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Post 300 – A Resistência contra o Colapso da Blogosfera

E não é que este blog chegou ao tricentésimo post?! Em tempos em que muita gente torce o nariz até para vídeos com mais de cinco minutos no YouTube, como estimular a leitura de textos com mil palavras?

Com a ascensão da inteligência artificial, respostas instantâneas dispensam visitas a sites ou blogs. Ainda assim, continuo resistindo. Escrever, para mim, é um exercício vital — de reflexão, expressão e partilha.

Por isso, neste marco simbólico, não pude deixar de lembrar dos trezentos de Esparta, que resistiram ao poderoso exército persa no desfiladeiro de Termópilas. No início do ano, li o romance histórico Portões de Fogo, de Steven Pressfield, e confesso: identifiquei-me com Dienekes, o guerreiro que acreditava que o verdadeiro campo de batalha era interior. Quem sabe, em breve, escrevo sobre isso. Por ora, sigo firme — com minha lança, meu escudo e meu notebook.

Nestes últimos cem posts, diversidade não faltou…

O post nº 202 tratou do reuso de água durante a crise hídrica de São Paulo (2014–2015). Também publiquei uma apresentação didática para crianças sobre poluição hídrica, com roteiro e explicações de slides.

O tema da sustentabilidade apareceu em vários momentos. Comecei com uma mesa-redonda durante uma feira ambiental na Alemanha — Por um Mundo mais Sadio e Justo: o Lixo e a Consciência. Ali conheci o conceito de economia circular. Anos depois, fiz um curso do MIT sobre este tema e publiquei seis artigos baseados nas reflexões do curso. A pergunta segue: ainda temos tempo para discutir o aquecimento global?

As proteínas vegetais entraram na pauta com uma carta aberta à Revista dos Vegetarianos e em uma conversa que tive com Pat Brown, fundador da Impossible Foods. Também compartilhei como preparar proteína texturizada de soja e um saborosíssimo estrogonofe vegano.

Criei uma série com quatro textos que conectam físico-química e comportamento humano. Expliquei, de forma descomplicada, conceitos como a Primeira Lei da Termodinâmica, reações químicas, energia de ativação, equilíbrio químico e soluções tampão. Afinal, tem gente endotérmica e exotérmica!

Lá em 2016, escrevi sobre os algoritmos das redes sociais e a formação de bolhas digitais. Em 2017, manifestei preocupação com a ascensão do nacionalismo e as ameaças à democracia. Em 2020, após ler Engenheiros do Caos, de Giuliano Da Empoli, algumas peças se encaixaram. A busca pelos “Arquitetos da Ordem” continua.

A polarização daquele período levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e, pouco depois, à ascensão do Bolsonarismo. Vários posts trataram do governo Bolsonaro, inclusive sobre o início da pandemia — O Triste Clown e seu All-In.

Comemorei meu cinquentenário com uma série de reflexões sobre a vida. Agora, rumo aos sessenta, sigo na luta…

Em 2017, fraturei a perna jogando futebol com minhas filhas no quintal. No ano seguinte, contei o que aconteceu depois. E em 2024, contei o surgimento do “Vicente maratonista“, uma consequência surpreendente do acidente de 2017.

Em um momento mais leve, nasceu a “Trilogia das Sílfides”: histórias fantasiosas sobre jabuticabas, beija-flores e o mormacento verão de Porto Alegre.

Li As Seis Lições, de Ludwig Von Mises, e escrevi três artigos sobre convergências e divergências. O mundo mudou desde os anos 1950, mas muitos ainda defendem um liberalismo sem freios. Também sugiro ler Autofagia Liberal e Umbigocentrismo e refletir sobre as Três Formas Modernas de Escravidão.

Parece que muita gente cristalizou posições. Esquecem que polaridade e ritmo são essenciais para uma vida saudável.

2021 ainda era pandêmico… Escrevi sobre a convivência familiar em tempos de quarentena. Em agosto, perdi minha mãe, Dona Ladi, e fiz uma homenagem com Descartes, Shakespeare e Hilel, o Ancião como testemunhas.

Li A Revolta de Atlas, de Ayn Rand. Depois de devorar suas 1.200 páginas, escrevi sobre a autora, Francisco D’Anconia, Ragnar Danneskjöld e Ellis Wyatt. Mas esse capítulo ainda não terminou, porque — afinal — quem é John Galt?

O Papa Francisco, que infelizmente nos deixou, foi citado em um post sobre polarização política. Parece que todos precisam ser rotulados em alguma caixinha.

O Islamismo foi tema de outros textos. Como escrevi certa vez: Para obter a paz não basta uma vitória militar sobre o Estado Islâmico — ou sobre o Hamas.

Este blog passou por temas como eutanásia, maioridade penal, empatia, cancelamento digital, David Bowie, Marie Curie, o filme Fragmentado e o último Matrix.

Fiz uma fusão entre Coringa, Osho e Krishnamurti para falar dos riscos de seguir líderes cegamente. Este tema volta no que considero meu melhor artigo dos últimos cem: I’m Not Dog No – A Servidão Voluntária.

Quando deixei o conforto da CLT, escrevi As Gaiolas e o Corvo. Porque, sim, tanto a falta, quanto o excesso de propósito podem nos devastar.

Não sou Martha Medeiros, nem Fabrício Carpinejar, mas escrevo sobre relacionamentos porque a vida me provoca. Por isso, surgiram textos como O Amor Constrói, a Paixão e o Ódio Arrasam Quarteirões; Dores, Crescimento Pessoal e Cicatrizes; Relacionamentos São como Pudins; e, parafraseando Fernando Pessoa: Correr é Preciso, Viver Não é Preciso.

Chegarei ao post 400? Só o tempo dirá…

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Os Orgânicos e a Circularidade

A produção de vegetais (verduras, frutas, raízes e legumes) orgânicos possui algumas regras que facilitam a adoção da circularidade. A seguir estão listadas algumas diretrizes para a produção de produtos orgânicos:

  • Oferta de produtos saudáveis isentos de contaminantes.
  • Uso de boas práticas de manuseio e processamento com o propósito de manter a integridade orgânica e as qualidades vitais do produto.
  • Preservação da diversidade biológica dos ecossistemas naturais e a recomposição ou incremento da diversidade biológica dos ecossistemas modificados.
  • Emprego de produtos e processos que mantenham ou incrementem a fertilidade do solo e o equilíbrio da sua atividade biológica.
  • Adoção de práticas nas unidades de produção que contemplem o uso saudável do solo, da água e do ar.
  • Reciclagem de resíduos de origem orgânica, reduzindo ao mínimo possível o emprego de recursos naturais não renováveis.
  • Utilização de práticas de manejo produtivo que preservem as condições de bem-estar dos animais.
  • Estabelecimento de relações de trabalho baseadas no tratamento com justiça, dignidade e equidade, independentemente das formas de contrato de trabalho.
  • Incentivo à integração entre os diferentes participantes da rede de produção orgânica.
  • Regionalização da produção e do comércio dos produtos.

De acordo com estas premissas, não são utilizados fertilizantes químicos no processo. A fertilização é realizada através dos resíduos vegetais da própria fazenda, através de compostagem. Pode-se caracterizar este processo como recuperação. Se a quantidade de fertilizante orgânico obtida não for suficiente, pode-se importar resíduos animais e vegetais de localidades próximas e compostá-las junto com os resíduos próprios. O processamento dos resíduos externos caracteriza-se como reciclagem.

Compostagem aeróbia – Foto: Alexander Silva de Resende (site Embrapa.br)

Em relação às emissões de gases de efeito estufa, se a fazenda conservar ou aumentar a quantidade de matéria orgânica no solo potencialmente pode ser net zero ou net negative. Ou seja, o empreendimento estaria sequestrando carbono da atmosfera ao invés de emitir.

Uma questão interessante seria a substituição dos equipamentos movidos a óleo diesel por elétricos. Se a geração de energia elétrica for local através de painéis fotovoltaicos, seria ambientalmente ainda melhor.

Como não são usados inseticidas, a existência de insetos polinizadores, como as abelhas, é estimulada. E pragas e doenças podem ser evitadas através da associação de diferentes espécies vegetais. Há aumento de biodiversidade.

O recurso desafiador é o consumo de água. A fazenda pode implantar irrigação por gotejamento para reduzir em até 90% o consumo de água, entretanto ainda seria necessário aporte de água externa através de chuva ou abastecimento, por exemplo, através de um rio.

Se o regime de trabalho na fazenda não for sazonal, pode-se estabelecer relações de trabalho duradouras e justas com possibilidade de participação nos resultados econômicos do empreendimento.

Produtores e consumidores podem estar ligados através do modelo de agricultura apoiada pela Comunidade (CSA – Community-Supported Agriculture). Neste modelo socioeconômico alternativo, a comunidade subscreve a colheita de uma determinada propriedade ou grupo de propriedades agrícolas. A principal vantagem é a partilha dos riscos agrícolas.

Um ponto importante é referente às embalagens. Muitos produtos orgânicos são vendidos em embalagens oriundas de fontes não renováveis como bandejas de isopor, filmes e sacos plásticos. Por uma questão de coerência, seria importante reduzir o volume de embalagens e substituir os materiais por fontes renováveis, recicláveis e biodegradáveis. Neste caso, a sustentabilidade e circularidade dos alimentos orgânicos seriam melhoradas. Esta medida poderia ser regulada pelos Estados que determinariam um prazo para banir embalagens de matérias primas não renováveis ou de reciclagem difícil.

Muito plástico e isopor nas embalagens dos vegetais orgânicos nos supermercados

No próximo artigo desta série sobre circularidade, apresentarei o caso da indústria brasileira do açúcar e etanol e suas contribuições e oportunidades.

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Como Melhorar a Circularidade dos Bens de Consumo Rápido

Uma das áreas de ação da economia circular é formada pelos chamados bens de consumo de movimento rápido (FMCG – Fast-Moving Consumer Good). Dentro desta categoria de produtos não duráveis, podemos listar os alimentos frescos ou congelados (frutas, legumes e castanhas), os alimentos processados, as refeições prontas, as bebidas (águas engarrafadas, refrigerantes, cervejas e sucos), os produtos de panificação, os medicamentos vendidos sem receita médica (aspirina, analgésicos e outros), os produtos de limpeza, os cosméticos e os produtos de higiene pessoal.

A maior parte dos alimentos existentes no mercado atualmente sofrem, pelo menos, alguma forma de processamento. Muitas matérias primas são refinadas e as substâncias removidas tornam-se resíduos. Muitos dos materiais descartados ainda possuem valor nutricional. Em outros casos, o alimento integral apresenta características nutricionais melhores do que o alimento refinado.

Minha proposta tem quatro eixos.

1. Estudar o processo produtivo a fim de reduzir a geração de coprodutos e resíduos

O aumento da eficiência do processo traz benefícios econômicos, sociais e ambientais. A quantidade de matéria prima por unidade de produto produzido é reduzida, diminuindo as emissões de poluentes e resíduos enviados para aterros. Como existe um benefício econômico claro, a empresa pode criar um programa para focar na redução das perdas através de ferramentas como, por exemplo, Six Sigma, Lean Manufacturing e Kaizen. Normalmente esta alternativa apresenta várias ações de curto prazo de fácil execução (os chamados low hanging fruits em inglês) que trazem resultados rápidos para a empresa.

2. Encontrar aplicações para os coprodutos gerados no processo

Muitos resíduos tornam-se efluentes líquidos que exigem, muitas vezes, estações de tratamento caras e complexas. Estes custos devem ser considerados no preço de venda do produto. Se este material for aproveitado pela própria empresa ou comercializado para ser matéria prima de outra indústria, o custo final será reduzido, trazendo benefícios econômicos, sociais e ambientais. Esta alternativa exige desenvolvimento de processo ou, até mesmo, redesenho total do processo produtivo. Um exemplo deste tipo de abordagem é o aproveitamento do soro de leite proveniente da produção de queijo que apresenta uma série de aplicações na indústria de alimentos. Antes do desenvolvimento deste produto, o soro do leite causava poluição hídrica devido à sua alta concentração de matéria orgânica e de nitrogênio. Algumas empresas localizadas em zonas rurais usavam o soro como parte da alimentação de suínos.

Laticínios – leite, queijos e soro (abaixo à esquerda)

3. Criar linhas de produto integrais ou minimamente processados

A melhor alternativa seria colocar no mercado alimentos minimamente processados, onde seria garantido a ausência de patógenos, metais pesados e demais substâncias tóxicas. Estes produtos deveriam ser desenvolvidos desde os produtores de matérias primas até o consumidor final. Assim o desenvolvimento envolve toda a cadeia de valor da empresa. Existem diferentes tipos de leguminosas (feijões, lentilhas e grão de bico) e cereais que podem servir de alimento com mínimo processamento. Este terceiro item da proposta está alinhado com o movimento pelo “clean label” que busca por produtos apenas com ingredientes “reconhecíveis” pelo consumidor. A empresa que buscar este mercado pode viabilizar uma melhor remuneração para pequenos e médios agricultores, prover alimentos nutritivos aos consumidores, com menor impacto ambiental. Por causa do reconhecimento da sociedade, pode operar com margens maiores, trazendo sustentabilidade econômica para si e para toda a cadeia.

Diferentes tipos de feijões, ervilhas, lentilhas e grão-de-bico

4. Minimizar a quantidade de embalagens e facilitar a reciclagem

Os bens de consumo de movimento rápido (FMCG) também são conhecidos como bens de consumo embalados (CPG – consumer packaged goods). As embalagens são fatores muito importantes no processo de produção e, normalmente, são classificadas como primária, secundária e terciária.

A embalagem primária está em contato direto com o produto. Além de protegê-lo, apresenta informações importantes para os consumidores, como data de fabricação / validade, instruções de uso, lista dos ingredientes, dados nutricionais e presença de alergênicos.

Em alguns casos a embalagem primária não apresenta estas informações, sendo necessária uma embalagem secundária, geralmente de papel cartonado. Nestes casos, há aumento no volume de resíduos. Pigmentos coloridos e polímeros podem dificultar a reciclagem do material.

Os sistemas de logística e distribuição geralmente exigem embalagens secundárias e terciárias para maximizar a eficiência de estocagem, transporte e distribuição. Normalmente estas embalagens são de papelão ou filmes plásticos.

Seria fundamental ao projetar a embalagem pensar em dois fatores: facilidade de reciclagem e logística reversa. Embalagens multicamadas, por exemplo, possuem processos de reciclagem mais complexos e custosos.

[Packaging]

Embalagens primárias, secundárias e terciárias

No próximo artigo, aprofundarei esta abordagem no caso dos alimentos orgânicos.

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Os Veganos e os Orgânicos

O veganismo não é somente um tipo de dieta, é muito mais do que isto. Na verdade, ser vegano é optar por uma filosofia de vida, onde qualquer sofrimento animal é intolerável.

Começo por uma definição sobre veganismo divulgada pela The Vegan Society em 1979:

“Uma filosofia e modo de vida que procura excluir – na medida do possível e praticável – todas as formas de exploração e crueldade de animais para alimentação, vestuário ou qualquer outro propósito e, por extensão, promove o desenvolvimento e uso de alternativas livres de animais em benefício dos seres humanos, dos animais e do meio ambiente. Em termos alimentares, denota a prática de dispensar todos os produtos derivados total ou parcialmente de animais.”

Deste modo, um vegano não se alimenta com produtos de origem animal como carne, leite, ovos, mel e todos os seus derivados. Não usa roupas de couro, seda ou lã. Não usa cosméticos ou produtos de limpeza testados em animais. Também não aprova diversões como zoológicos, aquários, rodeios e shows com animais.

go-veganNo que se refere à alimentação, o vegano só consome plantas e seus derivados, sua dieta é estritamente vegetariana. Como sabemos, atualmente, a agricultura comercial emprega fertilizantes químicos para garantir a fertilidade do solo; herbicidas, para reduzir a concorrência de outras espécies vegetais por água e nutrientes do solo; e pesticidas, para que insetos não se alimentem de partes das plantas, reduzindo a produtividade da lavoura.

A agricultura orgânica supre as necessidades de nutrientes do solo com resíduos de animais e vegetais. Deste modo, não são adicionadas novas quantidades de nitrogênio (extraído do ar e transformado em amônia através da síntese de Haber-Bosch) e fósforo (extraído através de mineração) aos ciclos destes nutrientes. Para obter mais detalhes, leia o artigo Temos Tempo para Discutir o Aquecimento Global?, e você verá que existem outros problemas ambientais tão importantes quanto o aquecimento global – o desequilíbrio dos ciclos de nitrogênio e fósforo é um dos mais graves. Outra motivação para o consumo de produtos orgânicos é o não uso de herbicidas e pesticidas, o que é benéfico para quem se alimenta dos vegetais e para a natureza em geral.

podutos-organicos-certificados

Neste ponto, um vegano chegaria a um dilema – as frutas, grãos e verduras orgânicas não são provavelmente veganas, porque geralmente usam dejetos de criação de animais como fertilizante. Vocês poderão concluir que, pelo menos, os dejetos provêm de animais criados de forma orgânica, sem confinamento, mas esta prática é apenas uma recomendação. De acordo com a norma que rege à agricultura orgânica, os agricultores de locais sem disponibilidade de dejetos oriundos de produção orgânica poderão usar dejetos de produção convencional, sem que seu produto deixe de ser rotulado como orgânico. Estrume de vacas confinadas e camas de frango de aviários são exemplos de fertilizantes permitidos nestas circunstâncias.

As camas de frango são misturas de serragem colocadas no piso de aviários para receber os excrementos das aves. São gerados entre 1,0 e 1,5 kg de cama de frango por ave. Se considerarmos que em 2016 foram abatidos aproximadamente 6 bilhões de frangos no Brasil, houve geração entre 6 e 9 milhões de toneladas de cama de frango.

cama-de-frango

Aviário comercial com cama de frango.

Atualmente cerca de 80% do total dos antibióticos produzidos no mundo são consumidos por animais que servirão como alimento para humanos. Os frangos possuem aparelho digestivo curto e uma quantidade significativa do medicamento não é absorvida por seus intestinos. Deste modo, suas fezes contaminadas com antibióticos são incorporadas às camas de frangos.

O tratamento normalmente empregado para a estabilização deste resíduo é a compostagem em grandes pilhas, onde os microrganismos presentes na cama degradam parte da matéria orgânica, elevando a temperatura acima de 70°C. As pilhas são periodicamente revolvidas e, depois de alguns dias, os microrganismos patogênicos são inativados. As especificações exigidas na regulamentação dos produtos orgânicos com relação ao patógenos são atendidas. Por outro lado, as moléculas dos antibióticos são apenas parcialmente degradadas e não existe restrição, quanto as concentrações máximas permitidas para o uso como fertilizante orgânico.

Quando esta cama de frango estabilizada é utilizada como fertilizante no solo, os efeitos são imprevisíveis, resultando, por exemplo, na degradação parcial das moléculas dos antibióticos com a geração de moléculas mais tóxicas, na absorção parcial pelas plantas, na contaminação de águas superficiais e lençol freático, além da seleção de superbactérias patogênicas.

Então um vegano poderia chegar à conclusão que talvez seja melhor comprar produtos agrícolas oriundos de adubação química. Assista ao vídeo abaixo e depois discutiremos alternativas.

Existe a possibilidade de usar adubação 100% vegetal, estabilizada através de compostagem. A Embrapa Agrobiologia, localizada no estado do Rio de Janeiro, desenvolveu compostos totalmente vegetais a partir da compostagem de mistura de torta-de-mamona com bagaço de cana-de-açúcar ou palhada de capim-elefante com excelente desempenho e isento de contaminantes biológicos ou químicos.

Assim os vegetarianos em geral e especificamente os veganos (além dos onívoros que consomem orgânicos) deveriam buscar informação sobre a forma de fertilização do solo onde seus orgânicos foram produzidos. Alimentos produzidos com resíduos da pecuária comercial não deveriam ser certificados como orgânicos. Admitir o uso de cama de frango na agricultura auxilia na redução dos custos da avicultura comercial que promove exploração e maus-tratos em animais, polui o meio ambiente e compromete a saúde dos humanos.

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Impossible Foods e o Hambúrguer Vegetal para os Amantes da Carne

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Em março deste ano, li um artigo do “The Economist” sobre as empresas start-ups do Vale do Silício, na Califórnia que estão desenvolvendo, a partir de vegetais, versões sustentáveis de alimentos à base de carne e leite. A Impossible Foods era uma das empresas citadas no artigo. No final de abril, visitei esta empresa em Redwood City, próxima a San Francisco na Califórnia. A seguir faço um resumo da minha conversa com Patrick Brown, fundador e CEO da empresa, realizada na sala “Avocado”.

Patrick Brown no laboratório da Impossible Foods  [Fonte: Wall Street Journal]

Patrick Brown no laboratório da Impossible Foods [Fonte: Wall Street Journal]

A área de atuação prévia do Dr. Brown era a biomedicina: mecanismos de regulação biológica, diagnóstico de detecção precoce de doenças humanas, ecologia microbiana do corpo humano e novas tecnologias e métodos experimentais e analíticos aplicados à pesquisa biomédica. Segundo suas próprias palavras, ele tinha o melhor trabalho do mundo, mas queria fazer alguma coisa que tivesse um impacto positivo muito maior para a humanidade. Decidiu então fazer produtos de origem 100% vegetal para substituir produtos de origem animal, como carne e queijo. Segundo “The Economist”, Pat Brown disse:

“A pecuária é uma atividade tremendamente destrutiva e totalmente insustentável. Mesmo assim, a demanda por carne e leite está em alta”.

Ele repetiu para mim aquela informação da ONU que a pecuária ocupa 30% da superfície degelada do planeta e é responsável por 14,5% de todas as emissões de gases do efeito estufa. Deste modo, para evitar um impacto maior no planeta por conta do aumento do consumo de carne e leite, seria necessário desenvolver alternativas vegetais que não devessem nada aos produtos de origem animal.

Nos primeiros anos de atividades da Impossible Foods, nenhum produto foi formulado, inúmeras moléculas foram extraídas de vegetais e analisadas. A partir daí se estudou a formulação de produtos e como obter as moléculas que seriam os ingredientes dos produtos. Todos os ingredientes escolhidos devem ser economicamente viáveis e possíveis de serem obtidos em grande escala.

Pat disse que a Impossible Foods já desenvolveu queijos, exclusivamente a base de vegetais, que foram aprovados por especialistas, mas seu primeiro empreendimento será o hambúrguer. Este primeiro produto a ser lançado terá a mordida, a suculência, o aroma e o sabor de um autêntico hambúrguer de carne. O preço também deverá ser competitivo com o produto convencional. A escolha é óbvia, além dos problemas já citados de desmatamento e aquecimento global, a conversão da ração em carne é muito ineficiente nos bovinos, 10 kg de ração são necessários para gerar apenas 1 kg de carne. Além disto, os norte-americanos são grandes consumidores de hambúrguer. Eu vi numa apresentação que, em média, cada americano consome três hambúrgueres por semana.

Hambúrguer – Foto do site da Impossible Foods

Hambúrguer 100% vegetal – Foto do site da Impossible Foods

Comentei com o Pat que a grande maioria dos vegetarianos não precisaria de um produto assim. Ele concordou e afirmou que o consumidor-alvo deste produto é o amante da carne que deseja reduzir o consumo, sem perder o prazer. Se existir uma alternativa tão boa quanto a carne, por um preço igual ou menor, por que alguém continuaria a consumir carne com todas as questões de maus tratos aos animais e prejuízos ambientais? Neste momento, haveria a migração para os produtos de origem vegetal e a pecuária entraria em declínio.

Neste ponto, eu contra-argumentei que a indústria leiteira está fortemente ligada à indústria da carne. A vaca leiteira fica prenha anualmente. Se a nova cria for um macho, será morto e se transformará em cortes de carne antes da puberdade. Se for uma fêmea, se transformará após dois ou três anos em uma nova vaca leiteira. Se tudo correr bem nos seis anos seguintes, a vaca não morrerá durante uma das gestações ou partos, nem será sacrificada devido à mastite ou outra doença. Como prêmio por ter gerado cinco ou seis crias sãs e ter produzido entre 20 e 25 toneladas de leite, a vaca será enviada para um matadouro onde será abatida e transformada em hambúrgueres e carne industrial. Se não houver bons produtos substitutos para os laticínios, como o queijo, o preço dos produtos lácteos tradicionais poderá aumentar e subsidiar o preço da carne. Se isto acontecer, a lucratividade do negócio da “carne vegetal” será corroída. Ou seja, o ataque contra a indústria da pecuária deve ser realizado pelos dois lados – carne e leite. O que é justo e deveria ser considerado nas leis num futuro próximo são as taxas sobre as externalidades causadas pela indústria da pecuária devido ao gigantesco impacto ambiental que causa. Aí sim a competição desequilibraria em favor das alternativas vegetais.

Perguntei ao Pat como ele enxergava alternativas como a carne in vitro. Provavelmente por causa dos longos anos de trabalho na área biomédica, ele foi enfático. Não acredita nesta alternativa! Explicou que os problemas com contaminações microbiológicas inviabilizam o aumento de escala do laboratório para a indústria. Um boi tem seu sistema de defesa que evita que micróbios destruam tecidos inteiros do seu organismo. No caso de carne in vitro, um simples vírus pode infectar uma célula, se multiplicar com uma velocidade extraordinária e destruir todas as células, acabando com a produção da fábrica.

Atualmente setenta pesquisadores trabalham no desenvolvimento dos produtos da Impossible Foods. Em 2016, a primeira planta deve iniciar a produção numa escala pequena. Se tudo correr bem, o próximo passo será uma planta muito maior para atingir a produção comercial plena pouco tempo depois. Depois virão os queijos…

Se você quiser ler o artigo original do “The Economist”, onde outras empresas são apresentadas, basta clicar no link abaixo.

The Economist

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Carta Aberta para a Revista dos Vegetarianos

Há três meses, a Revista dos Vegetarianos publicou uma matéria sobre a soja. Como eu e Claudia não concordamos com vários pontos, resolvemos enviar uma mensagem com nossos comentários. Mandamos o e-mail no dia 22-02-2015 e não recebemos qualquer retorno. Deste modo, decidimos publicar a íntegra de nossa mensagem para que os leitores da Revista dos Vegetarianos tenham um contraponto para as informações apresentadas naquela matéria.

Capa da Revista dos Vegetarianos, nº100

Capa da Revista dos Vegetarianos, nº100

Prezados senhores(as),

Minha esposa e eu somos ovo-lacto-vegetarianos e, por iniciativa dela, assinamos a Revista dos Vegetarianos. Costumo ler e confiar na veracidade e precisão dos conteúdos de seus artigos. Na última edição, esta credibilidade ficou abalada após ler a reportagem de capa apresentada como um “dossiê definitivo” sobre a soja. Em primeiro lugar, quase nada é “definitivo” com os avanços científicos atuais. Em segundo lugar, a reportagem apresenta erros e inconsistências que seriam evitados com a consulta de pesquisadores e técnicos da área.

Trabalhei vinte anos em uma empresa que fabricava produtos derivados de soja. Neste período, atuei em diferentes áreas como pesquisa, engenharia de processo, projetos, tecnologia e produção de óleo, lecitina, farinhas, proteína isolada, proteína concentrada e proteína texturizada de soja (PTS). Por este motivo, fiquei perplexo com a demonização que o PTS sofreu nesta reportagem.

Em relação ao ácido fítico, responsável pela indisponibilidade de ferro e zinco, a forma da preparação do PTS pode praticamente eliminar o problema. Pode-se hidratar a proteína com água acidulada com suco de limão ou vinagre de arroz. O pH ácido aumenta a solubilidade do ácido fítico e reduz a solubilidade das proteínas. Na sequência, a massa pode ser enxaguada e prensada entre as mãos. Com esta operação, o ácido fítico e os oligossacarídeos são eliminados. Isto normalmente é feito pelos vegetarianos.

Segredinho no preparo da Proteína Texturizada de Soja

A revista poderia fazer uma reportagem, mostrando o preparo correto do PTS.

Segundo o Dr. Luciano Giacaglia, “a soja é rica em fibras alimentares que dificultam a absorção de colesterol”. O PTS possui toda a fibra dietética da soja. Em outros produtos, como o leite de soja e o tofu, toda a fibra é removida, gerando um novo produto chamado okara. Ou seja, em relação ao consumo de fibras, o PTS é mais completo do que outros derivados de soja.

O PTS é apresentado como um “subproduto altamente manipulado industrialmente”. O PTS é um dos derivados de soja menos processados. Normalmente é produzido apenas usando farinha desengordurada de soja como matéria prima. Após misturar água e farinha, a massa passa por um extrusor, onde através de alta pressão e temperatura, a maior parte dos fatores antinutricionais, como o inibidor de tripsina, é inativada. Diferentemente do afirmado pelo Chef Flávio Passos na matéria, a maioria destes inibidores enzimáticos não resistem às condições de temperatura dos processos industriais e perdem suas atividades.

O principal motivo das fermentações no tubo digestivo não é a digestão incompleta das proteínas, como o Chef Flávio Passos afirmou, mas a incapacidade de nosso organismo de hidrolisar os oligossacarídeos presentes na soja como a estaquiose e a rafinose. Geralmente só quebramos polímeros de glicose, como o amido, ou dissacarídeos como a maltose, a sacarose (açúcar da cana) e, com mais dificuldade, a lactose (açúcar do leite). Os oligossacarídeos são fermentados pelas bactérias que vivem em nosso intestino, produzindo gases como o metano e o gás carbônico.

Resumindo, dizer, como está na legenda da foto da página 19, “carne de soja – apesar de versátil na culinária, ela não deveria ser consumida porque não é saudável” não tem apoio científico. Além disto, se for bem preparada, a grande maioria dos problemas listados na reportagem são eliminados.

Gostaria de comentar outros problemas que encontrei na reportagem. A farinha de soja normalmente não é obtida através do processo aquoso descrito na página 20. Os dois principais produtos são obtidos através da moagem de soja descascada (farinha full fat) ou de farelo de soja desengordurado após e extração do óleo. Por sinal, a farinha desengordurada é a matéria prima do PTS.

Muitas fórmulas nutricionais para bebês são formuladas com proteína isolada de soja ao invés de extrato de soja (leite de soja). Desta forma, o ácido fítico e os oligossacarídeos são removidos do produto.

Na página 21, está escrito que o óleo de soja “pode ser hidrogenado para ser transformado em gordura vegetal hidrogenada, ou seja, margarina”. Existe um processo chamado interesterificação que não gera gordura trans. Estas gorduras atualmente são ingredientes para a produção de margarinas, solucionando este problema.

O Chef Flávio Passos também afirma que o edamame (soja verde) tem ômega-3, “algo que não se encontra no feijão maduro”. Na verdade, soja é uma das principais fontes vegetais de ômega-3. O óleo de soja (produzido a partir de soja madura) tem em torno de 7% de ácido linolênico (também conhecido como ALA, um dos principais ômegas-3 ao lado do EPA e DHA).

Normalmente, aqui em nossa casa, seguimos o conselho final da reportagem, procuramos variar o cardápio. Usamos diferentes tipos de feijões, lentilhas e grão de bico. Sabemos que a combinação de leguminosas (feijão, lentilha ou soja) com arroz supre nossa necessidade de aminoácidos essenciais. O que nos causou surpresa foi o radicalismo da reportagem contra o PTS que, como todo alimento, não deve ser consumido todos os dias.

Atenciosamente,

Vicente Manera Neto
Engenheiro Químico
Especialista em Tratamento de Resíduos Industriais
Mestre em Engenharia de Produção

Claudia Von Frihauf – assinante da Revista dos Vegetarianos
Engenheira Química
Mestranda em Engenharia Química – USP

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