)

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O Verdadeiro Fim da História

Em 2014, completará 25 anos da publicação do polêmico ensaio “The End of History?” do cientista político americano Francis Fukuyama na revista National Interest. Depois, no final daquele ano, aconteceu a queda do Muro de Berlim, o que levou muita gente a afirmar que a História havia terminado, porque a democracia liberal triunfara e não surgiria outro sistema para disputar a hegemonia, como foram os casos do fascismo e do socialismo no século XX.

Francis Fukuyama

Francis Fukuyama

No último parágrafo deste ensaio, Fukuyama fala do fim das disputas ideológicas e da “estagnação” que tomará conta da humanidade após o fim da História:

“O fim da história será um momento muito triste. A luta pelo reconhecimento, a vontade de arriscar a própria vida por um objetivo puramente abstrato, a luta ideológica mundial que suscitou ousadia, coragem, imaginação e idealismo, será substituída pelo cálculo econômico, pela solução interminável de problemas técnicos, por preocupações ambientais, e pela satisfação de exigências sofisticadas dos consumidores. No período pós-histórico não haverá nem arte nem filosofia, apenas a guarda perpétua do museu da história humana. Eu posso sentir em mim mesmo, e ver nos outros ao meu redor, uma nostalgia poderosa para o momento em que a história existia. Essa nostalgia, de fato, continuará a alimentar competição e conflito, mesmo no mundo pós-histórico por algum tempo. Apesar de eu reconhecer a sua inevitabilidade, eu tenho os sentimentos mais ambivalentes para a civilização que foi criado na Europa desde 1945, com suas ramificações pelo Atlântico Norte e Ásia. Talvez esta perspectiva de séculos de tédio no final da história servirá para iniciar a história mais uma vez.”

Para começar, não acredito no fim da arte ou da filosofia e prefiro a guerra trancafiada no Musée de l’Armée de Paris. Você pode acessar a íntegra do ensaio através do link abaixo.

http://www.wesjones.com/eoh.htm

Em 1992, Fukuyama lançou o livro “The End of History and the Last Man”, onde desenvolveu melhor os pressupostos de seu ensaio de 1989. Com o fim da Guerra Fria devido ao dilaceramento do bloco socialista, a democracia liberal tornou-se, segundo ele, a forma final de governo para todas as nações. Não poderia haver progressão da democracia liberal para um sistema alternativo. Como a História deve ser vista como um processo evolutivo, poderíamos concluir que a História chegou ao fim, mesmo que eventos ainda ocorram.

Não acredito que esta seria uma boa definição do “fim da História”. Atualmente temos uma série de revoluções acontecendo de forma pacífica no mundo. Estamos entrando em uma era de informação, nunca as pessoas tiveram informação com a abundância de hoje. Figuras como Assis Chateaubriand, o poderoso dono dos Diários Associados entre as décadas de 40 e 60, ou Roberto Marinho, dono das Organizações Globo que chegou ao auge da sua influência entre as décadas de 60 e 90, teriam hoje como principal limitador a Internet. Qualquer um pode dar sua versão dos fatos ou publicar fotos e documentos comprometedores que derrubam versões da grande imprensa.

Assis Chateaubriand (esq.) e Roberto Marinho (dir.)

Assis Chateaubriand (esq.) e Roberto Marinho (dir.)

A tecnologia, em todas as áreas, avança e sinaliza um futuro de maior longevidade e abundância. A biotecnologia é outra revolução deste século. Fukuyama demonstrava pessimismo sobre o futuro da humanidade devido à incapacidade humana de controlar a tecnologia. Em minha opinião, as discussões éticas acontecem depois do desenvolvimento tecnológico, o que evidentemente pode causar sérios problemas, mas dificilmente ocorrerão problemas irreversíveis. Os erros fazem parte do processo de aprendizado.

Voltando para o “fim da História”, o capitalismo, o neoliberalismo e a globalização atacam em duas frentes para garantir a manutenção da sua expansão:

– estímulo ao consumismo das populações mais ricas;
– busca e desenvolvimento de novos mercados.

Atualmente pode-se citar os países pobres ou emergentes da África, Ásia, América Latina e do próprio leste europeu como exemplos destes novos mercados-alvo da globalização. Há quase dois anos escrevi o artigo “Malditas Multinacionais”, onde faço uma análise do binômio lucro e risco. Na África, por exemplo, as instituições dos países estão ficando mais estáveis, atraindo novos investimentos, porque os riscos estão menores ou, pelo menos, administráveis. Como consequência, há uma melhoria considerável nos padrões sociais destes países. O número de filhos por casal cai, o crescimento demográfico declina e a expansão econômica perde velocidade. Outros novos mercados serão procurados e o ciclo se repete.

Conforme minha visão, o “Fim da História” acontecerá quando houver igualdade entre as pessoas e povos. Isto não significa que não existirão pessoas e povos mais ricos ou mais pobres, mas todos terão liberdade e acesso à alimentação de qualidade, moradia digna, saúde e educação. Continuará a haver mobilidade interna entre pessoas e povos, mas isto não será o suficiente para estimular o crescimento da atividade econômica. Assim o neoliberalismo e a globalização perderão fôlego. O que vai acontecer em um mundo com redução de população, com fontes de energia alternativas baratas e confiáveis, com abundância de alimentos de qualidade, onde não será preciso trabalhar mais do que 20 ou 24 horas semanais?

Talvez só exista uma alternativa para o capitalismo, a expansão espacial – a conquista e colonização de novos planetas. Neste caso, se tornará realidade aquela frase do seriado de TV “Jornada nas Estrelas” (“Star Trek” no original em inglês):

– “Espaço – a fronteira final”.

Para os fãs da série, grupo no qual me incluo, matem ou alimentem a saudade, assistindo a abertura original da segunda temporada.

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Jornalismo Profundo como um Pires

Qual é a função do jornalista no mundo de hoje? No passado, era muito mais difícil conseguir informações, o jornalista era a pessoa que disponibilizava notícias para a população em geral. Hoje, com a Internet cada vez mais onipresente, o tamanho do mundo encolheu. O massacre em um shopping center no Quênia é imediatamente divulgado em todos os cantos do planeta.

A divulgação de imagens também deixou de ser exclusividade de agências jornalísticas, qualquer pessoa com um celular com câmera pode filmar uma ocorrência de grande importância ou tirar uma foto digna de um Prêmio Esso ou Pulitzer. Na sequência, pode divulgar no Youtube ou através de outras redes sociais como o Twitter ou Facebook.

Ou seja, o jornalismo descritivo na era da abundância de imagens e informações perdeu terreno e importância. Os telejornais tentaram se reinventar, passaram a ter dois âncoras, normalmente uma mulher e um homem. Começaram a empregar linguagem mais informal. Os apresentadores algumas vezes trocam sorrisinhos e dizem gracinhas. Totalmente dispensável! Passaram também a ter maior participação popular, mas novamente se perderam na obviedade. O que acrescenta perguntar para uma pessoa na rua sua opinião sobre a inflação, a corrupção ou a violência? Tempo precioso perdido!

Vamos analisar dois casos recentes – a greve dos professores municipais no Rio de Janeiro e a libertação dos animais do Instituto Royal em São Paulo.

Os professores do Rio de janeiro ficaram em greve por aproximadamente 80 dias. Os meios de comunicação centraram suas matérias em dois aspectos – o prejuízo dos alunos e o vandalismo dos “black blocs”. Algumas imagens rolaram pela Internet, como a fotografia abaixo, mostrando uma grande manifestação popular no dia 7 de outubro em apoio aos professores. O governo municipal aprovou a toque de caixa um novo plano de carreira que foi rechaçado pelas lideranças da categoria. Não vi nenhum comparativo, mostrando as diferenças entre as propostas dos dois lados. Também não vi um raio X do ensino da cidade do Rio de Janeiro e um comparativo com outras capitais no Brasil e no exterior. Ou seja, ao invés de mostrar e analisar o essencial, a imprensa, de modo geral, preferiu mostrar o acessório – o vandalismo dos “black blocs”.

Manifestação em apoio aos professores cariocas em 07-10-2013.

Manifestação em apoio aos professores cariocas em 07-10-2013.

O caso da libertação de 178 cães da raça beagle do Instituto Royal segue o mesmo roteiro. Foi apresentado um grande número de vídeos com pessoas retirando os animais do local. Todos estavam sem máscaras, sem receio de serem identificados, não parecia uma ação planejada.

A grande discussão nos noticiários foi se a atuação do Instituto Royal era legal. A esta questão eu respondo que sim! A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA, exige que novos remédios e ingredientes para produtos de limpeza ou alimentícios sejam testados em animais. Ou seja, as empresas têm duas opções – ou fazem os testes em animais ou não lançam os produtos. Muitos destes remédios e ingredientes já foram testados e aprovados nos seus países de origem, por exemplo, Estados Unidos ou Europa, mas a ANVISA não aceita estes resultados e exige novos testes no Brasil. Por quê? Seria um bom início a ANVISA analisar os resultados dos testes realizados o exterior, evitando-se o sacrifício inútil de milhares de vidas.

Outro ponto é o sofrimento dos animais. As declarações dos representantes do Instituto Royal afirmando que os animais não sofrem são surrealistas. São aplicados produtos químicos na pele dos animais, eles são obrigados a comer produtos de limpeza, mas não sentem dor. No caso de rações para cachorro até vivissecção é realizada para ver o efeito no sistema digestivo do animal, mas “todos os procedimentos são realizados sem sofrimento”. No final todos os animais são sacrificados e dissecados.

Cão da raça beagle resgatado no Instituto Royal.

Cão da raça beagle resgatado no Instituto Royal.

Se atualmente não existem outras formas com eficácia comprovada para substituir os testes com animais, deveria ser criado um plano para a substituição para testes in vitro com células humanas. Por exemplo, em 2018 estariam proibidos testes de produtos de limpeza e alimentícios em animais; em 2025, remédios.

Os testes com animais ficaram parcialmente desacreditados após dois casos célebres:

– os testes em animais para verificar a ligação entre tabagismo e câncer;
– a má formação de fetos devido ao consumo de talidomida durante a gravidez.

Inúmeros testes foram realizados com animais para provar a ligação entre tabagismo e câncer. Em um destes testes, camundongos ficavam numa câmara, inalando fumaça de cigarro. Centenas passaram a vida nestas condições, mas não houve aumento nos índices de câncer de pulmão. Os resultados destes testes serviram de álibi para a indústria do fumo por anos. Em 1993, o The New York Times publicou o depoimento de William Campbell, na época presidente da Philip Morris, em um processo de indenização de comissários de bordo que tiveram problemas de saúde devido à inalação de fumaça de cigarro durante voos (naquele tempo era permitido fumar a bordo dos aviões).

– O tabagismo causa câncer?
– Que eu saiba, não está provado que o cigarro provoca câncer.

– No que você se baseia?
– Me baseio no fato de que, tradicionalmente , você sabe, existem em termos científicos dificuldades relacionadas com a determinação das causas e, até este momento, não há nenhuma evidência de que os cientistas tenham conseguido produzir câncer em animais a partir de fumaça de cigarro.

Se você quiser ler a íntegra deste depoimento, basta clicar no link abaixo.

http://www.nytimes.com/1993/12/06/business/on-cigarettes-health-and-lawyers.html

O problema é que o organismo da maioria dos mamíferos, incluindo camundongos e cães, sintetiza sua própria vitamina C, um poderoso antioxidante. Nós humanos somos incapazes de fazer isto e necessitamos de fontes externas. Deste modo, os camundongos tinham uma proteção natural nos seus pulmões, o que tornava os testes inúteis para simularmos o efeito da fumaça dos cigarros nos humanos. A ligação entre câncer e tabagismo foi provada através de estatística, porque a incidência de câncer no pulmão era significativamente maior nos fumantes. A indústria do cigarro fez um acordo bilionário para indenizar as vítimas do tabagismo nos Estados Unidos.

Sessão do senado americano em 1994, onde os presidentes das 7 maiores empresas de tabaco dos EUA afirmaram sob juramento que nicotina não vicia. William Campbell está na direita da foto.

Sessão do senado americano em 1994, onde os presidentes das 7 maiores empresas de tabaco dos EUA afirmaram sob juramento que nicotina não vicia. William Campbell está na direita da foto.

No caso da talidomida, no final dos anos 50 e durante os anos 60, cerca de dez mil bebês, segundo a BBC, nasceram com má-formação após suas mães consumirem este medicamento para combater enjoos durante a gravidez. A característica mais lembrada destas crianças é a focomelia, encurtamento e deformação dos membros superiores e inferiores, como pode ser visto na foto abaixo da artista inglesa Alison Lapper.

Artista inglesa Alison Lapper pintando.

Artista inglesa Alison Lapper pintando.

Foram realizados testes com animais, mas inicialmente não foram usadas fêmeas grávidas. Com o surgimento de casos teratogênicos em humanos, reiniciaram-se os testes com animais, mas em várias espécies a má-formação do feto só aparecia em dosagens significativamente maiores (centenas a milhares de vezes) do que a dose diária ingerida por um humano.

Se você acredita que está seguro com os testes em animais, engana-se, porque muitos medicamentos que causam, por exemplo, má-formação de fetos humanos não geram efeitos em algumas espécies e nenhum animal de teste tem resultados completamente alinhados aos humanos. A prova são as advertências às gestantes que estão impressas nas bulas dos remédios.

Ao invés de mostrar insistentemente “black blocs”, queimando carros de polícia nas proximidades do Instituto Royal na cidade paulista de São Roque, a imprensa poderia estimular a discussão da validade dos testes em animais.

O jornalismo hoje deveria ser mais analítico, mostrar os diversos lados da notícia, ser plural, ao mesmo tempo não deveria ser maniqueísta. Por exemplo, ao invés de simplesmente mostrar a ação dos “black blocs”, os meios de comunicação poderiam traçar perfis sociais e psicológicos dos seus integrantes. Poderiam mostrar as raízes históricas e ideológicas do movimento no mundo. Tenho certeza que haveria discussões mais ricas e toda sociedade sairia ganhando.

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A Indignada Passividade do Brasileiro

Daqui da França, acompanhei os comentários indignados de muitos brasileiros sobre a aceitação pelo Supremo Tribunal Federal dos tais embargos infringentes que podem beneficiar doze dos condenados na famosa Ação Penal 470 (popular Mensalão) na semana passada. Tenho uma série de impressões e comentários sobre esta decisão.

Em primeiro lugar, escrevi um artigo há três semanas em que falava da esperança de uma grande mobilização popular do dia 7 de setembro passado. Infelizmente, comparadas com as manifestações de junho, as do Dia da Independência foram pequenas. Não sei o real motivo deste fracasso, se a novidade foi perdida, se foi o medo da violência dos confrontos entre “black blocs” e polícia ou se a velha passividade do brasileiro voltou a imperar. Eu e a Claudia participamos das manifestações em São Paulo. Por sinal, o pessoal saiu da frente do MASP e, quando chegou na esquina da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, a manifestação se dividiu em duas: a parte “black bloc” e a outra que desceu até a Assembleia Legislativa do estado para protestar contra o escândalo dos trens e metros de São Paulo. Havia diferentes “bandeiras” entre os manifestantes, inclusive gente desejosa de uma intervenção militar no país, mas existia uma meta comum a todos, o combate à corrupção. Infelizmente as autoridades do país, desta vez, concluíram que não havia o que temer, porque o povo decidiu ficar em casa.

Manifestação Black Bloc no 7 de setembro em São Paulo

Manifestação Black Bloc no 7 de setembro em São Paulo

Neste contexto, os votos dos ministros do STF foram livres da pressão mais contundente da sociedade brasileira que, ao invés de ir para as ruas e deixar claro que queria o cumprimento imediato das penas dos condenados, achou mais cômodo ficar em casa e atualizar seus status nas redes sociais. Todos nós sabemos como a justiça brasileira é lenta, com inúmeras possibilidades de recursos e agravos. Quem não tem ou teve algum processo de baixa complexidade que levou muitos anos até chegar a sentença final? A aceitação dos agravos infringentes (ou seriam adstringentes) foi muito apertada, 6 votos a 5, devido às interpretações ou interesses divergentes na corte. O voto decisivo, proferido pelo ministro Celso de Mello, obviamente no que se refere à parte legal, deve ser aceito. Meu comentário, neste caso, é que o amplo direito de defesa que o ministro usou como argumento deveria valer, antes de qualquer coisa, para todos aqueles que, muitas vezes, não sabem nem quais são seus direitos. Os condenados neste processo tinham ótimos advogados que conheciam toda a sorte de mecanismos para a obtenção de recursos e embargos.

Ministro Celso de Mello do STF

Ministro Celso de Mello do STF

Vejo muita gente falando que tudo acabará ou já acabou em pizza. Estes embargos valem apenas para duas acusações, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, onde doze réus foram condenados e receberam, pelo menos, 4 votos pela absolvição. Deste modo, o próximo julgamento será muito mais rápido do que o anterior, mas devido aos prazos processuais e recesso do judiciário, deverá ocorrer no primeiro semestre de 2014. Metade dos condenados como Marcos Valério, seus sócios e os dirigentes do Banco Rural, mesmo se forem absolvidos do crime de formação de quadrilha, cumprirão a pena em regime fechado. Para a opinião pública, os casos que realmente importam são de José Genuíno, João Paulo Cunha, Delúbio Soares e, principalmente, José Dirceu. A vantagem deles, se forem inocentados do crime de formação de quadrilha, será a migração do regime fechado para o semiaberto (quando o preso vai dormir na cadeia). Em minha opinião, isto não é uma pizza. Mesmo se José Dirceu cumprir a pena em regime semiaberto, será um verdadeiro marco na história brasileira, porque nenhum político desta envergadura passou por isto durante período democrático no Brasil.

Pizzas no STF

Pizzas no STF

A opinião pública continua satanizando a corrupção na esfera pública, mas é muito amena em relação à esfera privada. Esta semana, no meu treinamento sobre finanças no INSEAD da França, estudamos sobre balanços patrimoniais, demonstrações de resultados e como calcular o desempenho das empresas. Bônus generosos são pagos aos principais executivos de grandes empresas privadas, quando os resultados são atingidos. Veja esta tira de um dos meus personagens preferidos, o Dilbert, abaixo.

Dilbert_accounting

Ou seja, para atingir os resultados e ganhar o bônus, o chefe do Dilbert decide vender para empresas, que provavelmente não pagarão a conta, com prazo para pagar após o recebimento de seu “merecido” bônus. Se você acha que este tipo de “trampa” não existe no âmbito privado, em 2009, o governo americano socorreu vários bancos e seguradoras, entre elas a AIG, maior seguradora dos Estados Unidos. A AIG, à beira da falência na época, foi salva por uma linha de crédito bilionária, mas pagou para dez executivos da empresa, como bônus, US$ 165 milhões. Parece que esta atitude não foi uma exclusividade dos executivos da AIG, aconteceu algo parecido em outros bancos americanos.

Este exemplo apenas nos mostra como a ética é maltratada por todos os lugares e não apenas no governo federal do PT, ou no mensalão mineiro do PSDB, ou nos escândalos do DEM no Distrito Federal, ou em inúmeros casos em prefeituras brasileiras, ou hospitais públicos, ou empresas privadas…

Destaco esta parte da música Money do Pink Floyd:

Money, it’s a crime
Share it fairly but don’t take a slice of my pie.
Money, so they say
Is the root of all evil today
But if you ask for a raise it’s no surprise that they’re
Giving none away

Acho que o dinheiro em si não é a “raiz de todo o mal hoje”, mas sim a ambição cega por dinheiro e poder e suas consequências! Mas isto já é outro artigo…

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Pra Não Dizer que Não Falei das Flores

Há pouco mais de dois anos, eu e a Claudia passamos nossas férias em Paris. Logo após a visita ao Museu Rodin, nos dirigimos ao Hotel dos Inválidos que fica ao lado. Exploramos apenas o lado externo, porque a Claudia não quis entrar para ver o Museu do Exército ou a tumba de Napoleão Bonaparte. Eu aceitei a decisão e falei para ela que na primeira vez que eu estivesse sozinho em Paris faria esta visita.

Hotel dos Inválidos - Paris

Hotel dos Inválidos – Paris

O dia chegou! Estou fazendo um treinamento esta semana em Fontainebleau e aproveitei para passar o final de semana passado em Paris. Cheguei ao “Les Invalides” no final da manhã de domingo e comecei pelo museu que conta a história das guerras em que o exército francês participou no final do século XIX, Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Na sequência visitei a tumba de Napoleão Bonaparte, ou Napoleão I. Depois passei pelas alas dedicadas ao exército francês e suas guerras desde a monarquia, passando pela Revolução Francesa, por Napoleão, pela restauração da monarquia, por uma nova tentativa de república, por uma nova tentativa de império com Napoleão III e enfim a chamada Terceira República.

Tumba de Napoleão Bonaparte

Tumba de Napoleão Bonaparte

Foi muito deprimente ver todo o esforço e dispêndio de recursos dedicados para a guerra, onde o resultado final é sempre mortes, destruição e sofrimento. E todas as histórias, neste museu, eram basicamente variações sobre o mesmo tema:

– o líder de um país queria mais poder e resolvia invadir o vizinho. Não ficava satisfeito e invadia seu novo vizinho, mas ainda queria mais, e invadia mais um e continuava até perder feio alguma batalha. Depois desta derrota, várias outras viriam até a destruição do país e a destituição do seu antigo líder.

– os vencedores finais, que foram originalmente agredidos, vingavam-se através de tratados de paz que levavam humilhação e miséria aos perdedores.

– os países perdedores, depois de algum tempo tentando sair do buraco, ficavam instáveis social, econômica e politicamente. Nesta hora, aparecia um líder carismático que prometia a solução de todos os problemas. Foi assim após a Revolução Francesa com Napoleão ou, na Alemanha, após a Primeira Guerra Mundial com Hitler.

– estes líderes faziam muita coisa boa, como resultado, eles aumentavam seu poder até ficar absoluto, mas, sob o pretexto de se defender dos vizinhos ou vingar-se dos vencedores da guerra anterior, iniciavam novas guerras e o ciclo se repetia.

Incrível como a espécie humana que cria maravilhosas obras de arte, desenvolve técnicas para curar todas as doenças, decifra segredos das ciências, faz grandes obras de engenharia, também faz a guerra, o horror, a antítese de toda a beleza. Na Primeira Guerra Mundial, milhares morreram dentro de trincheiras, por ação de bombas ou gases tóxicos. No final da Segunda Guerra, os americanos testaram um novo armamento, a bomba atômica, com destruição total de Hiroshima e Nagasaki.

Bomba Atômica lançada em Nagasaki (06-08-1945)

Bomba Atômica lançada em Nagasaki  (06-08-1945)

Shakespeare apresenta, em suas peças, várias histórias de guerra que mostram a futilidade dos motivos da guerra. Na peça histórica sobre o rei da Inglaterra Henrique V, ele inicia uma guerra contra a França por acreditar que tem direito ao trono daquele país. Em Hamlet, um capitão do exército norueguês, em nome de um príncipe, pede permissão para uma tropa de seu exército cruzar o território dinamarquês. Hamlet surpreende-se quando recebe a explicação que o motivo da guerra é um pequeno território sem valor na Polônia. Quando o capitão do exército norueguês sai, ele tem um de seus monólogos e, em certo momento, define bem aquela guerra:

Vejo a morte iminente de vinte mil homens que, por um capricho, uma ilusão de glória, caminham para a cova como quem vai pro leito, combatendo por um terreno no qual não há espaço para lutarem todos; nem dá tumba suficiente pra esconder os mortos…

A estupidez dos motivos da guerra persiste até hoje, pode ser petróleo, ideologia, religião, etnia, um pedaço de terra qualquer…

Mas afinal qual é a relação entre o título deste artigo e seu conteúdo? O que flores têm a ver com a guerra? Pela manhã, antes de pegar o metrô para “Les Invalides”, passeei no “Jardin des Plantes”, um daqueles lugares com energia boa que revigoram qualquer um. Talvez por isso eu não saí de “Les Invalides” deprimido, porque o ser humano que cria um lugar como “Jardin des Plantes”, não pode soltar bombas ou gases tóxicos em cima dos outros seres humanos. E aí estão algumas das belas flores que fotografei na manhã deste domingo, pra não dizer que não falei das flores…

Flores_Jardin-des-Plantes

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Luther King, Donadon, Reforma Política e o Sete de Setembro

No dia 28 de agosto, comemorou-se o cinquentenário do famoso discurso “I Have a Dream” (“Eu Tenho um Sonho”) do advogado, pastor, ativista dos direitos humanos e pacifista Martin Luther King Jr. no Memorial de Lincoln em Washington, a capital americana. Este discurso foi o ápice da Marcha sobre Washington, movimento que reuniu entre 200 e 300 mil manifestantes que pediam justiça social e o fim da segregação racial nos Estados Unidos. Parece incrível que há apenas cinquenta anos os negros norte-americanos em alguns estados não tinham o direito de votar. Também é incrível a aceitação da existência de estabelecimentos, como hotéis e restaurantes, com atendimento exclusivo para brancos. Assista a este inspirador discurso, com legendas em português, nos dois vídeos abaixo:

– primeira parte

– segunda parte

Ironicamente, no mesmo dia, a Câmara dos Deputados do Brasil livrou da cassação o deputado Natan Donadon. Para quem não acompanhou este caso, eu faço um rápido resumo. Este deputado está preso em Brasília há uns dois meses após ser condenado a uma pena de mais de 13 anos em regime fechado por desvio de recursos públicos no estado de Rondônia. Como todo preso já condenado perde automaticamente seus direitos políticos, deveria acontecer o mesmo a Donadon, mas a Câmara resolveu analisar o caso na Comissão de Ética. O relator pediu a cassação em votação no plenário, onde seriam necessários 257 votos. A votação, como infelizmente acontece nestes casos, foi secreta e apenas 233 deputados votaram pela cassação. Houve 131 votos contra, 41 abstenções, 54 deputados presentes na sessão não votaram e outros 54 simplesmente não compareceram. Qual é o julgamento moral sobre estes 280 deputados que não votaram a favor da cassação do mandato de Natan Donadon?

Deputado Natan Donadon, no centro algemado.

Deputado Natan Donadon, no centro algemado.

Fica claro por tudo que assistimos em nosso parlamento que urge uma reforma política no Brasil. Eu tenho uma lista de itens que deveriam ser alterados:

– fim do voto secreto em todas as votações do congresso ou sessões fechadas ao público ou imprensa – o eleitor tem direito de saber como seu representante age;
– financiamento público de campanha – fim das contribuições de pessoas físicas ou jurídicas que geram compromissos futuros;
– voto distrital – cada deputado seria eleito pela maioria dos votos de seu distrito eleitoral, seria o fim dos puxadores de votos (caso Enéas Carneiro e Tiririca);
– mecanismos de democracia direta – facilitação da apresentação de propostas populares e o “recall” do mandato dos parlamentares (se não fizer o que prometeu na campanha, perde o mandato);
– coincidência das eleições – teríamos eleições gerais a cada quatro anos, seriam escolhidos simultaneamente vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores, deputados federais, senadores e presidente. Assim termina aquela história de abandonar a prefeitura para concorrer a outro cargo ou largar o mandato de deputado para concorrer a prefeito;
– fim da reeleição para cargos executivos – reduziria o uso da máquina pública por parte dos prefeitos, governadores e presidente;
– limite de dois mandatos legislativos consecutivos – estimularia a renovação na política.

Nem falei das mordomias, assessores, salários com reajustes generosos, pensão para aposentadoria…

Claro que com este congresso nada vai mudar! Esta votação da cassação do mandato do Natan Donadon é apenas mais um episódio de uma longa lista da má conduta da maioria dos nossos parlamentares. Por que eles mexeriam no status quo que está tão favorável para a classe política?

Chegou a hora do povo voltar para rua, como fez junho, para forçar os políticos a fazerem estas reformas. Se não houver tempo hábil para estas eleições que passem a valer para as seguintes. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, não valeu para a eleição passada do Congresso Nacional, mas valerá para a próxima e várias figurinhas carimbadas da nossa política estarão inelegíveis. Agora farei um plágio do discurso de Martin Luther King com o qual iniciei este artigo:

– Viemos à rua para lembrar ao Brasil da veemente urgência do agora. Este não é o tempo para se dedicar à luxuria da postergação, nem para se tomar a pílula tranquilizante do gradualismo. Agora é o tempo para que se tornem reais as promessas da Democracia. Agora é o tempo para que nos levantemos do vale escuro e desolado da marginalização para o iluminado caminho da justiça social. Agora é o tempo de abrir as portas da oportunidade para todos os brasileiros. Agora é o tempo para levantar nossa nação da areia movediça da injustiça social para a rocha sólida da fraternidade.

– Seria fatal para a nação não levar a sério a urgência do momento e subestimar a determinação do povo. Este descontentamento legítimo do povo não passará até que ocorram as mudanças necessárias. O ano de 2013 não é um fim, mas um começo. Aqueles que creem que o povo precisava apenas desabafar, e que agora ficará contente como está, terão um despertar abrupto se a Nação não retornar à sua vida normal como sempre. Não haverá tranquilidade nem descanso no Brasil até que o povo tenha garantido todos os seus direitos de cidadania. Os turbilhões da revolta continuarão a sacudir as fundações de nossa Nação até que desponte o luminoso dia da justiça.

– Existe algo, porém, que devo dizer ao povo que se encontra no caloroso limiar que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistarmos nossos direitos, não devemos ser responsáveis por atos irregulares. Não busquemos satisfazer a sede pela justiça, tomando da taça da amargura e do ódio. Devemos conduzir sempre nossa luta no plano elevado da dignidade e disciplina. Não devemos deixar que nosso protesto criativo se degenere em violência física. Sempre e cada vez mais devemos nos erguer às alturas majestosas de enfrentar a força física com a força da alma.

– À medida que caminhamos, devemos assumir o compromisso de marcharmos avante. Não podemos retroceder. Existem aqueles que estão perguntando: “Quando vocês ficarão satisfeitos?” Não podemos ficar satisfeitos enquanto o povo for vítima dos horrores incontáveis da brutalidade policial. Não podemos ficar satisfeitos enquanto o povo não tiver educação, saúde, habitação e bons serviços de transporte. Não, não, não estamos satisfeitos, e não ficaremos satisfeitos até que a justiça seja conquistada.

– Digo-lhes, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e frustrações do momento, ainda tenho um sonho. Tenho um sonho que algum dia os filhos dos ricos e os filhos dos pobres poderão sentar à mesma mesa, andarem de mãos dadas e terem oportunidades iguais para uma vida digna.

– Tenho um sonho que meus três filhos viverão um dia em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, pela aparência, pela posição que ocupam ou por seus bens materiais, mas pelo conteúdo de seu caráter.

Martin Luther King no Memorial de Lincoln

Martin Luther King no Memorial de Lincoln

Encerro este artigo conclamando todos os brasileiros a fazerem as maiores manifestações populares da história do Brasil no próximo dia 7 de setembro. Seremos os agentes das mudanças que o povo do nosso país tanto precisa. Procure saber onde serão as manifestações em sua cidade e participe. Como diria Castro Alves, “a praça é do povo como o céu é do condor”.

Por gentileza, responda a enquete abaixo:

 

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Tolerância Zero com os Dogmáticos

No início da minha carreira, eu tive um chefe que tinha uma série de preferências e opiniões opostas às minhas. No futebol, eu sou colorado; ele, gremista. No segundo turno da eleição de 1989, eu apoiava o Lula; ele, o Collor. E pior, eu adorava discutir futebol e política e não gostava de perder debate. Acho que alguns problemas que eu tive com este chefe foram devido a estas inúteis discussões sobre futebol ou política. Com o passar do tempo, me dei conta da bobagem daquela minha atitude, porque um dogmático não muda o pensamento de outro dogmático.

Ultimamente, na política, a direita e a esquerda me cansam. Melhor dizendo, me aborrecem, principalmente quando estão agindo de forma cada vez mais parecida de acordo com minha ótica. Não discuto mais política partidária, mas não resisto à tentação de discutir com aqueles que discutem política com parcialidade. Acho incrível como os fatos são moldados para um lado ou outro de acordo com as conveniências. São criadas as mais engenhosas teorias da conspiração apoiadas por silogismos bem elaborados.

Eterno conflito entre PT e PSDB

Eterno conflito entre PT e PSDB

Talvez a melhor forma de se posicionar diante desta postura seja uma espécie de questionamento socrático, fazer de conta que não se sabe nada sobre o assunto e testar a consistência dos argumentos. Normalmente lembro, na sequência, alguns fatos onde o outro lado agiu da mesma forma antiética. Por exemplo, hoje, quando se fala do mensalão, pergunto sobre o escândalo dos trens e metrôs de São Paulo. Se eu sentir que a opinião é completamente radical, desisto e parto para outro assunto menos polêmico.

Achei excelente a participação do novo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, no julgamento dos recursos da Ação Penal 470 (popular Mensalão). Após citar exemplos de escândalos dos últimos 20 anos envolvendo políticos, Barroso disse:

Não existe corrupção do PT, do PSDB ou do PMDB. Existe corrupção. Não há corrupção melhor ou pior, dos “nossos” ou dos “deles”. Não há corrupção do bem. A corrupção é um mal em si e não deve ser politizada.

Novo Ministro do STF Luís Roberto Barroso

Novo Ministro do STF Luís Roberto Barroso

Barroso disse também que a sociedade tem cobrado “um choque de decência” em várias áreas:

Por exemplo, acabar com a cultura de cobrar com nota ou sem nota. Não levar o cachorro para fazer necessidades na praia. Nas licitações, não fazer combinações ilegítimas com outros participantes.

Outro assunto interessante é a religião. Noto o aumento dos evangélicos neopentecostais e de suas “antipartículas”, os ateus. Tenho amigos, colegas e conhecidos ateus, um deles ironicamente se chama Jesus. A máxima de todos os ateus é “não tem como provar a existência de Deus”. Eu normalmente pergunto se eles conseguem provar a não existência de Deus.

Discussões entre ateus e cristãos evangélicos

Discussões entre ateus e cristãos evangélicos

Como já escrevi em vários artigos deste blog, a fé é algo muito pessoal. Ou seja, acreditar ou não em Deus depende da fé, ou da não fé se preferirem. Tolerância é essencial!

Gostaria que todos pensassem de forma aberta e sem preconceitos ou dogmas. Quando nos convencemos que um dos lados sempre tem razão e o outro está sempre errado, mesmo em situações similares, ficamos cegos e esta cegueira limita terrivelmente nossa percepção da realidade. Passamos apenas a assistir programas de TV, ler revistas, acompanhar blogs que reforcem a nossa própria ideologia. Tudo que contraria nossas ideias é desqualificado. Seria o mesmo que pregar apenas para os já convertidos e assim se perde a oportunidade de tentar entender, sem preconceitos, outros pontos de vista.

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O Papa é Pop – O Carisma e a Mensagem

No dia 22 de julho, o Papa Francisco chegou ao Rio de Janeiro para participar, entre outros eventos, da Jornada Mundial da Juventude. Impressionou a agenda dura que o papa cumpriu em apenas uma semana. Pareceu exagerada para um senhor de 76 anos. Bastava ligar a televisão na semana passada e lá estava ele, esbanjando simplicidade e simpatia.

Papa Francisco

Papa Francisco

O atual papa possui um carisma invejável, é quase impossível não simpatizar com ele, a forma como sorri, o carinho com as crianças e a paciência com as brincadeiras e presentes de gosto duvidoso. Por outro lado, tenho receio quando as pessoas são julgadas somente por suas imagens. Por exemplo, o governo Médici foi o mais duro do período de ditadura militar no Brasil, mas para as pessoas comuns Geisel foi pior. Este julgamento é baseado nos sorrisos do Médici e na “carranca” do Geisel, não importa que a tortura corresse solta no período Médici e que, no período Geisel, as denúncias a respeito da morte, tortura e desaparecimento de presos políticos reduziram muito.

General Emílio Garrastazu Médici com Pelé

General Emílio Garrastazu Médici com Pelé

   

General Ernesto Geisel e sua tradicional "carranca"

General Ernesto Geisel e sua tradicional “carranca”

Como o tempo do Papa Francisco para fazer alguma coisa prática ainda é curto desde sua posse, procurei ouvir suas mensagens. Minha percepção é que, ao falar para os jovens, ele buscou tocar o coração de cada um. A ideia é que para mudar a Igreja e o mundo, comece por você. Mário Quintana disse certa vez esta frase simples e verdadeira:

Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.

o poeta Mário Quintana

o poeta Mário Quintana

Ou seja, o Papa Francisco, através de suas mensagens, quer inicialmente mudar as pessoas. Assim ele incentivou a juventude a largar o egoísmo e comodismo e se tornar agente da mudança na Igreja e no mundo. Isto fica claro nesta mensagem:

Sigo as notícias do mundo e vejo que tantos jovens de muitas partes do mundo têm saído pelas ruas para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna. Os jovens nas ruas são jovens que querem ser protagonistas da mudança. Por favor, não deixem que outros sejam protagonistas da mudança, vocês jovens são os que têm o futuro. Através de vocês o futuro chega ao mundo…

Vi na noite de domingo uma entrevista do papa ao programa Fantástico da Rede Globo. Fora a parte “festiva” da entrevista com questões sobre clima, rivalidade Brasil-Argentina, segurança pessoal, gostei especialmente da análise do papa sobre o momento atual da economia. Ele citou que a globalização com o “protagonismo do dinheiro, economicista, sem qualquer controle ético”, acaba por marginalizar expressivas parcelas da população, como os mais velhos e os mais novos nos mais variados locais do planeta. Ele exemplificou que oscilações nas bolsas de valores são mais importantes do que pessoas sem comida ou educação:

Hoje em dia há crianças que não têm o que comer no mundo. Crianças que morrem de fome, de desnutrição. Há doentes que não têm acesso a tratamento. Há homens e mulheres que são mendigos de rua e morrem de frio no inverno. Há crianças que não têm educação. Nada disso é notícia. Mas quando as bolsas de algumas capitais caem três ou quatro pontos, isso é tratado como uma grande catástrofe mundial. Esse é o drama do humanismo desumano que estamos vivendo. Por isso, é preciso recuperar crianças e jovens, e não cair numa globalização da indiferença.

O papa ainda incentivou os jovens a expressarem seus descontentamentos e as pessoas a ajudarem os mais necessitados, se doando. Entendo que esta ajuda não deveria ser apenas monetária, por exemplo, uma esmola, um dízimo ou uma contribuição em dinheiro para uma entidade assistencial. A definição de Gibran Khalil Gibran, no seu livro “O Profeta” sobre a doação deveria ser seguida por todos:

Vós pouco dais quando doais de vossas posses. É quando doais de vós próprios que realmente dais.

Gibran Khalil Gibran

Gibran Khalil Gibran

Assim, quando usamos nosso tempo, nossa energia, nossa sabedoria ou nossos conhecimentos para ajudar os mais necessitados, estaremos realmente nos doando. Esta não é uma missão fácil, a inércia a que nossas vidas estão submetidas só pode ser quebrada com muito esforço, senão o comodismo vai nos levar a assistir passivamente o que está ao nosso redor.

Acredito que foi um bom início do pontificado de Francisco, mas é melhor aguardar seus próximos passos. João Paulo II também era popular e carismático, mas seu conservadorismo dogmático foi um dos motivos do afastamento da Igreja Católica das reais necessidades do povo.

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O Individual e o Coletivo

Desde o início dos protestos pelo Brasil, tenho pensado muito nas principais reivindicações dos manifestantes. Acredito que a educação de qualidade seja o processo que realmente tem o poder de mudar o Brasil. A própria saúde pública também é função da educação do povo. Afinal sempre será melhor ensinar e promover a adoção de atitudes saudáveis do que tratar as doenças decorrentes de práticas de higiene e alimentação deficientes.

No ano passado, assisti a uma palestra da pesquisadora da Universidade Federal do Tocantins, Fernanda Dias Abadio Finco, contemplada com o Prêmio da Fundação Bunge 2012 na categoria “Juventude”, no tema Segurança Alimentar e Nutricional. Ela apresentou um dado que me chamou a atenção na época. O percentual de pessoas com peso abaixo do normal em comunidades carentes do estado do Tocantins era pequeno, enquanto que a parcela de pessoas com sobrepeso e obesidade era muito maior e crescia rapidamente. Por outro lado, muitas pessoas tinham deficiências de nutrientes. Ou seja, o principal problema não era a quantidade de calorias ingeridas e sim a variedade e qualidade dos alimentos. A proposta da pesquisadora era aproveitar a rica biodiversidade disponível no Brasil, através do uso de vegetais com propriedades funcionais. O conhecimento dessas propriedades seria obtido por meio de pesquisa científica. Como resultado, teríamos a melhoria da nutrição e saúde das comunidades locais, a agregação de valor em produtos tradicionais da região, colaborando para geração de renda da agricultura familiar, preservação das florestas nativas e, consequentemente, promovendo uma relação ganha-ganha.

Assim trocaríamos o paradigma do tratamento de doenças pela promoção da saúde, através da orientação próxima de profissionais da saúde sobre boas práticas de higiene e nutrição. Tenho certeza que se evitariam muitas doenças ou a recuperação seria mais simples e rápida.

Mais-Medicos

Os governos brasileiros, incluindo o atual e os anteriores independentemente dos partidos, não fizeram muito pela educação e saúde pública nas décadas passadas. O governo atual, pressionado pelas ruas, lançou o programa “Mais Médicos” com o objetivo de levar médicos para as periferias das grandes cidades e para as pequenas cidades do interior do Brasil. O problema principal recai na queda de braço entre o governo federal e as associações que representam a classe médica. O governo alega que não existem médicos brasileiros interessados em trabalhar nos confins do Brasil, longe do conforto dos grandes centros, sem as melhores condições de trabalho. A solução para este problema seria a contratação de médicos no exterior, principalmente, cubanos, portugueses e espanhóis. Os médicos brasileiros, por sua vez, exigem a revalidação dos diplomas dos médicos estrangeiros e afirmam também que não faltam médicos, mas sim condições para exercer suas atividades. Ou seja, o problema principal é referente à administração do SUS (Sistema Único de Saúde).

Parece que os dois lados têm alguma razão nesta discussão. Por tudo que eu vi e li até agora, na maioria das cidades brasileiras, a situação dos hospitais e postos de saúde realmente é ruim, mas faltam médicos especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país. Veja o quadro abaixo.

Distribuiçao geográfica dos médicos no Brasil (Fonte: Blog do Dr. Dráuzio Varella)

Distribuiçao geográfica dos médicos no Brasil   (Fonte: Blog do Dr. Dráuzio Varella)

Outra medida proposta pelo governo é um estágio remunerado de dois anos no SUS para os estudantes de medicina a ser realizado no final do curso. Obviamente os médicos são contra!

Em minha opinião, todos os profissionais egressos de universidades públicas, independente da profissão, deveriam realizar atividades deste tipo ao encerrar o curso. Afinal, todo o curso foi custeado através de verbas públicas obtidas através de impostos pagos por toda a sociedade brasileira, incluindo pessoas pobres. Desta forma, nada mais justo do que retribuir à sociedade com um estágio remunerado em áreas críticas do país, como educação, saúde, saneamento básico e infraestrutura.

Minha impressão é que os médicos estão cuidando muito mais dos seus interesses pessoais do que das necessidades dos cidadãos que vivem nas zonas mais pobres e remotas do país. A maioria dos médicos em atividade ou dos estudantes de medicina estudou nas melhores escolas particulares de ensino médio, senão não teriam passado nos vestibulares mais concorridos do país. Desta forma, são oriundos predominantemente das classes A e B, estão acostumados com uma série de confortos e não querem abrir mão deles, mesmo recebendo bons salários para trabalhar no interior do Brasil.

O primeiro grande teórico do Liberalismo Econômico, Adam Smith, em seu livro a “Riqueza das Nações”, criou o termo “mão invisível” para descrever como numa economia de mercado, apesar da inexistência de uma entidade coordenadora do interesse comum, a interação dos indivíduos parece resultar numa determinada ordem, como se houvesse uma “mão invisível” que os orientasse. Dois séculos depois, o americano Eric Maskin, um dos três vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2007, afirmou que “o mercado não funciona muito bem quando se trata de bens públicos” e completou:

– Sociedades não devem contar com as forças do mercado para proteger o ambiente ou fornecer um sistema de saúde de qualidade para todos os cidadãos.

Adam Smith x Eric Maskin

Adam Smith x Eric Maskin

Ou seja, o Estado deve interferir para garantir que a população tenha à disposição serviços públicos de boa qualidade, seja fornecendo-os diretamente ou através de fiscalização permanente sobre a empresa privada que o executa. No momento, a importação de médicos pode ser uma boa medida emergencial, se até o final de julho não houver candidatos brasileiros em número suficiente para cobrir a demanda. No futuro, o problema só será resolvido se houver novas escolas de medicina localizadas no interior do Brasil, suportadas por postos saúde e hospitais públicos com boas condições de trabalho para os profissionais da saúde e por escolas de ensino fundamental e médio de boa qualidade. Estas escolas serão as responsáveis por levar o desenvolvimento humano para estas regiões do país.

Parece que comecei e terminei falando de educação…

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Qual será o Próximo Alvo dos Protestos?

Após uma série de manifestações nas maiores cidades do Brasil, onde o principal objetivo era a redução das tarifas do transporte coletivo, fica uma importante questão no ar:

– Qual será o próximo objetivo deste grande movimento popular?

A força popular do movimento ficou claramente comprovada com a redução das tarifas em várias cidades brasileiras. Faço um paralelo entre os manifestantes brasileiros e o movimento de protesto “Occupy Wall Street” (OWS). Em setembro de 2011, milhares de pessoas ocuparam ruas próximas a Wall Street, acampando no Zuccotti Park (antigo Liberty Park).

Um dos lemas do movimento Occupy Wall Street

Um dos lemas do movimento Occupy Wall Street

As principais questões levantadas pelo OWS foram a desigualdade social e econômica, a ganância, a corrupção e a influência indevida das empresas sobre o governo, particularmente do setor de serviços financeiros. Passados dois anos do início deste movimento, o resultado prático foi insignificante. Entre as causas do fracasso, eu destaco a falta de foco em ações específicas para solucionar as questões justas levantadas pelo movimento.

Na semana passada, a população brasileira mudou rapidamente a percepção sobre movimento local. Como exemplo, vocês podem assistir a este comentário do Arnaldo Jabor no Jornal da Globo do dia 12 de junho.

http://www.youtube.com/watch?v=fdjw00-2nyo

Como comentei no artigo da última sexta-feira, Os Protestos e a Verdadeira Democracia, muita gente era contra o movimento, influenciada pelas imagens de vandalismo apresentadas na televisão. Após o lamentável confronto em São Paulo entre PM e manifestantes no dia 13 de junho, a maioria da população passou a apoiar as manifestações, desde que não haja vandalismo. Você pode escutar o pedido de desculpas do Arnaldo Jabor na Rádio CBN.

https://www.youtube.com/watch?v=RxM4yNy35z4

Sem dúvida, se o movimento flanar entre objetivos estratosféricos ou mal definidos, suas conquistas serão tão pífias quanto as obtidas pelo OWS americano. O próximo objetivo escolhido, até pela premência do prazo, deveria ser a PEC 37 que será votada na Câmara dos Deputados na próxima semana.

Para quem não sabe o que é este Projeto de Emenda Constitucional, explicarei sucintamente. Este projeto de lei inclui um parágrafo no Artigo 144 da Constituição. Se for aprovado pelo Congresso Nacional, o Ministério Público não poderá mais apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei.

Ou seja, apenas a polícia poderá investigar os crimes praticados pelos políticos como corrupção ou prevaricação (retardar ou deixar de praticar indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse pessoal). O Ministério Público, que faz um trabalho muito bom em defesa dos direitos do cidadão, ficará de fora da apuração deste tipo de crime. Esta lei tem o objetivo claro de favorecer a impunidade. Se quisermos combater a corrupção no Brasil, não podemos permitir que esta alteração da Constituição seja aprovada. Preparei a tabela abaixo com a distribuição das assinaturas na proposição da lei por partido.

PEC 37 - partidos

É interessante notar que os percentuais de adesão nos principais partidos de oposição (PSDB, DEM e PPS) são parecidos aos dos partidos da base governista. Isto evidencia, em minha opinião, que a preocupação em não ser investigado pelo Ministério Público depende mais do caráter de cada deputado do que de sua posição política. Se você quiser verificar se seu deputado assinou esta proposição, basta clicar no link abaixo.

Proposição PEC 37

Talvez os melhores versos para descrever este momento é o refrão da música de Geraldo Vandré, Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores, verdadeiro hino contra a ditadura militar brasileira do final dos anos 60 e 70:

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Esta é a hora da população buscar o atendimento das necessidades básicas, como educação e saúde, além do fim da corrupção e da redução  dos impostos, e exigir melhorias no nosso sistema político para criarmos um país mais eficiente e justo. E melhor, tudo poderá ser conquistado na paz desta vez!

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Os Protestos e a Verdadeira Democracia

Após o primeiro protesto contra os aumentos das tarifas do transporte público na cidade de São Paulo, fiquei com uma sensação estranha. A Grande Imprensa em todos os jornais e telejornais apresentou os manifestantes como vândalos ou baderneiros, mas em nenhum lugar aparecia a origem do conflito. As barricadas foram montadas antes ou depois dos policias avançarem sobre a multidão? A manifestação era pacífica no momento em que os policiais lançaram as primeiras bombas de gás lacrimogêneo e deram os primeiros tiros com balas de borracha? As imagens só mostraram policias feridos, nenhum manifestante ficou machucado?

Início dos protestos em frente ao Theatro Municipal de São Paulo

Início dos protestos em frente ao Theatro Municipal de São Paulo

Depois disto houve o segundo protesto. A cobertura foi muito parecida com a anterior. Nenhuma das pessoas que comentaram as ocorrências comigo teve alguma palavra de apoio ao movimento. Sinceramente eu achei bom que havia alguém lutando por alguma coisa, porque a acomodação do povo brasileiro é algo incrível. Os políticos prometem o céu a cada eleição e ganhamos, no máximo, o purgatório e nós ainda fazemos piadas… Somos enganados, nos vendem gato por lebre e não reagimos. A classe estudantil e a classe média que lutaram na época da ditadura militar, hoje, na sua maioria, assistem a tudo com total apatia e indiferença. As pessoas são incentivadas a olhar para seu umbigo ao invés de se preocuparem com suas comunidades.

Ontem saí do trabalho pouco depois das 19 horas, estava dirigindo meu automóvel e ouvindo a Band News. Uma repórter entrou no ar para dar o boletim sobre a manifestação do dia. Ela disse basicamente que a passeata era pacífica e que as pessoas pediam por paz e “violência não”. Acho que menos de dez minutos depois ela voltou ao ar para dizer que o Tropa de Choque da PM havia bloqueado a Rua da Consolação para impedir que a passeata chegasse à Avenida Paulista. No meio deste boletim, iniciaram as explosões das bombas de gás lacrimogêneo e os tiros. Depois de um tempo, ela voltou para tentar continuar com o boletim, mas era praticamente impossível ouvir a sua voz.

Ficou claro que a iniciativa deste confronto coube à PM, mas desta vez a Grande Imprensa, ao ter diversos de seus membros feridos ou presos, também apresentou o outro lado da moeda. Abaixo estão as fotos do fotógrafo Sérgio Silva da agência de fotografia Futura Press e da repórter Giuliana Vallone da TV Folha atingidos por balas de borracha da PM.

Sergio Silva e Giuliana Vallone feridos por balas de borracha

Sergio Silva e Giuliana Vallone feridos por balas de borracha

Para que haja uma verdadeira democracia com avanços sociais, é necessária a efetiva participação da sociedade. Isto não significa o simples comparecimento obrigado às urnas a cada dois anos, significa sim lutar pelos direitos como transporte público, saúde ou educação. Só desta forma construiremos uma grande nação, mas para isto acontecer é fundamental respeitar e tentar entender os pontos de vista divergentes. Se o brasileiro discutisse política e economia, como discute futebol ou novelas, provavelmente estaríamos em um estágio muito melhor. Talvez um bom início seja o cartaz que a jovem está segurando na foto abaixo.

desculpe-o-transtorno

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Agnus Dei, Agnus Homines

Um velhinho octogenário, baixo, cabelos brancos está sentado na mesa de trabalho no interior dos seus aposentos. Seu mordomo anuncia a chegada e pergunta no que pode servi-lo. O velhinho retira seus óculos de leitura, encara seu interlocutor e após longos segundos fala:

– Paolo, você se lembra de nossa conversa sobre a missão espinhosa que estou enfrentando? Você tem certeza de que deseja sacrificar sua vida por esta causa?

O mordomo sem titubear responde:

– Claro Vossa Santidade! O que sinto mais fortemente dentro de mim é a convicção de que agirei exclusivamente por amor, eu diria um amor visceral, pela Igreja de Cristo e seu representante!

Ao ouvir isto, o Papa deschaveou a segunda gaveta do lado direito da mesa, ergueu-se lentamente e disse:

– Então você sabe o que fazer! Que Deus te projeta e tenha misericórdia de nossas almas…

Vagarosamente Bento XVI caminhou até a peça ao lado, onde se ajoelhou no oratório e começou a rezar. Enquanto isso, Paolo retirava da gaveta uma série de cartas e documentos, colocou-os dentro de uma fronha, depois enrolou tudo com uma toalha. Desceu as escadas até o vestiário, trancando o material precioso em seu armário.

Papa Bento XVI com seu mordomo Paolo Gabriele

Papa Bento XVI com seu ex-mordomo Paolo Gabriele

O resto da história todo mundo já sabe. Era janeiro de 2012, Paolo Gabriele, mordomo pessoal do Papa há seis anos, entregou os documentos jornalista italiano Gianluigi Nuzzi. Estava criado o Vatileaks, escândalo que escancarou as lutas pelo poder no Vaticano, corrupção, nepotismo e lavagem de dinheiro no IOR (Istituto per le Opere di Religione, vulgo Banco do Vaticano).

Atenção - Aviso Importante

Claro que o início deste post é uma obra de ficção, mas poderia ter acontecido da forma que descrevi acima. Se nos aprofundarmos nas teorias conspiratórias, lembro-me do caso de Albino Luciani, o Papa João Paulo I, popularmente conhecido como “Papa Sorriso”. Em 1978, ele foi escolhido para substituir Paulo VI, mas seu pontificado durou apenas 34 dias. Oficialmente ele teve morte natural, provavelmente ataque cardíaco, mas não foi feita autópsia. O jornalista britânico David Yallop afirma em seu livro ”Em Nome de Deus” que o Papa morreu envenenado, porque no dia seguinte ele excluiria toda a cúpula do IOR. Se esta versão é verdadeira ou fantasiosa, não sabemos, mas talvez Bento XVI tenha decidido não arriscar…

Papa João Paulo I, o Papa Sorriso

Papa João Paulo I, o Papa Sorriso

Voltando para minha versão sobre o mentor do Vatileaks, o Papa atual não contava com a passividade do rebanho dos católicos. Parece que houve mais indignação com o vazamento dos documentos do que com o conteúdo em si. Deste modo, Bento XVI preocupou-se em “limpar a barra” de seu mordomo Paolo da melhor forma possível, perdoando-o e libertando-o no final do ano passado. Na sequência tomou uma decisão surpreendente, optou pela renúncia, voltando a iluminar, com uma potência ainda maior desta vez, todos os escândalos e mazelas da Igreja Católica. Todas suas manifestações a partir da divulgação da sua decisão de renunciar foram contundentes como esta:

– É preciso superar individualismos e rivalidades que deturpam a face da Igreja.

Tenho um desejo utópico que a Igreja Católica se refundasse neste conclave e retornasse à sua origem baseada nos ensinamentos de Jesus, no amor e na compaixão. Por outro lado, gostaria que assuntos onde a Igreja tem sido retrógrada como, por exemplo, contracepção, pesquisa com células tronco, eutanásia e homossexualismo fossem discutidos abertamente e houvesse expressivos avanços nos próximos anos.

Para não ficar restrito apenas aos escândalos da Igreja Católica, não podemos aceitar que, em nome da religião, haja enriquecimento ilícito de “Ministros de Deus”, como lemos recentemente em um artigo da Revista Forbes sobre os pastores evangélicos mais ricos do Brasil (link abaixo).

http://forbesbrasil.br.msn.com/negocios/bispo-edir-macedo-%C3%A9-o-pastor-mais-rico-do-brasil-com-uma-fortuna-de-usdollar-950-milh%C3%B5es

Principalmente eu desejaria que todos se tornassem Papas de sua própria fé, sem intermediários como já apresentei no post Descoberta a Nova Redação do Primeiro Mandamento. Cada pessoa estaria livre para criar sua ligação com o Ente Supremo da forma que julgar melhor para si. Isto parece ser um ato egoísta, mas nada é mais individual, em minha opinião, do que a espiritualidade. Quanto ao dízimo, um empresário, ao invés de pagar 10% do seu lucro a uma Igreja qualquer, poderia criar um negócio social, onde seriam gerados empregos e renda para comunidades carentes. Um trabalhador poderia doar 10% do seu salário para as entidades de sua confiança e auxiliar o segmento que ele se identifica mais como crianças, idosos, deficientes físicos ou mentais, animais abandonados, meio ambiente. Além disto, obviamente, todos deveriam “botar as mãos na massa” para fazer um mundo melhor. Desta forma, quem acredita em Deus será um agnus Dei (cordeiro de Deus), ao invés de ser um agnus homines (cordeiro dos homens) e simplesmente seguir as orientações de pessoas que se colocam como intermediários entre o Céu e a Terra.

Agnus Dei, o cordeiro de Deus

Agnus Dei, o cordeiro de Deus

Se “meu latim” estiver errado, por gentileza, corrijam…

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Privacidade, Intromissão e Exibicionismo

No penúltimo post, comentei rapidamente sobre dois livros importantes da literatura mundial, Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley e 1984 de George Orwell. Quem acompanha meu blog já conhece meu otimismo em relação ao futuro da humanidade, mas atualmente a quantidade de informações disponíveis sobre os indivíduos na rede é tão grande que me leva a fazer algumas considerações.

Hoje, sob a justificativa de que a segurança dos indivíduos e comunidades deve ser garantida, uma série de ações para rastrear as atividades já é executada normalmente com o consentimento da maioria das pessoas:

– a Internet é monitorada para evitar ações criminosas como pedofilia, fraudes, lavagem de dinheiro, etc.;
– as movimentações bancárias são vasculhadas e avalia-se a compatibilidade com a evolução do patrimônio;
– as compras no cartão de crédito são registradas; e as tendências, analisadas.

Nunca os Estados tiveram tantos recursos para monitorar a vida dos seus cidadãos. Infelizmente apenas os aspectos positivos destas ações são percebidos. Sem dúvida alguns procedimentos podem ameaçar as democracias, especialmente se forem conjugadas com a apatia das pessoas. Já ouvi apoio para a colocação de chips em pessoas e para sistemas de leitura da mente. No primeiro caso, sequestros poderiam ser inibidos, mas o chip daria a localização exata de cada indivíduo para os Serviços de Inteligência do país. Os sistemas de leitura da mente seriam ótimos para dar mais autonomia aos tetraplégicos, também poderiam ser o canal de comunicação com pessoas em estado vegetativo, mas os mesmos Serviços de Inteligência poderiam usá-los para descobrir as ideias e opiniões das pessoas.

Big Brother de George Orwell

Big Brother de George Orwell

A grande maioria das pessoas não deseja que suas preferências sejam gravadas por sites de busca como o Google. Afinal onde está a privacidade? Queixa-se também quando recebem E-mails comerciais baseados em cadastros de clubes sociais, clubes esportivos ou cadastro dos cartões de crédito. Por outro lado, as mesmas pessoas que reclamam ao ter a privacidade “violada”, postam fotos, vídeos e opiniões comprometedoras em redes sociais.

redes-sociais

O que leva a este tipo de comportamento? Parece que muitas pessoas buscam aceitação, reconhecimento social e fama a qualquer custo. Abraham Maslow há 70 anos formulou sua Teoria da Hierarquia das Necessidades, conhecida popularmente como a Pirâmide de Maslow. Existem críticas que dizem ser impossível criar um modelo universal, por outro lado as necessidades variam de acordo com as circunstâncias, mas acredito que este modelo é um bom ponto de partida para esta análise.

Piramide de Maslow

Pirâmide de Maslow

Os dois primeiros níveis da pirâmide (fisiológico e segurança) são os mais objetivos. Dizem respeito à alimentação, saúde, moradia, emprego, renda mínima e paz. O terceiro nível (social) refere-se aos relacionamentos, amizades, amor e família. Nestas épocas digitais, onde as pessoas se esforçam para ter mais amigos no Facebook, até mesmo o conceito de amizade mudou. Os amigos de carne e osso reais, que oferecem o ombro nos momentos difíceis e nos dizem o que devemos ouvir, foram substituídos por outros que curtem tudo o que postamos, mas isto satisfaz muita gente…

O nível da pirâmide relativo ao status e a autoestima é mais fácil de ser compreendido. Muitas pessoas acreditam que o importante é aparecer, não importa a forma. Ou seja, não importa o que falam, bem ou mal, o essencial para o ego é ser visto e comentado por muitos. Toda esta leva de subcelebridades e pseudomodelos se encaixa nesta forma de agir. Neste momento, percebo que é praticamente impossível para estas pessoas atingirem a autorrealização, porque não têm a mínima ideia do que realmente tem valor, é importante ou quais seriam os propósitos das suas vidas.

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O “Não” Heroico da História Brasileira

Faz mais de 30 anos que eu li o livro “Admirável Mundo Novo” (título original “Brave New World”) de Aldous Huxley. Foi a primeira vez que li sobre um sistema político autoritário baseado na estabilidade política e social. A sociedade criada por Huxley era dividida em castas determinadas através de seleção genética e controle do processo da gestação e educação.

Mais tarde, li dois livros de George Orwell , “A Revolução dos Bichos” (título original “Animal Farm”) e “1984”. No primeiro livro, os animais se rebelam contra os donos da fazenda devido à exploração e aos maus-tratos a que eram submetidos. Com o passar do tempo, uma nova classe dominante de porcos é criada e as condições dos outros animais ficam até piores do que antes. No livro 1984, o mundo estava dividido em três grandes países em conflito. O sistema era muito autoritário e os cidadãos eram controlados por telas e câmeras instaladas nas casas. Quem via e controlava tudo era o Grande Irmão (o famoso Big Brother).

Aldous-Huxley_George-Orwell

Nestes três livros, tínhamos uma série de coincidências:

– havia um grupo dominante que se instalou no poder;
– a propaganda oficial era muito forte para convencer a população;
– os dissidentes eram tratados brutalmente – banidos, presos, torturados e mortos;
– inimigos externos e internos eram criados ou, pelo menos, maximizados para desviar a atenção do povo.

Este é manual de qualquer sistema ditatorial. Lembro um caso ocorrido no Brasil em 1968 na época da ditadura militar. O brigadeiro João Paulo Burnier criou um plano de criar uma série de atentados para responsabilizar a oposição ao regime. Inicialmente seriam colocadas bombas nas portas de agências do Citibank, de lojas da Sears e da Embaixada dos Estados Unidos para parecer que eram ações de comunistas contra alvos americanos. Na sequência, seriam realizadas duas grandes ações simultâneas, as explosões da Represa de Ribeirão das Lajes e do Gasômetro de São Cristóvão no Rio de Janeiro. O primeiro alvo deixaria o Rio sem abastecimento de água e, muito pior, a explosão do gasômetro deveria ser feita na hora do rush às 18 horas para causar milhares de vítimas. Para finalizar, aproveitando o caos que se instalaria após os atentados, 40 personalidades seriam sequestradas e assassinadas.

Brigadeiro João Paulo Burnier

Brigadeiro João Paulo Burnier

Burnier escolheu o Para-Sar (paraquedistas do Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento) da Aeronáutica e contou o plano para seu comandante, Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, mais conhecido como Sérgio Macaco. Ele rejeitou imediatamente a missão, mas o brigadeiro convocou uma nova reunião com a presença de outros oficiais que participariam da execução do plano, quando explicou que em três casos eles deveriam matar:

– na guerra para cumprir uma missão;
– na guerra civil contra revolucionários;
– em tempos de paz para cumprir missões contra os adversários.

Sérgio Macaco com seus colegas da Aeronáutica

Sérgio Macaco com seus colegas da Aeronáutica

Burnier perguntou aos oficiais se concordaram com a missão. Os quatro primeiros disseram que “sim”. Sérgio Macaco disse que concordava com os dois primeiros casos, mas que considerava o terceiro “imoral, inadmissível a um militar de carreira”. Só não foi preso ou morto naquele momento devido aos seus subordinados que estavam presentes e neutralizaram os demais soldados armados na sala. Ele denunciou o esquema para as maiores autoridades militares do país. O atentado não foi realizado, mas Sérgio Macaco foi exonerado, perdendo seu emprego na Aeronáutica.

No Panteão da Pátria e da Liberdade localizado em Brasília, existe o chamado “Livro dos Heróis da Pátria”. Com certeza, Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho deveria ter seu nome gravado neste livro, porque ele agiu dentro de uma ética e de patriotismo irretocáveis. O número de vítimas evitadas devido a sua posição firme foi enorme e o Brasil poderia ser sofrido uma ditadura muito mais sangrenta aos moldes do que aconteceu, por exemplo, na Argentina.

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Rescaldo Eleitoral ou a Volta de Tarcísio “Jason” Zimmermann

Na noite de ontem, finalmente saiu o resultado do julgamento do recurso do prefeito de Novo Hamburgo, Tarcísio Zimmermann, no TSE. Ele foi derrotado por 4 a 3. Deste modo, foi confirmada a sua inelegibilidade até o final de 2012. Se você quiser saber toda a história, leia o post Auf Wiedersehen Tarcísio.

Tarcísio Zimmermann

Tarcísio Zimmermann fez festa apesar da eleição estar sob júdice.

Abaixo está apresentado o raio-X da eleição para o executivo municipal hamburguense:

Eleitorado – 177.706
Abstenção – 26.295 (14,80%)
Total de votos – 151.411

Votos brancos – 13.839 (9,14%)
Votos nulos – 11.135 (7,35%)
Votos válidos – 126.437

Tarcísio Zimmermann (PT) – 67.283 votos (53,21%)
Paulo Kopschina (PMDB) – 57.085 votos (43,29%)
Dione Moraes (PSC) – 2.069 votos (3,50%)

Como Tarcísio obteve mais da metade do votos válidos, esta eleição está anulada e uma nova será realizada no primeiro trimestre de 2013.

No julgamento, os votos favoráveis ao atual prefeito petista foram dos ministros Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli e Henrique Neves. O ministro Marco Aurélio lembrou que a Justiça Eleitoral deferiu os registros de candidatura de Zimmermann a deputado federal em 2006 e a prefeito de Novo Hamburgo em 2008. “Como pode agora fulminar a tentativa de reeleição em 2012?”, perguntou o ministro.

Marco Aurélio Mello

Ministro Marco Aurélio Mello do STF e do TSE.

O mais curioso neste voto é que, pela redação vigente da Lei da Ficha Limpa, estão inelegíveis os que forem condenados, em decisão por órgão colegiado da Justiça Eleitoral (como o TRE gaúcho) por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição. Ou seja, o ministro desprezou a Lei da Ficha Limpa…

O ministro Dias Toffoli afirmou que o artigo que trata de condutas vedadas a agentes públicos é o 73 e não o 77 da Lei das Eleições. “Essa questão de comparecer a uma inauguração, ela tem a sua repercussão para a eleição específica”, disse.

Dias Toffoli

Ministro Dias Toffoli do STF e TSE.

Mas que “grande contribuição” deste membro do Supremo Tribunal Federal! Abaixo transcrevi a redação do Artigo 77 da Lei Federal 9.504/97 que vale para todos os candidatos a cargos eletivos.

Art. 77. É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas.
Parágrafo único. A inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma.

Parece que pela segunda vez a Lei da Ficha Limpa foi desconsiderada. Sempre devemos lembrar que Tarcísio Zimmermann foi condenado pelo TRE-RS por participar de uma inauguração de obra pública antes da eleição de 2004.

Infelizmente os votos destes dois Excelentíssimos Ministros do Supremo Tribunal Federal não me surpreende. Basta observar seus votos em outros julgamentos…

Voltando à eleição de Novo Hamburgo. Tarcísio afirma que vai recorrer ao STF e tentar bloquear na Justiça a execução de novas eleições antes do julgamento do mérito do seu derradeiro recurso. Enquanto isto, a cidade será governada por um interino, o presidente da Câmara de Vereadores do município. Ele também pretende concorrer se houver nova eleição. Isto é muito polêmico já vi argumentos a favor e contra a sua participação. Ou seja, ele pode ganhar e não levar de novo!

Jason da séria Sexta-Feira 13

Jason da séria Sexta-Feira 13 e Tarcísio – os dois voltam sempre para continuar suas maldades…

Por outro lado, me surpreende que o povo hamburguense seja iludido pela propaganda oficial da Prefeitura e continue votando no atual prefeito que a cada dia mostra mais seu ego superinflado, sua prepotência e o desrespeito pelas regras democráticas.

Independente do que acontecer pela frente, gostaria que Tarcísio Zimmermann pagasse integralmente o custo desta nova eleição. Talvez uma ação popular consiga buscar o ressarcimento destes gastos que, segundo li em um site de notícias, ficariam em torno de R$ 200 mil.

Urna Eletrônica

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Obama e o Dilema Capitalista

Nesta semana, a principal notícia foi a reeleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, o país mais poderoso do mundo. Um dos pontos mais importantes debatidos, durante toda a campanha, foi a lenta recuperação da economia americana. Na segunda-feira, li um artigo muito interessante no The New York Times escrito por um professor de Harvard, Clayton Christensen, que iniciava com a seguinte constatação:

– Independente do que acontecerá no Dia das Eleições, os americanos continuarão perguntando: quando a economia melhorará?

Um dos recados transmitidos é que a influência do presidente eleito, Obama ou mesmo Romney, na retomada da economia seria pequena. Você pode ler o artigo na íntegra, clicando no link abaixo.

http://www.nytimes.com/2012/11/04/business/a-capitalists-dilemma-whoever-becomes-president.html?pagewanted=all

Romney e Obama

Um dos debates entre Romney e Obama

Segundo o autor, existem três tipos de inovação:

  1. Inovação capacitante (“empowering innovation”)
  2. Inovação de sustentação (“sustaining innovation”)
  3. Inovação de eficiência (“efficiency innovation”)

O primeiro tipo de inovação supre uma demanda do mercado ainda não atendida. Ela transforma produtos caros disponíveis apenas para um pequeno grupo de pessoas em produtos mais baratos para a maioria da população. Ele cita os exemplos do Ford Modelo T e dos computadores pessoais. Esta forma de inovação cria empregos e usa capital para estruturação da nova cadeia produtiva. Ou seja, estimula o crescimento econômico.

Linha de produção do Ford modelo T

Linha de produção do Ford modelo T

A inovação de sustentação substitui os velhos produtos por novos modelos. Por exemplo, os carros híbridos possuem tecnologia mais avançada do que os convencionais, entretanto o número total de automóveis vendidos não crescerá devido à sua introdução no mercado, porque o público-alvo é exatamente o mesmo dos modelos tradicionais. Esta forma de inovação, apesar de criar poucos empregos novos, mantém o dinamismo da economia.

Automóvel híbrido Toyota Prius

Automóvel híbrido Toyota Prius

A inovação de eficiência, como o próprio nome sugere, busca a redução dos custos de geração de um produto ou serviço. Assim o número de empregos sempre é reduzido com a aplicação deste terceiro tipo de inovação. Por outro lado, a empresa recupera o capital investido que poderá ser o combustível para o próximo ciclo de inovação capacitante.

Estas três formas de inovação devem operar de modo cíclico, onde as inovações capacitantes são essenciais, porque criam novos consumos e mais empregos do que as inovações de eficiência conseguem eliminar posteriormente.

Segundo Christensen, nos últimos 150 anos, a economia americana operou desta forma e conseguiu manter-se distante dos longos períodos de recessão. De 1948 a 1981, o nível de emprego anterior à recessão era recuperado em apenas 6 meses. Na recessão de 1990, demorou 15 meses; na de 2001, 39 meses. E agora já são 60 meses, lutando para voltar ao nível anterior a esta recessão.

O que está havendo? O autor explica que as inovações de eficiência estão gerando capital que é reinvestido em novas inovações de eficiência ao invés das capacitantes. Desta forma, gera-se mais capital, mas não são gerados novos empregos. O capitalismo trata com carinho os bens escassos e “despreza” os bens abundantes. Hoje capital não representa mais uma restrição, porque existem abundantes linhas de financiamento com baixas taxas de juros no mundo. O problema é que os líderes das empresas estão seguindo fielmente os ensinamentos que receberam no passado. Ao analisar a taxa interna de retorno (I.R.R. em inglês) de dois investimentos, uma inovação capacitante com retorno em 8 anos e uma inovação de eficiência que retorna na metade deste período, a opção pelo ganho mais fácil e garantido tem sido a escolhida na grande maioria dos casos.

Eu diria que os capitalistas se viciaram no capital. Ou, em inglês, deixaram de ser capitalist e viraram capital addict.

Dilema capitalista

O Dilema Capitalista

O autor sugere que existe um problema educacional nos Estados Unidos, porque as habilidades para a criação de inovações capacitantes estão escassas atualmente. As universidades deveriam treinar os estudantes para estes tipos de desenvolvimentos, passando a mirar no longo prazo. Em paralelo, o governo americano deveria criar um sistema para incentivar este tipo de investimento.

Clayton Christensen

Clayton Christensen

O Brasil experimentou um crescimento baseado no aumento do consumo interno nos últimos anos. Este modelo parece ter se esgotado. Parece que este artigo dá uma pista sobre o que deve ser feito para que nosso país dê um novo salto de desenvolvimento, mas para que isto ocorra, investimentos em inovação e educação são fundamentais.

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A Ignorância, o Atraso e o Oportunismo

No domingo que passei na Espanha, segui a sugestão do colega que estava no mesmo hotel e fizemos uma excursão para a cidade histórica de Girona e para Figueres, onde está localizado o Museu Salvador Dalí.

Girona é daquelas cidades europeias que tem mais tempo de história do que o nosso Brasil. Foi fundada pelos romanos na beira do rio Oñar, os vestígios das muralhas ainda estão firmes. Depois foi conquistada pelos visigodos, na sequência pelos árabes que foram expulsos pelos francos de Carlos Magno. Isto explica a semelhança da língua catalã falada por todos na região com o francês.

Cidade de Girona na Espanha

Cidade de Girona na Espanha

A cidade prosperou até o século XIV quando foi atingida pela epidemia de peste negra. A população da cidade, naquela época, tinha uma parcela expressiva de judeus, mais de 10% do total. A colônia era composta por profissionais das mais variadas áreas, com destaque para as ciências e medicina . Os médicos judeus tiveram pouco sucesso no tratamento dos pacientes desta doença e “pior”, a proporção de doentes  entre a sua etnia foi expressivamente menor do que na comunidade cristã. Isto ocorria, porque os judeus seguiam  rigorosamente suas leis referentes à higiene. Afinal quem tem melhores hábitos, é mais saudável.

Bairro Judeu da Cidade de Girona na Espanha

Uma das ruas do Bairro Judeu da cidade de Girona

O fanatismo religioso estimulado pelos poderosos da cidade levou muitos judeus ao massacre por serem considerados os responsáveis pela disseminação da doença. Outros se converteram ao Cristianismo para escapar da morte. Mais tarde, durante a famosa Inquisição Espanhola do século XV, muitos judeus  e “novos cristãos” foram perseguidos e mortos acusados de heresia. Na verdade, o mais importante para os reis da Espanha  era o confisco de todas as propriedades dos hereges. Mais uma vez, a ignorância foi usada pelos poderosos por meros interesses econômicos.

Fogueira de judeus

Judeus foram mortos por heresia em fogueiras

Na minha viagem de ida para a Europa, tinha um interessante artigo na Newsweek escrito por Hussain Haqqani,  ex-embaixador paquistanês em Washington de 2008 a 2011 e atualmente professor de relações internacionais na Boston University. Se quiser ler o artigo original na íntegra, basta clicar no link abaixo.

http://www.thedailybeast.com/newsweek/2012/09/30/husain-haqqani-muslim-rage-is-about-politics-not-religion.html

Hussain Haqqani

Hussain Haqqani

Com muito mais propriedade do que eu em meus artigos anteriores, Haqqani comenta que da mesma forma que as escrituras Judaicas ou Cristãs, os textos sagrados do Islã pregam a caridade, a bondade e o respeito pela vida. O Al Corão em muitas passagens encoraja seus seguidores a praticar o perdão. Em um episódio famoso, Muhammad perguntou pela saúde de uma anciã em Meca que jogava lixo nele todos os dias. Quando ela não apareceu para insultá-lo, ele ficou preocupado.

Haqqani cita vários casos de livros obscuros que se tornaram conhecidos por causa dos protestos e condenações (fatwa) dos seus autores à morte por autoridades religiosas. O objetivo, na verdade, não era acabar com as ofensas, mas mobilizar os mulçumanos contra o Ocidente. Os protestos das manchetes são função dos políticos, não da religião. Por exemplo, o governo paquistanês criou o “Dia do Amor do Profeta” e, apesar de 95% da população do país (190 milhões de habitantes) serem mulçumanos, apenas 45 mil pessoas participaram das manifestações que terminaram em mortes e feridos contra o filme “Innocence of Muslims”.

Salman Rushdie e seus "Versos Satânicos"

Salman Rushdie e seus “Versos Satânicos”

Metade dos analfabetos do mundo são mulçumanos e dois terços deste grupo são formados por mulheres. Nesta condição, as pessoas podem ser manipuladas com muito mais facilidade. A atenção do povo é desviada e o foco é “nós contra os outros”, quando deveria ser “nós contra os nossos problemas”.

sala  de aula no Paquistão

Sala de aula no Paquistão

Se você segue meu blog com regularidade, pode pensar que ultimamente estou batendo na mesma tecla. A ideia é mostrar diferentes exemplos onde a manipulação das pessoas pode gerar violência e intolerância. Muitas justificativas podem ser empregadas: autoridade, ordem, religião, pátria e tradição. Certa vez li uma frase creditada a Albert Einstein, depois vi que outros creditavam ao músico Maurice Ravel (autor do famoso “Bolero”), independente do autor, ela é impactante:

– A tradição é a personalidade dos imbecis.

Se agirmos da mesma forma, sem questionamentos, como se não existisse alternativa, seremos realmente uns imbecis. Assim qualquer um consegue convencer que o problema é outro país, outra raça ou outra religião. Não somos mais os responsáveis por conduzir e decidir sobre o que é melhor para nossas próprias vidas. Os outros ou as tradições decidem por nós…

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