Por incrível que pareça, Donald Trump começou seu mandato na Casa Branca, fazendo exatamente o que prometeu. Por exemplo, assinou uma ordem executiva para enfraquecer o Obamacare (lei que facilita a obtenção de seguros-saúde para pessoas de baixa renda ou com problemas pré-existentes à contratação do seguro), assinou um decreto para construção do já famoso muro na fronteira com o México, abandonou o TPP (acordo de livre comércio Transpacífico), liberou a construção de um oleoduto que passará sob o rio Missouri (principal fonte de água potável das reservas dos índios Sioux) e decretou também a proibição da entrada nos Estados Unidos de viajantes de sete países muçulmanos (incluindo refugiados da guerra da Síria).
A revista alemã Der Spiegel colocou na sua capa uma ilustração com Donald Trump decapitando a Estátua da Liberdade. A ilustração foi feita pelo artista Edel Rodríguez, refugiado político cubano que vive nos Estados Unidos desde 1980.
Talvez a melhor capa fosse Trump, retirando a placa de bronze do pedestal da Estátua da Liberdade, onde está escrito o famoso poema “The New Colossus” (O Novo Colosso) da poetisa americana Emma Lazarus.
Não como o gigante bronzeado de grega fama,
Com pernas abertas e conquistadoras a abarcar a terra
Aqui nos nossos portões banhados pelo mar e dourados pelo sol, se erguerá
Uma mulher poderosa, com uma tocha cuja chama
É o relâmpago aprisionado e seu nome
Mãe dos Exílios. Do farol de sua mão
Brilha um acolhedor abraço universal; os seus suaves olhos
Comandam o porto unido por pontes que enquadram cidades gémeas.
“Mantenham antigas terras sua pompa histórica!” grita ela
Com lábios silenciosos “Dai-me os seus fatigados, os seus pobres,
As suas massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade
O miserável refugo das suas costas apinhadas.
Mandai-me os sem abrigo, os arremessados pelas tempestades,
Pois eu ergo o meu farol junto ao portal dourado.”
Parece que Trump tentou fechar as portas do país aos refugiados, “massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade”. Só não atingiu completamente seu intento devido à resistência da Justiça americana. Este assunto irrita tanto o novo presidente americano que ele interrompeu uma conversa telefônica com Malcolm Turnbull, primeiro-ministro da Austrália, quando este tentou garantir o cumprimento da promessa americana de acolher 1.250 refugiados que se encontram em um centro de acolhida australiano.
Por outro lado, Trump tolera e, até mesmo, afaga o presidente russo Vladimir Putin. Esta relação pode ser sintetizada em uma das respostas de Trump na entrevista para Bill O’Reilly da Fox News. Após Trump falar que respeita Putin e que a Rússia poderá ser uma importante aliada na luta contra o terrorismo islâmico, O’Reilly contra-argumentou dizendo que Putin era um assassino, Trump defendeu assim o presidente russo:
– Há muitos assassinos. Você acha nosso país tão inocente?
Para deixar o caso do relacionamento Trump e Putin ainda mais nebuloso, nesta semana, o general reformado Michael Flynn, assessor de Segurança Nacional da presidência, renunciou após o vazamento da informação de um encontro com o embaixador da Rússia em Washington acontecido algumas semanas antes da posse de Trump. Segundo o jornal The Washington Post, a CIA havia compartilhado estas informações com o novo governo americano. Trump, na sua conta oficial do Twitter, reclamou dos vazamentos ilegais seletivos das relações do novo governo com a Rússia.

Twitter de Trump sobre vazamentos de informações (Fonte: El País)
Neste ambiente de indefinições sobre a real posição do novo governo americano sobre a Rússia, surgem várias especulações sobre futuras ações militares de Vladimir Putin no leste europeu. O semanário The Economist apresenta os Países Bálticos (Letônia, Estônia e Lituânia), repúblicas que faziam parte da extinta União Soviética, como possível novo alvo russo. Assista ao vídeo abaixo.
Assim temos o risco da volta dos conflitos na Europa, potencializados pelo enfraquecimento da Comunidade Europeia e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Por outro lado, vemos o crescimento no mundo inteiro de atitudes xenófobas – medidas anti-imigração, recusa ao acolhimento de refugiados de guerras e discriminação contra religiões (especialmente o Islamismo).
Os habitantes da maioria dos países ainda não se deram conta de que os imigrantes exercem as funções que os locais não querem mais fazer ou não conseguem fazer.
Tudo isto traz medo e insegurança às pessoas. Os políticos da maioria dos países democráticos também perderam a credibilidade. Os partidos tradicionais ficaram muito parecidos entre si. Os governos perderam poder. Atualmente as corporações econômico-financeiras se tornaram mais poderosas do que os governos. Neste formato, nenhum país tem força para fazer qualquer reforma radical. Só restam ajustes e ações puntuais. Por outro lado, as pessoas, cada vez mais infantilizadas, querem direitos sem deveres ou contrapartidas. Querem que seus empregos sejam preservados, mas querem também comprar produtos baratos. Como se fosse possível o governo proteger apenas seu ramo de negócio. As pessoas sonham com um passado que nunca existiu. Aí se criam Trump e Brexit, entre outros.
Estamos em frente a uma bifurcação na história da humanidade. Se abraçarmos a ideia do “nós primeiro”, agirmos com preconceito, acreditarmos que o problema está em outro povo, raça ou religião, então escolheremos o caminho do totalitarismo. Vocês não estão assistindo os tristes espetáculos diários de Donald Trump, atacando a imprensa e vendendo aos seguidores os seus “fatos alternativos”? Hitler escolheu os judeus como inimigos da Alemanha durante o Nazismo. Na década de 50, o senador americano Joseph McCarthy elegeu os comunistas como inimigos da nação e patrocinou uma terrível caça às bruxas. Hoje Trump pode escolher os muçulmanos ou os mexicanos como os vilões…

Senador Joseph McCarthy (Fonte: Wikipedia)
Existe um outro caminho a ser trilhado. Devemos abandonar o consumismo e a especulação financeira. No futuro, teremos crescimento populacional zero e crescimento do PIB zero – mais três ou quatro décadas, chegaremos lá. O sistema deve ser completamente redesenhado. A solidariedade entre as pessoas e povos deverá ser o ingrediente indispensável nas relações sociais e econômicas para construirmos um mundo mais justo e fraterno. Todos devem abraçar este grande desafio, não é trabalho para um punhado de líderes populistas ou salvadores da pátria.