A Máquina Fotográfica Digital, o Sexo e a Concordata de um Gigante

Confesso que até hoje tenho certo trauma em relação à atividade de tirar fotografias, talvez porque, no passado, havia um verdadeiro rito processual. Tudo começava com o ato de tirar a foto e aguardar que todo o filme fosse usado, depois se deixava o filme em um laboratório para ser revelado e, finalmente, as fotos eram pagas, retiradas e surgia o resultado. Muitas fotos “queimavam”, porque eram tiradas contra o sol. Algumas eram tortas ou mal enquadradas, cabeças eram cortadas com a mesma eficiência das guilhotinas da Revolução Francesa. Outras ainda saiam “tremidas” ou desfocadas. Existia muita expectativa sobre algumas fotos, podiam ser reuniões de famílias ou amigos, belas paisagens, alguma celebridade. Muitas vezes havia decepção com o resultado…

Assim se procurava minimizar os riscos de “perder” fotos, a atividade era quase exclusiva de adultos. Alguns casais pediam para o filho mais velho tirar uma fotografia deles, mas normalmente com baixa expectativa de sucesso. Lembro que, quando moramos em Passo Fundo, fizemos um passeio na cidade de Vacaria. Eu devia ter seis anos e meus pais se sentaram em um banco da praça principal da cidade e pediram para eu tirar uma foto deles. Quando o filme foi revelado, não apareceu a foto deles, no lugar dela havia uma linda foto das árvores da praça. Minha mira falhou…

As coisas melhoraram um pouco quando ganhei de presente alguns anos depois uma Kodak Instamatic.

Kodak Instamatic

Era mais fácil de colocar o filme e tirar fotos, mas as fotos eram quadradas e era difícil tirar uma foto realmente boa. Abaixo uma foto histórica tirada com esta máquina onde apareço com minha irmã e meus primos de Pelotas.

Primo Éverton (esquerda), eu, prima Simone e mana Flávia

Primo Éverton (esquerda), eu, prima Simone e mana Flávia

Tem algumas invenções que alteram nosso modo de se relacionar com o mundo e favorecem o aparecimento de novos talentos. Uma destas invenções é a máquina fotográfica digital.

Na metade da década de 70, aconteceram os primeiros desenvolvimentos nos laboratórios da Kodak, mas somente no final dos anos 80 e início dos 90 se iniciou a comercialização dos primeiros modelos. O preço inicialmente era muito mais alto do que as câmeras convencionais com filme. A resolução das fotos digitais também era muito inferior. As agências jornalísticas foram os primeiros a perceberem o potencial desta nova invenção, onde um repórter fotográfico podia tirar uma foto e transmiti-la pela linha telefônica para a redação do jornal. Depois surgiram as câmeras com visor de LCD, onde instantaneamente a qualidade da foto poderia ser conferida. O medo de desperdiçar fotos sumiu, poderiam ser tiradas quantas fotos cada um quisesse e só seriam preservadas as que ficassem boas. As crianças ganharam a permissão de experimentar. Uma revolução! Quando o preço caiu, as máquinas fotográficas com filme ficaram restritas a um nicho de mercado, os amadores migraram maciçamente para a novidade.

Até o grande fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado aderiu à novidade durante seu último trabalho, Genesis, que traz imagens das regiões mais remotas da Terra. Assista ao vídeo sobre a abertura da turnê da exposição que ocorreu no Museu de História Natural de Londres.

Aqui em casa, nossa filha Júlia tira fotos e faz vídeos com a máquina fotográfica e, principalmente, com o smartphone da mãe. Alguns destes vídeos são bem interessantes! Parece que os smartphones já substituíram a maioria das máquinas fotográficas digitais. A tecnologia avança de forma cada vez mais rápida. Quando algo novo cai nas graças dos consumidores, a migração é muito rápida, abandonando-se a tecnologia anterior.

Agora um aspecto mais “quente” desta evolução tecnológica! As fotos digitais facilitaram outras atividades, como o sexo e a pornografia. Imagine a seguinte situação: um casal se inscreve num site de swing (troca de parceiros) e precisa anexar fotos desinibidas neste site. No caso das máquinas fotográficas com filme, eles tirariam fotos caseiras, iriam para um laboratório para solicitar a revelação, onde provavelmente todos os funcionários olhariam as fotos. Evidentemente, haveria uma “negociação” do casal para decidir qual dos dois retiraria as fotos, onde, certamente, o marido seria o perdedor. Ele entraria na loja, usando a sua melhor cara de pau, e entregaria o recibo para algum atendente. O marido pegaria o envelope, louco para sumir o mais rápido possível, mas uma atendente diria:

– O senhor tem direito a uma ampliação.

Neste momento, o homem poderia interpretar mal, ficar feliz e dizer:

– Que beleza! Vocês têm convênio com alguma clínica especializada?

Ou poderia se irritar e dizer:

– Achou pequeno, hein? Posso te mostrar ao vivo…

censurado

Deixando a palhaçada de lado, eu realmente acho incrível como um gigante como a Eastman Kodak, em apenas vinte anos, perdeu a liderança do negócio de fotografia e pediu concordata na metade de 2012. Na sequência, para evitar a falência, se desfez de negócios e vendeu suas patentes no segmento de imagens digitais. Parece que esta empresa, como tantas outras grandes corporações, não conseguiu perceber a ameaça que novas tecnologias emergentes representam para seu negócio e não se reinventou a tempo. No caso específico da Kodak, ainda existe o agravante de que o primeiro protótipo da nova invenção nasceu no interior de seus laboratórios de P&D. O orgulho da sua grandeza gerou a arrogância e a cegueira que despedaçaram a empresa, como acontece também com várias pessoas.

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5 Comentários

Arquivado em Arte, Economia, História, Inovação, linkedin, Tecnologia

5 Respostas para “A Máquina Fotográfica Digital, o Sexo e a Concordata de um Gigante

  1. Gostaria de saber se vc vende a maquina?

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  2. Embora eu seja uma apaixonada por fotografias, nunca tive uma boa maquina. Tambem não tenho muitas recordações fotográficas da infancia e adolescencia. Assim como voce, fiquei impressionada com a situação da Kodak. Eu li, recentemente, uma reportagem sobre a história desta Empresa, ela passou por altos e baixos nos ultimos anos, investiu, melhorou, mas…pelo visto, não se firmou.

    Bjs

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    • Sissym,

      A coisa estava tão feia com a Kodak que até mesmo o teatro de Los Angeles onde era feita a festa do Oscar deixou de se chamar Teatro Kodak, porque a empresa entrou em concordata e não podia mais gastar US$ 75 milhões com “naming-rights”.

      Beijo.

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