E não é que este blog chegou ao tricentésimo post?! Em tempos em que muita gente torce o nariz até para vídeos com mais de cinco minutos no YouTube, como estimular a leitura de textos com mil palavras?
Com a ascensão da inteligência artificial, respostas instantâneas dispensam visitas a sites ou blogs. Ainda assim, continuo resistindo. Escrever, para mim, é um exercício vital — de reflexão, expressão e partilha.
Por isso, neste marco simbólico, não pude deixar de lembrar dos trezentos de Esparta, que resistiram ao poderoso exército persa no desfiladeiro de Termópilas. No início do ano, li o romance histórico Portões de Fogo, de Steven Pressfield, e confesso: identifiquei-me com Dienekes, o guerreiro que acreditava que o verdadeiro campo de batalha era interior. Quem sabe, em breve, escrevo sobre isso. Por ora, sigo firme — com minha lança, meu escudo e meu notebook.
Comemorei meu cinquentenário com uma série de reflexões sobre a vida. Agora, rumo aos sessenta, sigo na luta…
Em 2017, fraturei a perna jogando futebol com minhas filhas no quintal. No ano seguinte, contei o que aconteceu depois. E em 2024, contei o surgimento do “Vicente maratonista“, uma consequência surpreendente do acidente de 2017.
Parece que muita gente cristalizou posições. Esquecem que polaridade e ritmo são essenciais para uma vida saudável.
2021 ainda era pandêmico… Escrevi sobre a convivência familiar em tempos de quarentena. Em agosto, perdi minha mãe, Dona Ladi, e fiz uma homenagem com Descartes, Shakespeare e Hilel, o Ancião como testemunhas.
Li A Revolta de Atlas, de Ayn Rand. Depois de devorar suas 1.200 páginas, escrevi sobre a autora, Francisco D’Anconia, Ragnar Danneskjöld e Ellis Wyatt. Mas esse capítulo ainda não terminou, porque — afinal — quem é John Galt?
O Papa Francisco, que infelizmente nos deixou, foi citado em um post sobre polarização política. Parece que todos precisam ser rotulados em alguma caixinha.
Este é o quarto artigo sobre o livro “A Revolta de Atlas” (Atlas Shrugged) de Ayn Rand. Hoje o assunto é a fala de Ellis Wyatt sobre riqueza e criação de valor, durante seu encontro com Dagny Taggart em Galt’s Gulch.
Ellis Wyatt é o proprietário da Wyatt Oil, um personagem secundário com merecido destaque no livro. Ele revitalizou quase sozinho a economia do Colorado ao inventar um método inovador para extrair petróleo de poços antes considerados esgotados. Contudo, quando novas legislações e decretos governamentais impedem a operação livre de seu empreendimento, ele ateia fogo em seus poços petrolíferos e deixa apenas uma nota: “Estou deixando como encontrei. Assuma o controle. É seu.” Um dos poços, que desafiou todas as tentativas de apagar as chamas, passa a ser conhecido como a “Tocha de Wyatt”.
Em outra passagem do livro, ele diz: “O que é riqueza? É a criação de valor. O que você valoriza é o que você considera riqueza.”
Ellis Wyatt representa o arquétipo do empreendedor produtivo que, com esforço, inteligência e inovação, transforma o que parece ser um recurso inútil — neste caso, um campo de petróleo esgotado — em riqueza tangível. Wyatt é a personificação dos ideais objetivistas de Rand, que celebra o mérito individual, a liberdade de mercado e a rejeição absoluta da interferência estatal, especialmente na forma de redistribuição de riqueza.
Ellis Wyatt e a “Tocha de Wyatt”
Ao longo da narrativa, Wyatt defende que a riqueza deve ser o resultado direto do esforço produtivo e que qualquer tentativa de a redistribuir constitui uma forma de coerção imoral. Sua frase emblemática, “Se meu óleo pode ser produzido com menor esforço, peço menos àqueles com quem eu troco pelas coisas de que necessito”, contém o princípio da troca justa: quanto menos esforço envolvido na produção, menor deve ser o preço cobrado. Isso parece, à primeira vista, uma visão economicamente virtuosa e moralmente correta. No entanto, ao trazer essa visão para a realidade dos mercados atuais, permeados por oligopólios, lobbies poderosos e assimetria de informações, surgem questões críticas sobre o real funcionamento desse ideal. Além disso, ao rejeitar totalmente a redistribuição de riqueza, Wyatt pode promover a formação de uma sociedade marcada por desigualdade extrema e falta de oportunidades, algo que muitas vezes resulta em instabilidade social.
Oligopólios e a Concentração de Mercado
Na visão de Rand, o mercado é um campo de competição livre e justa, onde os mais capazes prosperam e os ineficientes são naturalmente eliminados. Todavia, essa visão ignora a realidade de muitos setores econômicos, que atualmente são dominados por oligopólios — estruturas de mercado em que poucas empresas controlam a maioria da oferta. Essas grandes corporações têm um poder de mercado substancial, o que lhes permite influenciar preços e impor barreiras à entrada de novos concorrentes.
No cenário de oligopólios, a competitividade com base no mérito, tão defendida por Wyatt, é comprometida. Grandes empresas podem controlar preços, muitas vezes mantendo-os artificialmente altos, independentemente de reduções nos custos de produção. A lógica de Wyatt, onde menores custos de produção resultariam em menores preços, esbarra na prática comum de oligopolistas de priorizar lucros em detrimento de eficiência. Isso cria um ambiente onde a inovação pode ser desestimulada, pois as empresas estabelecidas podem se concentrar em preservar sua participação de mercado, ao invés de melhorar continuamente seus produtos ou serviços.
Além disso, essas corporações utilizam barreiras econômicas e regulatórias para impedir que novos concorrentes entrem no mercado, o que impede a meritocracia que Wyatt valoriza. Assim, em um ambiente dominado por grandes players que ditam as regras, o princípio de troca justa e livre, no qual Wyatt acredita, torna-se utópico, visto que os mecanismos naturais de competição são comprometidos pela concentração de poder econômico.
Lobbies e a Influência Política
Outro obstáculo significativo ao ideal de Wyatt é a existência de lobbies poderosos que influenciam governos e políticas públicas em favor de grandes corporações. Empresas podem utilizar sua influência para moldar o ambiente regulatório de maneira a garantir vantagens competitivas que não têm base na eficiência ou no mérito, mas sim em relações políticas. Isso desvirtua a livre concorrência e reforça a desigualdade de oportunidades, uma vez que os pequenos concorrentes, sem acesso a esse tipo de poder, acabam marginalizados.
A captura regulatória — quando agências governamentais responsáveis por regular setores específicos da economia são dominadas pelos interesses das empresas que deveriam supervisionar — também compromete a ideia de um mercado onde o mérito prevalece. As empresas que podem influenciar políticas e regulações conseguem criar proteções artificiais para seus negócios, perpetuando sua posição dominante. Isso vai diretamente contra a ideia de que o mercado deve ser o único regulador da riqueza, recompensando apenas os mais produtivos.
Além disso, essas grandes corporações, com o apoio de políticas favoráveis, muitas vezes recebem subsídios ou benefícios fiscais que desincentivam a inovação e perpetuam a concentração de riqueza. Em um cenário como esse, a ideia de que a riqueza é proporcional ao mérito e ao esforço torna-se distorcida, uma vez que o sucesso pode depender mais da influência política do que da produtividade real.
Assimetria de Informações e a Justiça nas Trocas
A visão de Wyatt e Rand pressupõe que as trocas econômicas ocorrem de forma justa e transparente, com ambas as partes possuindo informações iguais e fazendo escolhas racionais. No entanto, no mundo real, a assimetria de informações é uma característica inerente a muitos mercados. Os produtores, especialmente grandes corporações, possuem muito mais informações sobre seus produtos, processos de produção e condições de mercado do que os consumidores. Isso cria uma vantagem desleal que mina a noção de troca justa.
Por exemplo, em setores complexos como o de serviços financeiros ou de tecnologia, os consumidores muitas vezes não têm condições de avaliar completamente o valor ou os riscos de um produto. Essa falta de informação cria uma relação desigual entre as partes, na qual os vendedores podem explorar essa desvantagem para maximizar seus lucros. A ideia de Wyatt de que a riqueza deve refletir o esforço produtivo perde força, pois os consumidores não têm como avaliar de maneira adequada o valor do que estão comprando.
Além disso, quando a complexidade dos produtos aumenta, como no caso de serviços de saúde ou seguros, os consumidores ficam ainda mais vulneráveis a práticas exploratórias, o que compromete o ideal de Rand de que as trocas no mercado são sempre justas e baseadas no mérito.
Rejeição da Redistribuição de Riqueza e a Criação de uma Classe Marginalizada
Uma das questões mais críticas na filosofia de Ellis Wyatt é a rejeição completa da redistribuição de riqueza. Segundo ele e Rand, a riqueza deve ser o resultado direto do mérito e do esforço individual, e qualquer tentativa de redistribuí-la seria uma violação da liberdade do produtor. No entanto, a consequência prática dessa postura pode ser a formação de um contingente populacional empobrecido, sem acesso à educação, saúde e sem perspectivas de ascensão social.
Wyatt e Rand não reconhecem que, sem algum tipo de redistribuição, a desigualdade extrema pode se tornar insustentável. Embora a eficiência e a produtividade sejam virtudes inquestionáveis, elas não necessariamente atendem às necessidades sociais de uma grande parte da população, especialmente daqueles que, por diversos motivos, não têm acesso às mesmas oportunidades. Sem mecanismos de redistribuição, como educação pública, programas de assistência social e redes de proteção contra o desemprego, a pobreza pode se tornar hereditária, criando gerações inteiras sem perspectivas de melhorar suas condições de vida.
A falta de redistribuição também pode exacerbar o problema do desemprego estrutural. Com o avanço da tecnologia e da automação, muitos trabalhadores, especialmente os menos qualificados, podem ser simplesmente excluídos do mercado de trabalho, sem qualquer rede de segurança. Isso pode resultar na criação de uma classe marginalizada, sem educação, sem emprego e sem futuro.
Falta de Educação e Saúde: Barreiras à Mobilidade Social
Wyatt acredita que o mercado, por si só, pode proporcionar a ascensão dos mais talentosos e produtivos. No entanto, sem acesso universal à educação e à saúde, as pessoas nascidas em condições de pobreza terão grandes dificuldades para competir em um mercado de meritocracia pura. A privatização completa desses serviços, algo que Wyatt e Rand parecem sugerir, tornaria a educação e a saúde privilégios dos ricos, perpetuando as desigualdades existentes.
Sem educação de qualidade, uma parte significativa da população não teria as qualificações necessárias para participar ativamente do mercado e, portanto, ficaria relegada a empregos de baixa remuneração ou ao desemprego. Isso cria uma divisão social insustentável, onde as oportunidades estão concentradas nas mãos de poucos, enquanto a maioria permanece marginalizada.
Riscos à Estabilidade Social
A ausência de mecanismos de redistribuição, ao lado de uma crescente desigualdade, pode levar a uma instabilidade social significativa. Grandes desigualdades de renda e riqueza frequentemente resultam em tensões sociais, protestos e, em casos mais extremos, violência. As pessoas marginalizadas pela estrutura econômica tenderão a se ressentir da concentração de poder e riqueza nas mãos de uma pequena elite produtiva, o que pode gerar revoltas e conflitos.
Além disso, a falta de uma rede de segurança social pode aumentar os níveis de criminalidade e criar um ambiente de insegurança generalizada. À medida que mais pessoas caem na pobreza extrema, sem acesso a bens essenciais como educação e saúde, a frustração social aumenta, comprometendo a estabilidade de qualquer sistema que não ofereça soluções coletivas para esses problemas.
Conclusão
A visão de Ellis Wyatt, e por extensão de sua criadora, Ayn Rand, oferece um ideal de meritocracia e trocas justas, onde a riqueza é resultado do esforço individual e da produtividade. No entanto, ao ser aplicada ao mundo real, essa visão encontra obstáculos significativos, como a existência de oligopólios, lobbies poderosos, assimetrias de informações e desigualdades estruturais. Além disso, a rejeição completa da redistribuição de riqueza pode criar uma sociedade profundamente desigual, com um contingente populacional empobrecido e sem perspectivas de mobilidade social.
Embora o ideal de Wyatt celebre o mérito e a liberdade individual, a ausência de mecanismos de redistribuição pode levar a um ciclo de pobreza e desigualdade que não apenas prejudica os indivíduos marginalizados, mas também compromete a estabilidade social como um todo. Assim, a riqueza, quando acumulada sem a consideração de fatores coletivos, pode se tornar um catalisador de desequilíbrios sociais e tensões que minam a própria estrutura da sociedade que Wyatt deseja proteger.
No mês passado, fui retirar um automóvel em uma conhecida locadora de veículos e resolvi testar a retirada digital através do aplicativo do celular. Como eu estava usando esta funcionalidade pela primeira vez, achei melhor ter o acompanhamento de um funcionário da empresa. Tudo funcionou bem até a atendente verificar que não havia carro da categoria desejada no estacionamento. Para agilizar a solução do problema, ela pediu para o outro atendente providenciar, com a área de operação, a colocação de um veículo em uma das vagas. O rapaz ficou claramente contrariado e, ao sair da sala, disse que aquele não era o seu trabalho. Para ele, a sua responsabilidade era apenas atender os clientes no balcão.
Eu e, provavelmente, a sua colega pensamos diferentes. A principal responsabilidade dos funcionários de uma empresa é proporcionar a melhor experiência para seus clientes, dentro de padrões éticos e de segurança. No meu caso específico, seria justificável, se o rapaz tivesse que estacionar o carro para eu concluir satisfatoriamente minha experiência.
Há quinze anos publiquei um post neste blog com a descrição do funcionário beija-flor. Este funcionário da locadora de veículos encaixa-se perfeitamente neste perfil. Para acessar este post, basta clicar no link abaixo.
O beija-flor e o leão – figura inspirada na fábula do incêndio na floresta narrada pelo sociólogo Betinho (imagem criada por inteligência artificial)
O funcionário beija-flor cumpre religiosamente seu horário de trabalho. Faz suas tarefas com esmero digno de elogios, mas está totalmente alienado em relação ao que acontece na sua empresa. Ou seja, mesmo sabendo que existem coisas erradas acontecendo, ele continua simplesmente “fazendo a sua parte”. No caso do rapaz, ele deveria apenas atender eficientemente os clientes no balcão da locadora.
Minha experiência foi salva pela atendente da locadora. Da próxima vez, tentarei executar o processo sozinho. O segundo atendente poderia destruir a experiência e transformá-la em decepção. Mais uma vez fica claro que seleção e treinamento dos funcionários é essencial para o sucesso da empresa.
Este comportamento não é exclusividade dos níveis operacionais das empresas. O que mais me espanta é perceber este padrão em níveis mais altos: gerentes e diretores. O desdobramento das metas em departamentos e unidades de negócios pode estimular a competição interna na empresa, criação de “silos” e visão de curto prazo. O resultado financeiro do período pode ser decorrência de ações que, inclusive, prejudiquem a sustentabilidade da empresa a longo prazo. E o pior é que estes executivos “beija-flor” estão “fazendo a sua parte”. Eles estão fazendo aquilo que os remunera através dos bônus anuais.
O governo brasileiro estimulou a produção de etanol para combustível a partir da cana de açúcar através do ProÁlcool, programa iniciado em meados da década de 1970. Este programa foi revitalizado nos anos 2000.
Lançamento do Fiat 147 a álcool (Fonte: Anfavea)
O etanol hidratado pode ser utilizado como substituto da gasolina. E atualmente etanol anidro é adicionado na gasolina comum na proporção de 27%. Através da tecnologia “flex-fuel” (ou “dual-fuel”), a maior parte da frota de automóveis do Brasil pode usar qualquer proporção de etanol e gasolina como combustível.
Deste modo, há uma redução na queima de combustíveis fósseis, além da plantação de cana de açúcar absorver a maior parte do CO2 emitido pelos veículos, reduzindo assim os GHG (gases de efeito estufa) na atmosfera.
Muitas usinas produzem etanol e açúcar refinado ou apenas semirrefinado. O melaço, subproduto da produção de açúcar, pode também ser aproveitado para a produção de etanol.
O bagaço, sólido fibroso proveniente da extração dos açúcares, é usado como combustível nas caldeiras para produção de vapor de alta pressão. Este vapor alimenta turbinas para a geração de energia elétrica e o vapor de escape atende as demandas térmicas do processo. As cinzas da queima do bagaço possuem alto teor de nutrientes minerais, sendo compostadas com outros resíduos orgânicos da usina e usados como fertilizante no canavial.
Produção de energia elétrica a partir de bagaço de cana (Fonte: Unica)
A fermentação alcoólica gera aproximadamente 1 kg de CO2 por kg de etanol. Ou seja, há oportunidades para o desenvolvimento do uso desta corrente. Uma aplicação existente é a produção de carbonatos “verdes” a partir do CO2 da fermentação.
Na destilação, são produzidos grandes volumes de vinhaça. São gerados em torno de 12 litros de vinhaça por litro de etanol hidratado. Esta vinhaça possui grande quantidade de matéria orgânica (alto DQO – demanda química de oxigênio) e minerais, sendo utilizada integralmente para irrigação dos canaviais.
Fertirrigação de um canavial (Fonte: Embrapa)
Apesar de vários aspectos positivos da recuperação de resíduos deste processo para outros processos ou retorno para o solo, existem oportunidades a serem perseguidas.
No campo, a palha da cana de açúcar não é levada para a usina. Deste modo, sua função atual é proteção e nutrição do solo. Há oportunidade para usar parte desta matéria orgânica para produção de energia elétrica, biogás ou etanol de segunda geração (etanol celulósico).
A vinhaça pode ser pré-digerida anaerobicamente e produzir biogás rico em metano, antes de irrigar os canaviais. O biogás pode ser combustível para produção adicional de energia elétrica ou, após purificação, pode ser transformado em metano verde. Se houver um gasoduto próximo, este gás pode ser injetado na rede.
Sistema de geração de biogás (Fonte: Única)
Os caminhões, colhedoras e tratores utilizam óleo diesel como combustível. Ou seja, existe consumo de combustível fóssil para produção de combustível renovável. E o óleo diesel é um dos itens mais importantes no custeio do etanol. Estima-se que 5% de todo o diesel consumido no Brasil é utilizado no setor sucroenergético. Uma alternativa é a transformação dos motores dos caminhões em “dual-fuel” (diesel-metano). Outra opção poderia ser motores híbridos elétricos e a metano. Nestas opções, os caminhões seriam abastecidos na fila para descarregamento para a moenda de cana.
Outro ponto, pode ser a melhoria da eficiência térmica das usinas para aumentar a geração de energia elétrica para o grid. Existem correntes quentes de vapor de baixa pressão na evaporação de caldo de cana, normalmente, sem sistema reaproveitamento energético.
Além disso, também se poderia melhorar o aproveitamento interno da água para reduzir a captação de água limpa dos rios e poços.
Mesmo sem estas melhorias sugeridas, o etanol de cana no Brasil é muito mais eficiente do que o etanol de milho e estima-se que gere apenas 14% das emissões de CO2 em comparação com a gasolina.
Os principais produtos da usina, açúcar e etanol, podem ser matérias primas para obtenção de produtos verdes. O etanol, por exemplo, pode ser a matéria prima para produção de eteno (matéria prima para produção de plásticos) 100% renovável. O açúcar pode ser usado como fonte de alimento de microrganismos para a produção de inúmeras moléculas, desde ácidos orgânicos e polímeros a óleos alimentícios.
No que refere aos aspectos sociais, uma usina emprega centenas de pessoas, tornando-se um motor importante para a economia de pequenas cidades do interior do Brasil. As condições de trabalho melhoraram muito nas últimas duas décadas. Os impostos oriundos das atividades destas usinas ajudam a melhorar os serviços públicos de educação e saúde de pequenas cidades.
A produção de vegetais (verduras, frutas, raízes e legumes) orgânicos possui algumas regras que facilitam a adoção da circularidade. A seguir estão listadas algumas diretrizes para a produção de produtos orgânicos:
Oferta de produtos saudáveis isentos de contaminantes.
Uso de boas práticas de manuseio e processamento com o propósito de manter a integridade orgânica e as qualidades vitais do produto.
Preservação da diversidade biológica dos ecossistemas naturais e a recomposição ou incremento da diversidade biológica dos ecossistemas modificados.
Emprego de produtos e processos que mantenham ou incrementem a fertilidade do solo e o equilíbrio da sua atividade biológica.
Adoção de práticas nas unidades de produção que contemplem o uso saudável do solo, da água e do ar.
Reciclagem de resíduos de origem orgânica, reduzindo ao mínimo possível o emprego de recursos naturais não renováveis.
Utilização de práticas de manejo produtivo que preservem as condições de bem-estar dos animais.
Estabelecimento de relações de trabalho baseadas no tratamento com justiça, dignidade e equidade, independentemente das formas de contrato de trabalho.
Incentivo à integração entre os diferentes participantes da rede de produção orgânica.
Regionalização da produção e do comércio dos produtos.
De acordo com estas premissas, não são utilizados fertilizantes químicos no processo. A fertilização é realizada através dos resíduos vegetais da própria fazenda, através de compostagem. Pode-se caracterizar este processo como recuperação. Se a quantidade de fertilizante orgânico obtida não for suficiente, pode-se importar resíduos animais e vegetais de localidades próximas e compostá-las junto com os resíduos próprios. O processamento dos resíduos externos caracteriza-se como reciclagem.
Compostagem aeróbia – Foto: Alexander Silva de Resende (site Embrapa.br)
Em relação às emissões de gases de efeito estufa, se a fazenda conservar ou aumentar a quantidade de matéria orgânica no solo potencialmente pode ser net zero ou net negative. Ou seja, o empreendimento estaria sequestrando carbono da atmosfera ao invés de emitir.
Uma questão interessante seria a substituição dos equipamentos movidos a óleo diesel por elétricos. Se a geração de energia elétrica for local através de painéis fotovoltaicos, seria ambientalmente ainda melhor.
Como não são usados inseticidas, a existência de insetos polinizadores, como as abelhas, é estimulada. E pragas e doenças podem ser evitadas através da associação de diferentes espécies vegetais. Há aumento de biodiversidade.
O recurso desafiador é o consumo de água. A fazenda pode implantar irrigação por gotejamento para reduzir em até 90% o consumo de água, entretanto ainda seria necessário aporte de água externa através de chuva ou abastecimento, por exemplo, através de um rio.
Se o regime de trabalho na fazenda não for sazonal, pode-se estabelecer relações de trabalho duradouras e justas com possibilidade de participação nos resultados econômicos do empreendimento.
Produtores e consumidores podem estar ligados através do modelo de agricultura apoiada pela Comunidade (CSA – Community-Supported Agriculture). Neste modelo socioeconômico alternativo, a comunidade subscreve a colheita de uma determinada propriedade ou grupo de propriedades agrícolas. A principal vantagem é a partilha dos riscos agrícolas.
Um ponto importante é referente às embalagens. Muitos produtos orgânicos são vendidos em embalagens oriundas de fontes não renováveis como bandejas de isopor, filmes e sacos plásticos. Por uma questão de coerência, seria importante reduzir o volume de embalagens e substituir os materiais por fontes renováveis, recicláveis e biodegradáveis. Neste caso, a sustentabilidade e circularidade dos alimentos orgânicos seriam melhoradas. Esta medida poderia ser regulada pelos Estados que determinariam um prazo para banir embalagens de matérias primas não renováveis ou de reciclagem difícil.
Muito plástico e isopor nas embalagens dos vegetais orgânicos nos supermercados
No próximo artigo desta série sobre circularidade, apresentarei o caso da indústria brasileira do açúcar e etanol e suas contribuições e oportunidades.
Uma das áreas de ação da economia circular é formada pelos chamados bens de consumo de movimento rápido (FMCG – Fast-Moving Consumer Good). Dentro desta categoria de produtos não duráveis, podemos listar os alimentos frescos ou congelados (frutas, legumes e castanhas), os alimentos processados, as refeições prontas, as bebidas (águas engarrafadas, refrigerantes, cervejas e sucos), os produtos de panificação, os medicamentos vendidos sem receita médica (aspirina, analgésicos e outros), os produtos de limpeza, os cosméticos e os produtos de higiene pessoal.
A maior parte dos alimentos existentes no mercado atualmente sofrem, pelo menos, alguma forma de processamento. Muitas matérias primas são refinadas e as substâncias removidas tornam-se resíduos. Muitos dos materiais descartados ainda possuem valor nutricional. Em outros casos, o alimento integral apresenta características nutricionais melhores do que o alimento refinado.
Minha proposta tem quatro eixos.
1. Estudar o processo produtivo a fim de reduzir a geração de coprodutos e resíduos
O aumento da eficiência do processo traz benefícios econômicos, sociais e ambientais. A quantidade de matéria prima por unidade de produto produzido é reduzida, diminuindo as emissões de poluentes e resíduos enviados para aterros. Como existe um benefício econômico claro, a empresa pode criar um programa para focar na redução das perdas através de ferramentas como, por exemplo, Six Sigma, Lean Manufacturing e Kaizen. Normalmente esta alternativa apresenta várias ações de curto prazo de fácil execução (os chamados low hanging fruits em inglês) que trazem resultados rápidos para a empresa.
2. Encontrar aplicações para os coprodutos gerados no processo
Muitos resíduos tornam-se efluentes líquidos que exigem, muitas vezes, estações de tratamento caras e complexas. Estes custos devem ser considerados no preço de venda do produto. Se este material for aproveitado pela própria empresa ou comercializado para ser matéria prima de outra indústria, o custo final será reduzido, trazendo benefícios econômicos, sociais e ambientais. Esta alternativa exige desenvolvimento de processo ou, até mesmo, redesenho total do processo produtivo. Um exemplo deste tipo de abordagem é o aproveitamento do soro de leite proveniente da produção de queijo que apresenta uma série de aplicações na indústria de alimentos. Antes do desenvolvimento deste produto, o soro do leite causava poluição hídrica devido à sua alta concentração de matéria orgânica e de nitrogênio. Algumas empresas localizadas em zonas rurais usavam o soro como parte da alimentação de suínos.
Laticínios – leite, queijos e soro (abaixo à esquerda)
3. Criar linhas de produto integrais ou minimamente processados
A melhor alternativa seria colocar no mercado alimentos minimamente processados, onde seria garantido a ausência de patógenos, metais pesados e demais substâncias tóxicas. Estes produtos deveriam ser desenvolvidos desde os produtores de matérias primas até o consumidor final. Assim o desenvolvimento envolve toda a cadeia de valor da empresa. Existem diferentes tipos de leguminosas (feijões, lentilhas e grão de bico) e cereais que podem servir de alimento com mínimo processamento. Este terceiro item da proposta está alinhado com o movimento pelo “clean label” que busca por produtos apenas com ingredientes “reconhecíveis” pelo consumidor. A empresa que buscar este mercado pode viabilizar uma melhor remuneração para pequenos e médios agricultores, prover alimentos nutritivos aos consumidores, com menor impacto ambiental. Por causa do reconhecimento da sociedade, pode operar com margens maiores, trazendo sustentabilidade econômica para si e para toda a cadeia.
Diferentes tipos de feijões, ervilhas, lentilhas e grão-de-bico
4. Minimizar a quantidade de embalagens e facilitar a reciclagem
Os bens de consumo de movimento rápido (FMCG) também são conhecidos como bens de consumo embalados (CPG – consumer packaged goods). As embalagens são fatores muito importantes no processo de produção e, normalmente, são classificadas como primária, secundária e terciária.
A embalagem primária está em contato direto com o produto. Além de protegê-lo, apresenta informações importantes para os consumidores, como data de fabricação / validade, instruções de uso, lista dos ingredientes, dados nutricionais e presença de alergênicos.
Em alguns casos a embalagem primária não apresenta estas informações, sendo necessária uma embalagem secundária, geralmente de papel cartonado. Nestes casos, há aumento no volume de resíduos. Pigmentos coloridos e polímeros podem dificultar a reciclagem do material.
Os sistemas de logística e distribuição geralmente exigem embalagens secundárias e terciárias para maximizar a eficiência de estocagem, transporte e distribuição. Normalmente estas embalagens são de papelão ou filmes plásticos.
Seria fundamental ao projetar a embalagem pensar em dois fatores: facilidade de reciclagem e logística reversa. Embalagens multicamadas, por exemplo, possuem processos de reciclagem mais complexos e custosos.
[Packaging]
Embalagens primárias, secundárias e terciárias
No próximo artigo, aprofundarei esta abordagem no caso dos alimentos orgânicos.
Muitas pessoas definem o PIB, Produto Interno Bruto, como a soma das riquezas geradas por um país ou região durante um certo período. Esta definição é pobre, porque não considera o consumo do capital natural do país ou região.
Imagine a seguinte situação: uma empresa tinha um estoque de produtos acabados no valor de dez milhões de reais e o saldo de sua conta corrente, incluindo investimentos, era de um milhão de reais em 2022. Neste caso, seu ativo circulante era onze milhões de reais. No ano seguinte, esta empresa reduziu em 50% seu estoque. O faturamento gerado pela venda dos produtos em estoque foi de 5 milhões de reais. Praticamente todo o dinheiro foi usado para a subsistência da empresa. No final do ano, o saldo na conta corrente era dois milhões de reais. Ou seja, os ativos foram reduzidos em quatro milhões de reais. A tabela abaixo, onde todos os valores estão expressos em milhões de reais, explicita esta análise.
Tabela 1 – Evolução do Patrimônio de uma Empresa (valores em milhões de reais)
Fica claro que o patrimônio desta empresa encolheu em 4 milhões de reais em um ano. Se esta empresa mantiver esta tendência, ficará endividada em dois anos.
O economista Thomas Piketty no seu livro “Uma Breve História da Igualdade” apresenta o seguinte exemplo:
“Um país que extraia 100 bilhões de euros de petróleo do seu solo gera um PIB adicional de 100 bilhões de euros. Em contrapartida, a Renda Nacional correspondente é nula, pois o estoque de capital natural foi reduzido na mesma proporção. Se além disso, escolhermos atribuir um valor negativo correspondente ao custo social das emissões de carbono geradas pela combustão do petróleo em questão, então obteremos uma Renda Nacional muito negativa.”
Ou seja, o PIB não considera nem a variação do estoque de capital natural, nem as externalidades negativas geradas pelas atividades econômicas.
Interação entre os Estoques de Capital Natural e a Atividade Econômica – Fonte: Reflections on the Role of Natural Capital for Economic Activity – European Comission, 2023
O Brasil é um país muito relevante em termos de área coberta por florestas e outros ecossistemas naturais, bem como pela produção de alimentos e de fibras para uso industrial.
Fica claro que a exportação de minérios se encaixa na mesma situação do exemplo do país exportador de petróleo apresentado por Piketty. Ou seja, a exportação de minério de ferro deve gerar uma Renda Nacional negativa, devido à redução do capital natural e aos impactos ambientais e sociais negativos.
O caso da exportação de commodities agrícolas é bem mais complexo. O sol é a fonte de energia para a fotossíntese e, consequentemente, para o crescimento vegetal. A energia do sol entra com custo zero no nosso cálculo de capital natural. No caso da água, sais minerais e matéria orgânica do solo, precisaríamos analisar os seus estoques antes e depois de cada safra. Se a área da plantação for oriunda de desmatamento de uma floresta nativa, evidentemente houve uma redução do capital natural.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) elaborou em 2021 a primeira contabilidade do capital natural do país, como resultado do Projeto NCAVES (Natural Capital Accounting and Valuation of Ecosystem Services) da ONU. O relatório analisou diferentes áreas:
Cálculo das dimensões dos Ecossistemas: uso da terra por bioma.
Determinação das condições dos corpos hídricos.
Serviços dos ecossistemas.
Relato de espécies ameaçadas no Brasil.
Ativos ambientais individuais e cálculo dos recursos.
Aplicações de contabilidade econômica ambiental para obtenção de indicadores.
Discussão da combinação dos resultados entre os cálculos das dimensões, determinação das condições, serviços ecossistêmicos, relato das espécies ameaçadas para os seguintes biomas: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal.
Com base neste trabalho, se poderá calcular se há geração de riqueza em atividades econômicas importantes para o Brasil como, por exemplo, plantação de milho e soja para ração, ou criação de gado bovino em pastagens, ou plantação de eucaliptos para a produção de celulose. As discussões advindas da análise destes resultados podem gerar novas orientações para a economia do país. Deste modo, a melhoria contínua na qualidade dos dados é essencial para otimizar as tomadas de decisão.
No caso da agricultura, se o capital natural (água, solo, biodiversidade) está sendo preservado na propriedade, poderia haver redução de impostos e acesso a fontes de financiamento com juros mais baixos.
O próximo artigo apresentará alternativas para aumentar a circularidade dos produtos não duráveis, os chamados bens de consumo de movimento rápido.
A população da cidade de São Paulo é de aproximadamente 12,2 milhões de habitantes em uma área de 1.526 Km². A questão do resíduo sólido urbano (RSU) é muito importante e complexa. De acordo com dados oficiais da Prefeitura de São Paulo, em 2019, foram geradas 3,84 milhões de toneladas de RSU. Este montante representa 0,87 Kg / habitante por dia. O custo anual total da operação ficou em torno de R$ 2,265 bilhões (US$ 575 milhões), R$ 589,42 (US$ 150) por tonelada de RSU ou R$ 184,91 (US$ 47) por habitante.
A figura abaixo apresenta de forma esquemática o ciclo da coleta do RSU, transbordo e disposição final em aterros sanitários na cidade de São Paulo.
Ciclo do RSU na cidade de São Paulo: coleta, transbordo e disposição final.
Atualmente a cidade possui três aterros sanitários com captação de biogás em atividade, com início das operações entre 2008 e 2011. Em um destes aterros foi instalado um sistema de geração de eletricidade com capacidade instalada de 29,5 MW para aproveitamento do biogás. Em 2019, a geração estava em torno de 25 MW. Outros dois outros aterros sanitários desativados também possuem captação de biogás e geração de eletricidade de 20 MW em cada aterro.
Existe também um aterro para materiais inertes oriundos da construção civil. Este aterro recebeu 51 mil toneladas de resíduos em 2019, 180 mil toneladas foram enviadas para os aterros sanitários e apenas 33 mil toneladas foram recicladas.
Existe coleta de RSU em 100% dos domicílios da cidade. A coleta seletiva de material reciclável foi de apenas 80 mil toneladas (menos de 3% do total recolhido). Deste total, 40% foram reciclados, 32 mil toneladas. Os principais materiais recuperados foram plásticos (18,5 mil toneladas), papéis (9,2 mil toneladas), metais (1,7 mil toneladas) e outros materiais (2,8 mil toneladas).
O Índice de Recuperação de Resíduos (WRI em inglês) indica qual a proporção do resíduo foi reutilizada, reciclada ou recuperada para geração de energia em relação ao total do resíduo gerado no mesmo período. No caso de São Paulo, este índice é de apenas 0,84%.
A composição média do RSU no Brasil é a seguinte:
Matéria orgânica – 45%
Plásticos – 17%
Papel / papelão – 10%
Vidros – 2,7%
Metais – 2,3%
Outros materiais recicláveis – 7,0%
Rejeitos – 14%
Outros – < 2,0%
Sem considerar os “rejeitos” (materiais contaminados com matéria orgânica), 39% do total do RSU potencialmente poderia ser reutilizado ou reciclado. Atualmente na cidade de São Paulo, menos de 1% é reciclado. Deste modo, existe um enorme potencial a ser explorado. A criação de renda para catadores poderia ser estimulada e a necessidade de materiais virgens para diversas aplicações seria reduzida.
Para aumentar os índices de reciclagem, a participação da população é essencial. Com uma pequena fração do que é gasto atualmente na gestão do RSU na cidade de São Paulo, poder-se-ia investir na educação e conscientização da população para separar corretamente os resíduos recicláveis. Deste modo, a geração dos “rejeitos” seria reduzida e os materiais recicláveis não perderiam valor. Estas ações deveriam ser iniciadas nas escolas para que crianças e adolescentes liderem estas ações nas suas casas. A participação das ONGs também é muito importante para facilitar a conexão entre a população, catadores e recicladores.
A quantidade reciclada de material inerte da construção civil também poderia ser aumentada, ou, pelo menos, enviada para o aterro de materiais inertes, reduzindo a ocupação dos aterros sanitários.
Outro ponto, seria um melhor aproveitamento do material orgânico. Poderia ser empregado em processos de compostagem aeróbia com geração de fertilizante orgânico para agricultura. Outra forma de compostagem é a produção de larvas da mosca soldado preta (Hermetia illucens) que se alimentam da matéria orgânica, gerando fertilizante estável, e, após serem abatidas e secas, as larvas podem ser usadas como ração para aves e peixes.
O aterro ativo com captação de biogás para geração de energia elétrica processa em torno de 40% do total do RSU de São Paulo. Desde modo, seria possível gerar, pelo menos, mais 60 MW, aproveitando o biogás dos dois outros aterros ativos da cidade.
Outra alternativa seria a instalação de usinas do tipo WtE (Waste-to-Energy ou Resíduo para Energia) para a incineração dos resíduos para geração de eletricidade. Neste caso, se reduziria drasticamente o volume de resíduos a serem dispostos em aterros sanitários, mas haveria necessidade de rigoroso controle das emissões atmosféricas do sistema de incineração.
O próximo artigo será sobre as limitações do PIB (Produto Interno Bruto) em considerar o capital natural e as externalidades negativas geradas pelas atividades econômicas.
Sugestão de escrita diária
Você passa mais tempo pensando no futuro ou no passado? Por quê?
No início de dezembro, concluí o curso do MIT, Circular Economy: Transition for Future Sustainability. Quando participamos de um curso intenso como este, uma série de reflexões vem à tona e passamos a entender a importância de alguns temas nos quais nunca havíamos pensado a respeito. Hoje comentarei a questão dos efeitos negativos dos rebotes causados pelos aumentos de eficiência e como o Estado pode interferir para reduzi-los.
A economia circular busca o fechamento de ciclos de materiais, a extensão dos ciclos de vida dos produtos e a virtualização de produtos (transformação dos produtos em serviços). Deste modo, o consumo de matérias primas retiradas da natureza é reduzido e os danos ambientais são minimizados.
Diagrama da Economia Circular – Fonte: MIT Professional Education
Por outro lado, os aumentos de eficiência gerados por ações, baseadas nos princípios da economia circular, podem gerar aumento de consumo. Deste modo, os benefícios com a melhoria de eficiência podem ser reduzidos ou, até mesmo, anulados. Por exemplo, lâmpadas de LED consomem muito menos eletricidade em relação às lâmpadas incandescentes. Assim pode haver aumento no consumo de lâmpadas devido à redução do consumo energético específico. Se o aumento do consumo do produto mais eficiente for maior do que a economia pretendida pela medida de eficiência, então esse rebote aumenta o impacto ambiental em vez de reduzi-lo. Chamamos este efeito de rebote energético. Um efeito secundário, rebote indireto, ocorre quando os consumidores gastam o dinheiro economizado em energia em outros bens.
A figura abaixo apresenta de forma esquemática a diferença do consumo de recursos e geração de resíduos, considerando três situações: economia linear, economia circular e economia circular comrebote.
Perda dos Benefícios Economia Circular devido aos Rebotes
O rebote também pode ser direto. Neste caso, há aumento instantâneo da demanda do consumidor pelo mesmo produto ou serviço que teve seu preço reduzido, graças aos aumentos de eficiência.
No final, os aumentos na eficiência da produção ou do consumo são compensados pelo aumento dos níveis de produção e consumo. Os efeitos em toda a economia são imprevisíveis.
Para tornar o cenário mais complexo, existem os chamados efeitos transformacionais que se referem às mudanças nas preferências dos consumidores, avanços na tecnologia ou alterações na regulamentação devido a um aumento na eficiência energética. Por exemplo, energia solar mais barata pode estimular a adoção de novas tecnologias não empregadas anteriormente devido ao alto custo de operação. Neste caso, não houve a simples substituição do consumo de eletricidade de fonte fóssil por uma fonte renovável, houve aumento de consumo devido à redução do custo de energia.
Como evitar que os rebotes acabem com os ganhos da economia circular?
A economia circular não deve ser vista como a solução para as questões ambientais mundiais, mas é uma parte importante desta solução. Como apresentado neste artigo, pela lógica capitalista, os ganhos de eficiência obtidos podem ser convertidos em mais produção e consumo, se nenhuma medida for adotada.
Em primeiríssimo lugar, a mentalidade consumista deve ser substituída por uma consciência ecológica. As pessoas devem ser educadas para consumir o essencial, reduzindo os supérfluos e as compras por impulso.
Informações sobre a pegada ambiental dos produtos deveriam estar disponíveis da mesma forma que temos as informações sobre os ingredientes e valor nutricionais nas embalagens de alimentos. Produtos muito intensivos em energia deveriam ser mais pesadamente taxados do que os produtos mais amigos do meio ambiente. A figura abaixo mostra exemplos já usados em outros locais do mundo.
Um programa para monitorar e incentivar a melhoria da qualidade dos bens duráveis deveria ser implementado. Bens de qualidade inferior possuem vida útil menor, exigindo substituição. E mais recursos materiais e energéticos serão empregados na produção.
O incentivo para o fortalecimento do mercado secundário de equipamentos é outra medida importante. Deste modo, ao invés de adquirir um equipamento novo, o consumidor tem a opção de um equipamento usado, recondicionado e com garantia. Deste modo, a vida útil do equipamento é estendida.
A existência de um mercado secundário pode estimular os fabricantes de equipamentos a migrarem seu modelo de negócios para PaaS (Product as a Service), no qual o consumidor, em vez de comprar o produto, paga o fornecedor pela solução de um problema. Este tipo de serviço já é comum, por exemplo, no caso de softwares (SaaS – Software as a Service) e equipamentos de informática. Algumas empresas do ramo automobilístico também adotam este modelo.
Várias ações podem estimular a circularidade na economia. O mercado por si só não é capaz de estimular ações neste sentido. Desta forma, regulações devem ser introduzidas a fim de estimular a implementação de ações que favoreçam a circularidade dos processos. O papel do Estado é muito importante.
O investimento em tecnologia é fundamental para o desenvolvimento de novas soluções para os processos produtivos atuais. Pode-se citar algumas áreas de pesquisa:
busca de matérias primas renováveis para a produção de polímeros oriundo do petróleo;
desenvolvimento de processos mais eficientes e menos intensivos em energia;
desenvolvimento de design que favoreça as etapas de reuso, recuperação e reciclagem;
busca de alternativas para reduzir o conteúdo de matérias primas virgens para a fabricação de novos produtos.
Nos países em desenvolvimento, um elo fundamental para a economia circular são os catadores de produtos recicláveis como latas de alumínio, papéis e plásticos. A melhoria na remuneração e nas condições de trabalho pode ajudar a aumentar o volume de matérias primas recuperadas.
Outro ponto é a proibição de produtos de uso único de difícil reciclagem como, por exemplo, canudos, copos e pratos descartáveis.
Também pode-se aumentar a competitividade dos produtos reciclados através da redução dos seus impostos ou do aumento dos impostos sobre as matérias primas virgens (internalização das externalidades).
O Estado também pode taxar com alíquotas mais altas os produtos com maior impacto ambiental, desestimulando seu consumo. Da mesma forma, pode reduzir os impostos de produtos com maior durabilidade, além de estimular o mercado secundário de matérias primas. Assim o efeito dos rebotes podem ser minimizados.
Este foi o primeiro artigo desta série sobre economia circular. Na sequência, vou apresentar o caso bilionário do lixo da cidade de São Paulo. E outros artigos virão em seguida. Espero contribuir com boas reflexões para a construção de um mundo mais sustentável para as próximas gerações.
Na última semana do ano, eu e minha filha, Júlia, fomos ao cinema assistir a Matrix Resurrections. Desde que vi, em setembro, o primeiro trailer oficial com trilha sonora da música White Rabbit da banda Jefferson Airplane, jurei que não perderia oportunidade de “voltar à Matrix”.
Todos os comentários que detonaram o filme causam-me um certo estranhamento. Afinal o filme não era tão ruim para ser atacado de formas tão incisivas. Eu considero um bom filme, nota 7,0 ou 7,5. Por outro lado, não foram atendidas as expectativas destas pessoas. Ou, talvez, as expectativas eram elevadas demais.
Matrix (1999) é uma obra-prima das, hoje, irmãs Wachowski. Este é um filme que transcendeu o cinema e, em muitos aspectos, foi absorvido pela cultura popular. Já escrevi um artigo onde comparo a Matrix com a alegoria da Caverna de Platão. As duas continuações, lançadas em 2003, não chegam perto da qualidade e profundidade filosófica do primeiro filme. Provavelmente, as cenas de ação sejam as maiores lembranças dos dois últimos filmes da trilogia.
Mesmo assim, em Matrix Reloaded, há um espetacular diálogo entre Neo e o Arquiteto (criador da Matrix), quando ele classifica Neo como o resultado de uma anomalia da Matrix. Também informa que aquela era a sexta versão da Matrix. No final, o Arquiteto avisa que Zion, cidade onde vivem os últimos humanos livres, será destruída novamente e Neo teria a missão de selecionar algumas mulheres e alguns poucos homens para reiniciar o processo. Mas, naquele exato momento seu amor, Trinity, estava correndo sério risco de vida. Então Neo opta por salvar Trinity. Logicamente, esta opção não faria sentido, porque, no caso de desaparecimento da humanidade, ele e Trinity também morreriam. O Arquiteto avalia brilhantemente a escolha de Neo:
– “Esperança. É a quintessência da auto-ilusão humana, simultaneamente, a fonte de sua maior força e de sua maior fraqueza.”
Quando revi recentemente o terceiro filme, Matrix Revolutions, existe um diálogo entre Neo e o agente Smith em uma das últimas cenas. Agente Smith quer entender o motivo que Neo continuava lutando mesmo sabendo que seria derrotado. A resposta de Neo é simples e marcante e vale por todo o filme:
– “Porque eu escolhi (Because I choose to)!”
Esta é uma expressão clara do livre arbítrio. Voltarei a este ponto específico, durante a análise do novo filme.
Decidi que escreveria este artigo somente após rever o filme na HBO Max. Deste modo, pude confirmar algumas impressões e ver outros pontos que passaram despercebidos na primeira vez.
Em primeiro lugar, o filme não foi desrespeitoso com a trilogia. Em minha opinião, foi um grande tributo. A solução para trazer de volta Neo e Trinity foi muito aceitável. As mudanças da nova versão da Matrix e a paz entre humanos e máquinas também são apresentados. Certamente, as informações são insuficientes para aqueles que não se lembram ou não assistiram os filmes anteriores, mas não era este o público da esmagadora maioria dos espectadores.
A rejeição injusta não veio dos neófitos da Matrix, mas daqueles que são fãs desta trilogia. Como já mencionei, neste artigo, Matrix de 1999 é uma obra-prima, incrivelmente original, o que torna praticamente impossível a missão de igualá-la em qualidade. Quem foi ao cinema com esta expectativa só poderia se frustrar.
Aqueles que esperavam cenas de ação inovadoras, como o “bullet-time” do primeiro filme, também se decepcionaram. Muitas cenas de luta do Matrix Resurrections são caóticas. Uma das primeiras até causou-me um desconforto pela quebra da minha expectativa. Por incrível que pareça, achei estas cenas melhores de assistir na tela da TV do que numa sala de cinema IMAX.
Talvez os decepcionados esperavam por grandes revelações como, por exemplo, novas camadas de Matrix. Assim poderia existir uma Matrix dentro de outra Matrix, dentro de outra Matrix, dentro de outra Matrix… Seria quase um “Inception” (a Origem de 2010), onde as camadas da Matrix substituiriam as camadas de sonhos.
Esta Matrix de 2021 foi muito mais psicológica e sociológica do que filosófica, como o filme de 1999.
Thomas Arderson (Neo) está trabalhando em um novo jogo chamado Binary. Várias passagens do filme nos apresentam algumas destas polaridades, muitas vezes difíceis de distinguir, como se tudo fosse binário no mundo:
real x imaginário;
desejo x medo;
livre arbítrio x destino;
Thomas Anderson x Agente Smith (em um certo momento do filme até mesmo este antagonismo desaparece temporariamente).
Bugs, jovem e idealista comandante de uma nave da frota, fala para Niobe, que agora é a líder dos humanos livres na nova cidade de IO, que Niobe estava mais preocupada em cultivar vegetais do que libertar mentes. Assim, Niobe estaria mais interessada nas sensações do que no real. Também percebemos este ponto com o céu falso de IO.
Niobe também demonstra claramente medo que a paz com as máquinas termine por causa da liberdade de Neo e do seu interesse em resgatar Trinity. Ou seja, é a paz baseada em uma ética utilitarista, na qual os sofrimentos de Neo e Trinity seriam irrelevantes frente à paz em si.
A nova versão da Matrix foi criada pelo Analista. Ele coloca que os humanos decidem através dos sentimentos ao invés da razão. As versões anteriores, criadas pelo Arquiteto, eram baseadas unicamente em equações matemáticas, na razão. Esta nova versão previa esta característica humana, assim os humanos presos na Matrix ficavam confortáveis. Qualquer semelhança com realidade e distrações, no mundo atual, não é mera coincidência.
Em minha opinião, a principal reflexão deste filme é sobre a motivação das nossas escolhas. Elas seriam resultado do nosso livre arbítrio ou apenas obra do destino? Se for obra do destino, então todo o livro já está escrito e só nos resta a tarefa de encenar o texto, com pequena liberdade para alguns “cacos” menos importantes. Podemos pensar, por outro lado, que devemos fazer o que é certo. Este conceito nos alinha a ética do filósofo Immanuel Kant. Assim, o livre arbítrio seria fazer o que deve ser feito sem distrações e procrastinações. Como o novo Morpheus fala para Neo:
– “A escolha é uma ilusão. Você já sabe o que deve fazer”.
Niobe, no filme, decide apoiar o plano para dar a Trinity a oportunidade de decidir sobre sua saída da Matrix. Ela fez o deveria fazer.
Matrix Resurrections também é uma grande história de amor entre Neo e Trinity – um amor “impossível” entre duas pessoas que estão próximas, mas separadas dentro e fora da Matrix.
Como eu e a Júlia achamos que não haveria uma cena pós-créditos, perdemos a piadinha do “The Catrix”, que faz sentido nos dias atuais, e a bela dedicatória de Lana Wachowski para seus pais:
Para papai e mamãe:
“O amor é a gênese de tudo”
O que é a mais pura verdade!
Para finalizar este artigo, o Analista faz a seguinte declaração para Neo e Trinity no final do filme:
– “As ovelhas não vão a lugar nenhum. Eles gostam do meu mundo. Eles não querem esse sentimentalismo. Eles não querem liberdade ou empoderamento. Eles querem ser controlados. Eles anseiam pelo conforto da certeza.”
Talvez a esmagadora maioria das pessoas que odiaram o filme buscassem, na verdade, o “conforto da certeza” e Lana Wachowski não lhes deu isso.
Sinto que, a cada dia, estamos perdendo um pouco mais a habilidade de nos espantarmos com as coisas. Da mesma forma, parecem mais raros aqueles clarões em nossa mente que, em um único momento, parecem resolver problemas complexos através de ideias geniais.
Quando somos bebês, o mundo que nos circunda é repleto de novidades, não duvido disso, e o espanto ao encontrá-las é frequente. Até que ponto, atualmente, estamos tão imersos em tecnologias que perdemos contato com o que nos rodeia?
Em minha casa, na janela ao lado da mesa em que trabalho, temos algumas plantas lágrimas-de-cristo. Várias vezes ao dia, eu paro o que estou fazendo para admirar os beija-flores e borboletas que se alimentam do néctar das flores e carregam consigo o pólen para fertilizar outras flores. Parece que o mundo está migrando do exterior para o meu interior e repousa dentro do meu peito. Me acalma observar estes pequenos animais.
Você já reparou na expressão de um bebê no instante do espanto? Os olhos se arregalam, a boca se abre em forma arredondada e o “mundo” é aspirado para o interior do peito. Repare!
Não nos espantamos mais com frequência… Alguns até repetem que “nada mais os espanta”. É como se um tipo de “corona vírus” nos tivesse contaminado no momento que deixamos o ventre de nossas mães e que, na medida que crescemos e envelhecemos, roubasse nossa habilidade de encher nosso peito com ar e com o mundo.
Hoje temos tantas e tantas distrações que já fica difícil escutar nossos próprios corações e mentes, o que dirá sentir um centelha divina (ou insight se você preferir)… Nossos ouvidos estão sempre cheios de músicas, por que fugimos do silêncio? Todos os minutos livres são preenchidos pelo WhatsApp, YouTube, Instagram ou Facebook.
Como explicar o momento em que estamos relaxados e, do nada, nossos olhos se arregalam, nossas pupilas se dilatam, uma luz nos cega e temos vontade de sair correndo nu pelas ruas de Siracusa, gritando “Eureka”?
O psicólogo e etólogo Eckhard Hess descrevia a pupila como uma janela para a alma.
A pupila involuntariamente se contrai sob condições de luz forte e se dilata sob luz fraca. Quando o cérebro está em grande atividade cognitiva ou um insight é reconhecido, as pupilas se dilatam, independente da luz externa, como se esta luz fosse sumindo, os olhos se cegassem para o exterior e se voltassem para nosso interior. Pode estar olhando para alguém ou alguma coisa, mas não está vendo nada. Só seu pensamento está vivo.
Este é aquele maravilhoso brilho no olhar dos alunos da sala de aula ou das pessoas de uma plateia, quando se explica ou apresenta algum assunto – o que causa o verdadeiro êxtase do professor ou do palestrante, sensação privada pelas aulas e palestras pela Internet.
Devemos todos os dias, independentemente da idade, espantarmo-nos, aprender coisas e “insightar”. Tente se distanciar de tudo que ajude a nos separar de nossa própria essência, nem que seja apenas por algumas horas. Respire, olhe para o mundo e mergulhe em si mesmo. Assim, nossa vida será mais leve e iluminada.
Nestes tempos de reclusão, uma das opções é assistir a um bom filme em alguma das plataformas de streaming. Na sexta-feira passada, foi a vez de “Radioactive”, filme sobre a vida da grande cientista Marie Curie.
Gostei do elenco e de suas atuações, especialmente Rosamund Pike como Marie Curie, Sam Riley como Pierre Curie e Anya Taylor-Joy como a jovem Irene Curie.
Como a história dos Curie é pública, não me preocuparei com os spoilers neste post. Se você não a conhece, talvez prefira assistir ao filme antes de ler este texto.
Quando vi o anúncio de Radioactive, pensei que se tratava de uma minissérie. Para minha surpresa, era um filme com menos de duas horas de duração. Assim o que vemos do início ao fim do filme é uma sucessão de fatos com muitos cortes estranhos para os que não conhecem a história da cientista. As dificuldades e vitórias aparecem e desaparecem rapidamente da tela, sem tempo suficiente para assimilação.
Marie Curie nasceu Maria Skłodowska na Polônia. A única cena da sua infância é sobre a morte da mãe, quando Maria tinha 10 anos. Não há nenhuma menção ao seu pai, Władysław Skłodowski, que era um professor. Os problemas financeiros que a família passou também não aparecem.
Uma oportunidade perdida no filme é a omissão que seu pai ensinou os filhos a usarem os equipamentos de laboratório de química. A Polônia, neste tempo, estava sob o domínio do Império Russo e as autoridades acabaram com as aulas de laboratório nas escolas polonesas. Assim ele levou muitos equipamentos para a casa da família e montou um laboratório.
Todo o período na Polônia foi ignorado: seu trabalho como governanta para levantar fundos para estudar em Paris ou, por exemplo, seus estudos em uma universidade clandestina que aceitava mulheres.
Seu período de estudos em Paris também é esquecido.
O pedido de casamento de Pierre à Marie não foi aceito imediatamente, como no filme. Marie desejava voltar para a Polônia e desenvolver seu trabalho em seu país natal, mas não foi aceita na universidade por ser mulher.
Após o nascimento da filha mais velha, Irene, Marie também passa a lecionar para ajudar na renda do casal. O filme passa a ideia de que apenas Pierre dava aulas, enquanto Marie trabalhava exclusivamente nas suas pesquisas.
As descobertas científicas deveriam ter sido melhor exploradas. Tudo começa com uma passagem muito rápida, praticamente um flash, sobre a observação do cientista Henri Becquerel sobre a propriedade do urânio emitir espontaneamente raios. A partir do trabalho de Becquerel, Marie Curie resolve desenvolver seu trabalho. Sua hipótese era ousada, o processo aconteceria a nível atômico. Até aquele momento, a química era baseada no pressuposto que os átomos eram estruturas estáveis e as mudanças aconteceriam a nível molecular (interações entre átomos).
O grande momento “eureca” do filme acontece quando Marie mede a atividade do minério que contém urânio e percebe que ela é maior do que a do urânio concentrado. Ou seja, haveria um outro elemento químico no mineral, ainda desconhecido, muito mais ativo do que o próprio urânio. Após processar toneladas de minério, foram descobertos dois novos elementos o Polônio e o Rádio. Além disto, a palavra radioatividade foi criada para explicar a emissão da radiação pelos núcleos dos átomos. A cena, onde o anúncio destas descobertas é apresentada pelo casal, chega a ser ridícula. Além de absurdamente curta, todos aceitam a destruição de um dos grandes paradigmas da química, a estabilidade dos átomos, com uma facilidade incrível.
O Prêmio Nobel de Física de 1903 foi dividido entre Henri Becquerel e o casal Curie pelos trabalhos sobre os fenômenos de radiação. É verdade que Pierre pediu a inclusão de Marie na nominata dos premiados. O prêmio não foi buscado imediatamente, porque Marie e Pierre continuavam trabalhando intensamente em suas pesquisas. A segunda filha do casal Éve nasceu em 1904 e o casal viajou para a Suécia apenas no ano seguinte para receber o prêmio, diferentemente do que aparece no filme. Pierre parecia não ser muito afeito a festas e solenidades, mas, para receber o Nobel, o laureado precisa fazer uma palestra para receber o prêmio. Lembrem-se do caso de Bob Dylan, quando recebeu o Nobel de Literatura.
Marie e Pierre Currie, Radium [Revista Vanity Fair, 1904]
Após a morte de Pierre em 1906, Marie se envolve com Paul Langevin. Este caso acaba gerando muitas dificuldades na vida de Marie. Ela sofre com inúmeras manifestações misóginas e xenófobas. É interessante lembrar que Langevin foi um cientista importante na sua época. Foi sua a formulação do famoso “Paradoxo dos Gêmeos” da Relatividade. Ele trabalhou com piezoeletricidade (descoberta pelos irmãos Pierre e Jacques Curie) e possuía duas patentes de seu uso para a construção de sonares para detecção de submarinos. Além disto, foi um duro opositor do fascismo e do nazismo.
O segundo Prêmio Nobel de Marie Curie foi de Química em 1911 pela descoberta do Polônio e do Rádio, além do isolamento deste último. Como o processo de isolamento era muito longo devido às baixas concentrações destes elementos no minério, Marie não conseguiu isolar o Polônio. Se pegarmos 1 grama de Polônio puro, metade se transformará em chumbo em pouco menos de cinco meses.
Sua atuação na Primeira Grande Guerra Mundial, ao lado da filha mais velha Irene, salvou ou, pelo menos, melhorou as vidas de milhares de soldados. Algumas estimativas citam um milhão de pessoas tratadas por seus vinte veículos radiológicos (Petit Curies) e duzentas unidades radiológicas em hospitais de campanha. Marie e Irene não receberam nenhum reconhecimento formal do governo francês no pós-guerra por suas contribuições.
Praticamente nada aparece no filme sobre a vida de Marie entre o final da guerra e sua morte em 1934. Por exemplo, sua batalha levantamento de fundos para a criação do Instituto do Rádio (atual Instituto Curie) que pesquisa o uso de radiação na luta contra o câncer. Nada aparece de suas viagens pela Europa, Estados Unidos e até ao Brasil, para promover o uso do Rádio no tratamento do câncer.
Inauguração do Instituto Curie, em primeiro plano Marie Curie e Claudius Regaud.
Outro ponto esquecido no filme foi sua ligação com seu país natal, a Polônia. Ela fez inúmeras viagens a este país, incluindo a criação de uma sucursal do Instituto do Rádio em Varsóvia, atual Instituto Nacional de Pesquisa Oncológica Maria Sklodowska-Curie.
Marie sofreu com muitos problemas de saúde. Nem ela, nem Pierre imaginavam os malefícios à saúde que estavam expostos por causa da radioatividade. Mesmo suas unidades de raio-X portáteis não tinham a blindagem necessária para proteger Marie e sua filha Irene da radiação.
Na última cena do filme, aparece uma foto maravilhosa da Conferência Solvay de 1927. Nada menos do que 17 dos 29 participantes desta foto receberam o Prêmio Nobel. Marie Curie, a única mulher na foto, está sentada entre Max Planck e Hendrik Lorentz. Na direita de Lorenz, estão Albert Einstein e Paul Langevin, o ex-amante de Marie. Na foto, aparecem outros grandes cientistas como Niels Bohr, Louis de Broglie, Wolfgang Pauli, Max Born, Erwin Schrödinger (sem o gato) e Werner Heisenberg (com certeza).
Conferência Solvay de 1927
Marie teve duas filhas. Irene, a mais velha, casou-se com Frédéric Joliot. O casal adotou o sobrenome um do outro. O casal Joliot-Curie recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1935 pelo seu trabalho com radioatividade artificial. Este prêmio tornou a família Curie a maior vencedora do Nobel. O casal teve uma luta destacada contra o fascismo e nazismo. Irene morreu de leucemia aos 58 anos. Outra vítima da radioatividade.
A segunda filha, Ève, foi música, escritora, jornalista e humanista. Como curiosidade, ela foi casada com Henry Richardson Labouisse, diretor executivo da UNICEF, quando esta agência da ONU foi agraciada com o Prêmio Nobel da Paz em 1965. Esta é mais uma prova da atração irresistível do Nobel com os Curies. Como Ève não se expôs à radiação teve uma vida longa, falecendo em New York aos 102 anos.
A filha de Irene, Helene, é uma física nuclear. Ela foi casada com Michel Langevin, neto de Paul Langevin, ex-amante de sua avó Marie Curie. Parece até novela…
Depois de ler este post, você deve ter chegado à mesma conclusão, Netflix poderia ter feito uma grande série sobre a vida de Marie Curie e, talvez, a sua família. A radioatividade, por exemplo, poderia se tornar um assunto mais fácil para os leigos. Marie Curie defendia o direito das mulheres à educação e ao trabalho, não se deslumbrou com a fama e tinha a dimensão de como seu trabalho poderia ajudar a humanidade. Sem dúvida, havia assunto suficiente para mais de uma temporada.
Na semana passada, eu li o livro “Engenheiros do Caos” de Giuliano Da Empoli. Após a leitura, ficam muito claras algumas das razões da crise da democracia representativa e como políticos populistas ascenderam ao poder em vários países do ocidente.
Giuliano Da Empoli e Os Engenheiros do Caos
No final de 2016, escrevi o artigo “As Surpresas de 2016, as Bolhas e o Algoritmo da Felicidade de Mark Zuckerberg”, onde comentei os resultados de três eleições: vitória do Brexit, vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e a rejeição do acordo de paz com as Farc na Colômbia. Apresentei como uma das explicações as bolhas criadas pelos algoritmos das redes sociais como o Facebook e o Twitter. Relendo o artigo, vejo que todo seu conteúdo estava correto, mas faltava uma peça importante para complementá-lo. O escândalo da Cambridge Analytica, que veio à tona em 2018, explica como foram mobilizados os eleitores do Brexit e de Trump.
Em primeiro lugar, as pessoas estão cada vez mais frustradas com suas próprias vidas. Uma parcela expressiva da população, incluindo os países desenvolvidos, trabalha somente para a subsistência das suas famílias. Isto acaba gerando muita decepção e frustração. Esta situação é gerada principalmente pelo sistema econômico vigente, baseado no consumismo, na maximização de lucros e na concentração cada vez maior de renda. Os políticos populistas passaram a culpar a política tradicional, baseada na democracia representativa, por esta situação. Na Europa e nos Estados Unidos, os imigrantes também foram acusados de roubar os empregos dos locais. Deste modo, a transformação da frustração em raiva foi estimulada e canalizada para estes alvos preferenciais.
No Brasil, além dos políticos tradicionais, os alvos principais são a Esquerda (em especial Lula e o Partido dos Trabalhadores) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com Da Empoli, a política tradicional procura agregar diferentes grupos com suas propostas. Assim, o discurso é feito para agradar o maior número possível de pessoas, tendo que haver uma certa coerência. Esta nova forma de comunicar, através das redes sociais, pode criar mensagens sob medida para cada bolha, conforme os dados e postagens coletados de cada usuário, sem compromisso com a consistência global da campanha política. No Brexit, foram disparadas quase um bilhão de mensagens personalizadas. Para protetores dos animais, foi enviada mensagem sobre as regulações europeias que ameaçam os direitos dos animais; para os caçadores, mensagem sobre as regulações europeias que, ao contrário, protegem os animais.
Vivemos em um mundo onde a velocidade da conexão é cada vez maior. Qualquer instabilidade ou lentidão causa irritação do usuário. Não lembramos que há alguns anos não tínhamos verdadeiros computadores na palma da mão que podem solucionar inúmeras demandas. Como dizia o comediante americano Louis C.K.:
“Everything is amazing right now and nobody is happy.”
Mas por que, apesar de tudo ser incrível, ninguém está feliz? Pode-se queimar horas do nosso tempo nas redes sociais, mas não se tem paciência para esperar alguns segundos para carregar uma página de um site qualquer.
Louis C.K.
Todo mundo se acostumou a fazer tudo de forma incrivelmente rápida com poucos cliques. Como aceitar todo o rito para aprovar uma emenda na Constituição do país. Fica fácil para um líder populista afirmar que o Congresso tem que trabalhar ou que tudo é muito demorado. Por exemplo, resumidamente, o processo brasileiro funciona da seguinte forma:
o projeto de emenda constitucional (PEC) deve ser a enviado inicialmente para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para analisar se a proposta não altera alguma cláusula pétrea;
depois de passar pela CCJ, deve ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado por três quintos dos parlamentares;
se houver alterações na PEC, devem ser aprovadas nas duas casas legislativas para seguirem adiante;
finalmente, a PEC segue para sanção presidencial;
em caso de vetos parciais ou total, o projeto volta para o Congresso que pode derrubá-los.
Após todo este processo, alguma das partes ainda pode recorrer ao STF e pedir a inconstitucionalidade da lei.
Este processo pode demorar meses. Por outro lado, existe tempo para análise, discussão e participação da sociedade civil. Pode parecer excessivo, mas este é um dos preços pagos por vivermos em um Estado democrático e de direito.
Viktor Orbán é o primeiro-ministro da Hungria há dez anos. Ele conseguiu alterar a Constituição do país para acelerar os procedimentos para aprovação das leis, reduzindo o tempo de tramitação para algumas horas, além de centralizar o poder, devido a submissão da Justiça ao controle do Executivo. Ou seja, claramente, a Hungria perdeu características de um Estado democrático e de direito.
Em 30 de março de 2020, o parlamento húngaro dominado pelo partido de Orbán aprovou o estado de emergência para o combate da Covid-19, permitindo que ele governasse o país através de decretos. Esta situação só foi revogada em meados de junho, mas entrou novamente em vigor há um mês, segundo justificativa oficial, para combater a segunda onda de Covid-19.
É Bolsonaro… Enquanto você pensa em plantar o trigo, teu colega húngaro de extrema-direita já está decorando o bolo.
Viktor Orbán com Jair Bolsonaro (Fonte: Marcos Correa / AFP)
Como combater a ação destes “engenheiros do caos” que, de acordo com o subtítulo do livro de Giuliano Da Empoli, através da utilização de fake news, teorias da conspiração e algoritmos estão disseminando ódio, medo e influenciando eleições?
Qualquer solução definitiva de um problema deve atacar suas causas. Soluções paliativas têm baixa eficácia e prazo de validade curto. A principal ação deveria acontecer no âmbito de cada indivíduo para que o ódio não encontre terreno fértil para crescer e multiplicar-se entre os contatos da sua rede de relacionamentos. A sociedade também deveria ter uma postura mais empática e solidária. As minorias, pessoas e grupos em dificuldades deveriam ser protegidos e apoiados pelos governos e sociedades em geral.
Se você está pensando que isto parece utópico e, talvez, nunca aconteça, pode estar certo. Eu diria que estas mudanças realmente podem demorar muitos anos. Enquanto isso, se poderia mudar o ambiente regulatório para evitar a propagação de fake news e declarações preconceituosas na Internet. Os adversários destas medidas de controle clamam pela liberdade de expressão e pelo fim do politicamente correto. Cada blog ou canal do YouTube infrator retirado do ar apenas alimentam a certeza que existe um complô para prejudicar àqueles que lutam contra o sistema. E mais ódio é alimentado…
Por que não criamos os “arquitetos da ordem”? Assim também seria possível enviar mensagens específicas para as pessoas, onde informações de qualidade ajudariam a espalhar amor e consciência.
O veganismo não é somente um tipo de dieta, é muito mais do que isto. Na verdade, ser vegano é optar por uma filosofia de vida, onde qualquer sofrimento animal é intolerável.
Começo por uma definição sobre veganismo divulgada pela The Vegan Society em 1979:
“Uma filosofia e modo de vida que procura excluir – na medida do possível e praticável – todas as formas de exploração e crueldade de animais para alimentação, vestuário ou qualquer outro propósito e, por extensão, promove o desenvolvimento e uso de alternativas livres de animais em benefício dos seres humanos, dos animais e do meio ambiente. Em termos alimentares, denota a prática de dispensar todos os produtos derivados total ou parcialmente de animais.”
Deste modo, um vegano não se alimenta com produtos de origem animal como carne, leite, ovos, mel e todos os seus derivados. Não usa roupas de couro, seda ou lã. Não usa cosméticos ou produtos de limpeza testados em animais. Também não aprova diversões como zoológicos, aquários, rodeios e shows com animais.
No que se refere à alimentação, o vegano só consome plantas e seus derivados, sua dieta é estritamente vegetariana. Como sabemos, atualmente, a agricultura comercial emprega fertilizantes químicos para garantir a fertilidade do solo; herbicidas, para reduzir a concorrência de outras espécies vegetais por água e nutrientes do solo; e pesticidas, para que insetos não se alimentem de partes das plantas, reduzindo a produtividade da lavoura.
A agricultura orgânica supre as necessidades de nutrientes do solo com resíduos de animais e vegetais. Deste modo, não são adicionadas novas quantidades de nitrogênio (extraído do ar e transformado em amônia através da síntese de Haber-Bosch) e fósforo (extraído através de mineração) aos ciclos destes nutrientes. Para obter mais detalhes, leia o artigo Temos Tempo para Discutir o Aquecimento Global?, e você verá que existem outros problemas ambientais tão importantes quanto o aquecimento global – o desequilíbrio dos ciclos de nitrogênio e fósforo é um dos mais graves. Outra motivação para o consumo de produtos orgânicos é o não uso de herbicidas e pesticidas, o que é benéfico para quem se alimenta dos vegetais e para a natureza em geral.
Neste ponto, um vegano chegaria a um dilema – as frutas, grãos e verduras orgânicas não são provavelmente veganas, porque geralmente usam dejetos de criação de animais como fertilizante. Vocês poderão concluir que, pelo menos, os dejetos provêm de animais criados de forma orgânica, sem confinamento, mas esta prática é apenas uma recomendação. De acordo com a norma que rege à agricultura orgânica, os agricultores de locais sem disponibilidade de dejetos oriundos de produção orgânica poderão usar dejetos de produção convencional, sem que seu produto deixe de ser rotulado como orgânico. Estrume de vacas confinadas e camas de frango de aviários são exemplos de fertilizantes permitidos nestas circunstâncias.
As camas de frango são misturas de serragem colocadas no piso de aviários para receber os excrementos das aves. São gerados entre 1,0 e 1,5 kg de cama de frango por ave. Se considerarmos que em 2016 foram abatidos aproximadamente 6 bilhões de frangos no Brasil, houve geração entre 6 e 9 milhões de toneladas de cama de frango.
Aviário comercial com cama de frango.
Atualmente cerca de 80% do total dos antibióticos produzidos no mundo são consumidos por animais que servirão como alimento para humanos. Os frangos possuem aparelho digestivo curto e uma quantidade significativa do medicamento não é absorvida por seus intestinos. Deste modo, suas fezes contaminadas com antibióticos são incorporadas às camas de frangos.
O tratamento normalmente empregado para a estabilização deste resíduo é a compostagem em grandes pilhas, onde os microrganismos presentes na cama degradam parte da matéria orgânica, elevando a temperatura acima de 70°C. As pilhas são periodicamente revolvidas e, depois de alguns dias, os microrganismos patogênicos são inativados. As especificações exigidas na regulamentação dos produtos orgânicos com relação ao patógenos são atendidas. Por outro lado, as moléculas dos antibióticos são apenas parcialmente degradadas e não existe restrição, quanto as concentrações máximas permitidas para o uso como fertilizante orgânico.
Quando esta cama de frango estabilizada é utilizada como fertilizante no solo, os efeitos são imprevisíveis, resultando, por exemplo, na degradação parcial das moléculas dos antibióticos com a geração de moléculas mais tóxicas, na absorção parcial pelas plantas, na contaminação de águas superficiais e lençol freático, além da seleção de superbactérias patogênicas.
Então um vegano poderia chegar à conclusão que talvez seja melhor comprar produtos agrícolas oriundos de adubação química. Assista ao vídeo abaixo e depois discutiremos alternativas.
Existe a possibilidade de usar adubação 100% vegetal, estabilizada através de compostagem. A Embrapa Agrobiologia, localizada no estado do Rio de Janeiro, desenvolveu compostos totalmente vegetais a partir da compostagem de mistura de torta-de-mamona com bagaço de cana-de-açúcar ou palhada de capim-elefante com excelente desempenho e isento de contaminantes biológicos ou químicos.
Assim os vegetarianos em geral e especificamente os veganos (além dos onívoros que consomem orgânicos) deveriam buscar informação sobre a forma de fertilização do solo onde seus orgânicos foram produzidos. Alimentos produzidos com resíduos da pecuária comercial não deveriam ser certificados como orgânicos. Admitir o uso de cama de frango na agricultura auxilia na redução dos custos da avicultura comercial que promove exploração e maus-tratos em animais, polui o meio ambiente e compromete a saúde dos humanos.
As redes sociais tornaram públicas opiniões que antes só eram expressas no âmbito privado. Duvido que um décimo do que é escrito no Facebook ou Twitter seria dito cara a cara para o alvo das manifestações – ofensas gratuitas, palavrões, acusações levianas, distorções…
No mundo corporativo, não existe treinamento na área de desenvolvimento humano que não fale de empatia. Os americanos usam uma frase que resume o significado desta palavra:
– Put yourself in others’ shoes.
Poderíamos traduzir livremente a frase como “coloque-se no lugar de outra pessoa”. Ou seja, veja, escute, pense e sintacomo o outro. Ou como li em um artigo de Elaine Brum no site do El país recentemente, “vestir a pele do outro”.
A maioria das pessoas não consegue mais escutar ativamente os outros para tentar entender as lógicas e motivações que fundamentam seus raciocínios. Muitas vezes, a fala é interrompida com um contra-argumento ou, quando isto não acontece, já se começa a pensar na resposta enquanto o outro ainda está falando.
Se escutar ativamente é difícil, imagina ler ativamente. Quem lê uma coluna de jornal de um comentarista com posição política contrária à sua?
“A casa-grande surta quando a senzala vira médica”.
Dentro de diversas bolhas das redes sociais, Bruna foi duramente criticada por homens e mulheres brancos que provavelmente nunca sentiram as dificuldades que ela e sua mãe passam.
Aposto que a maioria das pessoas não seguiu a leitura da matéria da Folha de São Paulo, pois a frase foi colocada “convenientemente” no primeiro parágrafo. Não leram o pedido da mãe com medo que sua filha seja discriminada na universidade.
“Por favor, coloque no jornal que tenho medo dos racistas. Ela vai ser o 1% negro e pobre no meio dos brancos e ricos da faculdade.”
Quem teve empatia por Bruna e sua mãe? Quem ao menos tentou imaginar todas as dificuldades de uma mãe pobre, abandonada pelo marido, de criar uma menina, tentando proporcionar as maiores oportunidades possíveis? Quem tentou sentir o que uma negra pobre passa em um país como o Brasil? Quem tentou sentir a emoção de jovem de 17 anos, com muito menos condições de competir com jovens que estudaram nos melhores colégios particulares do país, ao descobrir que foi a primeira colocada no vestibular de medicina da USP?
Como podem minimizar toda a luta e os medos desta família a um simples “mimimi”? Faltou empatia! Como as pessoas podem julgar uma menina de 17 anos com tamanha dureza? Faltou empatia!
Bruna, vou tentar te tranquilizar. Você será muito bem recebida pela esmagadora maioria de teus colegas de medicina. Mais tarde, se você for competente, verá que, como o número de médicas negras é muito pequeno, muitos hospitais desejarão contratá-la. Aproveitando tua frase, a casa grande não vai surtar, vai te querer, porque, deste modo, o sistema é legitimado. As grandes empresas precisam de mulheres e negros em gerências e diretorias para mostrarem que não são sexistas nem racistas. Ainda temos um longo caminho pela frente…
Este é o quarto e, por enquanto, último artigo da viciante série sobre a físico-química e o comportamento humano. Se você não gosta ou não entende química, no final da sua leitura, você entenderá o Princípio de Le Chatelier e seu paralelo com as relações humanas. Como nos artigos anteriores, procurarei não complicar os conceitos da química.
O Princípio de Le Chatelier afirma que o equilíbrio químico de um sistema é deslocado, quando suas condições (temperatura, pressão ou concentrações dos reagentes ou produtos) são alteradas.Ou seja, se adicionarmos mais reagentes, o equilíbrio será deslocado para o lado dos produtos e, quanto mais reagentes forem adicionados, mais “violenta” será a guinada para este lado. Se adicionarmos mais produtos, acontecerá o contrário, o equilíbrio se deslocará para o lado dos reagentes. Se a reação direta precisa de energia para acontecer, se aumentarmos a temperatura, esta reação será favorecida e o equilíbrio se deslocará para o lado dos produtos.
Uma pessoa pode não ir a festas (ou baladas, como você preferir) pelos mais variados motivos: falta de dinheiro, compromisso com parceiro amoroso, restrição religiosa ou proibição dos pais, entre outras razões. Se for removida a restrição que neutraliza a vontade, a pessoa pode iniciar uma temporada de festas, onde trabalho ou estudo ficam em plano secundário. Isto é muito comum com jovens que passam a receber bons salários ou pessoas, que se casaram muito cedo, quando se separam. Jogadores de futebol de alto potencial com dezoito ou vinte e poucos anos de idade costumam passar por este processo. Depois de passar por dificuldades e apertos durante a infância e adolescência, passam a ganhar mais dinheiro que jamais sonharam e fica fácil cair nesta armadilha.
Na química, a acidez de um líquido é medida através do pH. Para segurar as mudanças de pH de um meio são usadas as chamadas “soluções tampão” (não tem nada a ver com soluções provisórias). Em inglês, usa-se a palavra buffer que significa amortecedor. Ou seja, estas soluções amortecem as mudanças de pH de um sistema.
Gráfico sobre o efeito de soluções tampão
Como você pode notar no gráfico acima, o pH cresce pouco apesar da adição da solução alcalina (por exemplo soda cáustica) devido à presença de um agente tamponador. Neste caso, poderia ser o ácido acético (principal componente do vinagre). Num determinado ponto, o agente tamponador não consegue mais segurar o pH e seu aumento é imediato.
A definição de equilíbrio que uso neste artigo é diferente da empregada cotidianamente, equilíbrio é uma situação de estabilidade, onde a composição do meio não muda. Ou seja, não é algo necessariamente bom no âmbito humano, pois pode significar, por exemplo, estagnação ou uma situação desfavorável mantida por comodismo ou medo de tentar algo melhor.
Nas nossas vidas, também podemos ter uma série de “amortecedores”, por exemplo, nossos valores, nossas famílias ou nossos credos. Se a frase “cada um tem seu preço” for realmente verdade, deduzimos que as pessoas não tomam certas atitudes até que se atinja um certo “preço”. Quando ouvimos esta frase, a ligamos imediatamente à corrupção. Neste caso, além dos valores pessoais, a certeza da punição seria um excelente amortecedor para não sair da linha.
Por outro lado, o “preço” pode ser, por exemplo, o ponto em que a violência doméstica deixa de ser suportada por uma mulher. Neste ponto, a relação é rompida e, muitas vezes, o agressor é denunciado em alguma delegacia da mulher.
Também podemos fazer este tipo de analogia no campo social. Aqui no Brasil, vivemos uma quase contínua apatia, normalmente o amortecimento é enorme. Estamos sempre à espera que os governos resolvam nossos problemas. Em junho de 2013, o Brasil foi sacudido por uma enorme onda de protestos e o equilíbrio foi rompido. Os políticos sentiram-se ameaçados e aprovaram algumas medidas que apoiavam as aspirações populares dos protestos. Depois os protestos esfriaram, a pressão sobre a classe política baixou e, infelizmente, o equilíbrio voltou praticamente para o ponto original pré-protestos. Os políticos retornaram para seu universo paralelo e os anseios da população ficaram em terceiro plano.
Resumindo, todos nós temos alguns “amortecedores” que nos impedem de deslocar o equilíbrio atual estabelecido. Se quisermos crescer pessoal ou profissionalmente, vários “tampões” (ou buffers) deverão ser superados. O melhor sempre é, através de autoanálise, identificarmos para onde queremos deslocar o novo equilíbrio e quais são os “amortecedores” que seguram o deslocamento desejado. A partir deste momento, uma parte fundamental, apesar de muito pequena, foi alcançada, porque botar em prática nossos planos exige muita mais energia e coragem. A zona de conforto (às vezes muito desconfortável) deve ser abandonada para que a transformação ocorra.
Homer Simpson, eternamente na zona de conforto – este é o seu ponto de equilíbrio.
Sabe que gostei deste negócio de misturar físico-química com comportamento humano… Hoje mostrarei que, da mesma forma que uma reação química, não basta ser espontânea para que uma transformação ocorra em nossas vidas, é necessária uma energia para iniciar o processo.
Muitas reações químicas que ocorrem à nossa volta são espontâneas, isto é, uma vez iniciadas prosseguem sem a necessidade de ajuda externa. A combustão da gasolina ou etanol é um exemplo deste tipo de reação. Se houver oxigênio, basta uma faísca para iniciá-la. Se não interferirmos, enquanto houver combustível e oxigênio, a chama não se extinguirá, porque a reação é espontânea.
Para reduzir a energia necessária para iniciar uma reação e aumentar sua velocidade muitas vezes usam-se catalisadores. Veja a figura abaixo.
Efeito do catalisador na energia de ativação de uma reação
Neste gráfico, fica claro que a reação catalisada (curva azul) ocorrerá mais facilmente do que a não-catalisada (curva vermelha).
Em nossas vidas, normalmente sabemos o que não está certo e o que deve ser mudado. Por que deixamos como está? Simplesmente, porque para que a mudança ocorra, necessitamos da “maldita” energia de ativação. Este é o motivo que justifica a permanência num emprego desmotivador, a manutenção de um casamento falido ou a dificuldade para assumir a opção sexual.
Para muitas pessoas, a energia para iniciar sua transformação é uma barreira praticamente intransponível. Medo do fracasso, de críticas dos outros, de preconceitos sociais elevam às alturas a demanda de energia de ativação.
Gulliver preso pelas finas cordas dos pequenos habitantes de Lilliput. Na verdade, seu medo o manteve preso, não foram as cordas.
Neste momento, podem surgir catalisadores nas nossas vidas. Você está descontente com seu emprego e aparece uma proposta para um novo. Seu casamento vai de mal a pior e surge uma nova paixão. E assim por diante…
O ideal é autocatalisarmos as mudanças. Os catalisadores externos muitas vezes nos levam a armadilhas, porque as decisões são geralmente pouco refletidas. Passam-se anos sem encarar o problema, evitando até pensar nele e, graças a um estímulo externo, decide-se impulsivamente. Sempre é melhor refletir profundamente sobre os motivos das insatisfações para decidir quais serão as nossas ações para atacá-los. Geralmente os problemas, as oportunidades e as soluções já estão dentro de nós mesmos.
Quando você terminar a leitura, poderá classificar seus amigos e conhecidos nestas duas categorias. Por outro lado, você se lembrará de situações nas quais foi exotérmico ou endotérmico. Sei que a maioria das pessoas odeia química, mas iniciarei com a explicação sobre a diferença das reações exotérmicas e endotérmicas. Como no artigo anterior, serei mais pé no chão e direto possível. No final, além de entender um pouco mais de química, você poderá dar cantadas incríveis em uma balada como esta:
– Gata, você é muito endotérmica! E eu tenho toda energia que você precisa… 😉
OK, já sei – a piadinha foi muito nerd…
Nas reações exotérmicas, a energia dos produtos da reação será menor do que a dos reagentes. Esta energia é chamada entalpia (símbolo H) e a “sobra” (variação da entalpia ΔH) será liberada no meio, ocasionando aumento da temperatura. A combustão é um exemplo deste tipo de reação. Veja a figura abaixo.
Reação exotérmica
Nas reações endotérmicas, ocorre exatamente o contrário. A energia dos produtos da reação será maior do que a dos reagentes. A entalpia (H) que “falta” (DH) será absorvida do meio, ocasionando redução da temperatura. A fotossíntese é um exemplo deste tipo de reação, pois utiliza a energia do sol para acontecer. Veja a figura abaixo.
Reação endotérmica
Agora que você já sabe o que são reações exotérmicas e endotérmicas, entendeu a piadinha e teve certeza de que ela é fraca mesmo, vamos discutir as pessoas e a classificação de seus comportamentos.
Pessoas normalmente exotérmicas são aquelas que incendeiam o ambiente. Isto é péssimo, quando a harmonia do ambiente é prejudicada por esta forma de comportamento. São indivíduos que parecem amar os conflitos. Por outro lado, é ótimo, quando o ambiente é energizado por esta pessoa. São agentes da mudança que não permitem que o marasmo e o “concordismo” se perpetuem no ambiente. Algumas vezes a fronteira é tênue entre estes dois tipos de exotérmicos.
Da mesma forma do caso anterior, podem existir dois tipos de pessoas endotérmicas. O primeiro tipo é o depressivo. Ele parece existir para sofrer e roubar a energia das outras pessoas. São “vampiros”! Uma variação deste tipo são os pessimistas e os maledicentes que sempre acham que tudo está errado. A energia do ambiente é destruída por estas pessoas. Por outro lado, existem ótimos endotérmicos. São aquelas pessoas que absorvem a energia do ambiente para reduzir os conflitos. São grandes conciliadores!
Preparei a figura abaixo para resumir os quatro tipos apresentados acima.
Diagrama – Comportamentos Exotérmicos e Endotérmicos
Fica claro que ninguém deve ser 100% do tempo exotérmico ou endotérmico. O melhor sempre é agirmos conforme a situação. Poderíamos ser endotérmicos, quando houver conflitos, e exotérmicos, quando o moral do grupo estivar baixo ou se consolidar aquele pensamento único perigoso.
Se você não gosta ou não entende física ou química, prometo que, no final da leitura deste artigo, entenderá a Primeira Lei da Termodinâmica e seu paralelo com o comportamento humano. Serei mais pé no chão e direto possível.
A Primeira Lei da Termodinâmica diz basicamente que, ao fornecemos energia a um sistema, esta energia se converterá em trabalho ou variação da energia interna. Trabalho é movimento, expansão ou contração. Variação da energia interna pode ser medida pela temperatura. Ou seja, se adicionarmos energia a um sistema, esta energia pode se transformar em movimento e aumento de temperatura. A energia se conserva e a equação abaixo é representação desta Lei.
Q = W + ΔU
Onde Q é a energia, W é trabalho (work) e ΔU é a variação da energia interna.
Vamos usar um automóvel como exemplo. A combustão do etanol no interior do motor gera a expansão dos gases (trabalho) nos cilindros que é responsável pelo movimento do automóvel. Simultaneamente há aumento na temperatura do motor (variação da energia interna) que será absorvido pela água de arrefecimento. Esta água será, por sua vez, resfriada pelo ar que passa através do radiador do automóvel. Ou seja, a parcela da energia da combustão do etanol que aumentou a temperatura do motor foi desperdiçada. Só a parte que gerou trabalho foi útil, geralmente apenas 22% nos motores de automóveis a etanol ou gasolina. Sim, mais de 3/4 da energia do combustível são “desperdiçados”.
Funcionamento de um motor à explosão
Os comportamentos humanos seguem uma lógica parecida. Recebemos permanentemente estímulos (energias) do ambiente externo. Seria interessante que nossa reação a estes estímulos fosse uma ação proporcional à magnitude destes estímulos. Infelizmente, muitas vezes, apenas geramos calor ou, pelo menos, geramos um calor desnecessário para a resolução de algum problema.
O ideal é, ao recebermos um estímulo, refletir antes de responder. Depois de falar ou enviar uma mensagem de forma agressiva, será necessária muito mais energia para corrigir o estrago.
Não haja como o estressado Pato Donald.
Outra forma de apenas aumentar a “temperatura” sem gerar “trabalho” é a procrastinação. Muitas vezes, temos dificuldade para decidir sob certos graus de incerteza, mesmo sabendo que certeza absoluta, se realmente existir, é raríssima. Nestes casos, novas reuniões são marcadas ou novos estudos são requisitados. No final, muito mais energia é gasta para tomar a decisão, relacionamentos são desgastados e oportunidades perdidas. Não confunda reflexão com procrastinação!
Num mundo, onde desenvolvem-se máquinas cada vez mais eficientes que obtêm mais resultado com consumo mais baixo de energia, nós humanos também devemos buscar este tipo de eficiência. Para atingir este objetivo não precisamos agir como máquinas, devemos ser mais empáticos, menos egoístas, mais humildes, porque ninguém é dono da verdade. E, se for possível decidir, não devemos procrastinar.
Como comentei no artigo anterior, estive na feira IFAT, em Munique, no mês passado. Assisti a uma apresentação sobre um projeto de cooperação entre Índia e Alemanha na área de saneamento básico.
M. Sevala Naik, Cônsul Geral da Índia em Munique, na IFAT
Estima-se que a população atual da Índia seja 1,3 bilhões de habitantes, 17% da população humana no planeta, vivendo em 2,5% da terra, dispondo de apenas 4,0% da água fresca. Em breve, deverá ultrapassar a China e se tornar o país mais populoso do mundo. Em 2050, estima-se que sua população esteja em torno de 1,7 bilhões de habitantes, a maioria estará vivendo em cidades.
A seguir apresento dois slides que fotografei de uma das apresentações sobre a Índia.
As cidades com mais de 50 mil habitantes geram diariamente 38 milhões de metros cúbicos de esgoto. Apenas uma pequena fração deste total é tratada de forma eficiente. Além dos esgotos domésticos, existe a poluição industrial causada, principalmente por farmacêuticas, têxteis e curtumes. O resultado final é a poluição de 75% das águas superficiais do país.
Por outro lado, apenas um terço das casas destas cidades está ligada a sistemas de coleta de esgoto, como pode ser visto no slide abaixo.
Atualmente cerca um terço da população indiana vive em áreas urbanas. Se 12,6% das pessoas que vivem em cidades fazem suas necessidades a céu aberto, isto representa 55 milhões de pessoas. Outras 25 milhões de pessoas usam banheiros públicos, totalizando mais 80 milhões sem privadas em casa.
Na zona rural, a situação ainda é muito pior! Mais da metade dos habitantes faz suas necessidades a céu aberto, 450 milhões de pessoas. Ou seja, mais de meio bilhão de pessoas na Índia defecam na rua ou atrás de moitas. Observe a situação em outros países no mapa abaixo.
Em julho de 2014, The Economist fez uma reportagem sobre o assunto. Leia um trecho traduzido abaixo.
Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, diz que a construção de banheiros é uma prioridade sobre templos. Seu ministro das Finanças, Arun Jaitley, utilizou o orçamento deste mês para definir uma meta de acabar com a defecação a céu aberto em 2019. Isto acontecerá 150 anos após o nascimento de Mohandas Gandhi que disse que o bom saneamento era mais importante do que a independência.
Primeiro-ministro Narendra Modi
Esta deve ser uma das maiores e mais importantes iniciativas na área do saneamento básico em toda a história da humanidade. Você consegue imaginar um político que prioriza construção de privadas ou invés de grandes obras?
A decisão do primeiro-ministro indiano segue uma lógica clara – má higiene pública leva a problemas de saúde, má nutrição e mortalidade infantil –, sem falar do grande risco de estupro para as mulheres devido à falta de um banheiro junto a suas casas. Superar este problema requer um plano abrangente, porque envolve educação e mudança de hábitos culturais, não apenas a construção de mais de cem milhões de novos banheiros pelo governo.
Termino este artigo com o mesmo pensamento que iniciei o artigo anterior. Fica escancarado como nosso mundo é desigual. Assisti a palestras na IFAT sobre a remoção de micropoluentes da água, através de processos sofisticados com o uso de carvão ativado e membranas, e a um seminário sobre a situação delicadíssima do abastecimento de água e saneamento básico na Índia.
Péssimas condições sanitárias na Índia [Fonte: The Economist]