As redes sociais tornaram públicas opiniões que antes só eram expressas no âmbito privado. Duvido que um décimo do que é escrito no Facebook ou Twitter seria dito cara a cara para o alvo das manifestações – ofensas gratuitas, palavrões, acusações levianas, distorções…
No mundo corporativo, não existe treinamento na área de desenvolvimento humano que não fale de empatia. Os americanos usam uma frase que resume o significado desta palavra:
– Put yourself in others’ shoes.
Poderíamos traduzir livremente a frase como “coloque-se no lugar de outra pessoa”. Ou seja, veja, escute, pense e sinta como o outro. Ou como li em um artigo de Elaine Brum no site do El país recentemente, “vestir a pele do outro”.
A maioria das pessoas não consegue mais escutar ativamente os outros para tentar entender as lógicas e motivações que fundamentam seus raciocínios. Muitas vezes, a fala é interrompida com um contra-argumento ou, quando isto não acontece, já se começa a pensar na resposta enquanto o outro ainda está falando.
Se escutar ativamente é difícil, imagina ler ativamente. Quem lê uma coluna de jornal de um comentarista com posição política contrária à sua?
No início de fevereiro, a notícia de que uma jovem de 17 anos, negra e pobre, que cursou escola pública durante toda a sua vida, foi a primeira colocada no vestibular da USP de Ribeirão Preto teve muita repercussão nas redes. Infelizmente o que mais se discutiu não foi a incrível história de superação de Bruna Sena, filha de uma operadora de caixa de supermercado com salário mensal de R$ 1.400,00, mas uma frase que ela postou na sua conta do Twitter.
“A casa-grande surta quando a senzala vira médica”.
Dentro de diversas bolhas das redes sociais, Bruna foi duramente criticada por homens e mulheres brancos que provavelmente nunca sentiram as dificuldades que ela e sua mãe passam.
Aposto que a maioria das pessoas não seguiu a leitura da matéria da Folha de São Paulo, pois a frase foi colocada “convenientemente” no primeiro parágrafo. Não leram o pedido da mãe com medo que sua filha seja discriminada na universidade.
“Por favor, coloque no jornal que tenho medo dos racistas. Ela vai ser o 1% negro e pobre no meio dos brancos e ricos da faculdade.”
Quem teve empatia por Bruna e sua mãe? Quem ao menos tentou imaginar todas as dificuldades de uma mãe pobre, abandonada pelo marido, de criar uma menina, tentando proporcionar as maiores oportunidades possíveis? Quem tentou sentir o que uma negra pobre passa em um país como o Brasil? Quem tentou sentir a emoção de jovem de 17 anos, com muito menos condições de competir com jovens que estudaram nos melhores colégios particulares do país, ao descobrir que foi a primeira colocada no vestibular de medicina da USP?
Como podem minimizar toda a luta e os medos desta família a um simples “mimimi”? Faltou empatia! Como as pessoas podem julgar uma menina de 17 anos com tamanha dureza? Faltou empatia!
Bruna, vou tentar te tranquilizar. Você será muito bem recebida pela esmagadora maioria de teus colegas de medicina. Mais tarde, se você for competente, verá que, como o número de médicas negras é muito pequeno, muitos hospitais desejarão contratá-la. Aproveitando tua frase, a casa grande não vai surtar, vai te querer, porque, deste modo, o sistema é legitimado. As grandes empresas precisam de mulheres e negros em gerências e diretorias para mostrarem que não são sexistas nem racistas. Ainda temos um longo caminho pela frente…