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Ludwig Von Mises e seu Liberalismo Cadillac Eldorado – Lições 1 e 2

Em um mundo cada vez mais polarizado, precisamos buscar pensamentos cada vez mais plurais. Ler livros, completamente desarmado, com ideias diferentes das suas é fundamental neste momento. Com este princípio em mente, li o livro “As Seis Lições” (Economic Policy: Thoughts for Today and Tomorrow) baseado em seis palestras de Ludwig Von Mises ministradas em Buenos Aires em 1959.

As lições correspondem a palestras apresentadas em dias consecutivos.

Neste primeiro artigo, apresentarei as duas primeiras lições sobre o capitalismo e o socialismo.

Primeira Lição – O Capitalismo

Mises defende enfaticamente a evolução da condição de vida dos mais pobres com a passagem do feudalismo rural para o capitalismo industrial. Por outro lado, fica claro que todo o seu pensamento é baseado no capitalismo industrial, onde o setor financeiro é apenas uma engrenagem para favorecer o crescimento da indústria e consumo.

Em 1950, 28% do PIB americano vinha da produção industrial e apenas 11% vinha da área financeira. Após a desregulamentação do setor na década de 70, cresceu o montante de investimentos de alto risco, impulsionando este setor que passou a representar 21% do PIB americano contra 11% da produção industrial.”

Fonte: Réquiem para o Sonho Americano, Noam Chomsky, março 2017

Mises coloca os consumidores como únicos agentes para servir de bússola para as empresas de cada ramo de atividade. Ou seja, parece não imaginar que as empresas possam induzir as pessoas a consumirem bens que não estariam dispostas a adquirir, através da propaganda.

Mises também defende que as poupanças dos capitalistas beneficiam os trabalhadores. Em minha opinião, isto é verdade quando há reinvestimentos produtivos, geração de novos empregos e aumento de salários. Se a poupança for aplicada em especulação, isto não ocorre.

“Quanto mais se eleva o capital investido por indivíduo, mais próspero se torna o país”

Ludwig Von Mises

Se for investimento produtivo, também concordo. O problema é que vivemos na era do capitalismo não-produtivo ou especulativo.

Com relação à recuperação da Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial, Mises afirmou que “houve tão somente a aplicação dos princípios da economia do livre mercado”. Esta afirmação não condiz com a história. Os Estados Unidos, com o objetivo de bloquear o aumento da influência da União Soviética na Europa, desenvolveu o Plano Marshall para promover a recuperação dos países europeus. A orientação deste plano era majoritariamente keynesiana, onde o Estado tem um importante papel na economia, através de investimentos em períodos de retração. O governo norte-americano fez parcerias com os partidos sociais-democratas europeus ao invés de partidos conservadores, criando as bases para a formação de Estados de bem-estar social. Deste modo, havia redistribuição de riquezas e redução de desigualdades sociais. Estas políticas geraram um grande crescimento nos países desenvolvidos do ocidente, com melhoria das condições de vida acompanhada por um boom populacional.

Ludwig von Mises

Segunda Lição – O Socialismo

Mises é a favor das liberdades econômica e individuais. Considera o livre mercado essencial para garantir a liberdade de expressão e demais direitos sociais.

Ele não considera as distorções do mercado como monopólios privados, oligopólios e cartéis no seu pensamento. Coloca os consumidores como únicos agentes para servir de bússola para as empresas de cada ramo de atividade.

Como Mises encarou a análise de Theodor Adorno sobre a influência da indústria cultural no consumismo?

Ele defende o “direito de ser tolo”. Cita o exemplo do fracasso da Lei Seca nos Estados Unidos. Em última análise, a liberação das drogas seria apoiada por este pensamento. A inexistência de censura também seria apoiada por este pensamento. Liberdade significa “liberdade para errar”. Apesar de libertária, esta posição também coloca os interesses de cada indivíduo acima dos interesses da coletividade. Um exemplo atual seria a recusa de ser vacinado contra Covid. Se este “direito de ser tolo” fosse aceito, a erradicação da varíola não teria ocorrido.

Mises considera que, antes da implantação do capitalismo, não havia mobilidade social. Os filhos dos nobres seriam nobres e manteriam seus privilégios. Os filhos dos servos seriam servos e manteriam suas desvantagens sociais. Deste modo, o capitalismo trouxe a possibilidade da mobilidade social e “as pessoas só podem culpar a si mesmas se não chegam a alcançar a posição que almejam”. Este trecho que destaquei da fala de Mises lembra muito as declarações de muitos liberais brasileiros na defesa da meritocracia. Mises e seus discípulos brasileiros desconsideram a assimetria em relação às oportunidades entre as classes sociais. Afinal, quem nasce em uma família rica estudará nas melhores escolas e universidades, consequentemente, terá muito mais chances na vida. Este fato reduz a mobilidade entre classes sociais.

Por outro lado, Mises afirma que o sistema socialista proíbe a liberdade para a escolha da carreira. Não sei qual é a sua fonte de informação que apoia esta conclusão.

Considera o planejamento (central, único, feito pelo governo) um sinônimo de socialismo e comunismo. Defende que todos tenham a liberdade para planejar a própria vida. Neste capítulo, Mises também desconsidera o keynesianismo como uma forma de capitalismo.

Ele também critica duramente a ajuda do Estado a artistas. Considera uma forma de socialismo.

Mises também considera impossível o cálculo econômico dos custos de bens e serviços no sistema socialista pela ausência do mercado.

Ele finaliza esta lição, considerando que uma das provas da superioridade do capitalismo é a condição média de vida muito melhor nos Estados Unidos em comparação à União Soviética. Outro ponto está relacionado ao maior dinamismo do capitalismo americano em relação ao socialismo soviético, medido através do maior número de invenções e inovações.

Esta comparação é muito simplista, se considerarmos que a palestra de Mises aconteceu 42 anos após a Revolução Russa e 14 anos após o final da Segunda Guerra Mundial, onde a União Soviética sofreu muitas baixas. Como comparar com os Estados Unidos, um país que já era uma potência econômica há mais de um século? Por outro lado, concordo com a questão do maior dinamismo do capitalismo. Ao visar o lucro, as inovações são muito mais frequentes no capitalismo, além da indução do consumismo para acelerar o crescimento econômico.

No próximo artigo, apresentarei a terceira e quarta lições que tratam sobre o intervencionismo e a inflação.

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