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Dienekes, o Herói que Manteve a Linha até o Final

No post 300 deste blog, eu prometi voltar a Portões de Fogo, de Steven Pressfield, para falar de Dienekes. E aqui estou, pagando a promessa. Hoje não é o campeão que ganha estátuas; é o oficial veterano que dá o tom, segura a fileira, ensina o jovem e cuida da casa. O romance é narrado pelo seu escudeiro Xéones, e pela voz dele a gente vê o que realmente sustenta a coragem quando as flechas persas escurecem o céu.

“Então lutaremos à sombra.”
(a frase atribuída a Dienekes pela tradição — Pressfield a incorpora no livro)

Essa frase espirituosa resume o personagem: lucidez sem pose, coragem sem teatro. Abaixo, três lentes ajudam a enxergá-lo melhor: quem ele é, o que o liga a Arete e o que ele forma em Alexandros.

Dienekes

1. Quem é Dienekes: coragem moral antes da militar

Dienekes é o oficial que prefere a eficácia à glória. Ele ensina que o problema não é “sentir medo”, é o que fazemos com ele. Em Portões de Fogo, isso vira método: transformar medo em amor (philia) — o cuidado pelo homem à esquerda e à direita, pela cidade, pelo código que os une.

No treinamento, tudo é caráter. Quando Dienekes ajusta a altura do escudo, não é capricho estético: é ética em movimento, porque a aspis protege mais o companheiro da esquerda do que a si mesmo. Quando ele insiste na cadência da falange, não é mania de sargento: é confiabilidade — o outro pode contar com o seu passo. E quando corrige o ângulo da lança, é autodomínio em ação: nada de abrir a asa para “brilhar” e deixar o flanco exposto. Em Esparta, técnica é moral, porque o gesto certo salva alguém. Repetido mil vezes, o gesto vira hábito; o hábito, disposição; e a disposição, caráter. É assim que a disciplina do corpo vai esculpindo a disciplina da alma — até que, quando o medo surge, o corpo faz o certo do jeito certo antes mesmo que a cabeça invente desculpas para fugir. E o humor seco dele aparece quando a tensão sobe — não para minimizar o perigo, mas para manter a cabeça no lugar.

2. Dienekes & Arete: amor que escolhe a lealdade

Arete é uma mulher inteligente, com iniciativa; não é uma esposa-troféu, é parceira. E é na relação com ela que vemos a coragem íntima de Dienekes:

  • Eros disciplinado por respeito – apaixonado por Arete, ele afasta-se por lealdade ao irmão a quem ela fora prometida. Em Esparta, rasgar esse vínculo destruiria a casa e a honra entre pares. Ele escolhe perder algo importante para não quebrar o que é maior.
  • A verdade viva sobre a letra fria – anos depois, quando Arete corre risco real, ela traça um plano — e ele endossa a “mentira justa” e assume a paternidade de uma criança para salvá-la. A cena mostra um casamento entre iguais: ele não manda; confia, decide com ela e assume as consequências.

Em casa ou em Termópilas, é a mesma ética: manter a linha — da falange e da família.

3. Dienekes & Alexandros: o mestre sereno

Alexandros começa como muitos de nós começaram em algo: potencial + impaciência. Quer brilho, feito individual, história para contar. Dienekes mira outro lugar:

  • Converte bravura em constância.
  • Ensina a sentir o medo sem colapsar.
  • Troca o heroísmo solitário por responsabilidade: “o posto do outro depende de você”.

A pedagogia é silenciosa: corrigir o passo, repetir a manobra, fazer perguntas em vez de discursos. No fim, Alexandros já não busca a cena; sustenta a linha.

Síntese das principais mensagens do livro

Eu destaco estas quatro ideias fortes que atravessam o livro:

  • Medo não é vergonha; é matéria-prima da coragem.
  • O antídoto do medo é o amor (philia): olhar para o lado, proteger o companheiro.
  • Treino é caráter e virtudes em movimento: forma o gesto e a pessoa.
  • Serviço antes de glória: a guerra (e a vida) como cuidado do comum.

Portões de Fogo não coloca Dienekes no pedestal do “grande herói”. Ele é o pilar invisível: o que fica, repara a falha do outro, morre sem teatro, com dignidade. Se há grandeza, é a grandeza do comum bem-feito — a mais difícil.

Por que isso importa fora do campo de batalha? Porque a vida tem suas Termópilas: família, trabalho, amizade, amor. “Manter a linha” é:

  • Escolher a lealdade certa, de acordo com seus valores essenciais, quando o desejo cutuca (Arete).
  • Assumir custos para proteger quem depende de nós (a criança).
  • Formar gente para que brilhe menos sozinha e sirva mais ao coletivo (Alexandros).

No fim, Dienekes lembra que coragem não é bravata: é fidelidade tranquila ao que sustenta o outro — e, principalmente, a nós mesmos — quando o céu escurece.

Se você leu Portões de Fogo, me diga: qual cena de Dienekes ficou em você? Se não leu, recomendo. Vá com tempo e, depois, deixe o corpo dar seu próximo passo.

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Autenticidade e Coragem em A Alma Imoral – Zusya, Mar Vermelho e Viktor Frankl

No último sábado, eu e a Claudia fomos assistir à peça A Alma Imoral, com Clarice Niskier, baseada no livro homônimo do rabino Nilton Bonder. Saí do teatro com aquela mistura boa de silêncio reflexivo e vontade de conversar — sinais de que algo tocou no lugar certo.

Clarice Niskier em “A Alma_Imoral”

A montagem é um monólogo poderoso. Clarice fala de corpo e alma, tradição e transgressão, obediência e autenticidade, fidelidade e traição. Não é apologia à rebeldia inconsequente, é um convite à honestidade: o que ainda fazemos por dever, quando a alma já não está mais ali?

Alguns temas ficaram comigo:

  • Tradição e transgressão. A peça propõe que a tradição só continua viva quando aceita ser “traída” — não no sentido de negar o passado, mas de renovar o sentido.
  • Corpo e alma. O corpo preserva, organiza, dá forma. A alma inquieta, pergunta, desafia, atravessa. Um sem o outro é desequilíbrio.
  • Dúvida e certeza. O texto valoriza a dúvida como motor ético. Não é hesitação improdutiva; é espaço de consciência.
  • Fidelidade e traição. Não apenas ao pacto externo, mas à verdade interna. Às vezes, manter o pacto exige transformá-lo.

Destaco dois trechos que conversam entre si. Me atingiram com mais força por questões atuais da minha vida.

O rabino Zusya: ser quem se é

Há um momento em que surge a história do rabino Zusya (muitas vezes grafado “Zusha” ou “Sucia”).

“Por que estás tão irrequieto? – perguntou o discípulo ao rabino Zusya, ao vê-lo em seus momentos finais de vida.

— Tenho medo – respondeu Zusya.

— Medo de que, rabino?

— Medo do Tribunal Celeste.

— Tu? Um homem tão piedoso, cuja vida foi exemplar? Se tu tens medo, imagine nós, cheios de defeitos e imperfeições.

Rabino Zusya então diz:

— Não temo ser inquirido por não ter sido como o profeta Moisés, não deixei um legado de seu porte. Eu posso me defender, dizendo que não fui como Moisés, porque eu não sou Moisés. Nem temo que me cobrem ensinamentos como os de Maimônides, por eu não ter oferecido ao mundo a qualidade de sua obra e seu talento. Eu posso me defender, dizendo que eu não fui como Maimônides, porque eu não sou Maimônides. O que me apavora, neste momento, é que me venham indagar: Zusya, por que não foste Zusya?

“Um Velho Judeu” de Rembrandt

A questão é devastadora. A questão não é “por que não fomos grandes”, e sim por que não fomos nós. Por que deixamos a vida escorrer por papéis, expectativas e personagens que não nos servem mais?

Essa ideia conversa diretamente com Viktor Frankl. Para ele, o ser humano não busca primeiro prazer ou poder, mas sentido. E sentido é pessoal, original e intransferível — ninguém pode viver o nosso por nós. Como disse Nietzsche:

“Quem tem um porquê enfrenta qualquer como.”

Zusya está dizendo o mesmo, de outra forma: o fracasso verdadeiro é falhar em ser quem somos. Ele teme ter sido “correto” sem ter sido autêntico. E Frankl nos lembra que a vida nos pergunta o tempo todo — e espera respostas em forma de escolhas e ações.

Viktor Emil Frankl

O Mar Vermelho: o passo que abre as águas

Outro trecho que me pegou foi a releitura da travessia do Mar Vermelho. Não como milagre pronto, mas como metáfora de coragem. O trecho fala de um hebreu que entrou no mar antes de ele se abrir. Só quando a água chegou à altura do seu peito, as águas se dividiram.

A cena desloca o foco: não é “o mar que se abre para eu passar”; sou eu que passo — e o mar responde. A alma transgride o medo, e o caminho aparece depois do passo.

Com Frankl, isso vira linguagem de responsabilidade: não temos garantias, temos liberdade para responder. Em cada situação, há uma tarefa que traz o sentido. Às vezes, é continuar. Em outras, é atravessar. Em quase todas, é assumir o risco do primeiro passo.

No trecho sobre o Mar Vermelho, o sentido se revela no movimento. Para Frankl, responder ao chamado único da situação é o centro da liberdade humana.

Entre Zusya e o Mar Vermelho: escolhas que nos fazem

Juntos, Zusya e o Mar Vermelho compõem um mapa simples:

  1. Quem sou eu, de fato? (autenticidade)
  2. O que a situação me pede agora? (responsabilidade)
  3. Qual passo é meu, mesmo sem garantias? (coragem)

A peça não entrega respostas prontas — “graças a Deus”. Ela faz outra coisa: abre espaço para as perguntas que nos interessam.

Uma reflexão pessoal: sobre mudar e enfrentar o desconhecido

Saí do teatro pensando nas minhas próprias travessias. Em quantas vezes adiei um passo esperando o mar abrir? Em quantas vezes fui “correto” quando precisava ser verdadeiro? Em quantas decisões, no trabalho e na vida a dois, a alma já sussurrava: “é por ali” — e eu pedia mais uma confirmação.

Não tenho grandes heróis internos (como Moisés ou Maimônides) à disposição, mas tenho um Zusya possível e alguns hebreus que adentraram o Mar Vermelho antes de se abrir: aqueles passos pequenos, quase invisíveis, que mudam a direção de uma história.

Se eu pudesse resumir o aprendizado da noite em uma linha, diria assim:

Coragem não é ausência de medo; é fidelidade serena ao que a alma já sabe.

O resto, a gente descobre andando — e o mar costuma colaborar com quem se compromete com o passo.

No sábado, a peça terminou; o assunto, não. E talvez seja esse o melhor efeito da arte: deixar a porta entreaberta para o próximo movimento — o nosso.

Se você já viu A Alma Imoral, me conte o que ficou com você. Se ainda não viu, recomendo. Dê tempo para a alma — e, na saída, deixe o corpo dar seu próximo passo.

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O que sustenta uma relação a dois? 13 fatores para cultivar vínculos reais, vivos e duradouros.

Relacionamentos não andam sozinhos.

Não basta ter vivido bons momentos ou lembrar com carinho do começo. Com o tempo, o que segura a relação de pé não é a memória; é o que se constrói no presente.

A convivência testa. O cotidiano, às vezes, oprime. E, nesse cenário, é o cuidado, quase invisível, que faz diferença: pequenos gestos, conversas que alinham, escolhas que sustentam.

Com o tempo — observando, vivendo, errando e aprendendo — percebi que os casais que seguem inteiros (e não apenas juntos) têm algo em comum: há práticas e valores que eles cultivam.

Nada mágico ou heroico, mas constante. E isso já é muito.

Listei aqui 13 desses fatores. Não são fórmulas, nem garantias, mas são pistas. Ou melhor, são sementes que, com cuidado e presença, podem criar raízes fortes o bastante para sustentar uma história a dois.

1. Companheirismo

Há dias em que o amor parece só isso: estar ali. Seja no cansaço, na rotina ou no trânsito congestionado do fim do dia… Companheirismo é o que transforma a presença em cuidado.

Não é sobre concordar sempre ou ter os mesmos gostos. É sobre não deixar o outro sozinho quando o mundo fica pesado demais.

2. Filhos

Ter filhos muda tudo! E é justamente por isso que o casal precisa se lembrar do que existe para além da parentalidade.

Filhos dão trabalho, ocupam espaço, demandam energia. O amor de casal precisa continuar existindo mesmo ali, no meio do “caos”, porque é desse amor que vem boa parte da estrutura emocional que sustenta a família inteira.

3. Estabilidade emocional

Ninguém nasce pronto, mas é preciso querer crescer. Relações são laboratórios emocionais: revelam nossas fortalezas e nossas feridas. Ter estabilidade emocional não é nunca explodir; é saber se responsabilizar quando isso acontece.

Quem coloca tudo nas costas do outro acaba esgotando a relação. Quem evita olhar para dentro de si mesmo, repete os mesmos erros. Amor maduro pede que cada um se responsabilize pelo que sente e pelo que leva para a relação.

4. Estabilidade financeira

Não dá para romantizar: dinheiro impacta relação. O estresse financeiro desgasta, cria tensão, atrapalha o afeto. A falta de conversa sobre o assunto também.

Não importa o modelo adotado, o que conta é o acordo claro, o respeito e a sensação de que ninguém está levando tudo nas costas sozinho.

5. Reconhecimento público e status

Para algumas pessoas, ser visto ao lado de quem se ama importa. É estar incluído na vida social, apresentado com afeto, lembrado nas conversas.

Não é sobre fazer post com legenda clichê. É sobre não ser invisível. O amor pode ser discreto, mas não deve ser escondido.

6. Valores e visão de mundo compartilhados

Quando os valores combinam, a vida anda mais fluida. Decisões difíceis ficam menos pesadas. As prioridades batem e a relação não vira cabo de guerra.

Não precisa ser tudo igual. Mas os pilares — respeito, visão de futuro, jeito de lidar com outras pessoas e com o mundo — precisam conversar entre si.

7. Comunicação clara e empática

O que não é dito apodrece por dentro. Casal que aprende a conversar com empatia resolve muita coisa antes que vire bomba.

Fale com verdade, ouça de coração aberto e pergunte sem rodeios. Evite adivinhações e recados disfarçados. Priorize afeto e clareza na conversa.

8. Projetos e crescimento em comum

Ter um plano, uma ideia ou um projeto juntos faz bem. Pode ser uma casa, uma viagem, um livro, uma horta ou melhorar o mundo que os cerca. Seja o que for…

O importante é que exista futuro compartilhado, não só passado lembrado. Crescer lado a lado, com propósito, fortalece a relação.

9. Sexualidade e desejo

O corpo se expressa quando as palavras falham. E o desejo, quando aparece ou desaparece, costuma dizer muito sobre o que está vivo ou faltando na relação. Se a vida sexual some ou vira obrigação, algo deve ser olhado.

O desejo é frágil, mas também pode ser reativado com escuta, leveza e reconexão. A forma como a gente se toca, se olha, se aproxima comunica muito. A sexualidade fala. E o desejo reflete: mostra como nos sentimos com o outro e com a gente mesmo dentro da relação.

10. Tempo e qualidade de presença

Não adianta estar do lado se a cabeça está longe. Presença não é só estar lá, é estar inteiro.

Cinco minutos de atenção genuína valem mais do que um dia inteiro de presença distraída. É disso que a relação se alimenta.

11. Autonomia e espaço individual

Estar junto não é virar um só. Amor maduro respeita espaço, incentiva crescimento individual, não tenta controlar.

Quem tem autonomia não precisa fugir da relação para respirar. E quem ama com liberdade, volta querendo ficar.

12. Capacidade de reparar rupturas

Todo casal erra. A questão é o que se faz depois. É essencial saber pedir desculpas de coração, perdoar de verdade, escutar com presença e mudar de atitude.

Reparar não é apagar o que houve, é reconstruir com mais verdade.

Tem gente que nunca briga. E tem gente que briga demais. O que sustenta é saber voltar depois da quebra.

13. Rituais e renovação simbólica

Todo amor precisa de gestos, de lembranças e de ritmo. Um jantar especial, um cartão com uma mensagem escrita à mão, um apelido carinhoso, um sorriso cheio de cumplicidade. Pequenos rituais dizem: “isso aqui importa pra mim”.

Ritual não é obrigação. É escolha. E é também memória futura.

Conclusão

Relação viva é aquela que se cuida, se escuta e se reinventa — sem perder o que tem de essencial.

Não é sobre perfeição. É sobre constância. É sobre escolher, todo dia, cultivar o que vale a pena.

E quando os dois estão nessa, o amor não só dura — ele floresce.

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Eros, Philia e Ágape: Três Formas de Amar em uma Relação a Dois

Quando falamos sobre amor em um relacionamento, tendemos a usar uma única palavra para expressar algo que, na prática, é multifacetado e dinâmico. A tradição grega antiga nos oferece uma chave interessante para entender melhor essa complexidade: ela nomeia três formas distintas de amor — Eros, Philia e Ágape.

Esses três aspectos não competem entre si. Pelo contrário, eles se complementam e podem coexistir em diferentes proporções ao longo da vida a dois. Conhecer suas características nos ajuda a cultivar vínculos mais conscientes e duradouros.

Eros – Desejo, atração e encantamento

Eros é o amor do impulso e da conexão física. É o que nos aproxima do outro nos primeiros encontros, aquilo que provoca fascínio, excitação e a sensação de urgência. É uma força vital que desperta o desejo, o toque, o olhar atento.

Nos relacionamentos duradouros, Eros tende a mudar de forma. Pode perder intensidade se não for cuidado, mas também pode se renovar em novas fases da vida a dois. A intimidade física, o prazer mútuo e o desejo cultivado com intenção mantêm essa dimensão viva — não como no início, mas com mais profundidade.

Philia – Amizade, companheirismo e confiança

Philia é o amor da convivência, da admiração mútua e da cumplicidade. É o vínculo que se constrói quando aprendemos a gostar do outro como pessoa — não só como objeto do nosso desejo. É o amor que se expressa em conversas tranquilas (às vezes, intensas e corajosas), apoio nas dificuldades, projetos compartilhados e risos espontâneos.

Essa dimensão é essencial para a sustentação do vínculo. É quando o casal se torna também amigo, parceiro, alguém com quem é possível dividir tanto as dúvidas quanto os sonhos. Com o tempo, Philia aprofunda a base do relacionamento, tornando-o mais estável e acolhedor.

Ágape – Amor consciente, entrega e transcendência

Ágape é uma forma de amor que transcende o desejo e o vínculo emocional imediato. Trata-se de uma entrega mais profunda, marcada por empatia, escuta e presença consciente.

Diferente de Eros e Philia, que foram amplamente discutidos na filosofia grega, Ágape ganhou destaque principalmente na tradição cristã, onde passou a representar o amor incondicional e generoso, com uma dimensão espiritual e ética.

Ágape não significa passividade ou anulação pessoal. É um tipo de amor que se manifesta na capacidade de cuidar, perdoar e escolher estar junto, mesmo quando há falhas e imperfeições. Ele convida à maturidade emocional e à construção consciente do vínculo.

A seguir, uma visão comparativa dos três tipos de amor, destacando suas contribuições e os desafios que podem surgir quando estão em desequilíbrio.

Tipo de AmorFunção na RelaçãoRiscos Quando Isolado ou Desequilibrado
ErosAlimentar a intimidade física e emocional; criar conexão pelo desejo e encantamento.Pode ser passageiro e ilusório. Sem base emocional, tende a se esgotar com o tempo.
PhiliaSustentar a convivência no longo prazo; fortalecer o vínculo por meio da amizade, respeito e confiança.Sem Eros, pode virar apenas parceria funcional.
Sem Ágape, pode faltar profundidade.
ÁgapeSer o eixo ético e espiritual da relação; promover empatia, perdão e crescimento mútuo.Quando não equilibrado, pode gerar autoanulação ou relações assimétricas.

Amar é também um exercício de consciência

Nenhum desses três amores é suficiente por si só. Eles se misturam, mudam de intensidade e exigem cuidado constante. Um relacionamento saudável é aquele em que Eros, Philia e Ágape não competem, mas colaboram — cada um oferecendo sua força no momento certo.

Cultivar esse equilíbrio é um caminho possível para construir vínculos mais conscientes, afetivos e verdadeiros. Afinal, amar também é um verbo: exige ação, presença, escolha e construção diária.

No próximo post, apresentarei 13 fatores práticos que influenciam diretamente a sustentação de uma relação a dois.

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Acolhendo Nossa Criança Interior

No final de maio deste ano, a Claudia promoveu um workshop especial sobre a criança interior no nosso espaço. A proposta era simples e, ao mesmo tempo, profunda: ouvir as vozes sutis (ou às vezes barulhentas) que vivem dentro de nós desde a infância. Foi um convite ao reencontro com nossa essência mais autêntica, nossos medos, tristezas e raivas antigos, além da nossa capacidade de brincar com a vida de forma leve e autêntica. Tudo isso em meio a trocas sinceras, lágrimas, acolhimento e olhos brilhando. E ali, mais uma vez, ficou claro que atrás de muitos dos nossos conflitos do dia a dia, está o velho conhecido ego.

O ego, essa parte da personalidade que quer manter o controle, ser reconhecido, ter razão e proteger-se a qualquer custo, nos guia com frequência mais (e de forma diferente) do que gostaríamos. Ele constrói máscaras, reforça padrões automáticos e, quando ferido, reage como uma criança! E é aí que entra a beleza do trabalho com a criança interior: reconhecer que dentro de cada um de nós habitam várias vozes infantis, com necessidades legítimas, mas frequentemente inconscientes.

Eu Adulto com suas Crianças Interiores

A “Criança Livre” é a que corre descalça no campo das ideias e emoções. Ela ri alto, inventa soluções, brinca com espontaneidade, dança sem música e ama com o corpo inteiro. O Eu Adulto pode abraçá-la, canalizando sua leveza e criatividade, mas também ajudando-a a saber a hora de repousar e respeitar limites.

Já a “Criança Adaptada” é moldada por exigências externas. Pode ser submissa, ressentida ou culpada. Muitas vezes diz “sim” querendo gritar “não” — ou espera, em silêncio, que o mundo adivinhe suas necessidades. O Eu Adulto precisa estar atento, como um bom cuidador, ensinando a essa criança que é possível se expressar sem medo, colocar limites com afeto e buscar o próprio valor fora da aprovação alheia.

E há também a “Criança Rebelde”, que quando ferida ou desacreditada, grita, ironiza, faz birra ou se fecha em silêncio. Ela pode ser uma potência criativa ou uma sabotadora impaciente. Cabe ao Eu Adulto compreender sua dor e transformá-la em força de ação — não como quem castiga, mas como quem escuta e a guia com firmeza e ternura.

Nesse caminho, o Eu Adulto não é um juiz, nem um pai severo. Ele é um guardião interno — aquele que observa, acolhe e age com consciência. Ele é quem consegue dizer “sim” com inteireza e “não” com serenidade. Olha para suas feridas sem julgamento; e para seus talentos, sem soberba.

Foi isso que vi no workshop da Claudia: adultos reencontrando suas crianças internas. Chorando memórias antigas, resgatando bons momentos esquecidos e, sobretudo, aprendendo a se escutar com mais compaixão.

Talvez este seja o maior desafio da vida adulta: crescer sem abandonar (ou querer matar) quem fomos. A maturidade não é enterrar a criança, mas oferecer-lhe um bom lugar no nosso coração.

Se você quiser viver essa experiência, haverá um novo workshop no dia 31 de agosto. Será uma nova oportunidade de escutar as vozes da sua criança interior.

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Correr é Preciso, Viver Não é Preciso

Vocês já perceberam que, no título deste post, estou parafraseando o grande poeta português Fernando Pessoa? Apenas substituí o verbo “navegar” por “correr”, que, no meu caso, faz mais sentido.

Fernando Pessoa

Correr, para mim, é essencial para manter minha sanidade física e mental. Como se diz em latim: “mens sana in corpore sano” — uma mente sã em um corpo são. Durante as corridas, reflito sobre questões que me atormentam e, quase sempre, termino o treino melhor do que comecei. Correr é uma necessidade para mim.

Mas correr também exige precisão. Existe uma técnica para tornar os movimentos mais eficientes, reduzindo o consumo de energia. A escolha do tênis depende do tipo de pisada e do objetivo do corredor. A nutrição antes e depois da atividade também segue recomendações baseadas em conhecimento científico. Assim, podemos correr mais rápido, mais longe e com menos risco de lesões.

A vida, ao contrário, é tudo menos precisa. Como expressou brilhantemente Fernando Pessoa, a vida é incerta, cheia de imprevisibilidades. A principal razão para isso é a complexidade dos seres humanos.

Nos consideramos racionais, mas somos como icebergs: apenas 10% de nossa mente é consciente, visível. Os outros 90% — nosso subconsciente — são governados por emoções, intuições, instintos, experiências passadas, traumas e memórias. Esse lado submerso nos influencia de maneiras que nem sempre entendemos.

Muitas vezes, evitamos explorar esse “lado sombrio”. Falhamos em construir autoconhecimento e, mesmo assim, acreditamos conhecer profundamente outras pessoas. Mas como podemos entender plenamente nossos parceiros amorosos, por exemplo, se nem ao menos nos conhecemos bem? Essa presunção pode levar a surpresas desagradáveis.

Para evitar os naufrágios emocionais que surgem do desconhecido, acredito que o autoconhecimento seja essencial. Enfrente seus traumas, medos e inseguranças. Examine seus desejos e avalie se eles estão a seu favor ou contra você. Esforce-se para iluminar seu subconsciente e compreenda como você reage a diferentes situações. Não viva no automático.

Quanto aos relacionamentos, estimule seu parceiro ou parceira a também buscar autoconhecimento. Mantenha um diálogo aberto e constante. Entenda como o outro se sente amado, pois o amor pode ser expresso de várias formas. Evite presunções; pergunte, ouça e compreenda.

Porém, como deixei claro no título, viver não é preciso. Não temos controle sobre a maioria das coisas, muito menos sobre o coração de outra pessoa. E isso é algo positivo: tanto você quanto o outro devem preservar suas individualidades.

Como escreveu Guimarães Rosa:

“Às vezes, – o destino não se esquece –
as grades são abertas,
as almas são despertas:
às vezes,
quando quanda,
quando à hora
quando os deuses
de repente – antes –
a gente
se encontra.”

O acaso pode trazer encontros capazes de transformar nossas vidas. Por isso, só nos resta evoluir como seres humanos e viver o presente da melhor forma possível.

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Dores, Crescimento Pessoal e Cicatrizes

Eu defendo que só há crescimento pessoal com dor. Quando passo por um sofrimento, consigo dar a real dimensão da importância daquela perda para minha vida. E após superar o obstáculo, procuro entender o que aprendi e como o processo me fortaleceu.

Em cada um destes momentos, alguma coisa nos faz reviver a situação e suas lições.

Há alguns anos, fraturei minha perna direita. Passei por uma cirurgia onde inseriram duas placas e parafusos para estabilizar a fíbula, bem como uma haste no interior da tíbia. Atualmente, a única marca visível do acidente é uma cicatriz de aproximadamente 10 cm. Não houve sequelas e, depois de me recuperar, nasceu o Vicente corredor, evoluindo para Vicente maratonista em setembro de 2024.

Minha perna direita com a cicatriz próxima ao tornozelo.

Todas as dores que senti em décadas de jornada me ajudaram a ser melhor como pai, marido, amigo e profissional. Um ser humano melhor… Muito longe da perfeição, mas melhor. E as cicatrizes me lembram de que sou grato pelas dores que estimularam meu crescimento.

Em 2024, tive um turbilhão de dores e alegrias. Termino o ano muito mais centrado e consciente de que, em 2025, novas dores me farão crescer mais.

E assim continuará… A cada dor indesejada nascerá um novo aprendizado. E minhas cicatrizes serão os troféus dessas conquistas.

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O Que Aprendi ao Correr Uma Maratona – O Homem de Lata, o Espantalho e o Leão Covarde de Oz

Quem me acompanha sabe que comecei a correr há sete anos após uma fratura de tíbia e fíbula. Neste período, na maior parte do tempo, pratiquei este esporte sem qualquer orientação. Para ver algumas dicas, assistia a vídeos no YouTube. Por sorte, não tive lesões graves, apenas algumas dores nos calcâneos e na lombar. Participei de várias corridas de rua em distâncias que variaram de 4 km até meia maratonas (21,1 km).

Até a metade de 2023, eu corri sete meia maratonas e quatro Corridas de São Silvestre (15 km). Percebi que meu desempenho estava piorando, eu estava com menos força e flexibilidade, e estava difícil manter o ritmo de antes. Então decidi buscar uma assessoria para corridas. Recebi indicação de uma assessoria da região, Ativital, do Luciano Vital. E começamos em setembro do ano passado. Após um período de adaptação e alinhamento de expectativas, intensifiquei os treinos e corri mais uma São Silvestre.

Em janeiro, durante um treino, Luciano comentou que um grupo iria correr a Maratona de Porto Alegre em junho e perguntou se eu gostaria de participar. Topei o desafio na hora. Então ele falou que janeiro e fevereiro seriam meses para construir uma base física e, de março a junho, aumentaria minha quilometragem para me preparar para a maratona.

No início, Luciano procurava me acalmar, dizendo que não era para eu me preocupar com o tempo para conclusão da prova, o importante era concluir bem a prova. Minha meta secreta era correr os 42,2 km abaixo de 5 horas.

Claudia, minha mulher, sempre diz que quando eu decido fazer alguma coisa, vou até o fim e consigo. Os meses foram passando com muitos quilômetros percorridos, muitos treinos funcionais, de mobilidade e de musculação. Segui as planilhas de treino disciplinadamente, corri com chuva, frio ou calor.

Em um treino, Luciano comentou que minha técnica de corrida estava bem melhor:

– Quando você começou parecia o Homem de Lata do Mágico de Oz. Agora está bem melhor, está parecendo o Espantalho…

Demos boas risadas. E ainda disse que eu concluiria a prova abaixo de 4h30min. Isto já era muito mais rápido do que eu originalmente almejara…

Quando as distâncias começaram a aumentar, perdi duas unhas dos pés em um treino em que testei um tênis com placa de fibra de carbono. Comprei pares de tênis um número maior e não parei de treinar.

Em maio, aconteceu a trágica enchente no Rio Grande do Sul e a prova foi transferida para o final de setembro. Decidi que minha prova alvo permaneceria a Maratona de Porto Alegre. Assim eu praticamente treinei dois ciclos para correr uma maratona. Perdi seis a sete quilos, fiquei mais forte, mais ágil e mais rápido.

O divisor de águas foi uma prova de rua de 30 km em São Paulo no primeiro domingo de setembro. Foi a primeira vez que percorri esta distância e, nos últimos cinco quilômetros, havia subidas e descidas na ponte estaiada. Consegui manter um bom ritmo e concluí a prova em 2h53min. Minha confiança aumentou muito. Nos domingos seguintes, os longões foram, respectivamente, de 30 km e 35 km. Estava pronto para a maratona.

Parte final da prova Run The Bridge 30K em 01/09/2024 (descida da ponte estaiada em São Paulo).

Eu e Luciano montamos a estratégia da prova para 4h10min. Ele ainda me deu um conselho muito sábio:

– O importante era terminar bem a prova com um sorriso nos lábios, especialmente porque tua família te aguardará na linha de chegada.

Quando alinhei na vanguarda do meu pelotão trinta minutos antes da largada, estava confiante de que concluiria a prova. Fiz tudo que estava a meu alcance. Dediquei-me de corpo e alma aos treinos. Moderei o consumo de bebidas alcoólicas. Segui as orientações de uma nutricionista ultramaratonista, a Fran. Tive sessões de liberação miofascial com a Sandra.

Às 7 horas da manhã, iniciou a prova. Consegui manter um bom ritmo. No quilômetro 25, encontrei, pela primeira vez, minha família. Procurei demonstrar que estava me sentindo bem. Ganhei uma garrafinha com meu isotônico gelado para consumir nos quilômetros seguintes. A temperatura subiu rapidamente.

Um dos momentos mais emocionantes foi a passagem pelo interior do Mercado Público. Controlei a emoção e segui para a parte final da prova. Passei pelo quilômetro 34, estava muito quente e úmido, o sol estava forte e praticamente não havia sombras. Comecei a ver muitos corredores quebrados – alguns deitados, outros com cãibras, outros caminhando com dificuldade. Lembrei do conselho do Luciano e resolvi baixar um pouco o ritmo. Segui bem até o quilômetro 41.

Momento em que cruzei o Mercado Público durante a Maratona Internacional de Porto Alegre.

A partir deste ponto, havia muita gente aglomerada nas ruas, assistindo à prova, foi uma descarga de energia incrível. Bati em muitas mãos, fiz “high five”, sorri, gargalhei. Fiz conchas nos ouvidos ao passar por grupos mais silenciosos, imediatamente gritavam meu nome (escrito acima do número no peito) e eu alisava minha barba. Ouvi um cara gritando:

– Respeitem a história do Vicente!

Quando a pista alargou, fiz um “aviãozinho” pela primeira vez. E segui acelerando rumo a linha de chegada, quando concluí a prova, repetindo a brincadeira. Tempo oficial ficou em 4h12min. Ouvi os gritos da Claudia, Léo, Júlia e Luíza. Me juntei a eles, eu era pura alegria.

Fazendo “aviãozinho” na chegada da maratona.

A referência do Luciano aos personagens do Mágico de Oz me levou a algumas reflexões.

O Homem de Lata queria um coração, mesmo que muitas vezes ele tenha se emocionado na sua jornada. Da mesma forma, eu me emocionei em muitos momentos, lembrei dos meus pais, explodi quando corri pela primeira vez 30 km e transbordei de alegria ao completar a maratona.

O Espantalho queria um cérebro, mas ele era o personagem mais inteligente do trio. Eu mantive o foco e procurei segurar a empolgação durante os treinos e corridas de rua para não extrapolar o ritmo planejado. Durante a maratona, mesmo me sentindo bem e sabendo que não atingiria minha meta de 4h10min, resolvi reduzir o ritmo para garantir uma boa conclusão do desafio.

E, durante todo o processo, agi como o Leão Covarde que, na história do Mágico de Oz, sempre demonstrou coragem quando era preciso. A coragem não é a ausência de medo, mas a capacidade de enfrentá-lo apesar das incertezas. Coragem é agir com determinação, mesmo quando o desconhecido ou o risco estão presentes, e transformar o medo em motivação para superar desafios. Quem é corajoso não ignora seus medos, mas os reconhece e escolhe seguir em frente, confiando em suas capacidades e no propósito de suas ações.

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O Funcionário Beija-Flor Pode Destruir a Experiência do Cliente

No mês passado, fui retirar um automóvel em uma conhecida locadora de veículos e resolvi testar a retirada digital através do aplicativo do celular. Como eu estava usando esta funcionalidade pela primeira vez, achei melhor ter o acompanhamento de um funcionário da empresa. Tudo funcionou bem até a atendente verificar que não havia carro da categoria desejada no estacionamento. Para agilizar a solução do problema, ela pediu para o outro atendente providenciar, com a área de operação, a colocação de um veículo em uma das vagas. O rapaz ficou claramente contrariado e, ao sair da sala, disse que aquele não era o seu trabalho. Para ele, a sua responsabilidade era apenas atender os clientes no balcão.

Eu e, provavelmente, a sua colega pensamos diferentes. A principal responsabilidade dos funcionários de uma empresa é proporcionar a melhor experiência para seus clientes, dentro de padrões éticos e de segurança. No meu caso específico, seria justificável, se o rapaz tivesse que estacionar o carro para eu concluir satisfatoriamente minha experiência.

Há quinze anos publiquei um post neste blog com a descrição do funcionário beija-flor. Este funcionário da locadora de veículos encaixa-se perfeitamente neste perfil. Para acessar este post, basta clicar no link abaixo.

Quem é o Verdadeiro Líder: o Beija-Flor ou o Leão?

O beija-flor e o leão – figura inspirada na fábula do incêndio na floresta narrada pelo sociólogo Betinho (imagem criada por inteligência artificial)

O funcionário beija-flor cumpre religiosamente seu horário de trabalho. Faz suas tarefas com esmero digno de elogios, mas está totalmente alienado em relação ao que acontece na sua empresa. Ou seja, mesmo sabendo que existem coisas erradas acontecendo, ele continua simplesmente “fazendo a sua parte”. No caso do rapaz, ele deveria apenas atender eficientemente os clientes no balcão da locadora.

Minha experiência foi salva pela atendente da locadora. Da próxima vez, tentarei executar o processo sozinho. O segundo atendente poderia destruir a experiência e transformá-la em decepção. Mais uma vez fica claro que seleção e treinamento dos funcionários é essencial para o sucesso da empresa.

Este comportamento não é exclusividade dos níveis operacionais das empresas. O que mais me espanta é perceber este padrão em níveis mais altos: gerentes e diretores. O desdobramento das metas em departamentos e unidades de negócios pode estimular a competição interna na empresa, criação de “silos” e visão de curto prazo. O resultado financeiro do período pode ser decorrência de ações que, inclusive, prejudiquem a sustentabilidade da empresa a longo prazo. E o pior é que estes executivos “beija-flor” estão “fazendo a sua parte”. Eles estão fazendo aquilo que os remunera através dos bônus anuais.

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A Revolta de Atlas – Ragnar Dannesjöld, Sonegação e Meritocracia

Chegamos ao terceiro artigo sobre o livro “A Revolta de Atlas” (Atlas Shrugged) de Ayn Rand. Hoje o assunto será o discurso do “pirata” Ragnar Danneskjöld sobre impostos e meritocracia.

Ragnar Danneskjöld atua como um pirata que ataca os navios que transportam doações dos governos dos países ricos para países pobres. Segundo ele, estes bens são roubados dos produtores ricos pelos governos corruptos, através dos impostos. O resultado das pilhagens é vendido no mercado negro da Europa pelo maior preço possível e o ouro, oriundo destas operações, é depositado em contas secretas em nome de empresários, com base no imposto de renda pago por eles.

O navio do “pirata” não ataca embarcações privadas ou Marinha de Guerra dos países. Ele segue a lógica ultraliberal que apenas a segurança, interna e externa, é função do Estado e nada mais.

Danneskjöld odeia a figura Robin Hood que, segundo ele, é o símbolo da moralidade invertida que domina o mundo. Transcrevo o trecho abaixo, no qual Ayn Rand explicita, através de seu personagem, a sua forma de ver o mundo, usando a figura de Robin Hood como contraexemplo do seu pensamento.

“Diz-se que ele lutava contra governantes saqueadores e restituía às vítimas o que lhes fora saqueado, mas não é esse o significado da lenda que se criou. Ele é lembrado não como um defensor da propriedade, e sim como um defensor da necessidade; não como um defensor dos roubados, e sim como protetor dos pobres. Ele é tido como o primeiro homem que assumiu ares de virtude por fazer caridade com dinheiro que não era seu, por distribuir bens que não produzira, por fazer com que terceiros pagassem pelo luxo de sua piedade. Ele é o homem que se tornou símbolo da ideia de que a necessidade, não a realização, é a fonte dos direitos; que não temos que produzir, mas apenas de querer; que o que é merecido não cabe a nós, e sim o imerecido. Ele se tornou uma justificativa para todo medíocre que, incapaz de ganhar seu próprio sustento, exige o poder de despojar de suas propriedades os que são superiores a ele, proclamando sua intenção de dedicar a vida a seus inferiores roubando seus superiores.”

Ou seja, para Ayn Rand, os verdadeiros heróis são os ricos produtivos, porque criam valor para a sociedade com sua competência e seu trabalho. Os pobres, que não ganham o suficiente para seu sustento, são incompetentes e parasitas, porque se aproveitam da riqueza “roubada” dos ricos para sobreviver. Esta visão de mundo, nua e crua, é a defesa extrema da meritocracia social, na qual condena-se qualquer forma de redistribuição de renda ou altruísmo.

Eu concordo que as pessoas devam ser recompensadas de acordo com o resultado de suas atividades produtivas e com a capacidade de gerarem valor. Por outro lado, não podemos desprezar que existe uma parcela pequena da população que já larga muito à frente da maioria em termos de educação. Imagine agora um país que siga 100% a ideologia de Ayn Rand, capitalismo liberal laissez-faire. Neste lugar, o Estado não recolheria mais a maior parte dos impostos pagos pelos produtores ricos e os pobres teriam que custear, além de suas despesas básicas (alimentação, habitação, transporte e vestuário), saúde e educação. Como qualquer forma de altruísmo é condenável, quem não tivesse meios de subsistência estaria entregue à própria sorte. E se hoje já é muito difícil a ascensão social dos mais pobres, neste país seria praticamente impossível.

O curioso é que a autora parece desconhecer que uma ação social iniciada no governo do Presidente Roosevelt em 1944, o programa G.I. Bill, teve um enorme impacto econômico positivo nos Estados Unidos. O período de validade do programa, 1944-1956, é quase o mesmo em que Ayn Rand escreve “A Revolta de Atlas”, 1946-1956.

Presidente Roosevelt assinou a Lei do Programa G.I. Bill em 1944.

O programa G.I. Bill foi uma iniciativa do governo norte-americano para oferecer benefícios educacionais aos veteranos que serviram nas forças armadas durante a Segunda Guerra Mundial. Milhões de soldados americanos cursaram o ensino superior, técnico ou profissional, com custos subsidiados pelo governo. Este programa G.I. Bill foi considerado um dos maiores investimentos públicos em capital humano da história, e teve um impacto significativo na economia, na sociedade e na cultura dos Estados Unidos no pós-guerra. Infelizmente devido às leis de segregação racial vigentes nos estados sulistas norte-americanos, os negros não tiveram as mesmas benesses dos brancos. Assim a distância econômica e social entre brancos e negros aumentou naquele país.

Além de tentar destruir o mito de Robin Hood, Danneskjöld também defendia a sonegação de impostos. Por todos os motivos já expostos, ele considerava os impostos uma forma de roubo praticada pelo Estado. Ele resume sua missão no primeiro encontro com o industrial Hank Rearden assim:

“Bem, eu sou o homem que rouba dos pobres e dá para os ricos, ou, mais exatamente, que rouba dos pobres ladrões e devolve aos ricos produtivos.”

Se Danneskjöld e Ayn Rand conhecessem o sistema tributário brasileiro, talvez ficassem felizes ao descobrir que os mais pobres pagam mais impostos do que os mais ricos. O peso dos impostos sobre bens e serviços no Brasil é bem mais alto do que nos países da OCDE (42% do total arrecadado contra média de 32% em 2020), onerando os mais pobres. Mesmo no imposto de renda, os super-ricos pagam alíquota média menor do que os brasileiros da classe média, porque dividendos não são tributados no Brasil. Veja o gráfico abaixo do Portal G1 com dados de 2020 sobre alíquotas médias de imposto de renda por faixa de rendimento.

Diferentemente do discurso sobre dinheiro de Francisco D’Anconia, no qual eu concordo com a essência do seu conteúdo, considero o discurso de Ragnar Danneskjöld absurdo. Como procurei demonstrar neste artigo, mesmo os Estados Unidos na década de 1950 não seguiam este capitalismo ultraliberal. Se aplicássemos os postulados de Danneskjöld, não seria imoral juntar uma fortuna nababesca, enquanto milhares morrem de fome e doenças na mesma cidade.

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Como a Falta ou o Excesso de Propósito Podem Ser Devastadores

Eu tenho visto cada vez mais especialistas e gurus, falando sobre a importância de se ter um propósito na vida. Esta orientação não é válida apenas para as pessoas físicas (PF), como também para as empresas (PJ). O propósito é um objetivo maior, de longo prazo, não é somente ganhar dinheiro, adquirir um bem ou fazer uma viagem. Estes exemplos podem ser metas de curto e médio prazos que apoiam um objetivo maior de longo prazo.

Há alguns anos, escrevi um artigo sobre o psiquiatra austríaco Viktor Frankl. Ele percebeu que as pessoas que resistiam aos horrores dos campos de concentração nazistas eram as que tinham um sentido maior para suas vidas, um propósito. Estes propósitos estavam além das suas próprias existências, impactavam positivamente pessoas próximas, grupos maiores ou, até mesmo, toda a humanidade.

Viktor Emil Frankl

Pessoas com propósitos desejam deixar legados positivos no mundo. Se existe algo maior além do horizonte, fica mais fácil suportar os períodos mais difíceis e superá-los, extraindo aprendizados.

Quando falta propósito, um objetivo significativo na vida, todos os dias são tediosamente ou desesperadamente iguais. Onde deveria estar o propósito há apenas um vazio que traz apatia e indiferença pelo que acontece ao redor. Deste estado depressivo, podem surgir alternativas para preencher o vazio da vida, como distrações, drogas ou seguir cegamente líderes, religiões e ideologias políticas.

As pessoas com propósitos podem trabalhar em empresas que não tenham os mesmos objetivos. Deste desalinhamento, pode nascer uma frustração crescente que leva a desmotivação do funcionário. Nestes casos, o melhor a fazer é procurar outra ocupação.

Mas pode haver também excesso de propósito? Minha resposta é sim. E as consequências podem ser muito graves. Nestes casos, o objetivo é tão rígido que impede que o entorno seja percebido. Pessoas com esta mentalidade pensam e conversam, quase que exclusivamente, sobre seu objetivo maior. Perdem o repertório, tornam-se os chatos nas rodas de conversa. Suas vidas passam a se resumir a esta busca incessante. Família, amizades e lazer são relegados a um plano muito inferior de importância. Qualquer atividade que as afaste, mesmo que momentaneamente, do seu propósito causam ansiedade e culpa. No final, estas pessoas ficam tão obcecadas que podem destruir seus relacionamentos e acabarem isoladas e doentes.

Pequenas empresas e startups, onde os donos são a empresa, podem sofrer também deste mal. Muitas oportunidades não são perseguidas, porque seus líderes estão cegos e inflexíveis pelo propósito inicial. No final, a empresa quebra e boas ideias são desperdiçadas.

Como tudo na vida, o equilíbrio é essencial. Devemos estar atentos e periodicamente analisarmos se nosso propósito de vida ainda faz sentido. Por outro lado, não podemos agir como “birutas” que mudam de direção conforme os ventos.

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Carta de um Suicida

A carta a seguir foi encontrada ao lado do corpo sem vida de um homem de meia idade.

A depressão é minha companhia mais frequente. Costumo ficar sozinho com ela durante horas, dias… Muitas vezes miro no fundo de seus olhos. Nestes momentos, meu coração dói.

Em algumas ocasiões, tiro a atenção sobre ela, assistindo a um filme ou algum jogo de futebol, mas, tão logo a diversão acaba, lá está ela mais firme e forte junto a mim.

Outras horas, eu corro, como se estivesse fugindo dela. E ela fica para trás… Mas, quando termina a corrida, e eu volto para casa, sinto-me como a lebre da fábula que sabe que a tartaruga não desistirá e, inevitavelmente, a alcançará. E ela me alcança…

Em algumas noites, bebo cerveja ou vinho. Parece que, por algum tempo, minha visão se turva e eu paro de enxergá-la com clareza. A depressão transmuta-se em um vulto indefinível, mas, quando o entorpecimento causado pelo álcool passa, sua imagem volta a ficar nítida e parece ainda mais poderosa.

Meu vazio preenche tudo! E a minha rotina diária não preenche nada, só alimenta o vazio.

Há dias melhores; outros, piores! Mesmo os dias melhores são insuficientes…

Decidi abreviar tudo. Eu sou o único responsável pelo sofrer e pela libertação.

Atenção! Esta carta é fictícia, mas é a expressão do que muitas pessoas sentem atualmente. A depressão ataca parcelas cada vez mais expressivas da população. Como perceber seus sinais e não se entregar? Converse com seus amigos de verdade, normalmente são poucos. Se estiverem distantes, use qualquer meio eletrônico para contatá-los e abra seu coração. Procure ajuda especializada, faça terapia. Vá atrás das causas de seu sofrimento. Pratique algum esporte e evite drogas lícitas ou ilícitas. Lute contra esta inimiga silenciosa!

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Fragmentados – Somos Kevin Crumb

Quem assistiu ao Filme “Fragmentado” de M. Night Shyamalan ficou espantado com o número de personalidades diferentes do personagem principal, Kevin Wendell Crumb. O ator James McAvoy representou incrivelmente algumas das 24 personalidades de Crumb, desde o menino Hedwig de 9 anos, passando pela adolescente Jade, o designer de moda Barry e pelo violento Dennis até chegar à mortal Besta.

James McAvoy interpretou as diferentes personalidades de Kevin Wendell Crumb.

Talvez haja surpresa ou contrariedade com o que apresentarei a seguir, mas todos nós somos fragmentados. Somos pelo menos um fragmento com nossos pais (às vezes, um diferente para o pai e outro para a mãe). Somos pelo menos um fragmento diferente com nossos filhos (às vezes, um diferente para cada um). Somos um outro fragmento com nosso esposo ou nossa esposa. Somos pelo menos um fragmento no trabalho. Muitos agem de uma forma com o chefe; de outra, com os pares; e ainda de outra, com os subordinados. E assim por diante, somos fragmentos diferentes na escola, no futebol, com os amigos… E há aqueles que se parecem com a personalidade Besta de Kevin Crumb quando estão interagindo nas redes sociais da Internet.

Eu nem falei dos efeitos da autoridade e do poder que geram outros fragmentos nas pessoas.

Se concordarmos que em cada papel que exercemos temos comportamento diferente e agimos como se fôssemos outra pessoa, ficará mais fácil aceitar que consideramos nossa própria fragmentação como natural e necessária. Mesmo assim vivemos em conflito, não estamos satisfeitos com o trabalho, com as relações e assim por diante. Sentimos, muitas vezes, um tédio e um vazio interior preenchido com diversões e drogas lícitas ou ilícitas.

A aceitação do pensamento sobre a naturalidade e inevitabilidade da fragmentação da vida torna naturais outras formas de fragmentação no mundo como, por exemplo, nacionalidades, etnias, religiões, ideologias e classes sociais. Nestes casos, a fragmentação gera a divisão e distanciamento do “nós” e “outros”. Estes “outros” são muitas vezes desumanizados pelo “nós”. O resultado final é o ódio e sua contínua realimentação.

Como podemos desejar um mundo com paz e menos iniquidade, se nós mesmos vivemos em eterno conflito e admitimos a naturalidade da fragmentação em nós e no mundo?

Fica claro que, sem resolver o problema dos conflitos no indivíduo, não solucionaremos os conflitos no mundo.

Afinal quem nós realmente somos?

Felizmente temos mais controle sobre nossos fragmentos (papéis e personalidades) do que o personagem Kevin Crumb. O poema “If” de Rudyard Kipling nos passa a mensagem que ao nos comportarmos de modo digno e único, não importando a situação ou ambiente, seremos um ser humano integral.

If you can fill the unforgiving minute

With sixty seconds’ worth of distance run

Yours is the Earth and everything that’s in it,

And – which is more – you’ll be a Man, my son.

Precisamos estar atentos a nossa forma de pensar e agir para tornarmo-nos uma única pessoa ao invés de um grande mosaico de pequenos cacos zumbis. Só assim nos pacificaremos internamente e, externamente, levaremos esta paz e a justiça aos nossos lares e ao mundo.

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Os Nossos Pensamentos São Realmente Nossos?

Este post é o pontapé inicial para uma reflexão mais profunda sobre a origem de nossas ideias. Sabemos que não temos liberdade para fazermos o que surgir em nossas cabeças, mas teríamos a liberdade plena no pensar? Qual é a origem dos nossos pensamentos – nossos cérebros, influências externas ou algo divino?

A maioria responderá que é dono e responsável pelo nascedouro de suas ideias. Começo com um exemplo simples. Todos os dias o Sol nasce no leste e se põe no oeste. A Lua segue a mesma lógica e, todas as noites, cruza os céus, percorrendo seu caminho através das constelações que compõem o Zodíaco. Através desta simples observação, deduziríamos que a Terra está no centro do universo e o Sol, a Lua, demais planetas e estrelas giram ao nosso redor. Por que pensamos que, na verdade, é a Terra que gira ao redor do Sol, apesar de nossos sentidos nos mostrarem o contrário?

Adotamos a concepção Heliocêntrica, não intuitiva, ao invés da Geocêntrica, contraditória em relação à nossa percepção, porque fomos convencidos (ou educados) que este modelo é o correto.

Agora vamos pensar em todos os fenômenos naturais que nos cercam. Alguém, por exemplo, pode chegar à conclusão que as aves voam, porque têm penas. Em uma conversa com outra pessoa, pode convencê-la que isto é verdade.

Nos dois casos, a matéria prima para os pensamentos veio do exterior e o resultado foi uma simples repetição de um conceito, independentemente da sua assertividade.

Poderíamos dizer que devemos basear nossos pensamentos na ciência, mas a própria ciência muda seus conceitos com o passar do tempo. A Astronomia passou de Geocêntrica para Heliocêntrica. A Mecânica desenvolvida por Isaac Newton, que funciona perfeitamente conforme nossos sentidos, virou um caso particular na Mecânica Relativística de Albert Einstein.

Isaac Newton e Albert Einstein [Fonte: BBC]

E a medida que nos distanciamos das chamadas ciências exatas, mais problemas temos para definir o que é o certo e o errado. Assim assistimos a discussões intermináveis sobre ideologias políticas, papéis do Estado ou direitos e deveres dos indivíduos na sociedade. Ao aceitarmos os conceitos e as imagens que julgamos corretos, nós nos apropriamos deles e acreditamos que verdadeiramente fazem parte dos nossos pensamentos. Mas por que aceitamos algumas ideias e refutamos outras?

Darei as primeiras pinceladas neste tema complexo, usando as definições de duas palavras alemãs – Zeitgeist e Weltanschauung.

Zeitgeist pode ser definido como o espírito definidor de um determinado período da história, demonstrado pelas crenças e ideias desta época. Ou seja, sofremos forte influência do Zeitgeist, o espírito do nosso tempo. O estilo da Arte em cada época nos mostra claramente isso. Movimentos libertários pipocaram simultaneamente em vários lugares do mundo muito antes da evolução dos meios de comunicação. Como explicar isto?

Weltanschauung é uma filosofia ou visão de vida particular, a visão de mundo de um indivíduo ou grupo. Assim os pensamentos são condicionados por esta visão de mundo que, por sua vez, é baseada nos valores de cada pessoa ou grupo.

Deste modo, a primeira hipótese para a origem dos nossos pensamentos vem da submissão total ao Zeitgeist da época e ao Weltanschauung do grupo.

O filósofo espanhol José Ortega y Gasset é o autor da famosa frase:

– “O homem é o homem e a sua circunstância”.

Filósofo espanhol José Ortega y Gasset

Para Ortega y Gasset, não é possível considerar o ser humano como sujeito ativo sem levar em conta simultaneamente tudo o que o circunda, incluindo o contexto histórico em que se insere.

Como superar esta circunstância, ou Zeitgeist e Weltanschauung, para ser realmente livre no pensar?

Voltarei ao tema…

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O Amor Constrói, a Paixão e o Ódio Arrasam Quarteirões

No grande conto de Guimarães Rosa, “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, Nhô Augusto, cego pelo ódio, vai até a chácara de seu inimigo Major Consilva em busca de vingança. Seus ex-capangas, agora comandados por Consilva, aplicam um brutal espancamento em Augusto. Guimarães Rosa descreve de forma brilhante como Augusto se dá conta de sua desventura.

“E Nhô Augusto fechou os olhos, de gastura, porque ele sabia que capiau de testa peluda, com cabelo quase nos olhos, é uma raça de homem capaz de guardar o passado em casa, em lugar fresco perto do pote, e ir buscar na rua outras raivas pequenas, tudo para ajuntar à massa-mãe do ódio grande, até chegar o dia de tirar vingança.”
Guimarães Rosa com sua esposa Aracy de Carvalho e seus gatos

Já ouvi muitas vezes que o contrário do amor é o ódio. Em minha opinião, o contrário do ódio é a paixão. E o contrário do amor seria o desamor ou a indiferença.

A paixão é um sentimento extremo de simpatia. Quando estamos apaixonados, não enxergamos os defeitos do objeto da nossa paixão. Por outro lado, o ódio é um sentimento extremo da antipatia. Qualquer coisa que vier do objeto do nosso ódio servirá para alimentá-lo, independentemente da sua natureza. Esta antipatia é tão grande no ódio que a rejeição é feita a priori, sem qualquer tipo de análise, como disse Oswald de Andrade sobre um romance de José Lins do Rego:

– Não li e não gostei!

Oswald de Andrade, quadro pintado por Tarsila do Amaral

Ninguém deveria tomar decisões importantes, quando está ardendo em um dos dois extremos.

Por exemplo, ninguém deveria casar, quando está apaixonado. Para uma união funcionar, deve haver amor! Os bons momentos do relacionamento devem ser gostosos como um banho morno depois de um dia difícil. A paixão é uma fogueira que tudo consome. Após extinguir as chamas, muitas vezes, as diferenças são irreconciliáveis e a paixão transmuta-se em ódio, acendendo uma nova fogueira.

A regra vale também para o ódio. Sempre que tomamos uma decisão importante motivados pelo ódio, as perdas podem ser muito importantes, talvez irreversíveis. Quando se age como os ex-capangas de Matraga e guarda-se os pequenos ódios “para ajuntar à massa-mãe do ódio grande”, a consequência, provavelmente será desproporcional.

Nosso país, atualmente, vive uma ruptura causada por parcelas expressivas da população apaixonadas por um lado que odeiam o outro lado. A racionalidade foi deixada de lado e os ódios são realimentados. O viés da confirmação é o modelo mental mais empregado, onde o que não confirma o credo é abandonado ou, pior, hostilizado. Quaisquer postagens absurdas de WhatsApp ou Facebook são compartilhadas se estiverem alinhadas com o próprio pensamento.

Viver na paixão ou no ódio não é saudável. Devemos buscar o equilíbrio, a virtude aristotélica, longe dos extremos. Eu sei que, muitas vezes, não é uma missão fácil, mas é a única forma de se sentir pleno com paz de espírito.

Aristóteles

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Até logo Orindiúva! E que venha 2020!

Na ultima sexta-feira, foi meu último dia numa empresa que deixará muitas recordações. Na véspera da minha saída enviei a mensagem abaixo.

Amanhã é meu último dia na Corbion em Orindiúva.

Diferentemente de outras vezes que mudei de trabalho, sinto que meu ciclo ainda não está concluído. Havia muito a ser feito como, por exemplo, ver o Projeto Genesis concluído. Por outro lado, sabemos que, muitas vezes, as oportunidades passam na nossa frente e devemos encarar algum dilema.

Foram vinte meses de convívio diário intenso. Entre tapas e beijos, sobrevivemos e crescemos juntos. Posso dizer que a experiência que tive durante o ano de 2019 foi uma das mais importantes da minha vida. Nunca havia participado de um projeto tão desafiador quando o Genesis e seu spin-off, Noah’s Ark.

Noah’s Ark foi um sucesso, graças a um grande trabalho em equipe e tenho certeza de que o Genesis seguirá a mesma trilha.

Neste período, vivi em Orindiúva; comi pizza na Lana, salada com mandioca frita no Pesqueiro e pastel de gairoba e palmito na Praça Santa Teresinha; tomei alguns banhos frios no Exclusiva; corri pelas ruas da cidade (às vezes acuado pelos cães de rua). Poderia até parafrasear Mário Quintana no poema Mapa.

 

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…
(É nem que fosse meu corpo!)
Sinto uma dor esquisita
Das ruas de Orindiúva
Onde jamais passarei…
Há tanta esquina esquisita
Tanta nuança de paredes
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei

 

Isto tudo que eu falei até agora será carregado nos meus pensamentos… Mas o que eu levarei no meu coração será a lembrança de cada um de vocês: seus sorrisos, olhares, palavras sinceras…

Torcerei por vocês! Tenho certeza de que esta equipe é capaz de virar o jogo e transformar este negócio num caso de sucesso. Não desistam nunca; cultivem o diálogo franco e aberto; tenham disciplina; decidam, preferencialmente, com base nos melhores dados disponíveis.

Para finalizar, não quero perder o contato com vocês, deixo abaixo meus contatos pessoais.

Grande abraço, até logo!

Amigo secreto_Corbion_2019

Foto da festa de amigo secreto na sexta-feira passada (meu último dia de trabalho).

O ano de 2020 me espera em uma outra cidade longe de casa com novos desafios…

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Polaridade e Ritmo – Precisamos disto!

Estou afastado há mais de seis meses do Sítio das Fontes em Jaguariúna, no interior do estado de São Paulo. Parece até mais tempo… Afinal, pelo menos, um final de semana por mês, durante aproximadamente um ano e meio, eu passava por lá para estudar Antroposofia ou Agricultura Biodinâmica.

Se me perguntarem os pontos mais importantes que eu vi neste período, eu respondo polaridade e ritmo, porque, como diria meu mestre Peter Biekarck, não há vida sem polaridade e ritmo. Na respiração, inspiramos e expiramos. Nos batimentos cardíacos, temos a sístole e a diástole. Alternamos o sono com a vigília. Temos o dia e a noite; o verão e o inverno; a vida e a morte…

Peter-Biekarck

Peter Biekarck

Não existe o polo bom e o polo mau. Existe o equilíbrio e o desequilíbrio. O equilíbrio é saudável e o desequilíbrio é doentio. As doenças são o resultado de excessos de um dos polos, de desequilíbrios.

O organismo social também segue esta mesma dinâmica. Temos a direita e a esquerda; o liberalismo e o socialismo. Se os indivíduos buscarem maximizar as suas vantagens em detrimento do social, durante todo o tempo, haverá um desequilíbrio e o organismo social ficará doente. Cada vez mais o abismo entre os mais ricos e mais pobres crescerá. Quem nasce rico tem acesso à educação de primeira linha, enquanto quem nasce pobre tem normalmente acesso apenas a escolas de nível inferior. O mesmo vale para outras áreas como saúde e seguridade social. Assim, no extremo do liberalismo, os ricos ficarão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Por outro lado, se a pessoa não pensa minimamente em como suprir suas necessidades, acaba por tornar-se mais um peso para a comunidade na qual está inserida. Torna-se um escravo econômico (leia As Três Formas Modernas de Escravidão). Cada um deveria ter as rédeas da sua vida nas mãos. Claro que percalços ocorrem, mas as pessoas não podem ser passageiras em suas próprias vidas ou agirem como se ela e as pessoas que a rodeiam fossem menos importantes do que todos os outros.

Deste modo, recomendo para promover a saúde dos indivíduos e da sociedade que as pessoas mantenham equilíbrio entre as polaridades egoísmo e altruísmo. Se isto for atingido, será possível olhar o individual e o coletivo, evitando-se comportamentos que buscam apenas a maximização dos próprios lucros, posses, poder e prazer. O olhar e a ação no coletivo evitam este desequilíbrio e promovem a saúde do organismo social.

sine-waves

Talvez a construção e administração de uma escola Waldorf, gerida por uma associação, seja um dos exemplos mais interessantes. Afinal não existe a relação cliente-fornecedor, como em uma empresa tradicional. A escola não visa ao lucro, mas deve ser sustentável ao longo do tempo. Todos devem olhar para sua própria capacidade financeira e, simultaneamente, de toda a comunidade. Cada família deve estar preocupada com a educação de todas as crianças e não somente de seus filhos. São diversas dimensões de um olhar para si e para toda a comunidade. Sem dúvida, é uma ótima oportunidade para curar a sociedade na busca do equilíbrio entre o egoísmo e o altruísmo.

 

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“A Culpa foi da Aeromoça!”

Desde que as companhias aéreas brasileiras iniciaram a cobrança para despachar bagagens no check-in dos aeroportos, a quantidade de malas e mochilas levadas para o interior dos aviões aumentou muito. Consequentemente, os bagageiros estão cada vez mais cheios, o que pode acarretar problemas de segurança, atrasos e descontentamento dos passageiros. Relato dois casos que aconteceram comigo nas últimas duas semanas que exemplificam os riscos aos quais estamos expostos a bordo das aeronaves.

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No dia 15/04, embarquei no voo LA3005 da LATAM do Aeroporto de Congonhas para São José do Rio Preto. Retirei um livro da minha mochila, antes de guardá-la no bagageiro sobre minha cabeça. Sentei na poltrona do corredor e comecei a ler o livro. Passado alguns minutos, outros passageiros colocaram suas bagagens de mão no mesmo compartimento. De repente ouvi uma senhora gritando:

– Vai cair!

Fechei o livro e o coloquei sobre minha cabeça. Uma pequena pasta, com alguma coisa pesada dentro, raspou no livro, caiu sobre o braço da poltrona e acabou no meio do corredor. Minha cabeça foi salva pelo esplêndido livro de Eric Hobsbawm, Era dos Extremos…

Era-dos-Extremos_Eric Hobsbawm

O comissário de bordo recolocou a pasta no bagageiro. A porta do compartimento foi fechada e, logo após o pouso, um comissário de bordo disse as tradicionais mensagens através do sistema de som da aeronave:

– Por medida de segurança, permaneçam sentados até que o aviso de “atar cintos” seja desligado.

– Tenham cuidado ao abrir o compartimento de bagagens para a retirada dos seus pertences de mão. Eles podem ter se deslocado durante o pouso e a decolagem.

Como acontece invariavelmente, a maioria das pessoas não dá a mínima para estas orientações. O sinal de apertar cintos de segurança ainda estava acionado e as pessoas já estavam se levantando para apanhar seus objetos. A mesma pasta despencou do bagageiro e bateu na minha coxa esquerda. Ao invés de um pedido de desculpas, ouvi do passageiro que abriu o compartimento a seguinte frase:

– O cara da TAM arrumou mal a bagagem…

E eu só respondi:

– Por que a pressa?

Uma semana depois, eu estava em um voo da mesma companhia aérea, no mesmo horário, para o mesmo destino.

Após o estacionamento do avião, levantei, coloquei minha mochila sobre a poltrona e estava guardando meu livro, quando uma garrafinha de alumínio caiu do bagageiro e atingiu minha cabeça. Uma jovem tinha puxado a mochila dela e empurrou a garrafa. Ela olhou para mim e disse:

– Foi a aeromoça que colocou minha mochila em cima e soltou a garrafa.

Em nenhum dos dois casos consegui dizer “tudo bem”, porque seria muito falso dizer isso. Não estava “tudo bem”, pelo contrário… O que realmente me irritou foi a terceirização da culpa. Nenhum dos dois passageiros teve o cuidado, na situação adversa que se encontram os compartimentos de bagagens dos aviões, de procurar minimizar o risco de queda de objetos na cabeça de outros passageiros.

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Trajetória típica de um objeto caindo do compartimento de bagagens na cabine de passageiros de um avião.

Por outro lado, tenho presenciado o stress a que são submetidos os comissários de bordo das aeronaves para tentar acomodar as bagagens e os passageiros o mais rápido possível para reduzir atrasos nas decolagens. Na verdade, todos somos responsáveis pela segurança própria e das outras pessoas que nos rodeiam. Devemos cuidar uns dos outros.

Por que a pressa de se levantar, abrir o compartimento de bagagens e resgatar seus objetos pessoais? As pessoas atualmente vivem com uma pressa inconsequente e inexplicável. A tampa do bagageiro deveria ser aberta com cuidado e a bagagem (muitas vezes, pesada) só deveria ser retirada quando a pessoa estiver em frente dela e com as duas mãos livres. Assim, o risco de acidentes com ferimentos potencialmente graves poderia ser minimizado.

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I’m Not Dog No – A Servidão Voluntária

O cantor e humorista cearense Falcão ganhou destaque nacional, quando lançou uma música com o mesmo título deste artigo. A versão em inglês do antigo sucesso de Waldick Soriano não é o tema deste artigo, e sim o comportamento canino e sua semelhança com o de inúmeros grupos de humanos.

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Cantor cearense Falcão

Tenho passado, rotineiramente, os dias da semana em uma pequena cidade do interior de São Paulo, Orindiúva. Como adquiri nos últimos meses o hábito da corrida, pelo menos duas vezes por semana, saio do hotel para treinar antes das 6 horas da manhã. No percurso de quase sete quilômetros, percorro ruas e contorno praças da cidade. Nos últimos dois ou três meses, comecei a notar que o número de cães nas ruas da cidade está crescendo, servindo de base para minha observação sobre a etologia (comportamento) canina. A seguir listo minhas sete principais conclusões.

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Foto de satélite da cidade de Orindiúva

1. Cães gostam de estar junto às pessoas

Os trabalhadores das usinas da região costumam esperar nas praças da cidade os ônibus que os conduzem ao trabalho. Frequentemente os cachorros ficam junto com os trabalhadores que interagem e alimentam os animais.

2. Cães seguem uma rotina

Logo após as partidas dos ônibus com os trabalhadores, as praças esvaziam e as matilhas se deslocam para outro local, onde há outras pequenas aglomerações de pessoas. Esta rotina se repete até perto das 7 horas da manhã, quando vários cachorros ficam próximos de uma escola municipal.

3. Cães solitários normalmente são tímidos

Cães solitários não costumam latir para pessoas. Ao cruzar no caminho, pode-se notar uma certa tensão no olhar do animal.

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Cão solitário

4. Cães agem de forma parecida quando estão em grupo

Quando estão em grupo, os cachorros começam a homogeneizar suas ações e reações. Parecem um único indivíduo dividido em várias partes. Todos demonstram alegria, medo ou agressividade ao mesmo tempo.

5. Cães menores são os maiores influenciadores do comportamento da matilha

Invariavelmente são os cachorros menores que influenciam os maiores. Talvez por serem mais inquietos e ativos, os cães menores começam as brincadeiras, latem e atacam algum pedestre.

6. Cães gostam de atacar alvos em movimento

Cães adoram atacar ciclistas, motociclistas e “pessoas que correm pelas ruas às 6 horas da manhã”. Este é meu maior problema, quando corro ao redor de uma praça orindiuvense e uma matilha resolve me acuar.

7. A força do cão está na matilha e a fraqueza está no indivíduo

A prova que a matilha é forte e o cão solitário é fraco aconteceu em um dia que uma pequena matilha ficou me perseguindo e latindo ao meu redor. Após uns 50 metros, todos os cães desistiram de me seguir com exceção de um animal. Neste momento, eu comecei a correr atrás dele por uns 10 metros, antes de retomar minha rota. O cãozinho ficou apavorado e se escondeu atrás de uma estátua de onde ficou me espiando. Ou seja, ele era valente no grupo e ficou covarde sozinho.

Cachorro matilha

Matilha

Felizmente, até agora a cachorrada das ruas de Orindiúva não me mordeu. Só ficam latindo ao meu redor, quando passo perto de uma matilha. Como escreveu sabiamente o cantor Falcão, “dog’s au-au it’s not nhac-nhac” (ou em bom português, cão que late não morde).

Cachorros 2

Meus dois “melhores amigos” em Orindiúva

O ser humano tem a faculdade de pensar criticamente e agir de acordo com seus princípios, mas muitos abdicam da liberdade de discordarem de seu grupo e deixam-se levar pelo pensamento único. Agem como se só haveria força se seguissem sua “matilha”.

Não pensar criticamente é o caminho para servidão voluntária.

Escrevi três artigos sobre obediência baseado nos trabalhos de dois psicólogos americanos, Stanley Milgram e Philip Zimbardo. No trabalho de Milgram, as pessoas davam choques em outras simplesmente, porque alguém (a autoridade) assumia toda a responsabilidade. No experimento de Zimbardo, quem fazia o papel de guarda em uma penitenciária fictícia passou a humilhar quem fazia o papel de preso. E a maioria destes “presos” aceitou os desmandos e humilhações como se não houvesse alternativa.

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Stanley Milgram e Philip Zimbardo

Recentemente li o “Discurso sobre a Servidão Voluntária”, escrito pelo filósofo francês Étienne de La Boétie no século XVI. Fica claro que seguir ordens e não reagir contra elas, mesmo quando veementemente não se concorda com elas, é muito mais confortável. As pessoas podiam se rebelar e simplesmente desobedecer ao tirano, mas seguem atendendo suas ordens. Os submissos são responsáveis pela sustentação da tirania.

Étienne de La Boétie

Étienne de La Boétie

Hannah Arendt, filósofa alemã de origem judaica, acompanhou o julgamento do nazista Adolf Eichmann em Israel. Ela esperava encontrar um monstro, mas viu um homem absolutamente normal, um burocrata responsável pela logística de transporte de judeus até os campos de extermínio. Segundo Eichmann, ele simplesmente estava cumprindo a sua obrigação. Baseada nessa observação, Arendt cunhou o termo “Banalidade do Mal”.

Hannah Arendt

Hannah Arendt

Voltando a Philip Zimbardo, ele listou sete processos sociais que facilitam o escorregão para o mal no seu livro “O Efeito Lúcifer”:

– displicentemente dar o primeiro passo;
– desumanização dos outros;
– anonimato;
– responsabilidade individual difusa;
– obediência cega à autoridade;
– conformismo não crítico às regras do grupo;
– tolerância passiva ao mal pela inação ou indiferença.

O filósofo austríaco Karl Popper foi um grande defensor da tolerância, entretanto explicitou seus limites no livro “Sociedade Aberta e seus Inimigos” de 1945.

“Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes.”

Karl Popper

Karl Popper

Esta tolerância ilimitada poderia ser substituída por passividade – processo que transforma pessoas livres em zumbis ou simples cães de rua que só conseguem agir de acordo com a vontade da matilha que espera a iniciativa de seus mais insignificantes membros para sair da inércia.

P.S.: Aproveito para fazer um apelo ao prefeito da cidade de Orindiúva. A cidade apresenta ótima conservação de ruas, praças e prédios públicos, além de oferecer à população bons serviços nas áreas de educação e saúde. Está na hora de implantar um programa de castração dos cães de rua e oferecer este serviço para que os moradores possam esterilizar seus animais domésticos com baixo custo. Assim evitar-se-á a multiplicação de animais nas ruas e aumento de casos de zoonoses.

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Eu e o Persistente 2017 que Insiste em Não Acabar

Faz cinco meses que eu não publico nada no blog. Esta deve ser a mais longa inatividade desde a sua criação há nove anos. O pior é que não faltaram assuntos…

Quando escrevi o post “2017 – O Ano que Ainda Não Terminou em Alguns Sons e Imagens”, havia tomado a decisão de voltar para a vida de consultor independente. Reativei minha rede de contatos para ver potenciais parcerias. Em abril, fechei um contrato de um ano com alta carga horária mensal para reestruturar as áreas de engenharia e tecnologia de uma empresa. Iniciei as atividades em maio. O trabalho é muito interessante, tenho aprendido muito sobre processos biotecnológicos. Só tem um detalhe, a empresa está localizada a mais de 500 km da minha residência. Deste modo, praticamente todas as semanas, nas segundas-feiras, eu pego o primeiro voo para o aeroporto mais próximo da cidade onde fica a empresa e retorno no último voo na noite de sexta-feira.

Também decidi que eu não deixaria passar oportunidades de negócio. Fechei um contrato spot como uma empresa de alimentos na Europa para solucionar um problema de qualidade de uma de suas linhas de produtos. Assim passei uma semana, acompanhando testes na planta deles no início de agosto. Tive sucesso e agora estou em negociação para um contrato maior. E recentemente, fechei um contrato com meu antigo empregador para uma consultoria técnica na área ambiental, mais especificamente na nova estação de tratamento do esgoto sanitário e na modernização da estação de tratamento de efluentes industriais de uma planta no Rio Grande do Sul.

Ou seja, meus dias têm sido intensos. Os trabalhos são interessantíssimos, temas variados em regiões geográficas bem diferentes.

Há cinco anos, escrevi o artigo “Empresário ou Empregado – Contatos Quentes e Frios”. Nele descrevi as limitações da vida de consultor. A principal é a contratação quase exclusiva por alguém que te conhece ou recebeu indicação de quem te conhece (os chamados contatos quentes). Além disso, quase sempre você é contratado para fazer aquilo que comprovadamente sabe fazer. A chance de fazer coisas novas é normalmente muito pequena.

Neste ano, só investi nos contatos quentes e poupei energia com os frios. Todos meus contratos são provenientes de contatos quentes. E confesso que desta vez fiz coisas inéditas, aprendi novas tecnologias, negociei contratos no exterior, emiti invoices em inglês, fechei contratos de câmbio…

E consultas para novos projetos continuam chegando…

Para completar, continuo estudando Antroposofia em um curso de formação da pedagogia Waldorf. Esta atividade ocupou um final de semana por mês, além de uma semana inteira em julho. Tenho inclusive tentado pintar algumas aquarelas como a apresentada abaixo.

aquarela

Minha família continua me apoiando nesta correria quase insana. Sem o amor e compreensão da Claudia e das gurias, eu não aguentaria este ritmo.

Por falar em correria, continuo correndo e, segundo o App Runkeeper, já percorri mais de 700 km, desde que iniciei as corridas no final de julho do ano passado. Participei de mais uma corrida de rua, dessa vez foram 10 km em São José do Rio Preto.

Corrida_SJRP

Vamos ver se 2017/ 2018 será encerrado na Corrida de São Silvestre que eu e meu filho Leonardo vamos participar em 31 de dezembro deste ano pelas ruas de São Paulo. Já estamos inscritos!

 

Se existe alguém com saudades de meus artigos sobre política, não perca, na próxima semana, o artigo “A Sérvia e a Eleição Presidencial Brasileira”.

 

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