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Os Nossos Pensamentos São Realmente Nossos?

Este post é o pontapé inicial para uma reflexão mais profunda sobre a origem de nossas ideias. Sabemos que não temos liberdade para fazermos o que surgir em nossas cabeças, mas teríamos a liberdade plena no pensar? Qual é a origem dos nossos pensamentos – nossos cérebros, influências externas ou algo divino?

A maioria responderá que é dono e responsável pelo nascedouro de suas ideias. Começo com um exemplo simples. Todos os dias o Sol nasce no leste e se põe no oeste. A Lua segue a mesma lógica e, todas as noites, cruza os céus, percorrendo seu caminho através das constelações que compõem o Zodíaco. Através desta simples observação, deduziríamos que a Terra está no centro do universo e o Sol, a Lua, demais planetas e estrelas giram ao nosso redor. Por que pensamos que, na verdade, é a Terra que gira ao redor do Sol, apesar de nossos sentidos nos mostrarem o contrário?

Adotamos a concepção Heliocêntrica, não intuitiva, ao invés da Geocêntrica, contraditória em relação à nossa percepção, porque fomos convencidos (ou educados) que este modelo é o correto.

Agora vamos pensar em todos os fenômenos naturais que nos cercam. Alguém, por exemplo, pode chegar à conclusão que as aves voam, porque têm penas. Em uma conversa com outra pessoa, pode convencê-la que isto é verdade.

Nos dois casos, a matéria prima para os pensamentos veio do exterior e o resultado foi uma simples repetição de um conceito, independentemente da sua assertividade.

Poderíamos dizer que devemos basear nossos pensamentos na ciência, mas a própria ciência muda seus conceitos com o passar do tempo. A Astronomia passou de Geocêntrica para Heliocêntrica. A Mecânica desenvolvida por Isaac Newton, que funciona perfeitamente conforme nossos sentidos, virou um caso particular na Mecânica Relativística de Albert Einstein.

Isaac Newton e Albert Einstein [Fonte: BBC]

E a medida que nos distanciamos das chamadas ciências exatas, mais problemas temos para definir o que é o certo e o errado. Assim assistimos a discussões intermináveis sobre ideologias políticas, papéis do Estado ou direitos e deveres dos indivíduos na sociedade. Ao aceitarmos os conceitos e as imagens que julgamos corretos, nós nos apropriamos deles e acreditamos que verdadeiramente fazem parte dos nossos pensamentos. Mas por que aceitamos algumas ideias e refutamos outras?

Darei as primeiras pinceladas neste tema complexo, usando as definições de duas palavras alemãs – Zeitgeist e Weltanschauung.

Zeitgeist pode ser definido como o espírito definidor de um determinado período da história, demonstrado pelas crenças e ideias desta época. Ou seja, sofremos forte influência do Zeitgeist, o espírito do nosso tempo. O estilo da Arte em cada época nos mostra claramente isso. Movimentos libertários pipocaram simultaneamente em vários lugares do mundo muito antes da evolução dos meios de comunicação. Como explicar isto?

Weltanschauung é uma filosofia ou visão de vida particular, a visão de mundo de um indivíduo ou grupo. Assim os pensamentos são condicionados por esta visão de mundo que, por sua vez, é baseada nos valores de cada pessoa ou grupo.

Deste modo, a primeira hipótese para a origem dos nossos pensamentos vem da submissão total ao Zeitgeist da época e ao Weltanschauung do grupo.

O filósofo espanhol José Ortega y Gasset é o autor da famosa frase:

– “O homem é o homem e a sua circunstância”.

Filósofo espanhol José Ortega y Gasset

Para Ortega y Gasset, não é possível considerar o ser humano como sujeito ativo sem levar em conta simultaneamente tudo o que o circunda, incluindo o contexto histórico em que se insere.

Como superar esta circunstância, ou Zeitgeist e Weltanschauung, para ser realmente livre no pensar?

Voltarei ao tema…

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A Sérvia e a Eleição Presidencial Brasileira

A primeira ideia, que vem à mente ao ler o título deste artigo, é a existência de uma conspiração do governo sérvio para interferir no resultado das eleições presidenciais brasileiras. Seria algo similar ao feito pelos russos no pleito que elegeu Donald Trump presidente dos Estados Unidos? De acordo com meu conhecimento, não existe atuação da Sérvia nas nossas eleições. Você deve estar pensando sobre o motivo deste título exótico.

No início de agosto, passei uma semana na Sérvia. Na medida que a intimidade e confiança mútuas começam a crescer, assuntos sensíveis como a Guerra dos Balcãs podem ser conversados. Fiquei surpreso quando descobri que a maioria das pessoas que eu conversava tinham suas origens em diferentes países da antiga Iugoslávia. Alguns tinham família na Croácia, outros na Bósnia ou Montenegro. A pergunta é óbvia, se não existem etnias puras sérvias, croatas ou montenegrinas, por que a rivalidade entre as regiões da antiga Iugoslávia cresceu aponto de acontecer uma guerra tão sangrenta?

Por um lado, líderes inescrupulosos almejaram consolidar seus poderes. Por outro lado, sempre existem interesses econômicos por trás de guerras. Um dos meus interlocutores na Sérvia contou-me que, como estava próximo à fronteira com a Croácia, assistia aos noticiários dos dois lados. Nos telejornais croatas, os sérvios eram bandidos assassinos; nos telejornais sérvios, os croatas eram os carniceiros. Assim o ódio foi crescendo nos dois lados, as atrocidades foram se acumulando, bem como o desejo de vingança de um lado em relação ao outro.

Former_Yugoslavia_2006

Antiga Iugoslávia e as atuais repúblicas

Guardadas as devidas proporções, observamos algo parecido no Brasil. O ódio em relação aos políticos tradicionais e, principalmente, ao Partido dos Trabalhadores (Lula em especial) parece ter cegado e ensurdecido boa parcela da população brasileira. Não importam os argumentos racionais ou quaisquer bons e puros sentimentos, só o ódio e a vingança valem.

Como pode alguém que mais de uma vez insultou mulheres em público receber votos de mulheres? Como pode alguém que já minimizou perdas de vidas inocentes, prega o endurecimento da violência policial e fez elogios à tortura e torturadores receber votos de pessoas que vivem em zonas de risco? Como pode o companheiro de chapa de um candidato à presidência falar contra o décimo terceiro salário, entre outros direitos trabalhistas, receber votos de trabalhadores assalariados pobres?

O mesmo acontece em relação ao outro lado. Como pode alguém votar no candidato de um partido que se afundou na corrupção, que tanto criticava, para angariar fundos para se manter no poder? Como pode alguém votar no candidato de um partido que, apesar de todas as evidências, foi incapaz de fazer um mea-culpa e prometer que daqui para frente os procedimentos serão diferentes?

Diferente das últimas eleições presidenciais, não estamos escolhendo entre um projeto mais liberal e outro mais intervencionista, ou entre um projeto mais orientado ao econômico e outro mais voltado ao social. A questão nem está relacionada ao populismo.

Na verdade, temos um candidato que já criticou abertamente minorias (índios, quilombolas e gays) e cuidados na área ambiental, ameaçando os direitos humanos e a proteção ao meio ambiente. Alguém que já disse que vai acabar com o ativismo. Alguém que simpatiza com regimes de exceção, cercado por militares da reserva que também simpatizam. Alguém que já disse que vai propor o aumento do número de ministros do STF de 11 para 21, provavelmente para controlar as decisões desta corte. Alguém que está procurando um ministro da educação que tenha autoridade, expulse a filosofia de Paulo Freire das escolas e mude os currículos escolares. Alguém que defende a fusão do ministério da agricultura com o do meio ambiente. Este é Jair Bolsonaro que, se eleito, deverá ter o apoio do Congresso mais conservador dos últimos 30 anos. Ou seja, ele poderá aprovar suas propostas no Câmara dos Deputados e Senado.

No ano passado, escrevi um artigo, onde comentava o desequilíbrio pelo qual nosso mundo está passando. Abaixo transcrevo um trecho.

O economista britânico Guy Standing, no seu livro “O Precariado – A Nova Classe Perigosa” (The Precariat: The New Dangerous Class), descreve a formação e crescimento de uma nova classe, o “precariado”, com o avanço da globalização neoliberal. Segundo Standing:

“O precariado é definido pela visão de curto prazo e, induzida pela baixa probabilidade de progresso pessoal ou de construção de uma carreira, pode verificar-se uma evolução massificada no sentido da incapacidade de pensar a longo prazo.”

“Aqueles no precariado têm vidas dominadas por inseguranças, incertezas, dúvidas e humilhações.”

“As pessoas inseguras deixam as outras furiosas e as pessoas com raiva são voláteis, propensas a apoiar uma política de ódio e amargura.”

Precariat_Guy Standing

Esta explicação sobre o precariado justifica uma porção expressiva dos votos em Bolsonaro no primeiro turno.

Existe uma palavra em alemão, Weltanschauung, que pode ser livremente traduzida como visão de mundo. Segundo o Wikipédia,

Weltanschauung é um conjunto ordenado de valores, crenças, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, a respeito da época ou do mundo em que se vive. Em outros termos, é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo, de uma coletividade ou de toda uma sociedade, num dado espaço-tempo e cultura, a respeito de tudo o que existe – sua gênese, sua natureza, suas propriedades. Uma visão de mundo pode incluir a filosofia natural, postulados fundamentais, existenciais e normativos, ou temas, valores, emoções e ética.

Os decepcionados, os enraivecidos e os desesperançados escolheram, sem refletir, Jair Bolsonaro como sua opção para presidente, segundo sua Weltanschauung.

Não votei no primeiro turno em Fernando Haddad, principalmente, devido ao envolvimento de seu partido, PT, em corrupção. Neste segundo turno, não vejo outra opção. Bolsonaro representa um retrocesso social e político perigoso. Só nos resta, nestas duas semanas antes das eleições, conversar com amigos, parentes e demais pessoas do nosso convívio. Devemos refletir sobre o que significa a vitória de projeto ultraconservador como o Bolsonaro. Este processo deve ser realizado na paz, sem ódio, porque o ódio só alimentará mais a certeza que Bolsonaro é a melhor alternativa neste momento do nosso país. Lembremos dos sérvios, croatas e bósnios…

Bolsonaro_Haddad

Bolsonaro e Haddad no domingo da votação. [Fonte: El País]

 

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