O veganismo não é somente um tipo de dieta, é muito mais do que isto. Na verdade, ser vegano é optar por uma filosofia de vida, onde qualquer sofrimento animal é intolerável.
Começo por uma definição sobre veganismo divulgada pela The Vegan Society em 1979:
“Uma filosofia e modo de vida que procura excluir – na medida do possível e praticável – todas as formas de exploração e crueldade de animais para alimentação, vestuário ou qualquer outro propósito e, por extensão, promove o desenvolvimento e uso de alternativas livres de animais em benefício dos seres humanos, dos animais e do meio ambiente. Em termos alimentares, denota a prática de dispensar todos os produtos derivados total ou parcialmente de animais.”
Deste modo, um vegano não se alimenta com produtos de origem animal como carne, leite, ovos, mel e todos os seus derivados. Não usa roupas de couro, seda ou lã. Não usa cosméticos ou produtos de limpeza testados em animais. Também não aprova diversões como zoológicos, aquários, rodeios e shows com animais.
No que se refere à alimentação, o vegano só consome plantas e seus derivados, sua dieta é estritamente vegetariana. Como sabemos, atualmente, a agricultura comercial emprega fertilizantes químicos para garantir a fertilidade do solo; herbicidas, para reduzir a concorrência de outras espécies vegetais por água e nutrientes do solo; e pesticidas, para que insetos não se alimentem de partes das plantas, reduzindo a produtividade da lavoura.
A agricultura orgânica supre as necessidades de nutrientes do solo com resíduos de animais e vegetais. Deste modo, não são adicionadas novas quantidades de nitrogênio (extraído do ar e transformado em amônia através da síntese de Haber-Bosch) e fósforo (extraído através de mineração) aos ciclos destes nutrientes. Para obter mais detalhes, leia o artigo Temos Tempo para Discutir o Aquecimento Global?, e você verá que existem outros problemas ambientais tão importantes quanto o aquecimento global – o desequilíbrio dos ciclos de nitrogênio e fósforo é um dos mais graves. Outra motivação para o consumo de produtos orgânicos é o não uso de herbicidas e pesticidas, o que é benéfico para quem se alimenta dos vegetais e para a natureza em geral.
Neste ponto, um vegano chegaria a um dilema – as frutas, grãos e verduras orgânicas não são provavelmente veganas, porque geralmente usam dejetos de criação de animais como fertilizante. Vocês poderão concluir que, pelo menos, os dejetos provêm de animais criados de forma orgânica, sem confinamento, mas esta prática é apenas uma recomendação. De acordo com a norma que rege à agricultura orgânica, os agricultores de locais sem disponibilidade de dejetos oriundos de produção orgânica poderão usar dejetos de produção convencional, sem que seu produto deixe de ser rotulado como orgânico. Estrume de vacas confinadas e camas de frango de aviários são exemplos de fertilizantes permitidos nestas circunstâncias.
As camas de frango são misturas de serragem colocadas no piso de aviários para receber os excrementos das aves. São gerados entre 1,0 e 1,5 kg de cama de frango por ave. Se considerarmos que em 2016 foram abatidos aproximadamente 6 bilhões de frangos no Brasil, houve geração entre 6 e 9 milhões de toneladas de cama de frango.

Aviário comercial com cama de frango.
Atualmente cerca de 80% do total dos antibióticos produzidos no mundo são consumidos por animais que servirão como alimento para humanos. Os frangos possuem aparelho digestivo curto e uma quantidade significativa do medicamento não é absorvida por seus intestinos. Deste modo, suas fezes contaminadas com antibióticos são incorporadas às camas de frangos.
O tratamento normalmente empregado para a estabilização deste resíduo é a compostagem em grandes pilhas, onde os microrganismos presentes na cama degradam parte da matéria orgânica, elevando a temperatura acima de 70°C. As pilhas são periodicamente revolvidas e, depois de alguns dias, os microrganismos patogênicos são inativados. As especificações exigidas na regulamentação dos produtos orgânicos com relação ao patógenos são atendidas. Por outro lado, as moléculas dos antibióticos são apenas parcialmente degradadas e não existe restrição, quanto as concentrações máximas permitidas para o uso como fertilizante orgânico.
Quando esta cama de frango estabilizada é utilizada como fertilizante no solo, os efeitos são imprevisíveis, resultando, por exemplo, na degradação parcial das moléculas dos antibióticos com a geração de moléculas mais tóxicas, na absorção parcial pelas plantas, na contaminação de águas superficiais e lençol freático, além da seleção de superbactérias patogênicas.
Então um vegano poderia chegar à conclusão que talvez seja melhor comprar produtos agrícolas oriundos de adubação química. Assista ao vídeo abaixo e depois discutiremos alternativas.
Existe a possibilidade de usar adubação 100% vegetal, estabilizada através de compostagem. A Embrapa Agrobiologia, localizada no estado do Rio de Janeiro, desenvolveu compostos totalmente vegetais a partir da compostagem de mistura de torta-de-mamona com bagaço de cana-de-açúcar ou palhada de capim-elefante com excelente desempenho e isento de contaminantes biológicos ou químicos.
Assim os vegetarianos em geral e especificamente os veganos (além dos onívoros que consomem orgânicos) deveriam buscar informação sobre a forma de fertilização do solo onde seus orgânicos foram produzidos. Alimentos produzidos com resíduos da pecuária comercial não deveriam ser certificados como orgânicos. Admitir o uso de cama de frango na agricultura auxilia na redução dos custos da avicultura comercial que promove exploração e maus-tratos em animais, polui o meio ambiente e compromete a saúde dos humanos.
Bom dia! Obrigado pelo texto, mas acho que ainda não respondeu a dúvida: veganos podem consumir produtos que passaram por aplicação de esterco ou não?
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Oi Rodrigo, tudo bem?
Se formos considerar a questão da origem do esterco, fica mais fácil responder sua questão.
Se o esterco foi originado por um animal confinado para produção de carne, leite ou ovos, os veganos não deveriam consumir estes produtos.
Por outro lado, se o esterco não for utilizado para produção de vegetais, a única alternativa seria usar fertilizantes oriundos do petróleo. Neste caso, chegaríamos a um dilema. Concorda com este ponto? Não é uma questão simples e precisa-se discutir opções como adubação verde.
Grato pela excelente pergunta.
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Entendi, Vicente. Obrigado pela resposta.
Sendo assim, praticamente nenhum esterco será vegano, pois praticamente todo esterco vem da criação de animais para o abate ou obtenção de derivados. E na verdade fertilizantes não são substitutos de esterco, pois eles têm funções diferentes. A maioria da produção agrícola utiliza os dois insumos em conjunto.
A única situação em que o esterco substitui os adubos químicos é na agricultura orgânica, mas nesse caso o ideal não é usar esterco cru, mas sim adubos orgânicos que usam esterco curtido em sua composição, entre outros materiais.
Agradeço novamente!
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Exatamente, Rodrigo!
A agricultura biodinâmica também faz compostagem com esterco e resíduos vegetais para geração de fertilizantes. Além disso, também emprega os chamados preparados biodinâmicos compostos por substâncias animais e vegetais.
Apesar disso, recomendo o consumo de produtos orgânicos e biodinâmicos por não usarem agrotóxicos e fertilizantes químicos na plantação.
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Sim, é verdade, Vicente. O composto orgânico é também bastante usado na agricultura convencional, pois de vez em quando é preciso repor a matéria orgânica do solo.
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