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Cuidado com os Rebotes da Economia Circular!

No início de dezembro, concluí o curso do MIT, Circular Economy: Transition for Future Sustainability. Quando participamos de um curso intenso como este, uma série de reflexões vem à tona e passamos a entender a importância de alguns temas nos quais nunca havíamos pensado a respeito. Hoje comentarei a questão dos efeitos negativos dos rebotes causados pelos aumentos de eficiência e como o Estado pode interferir para reduzi-los.

A economia circular busca o fechamento de ciclos de materiais, a extensão dos ciclos de vida dos produtos e a virtualização de produtos (transformação dos produtos em serviços). Deste modo, o consumo de matérias primas retiradas da natureza é reduzido e os danos ambientais são minimizados.

Diagrama da Economia Circular – Fonte: MIT Professional Education

Por outro lado, os aumentos de eficiência gerados por ações, baseadas nos princípios da economia circular, podem gerar aumento de consumo. Deste modo, os benefícios com a melhoria de eficiência podem ser reduzidos ou, até mesmo, anulados. Por exemplo, lâmpadas de LED consomem muito menos eletricidade em relação às lâmpadas incandescentes. Assim pode haver aumento no consumo de lâmpadas devido à redução do consumo energético específico. Se o aumento do consumo do produto mais eficiente for maior do que a economia pretendida pela medida de eficiência, então esse rebote aumenta o impacto ambiental em vez de reduzi-lo. Chamamos este efeito de rebote energético. Um efeito secundário, rebote indireto, ocorre quando os consumidores gastam o dinheiro economizado em energia em outros bens.

A figura abaixo apresenta de forma esquemática a diferença do consumo de recursos e geração de resíduos, considerando três situações: economia linear, economia circular e economia circular com rebote.

Perda dos Benefícios Economia Circular devido aos Rebotes

O rebote também pode ser direto. Neste caso, há aumento instantâneo da demanda do consumidor pelo mesmo produto ou serviço que teve seu preço reduzido, graças aos aumentos de eficiência.

No final, os aumentos na eficiência da produção ou do consumo são compensados pelo aumento dos níveis de produção e consumo. Os efeitos em toda a economia são imprevisíveis.

Para tornar o cenário mais complexo, existem os chamados efeitos transformacionais que se referem às mudanças nas preferências dos consumidores, avanços na tecnologia ou alterações na regulamentação devido a um aumento na eficiência energética. Por exemplo, energia solar mais barata pode estimular a adoção de novas tecnologias não empregadas anteriormente devido ao alto custo de operação. Neste caso, não houve a simples substituição do consumo de eletricidade de fonte fóssil por uma fonte renovável, houve aumento de consumo devido à redução do custo de energia.

Como evitar que os rebotes acabem com os ganhos da economia circular?

A economia circular não deve ser vista como a solução para as questões ambientais mundiais, mas é uma parte importante desta solução. Como apresentado neste artigo, pela lógica capitalista, os ganhos de eficiência obtidos podem ser convertidos em mais produção e consumo, se nenhuma medida for adotada.

Em primeiríssimo lugar, a mentalidade consumista deve ser substituída por uma consciência ecológica. As pessoas devem ser educadas para consumir o essencial, reduzindo os supérfluos e as compras por impulso.

Informações sobre a pegada ambiental dos produtos deveriam estar disponíveis da mesma forma que temos as informações sobre os ingredientes e valor nutricionais nas embalagens de alimentos. Produtos muito intensivos em energia deveriam ser mais pesadamente taxados do que os produtos mais amigos do meio ambiente. A figura abaixo mostra exemplos já usados em outros locais do mundo.

Um programa para monitorar e incentivar a melhoria da qualidade dos bens duráveis deveria ser implementado. Bens de qualidade inferior possuem vida útil menor, exigindo substituição. E mais recursos materiais e energéticos serão empregados na produção.

O incentivo para o fortalecimento do mercado secundário de equipamentos é outra medida importante. Deste modo, ao invés de adquirir um equipamento novo, o consumidor tem a opção de um equipamento usado, recondicionado e com garantia. Deste modo, a vida útil do equipamento é estendida.

A existência de um mercado secundário pode estimular os fabricantes de equipamentos a migrarem seu modelo de negócios para PaaS (Product as a Service), no qual o consumidor, em vez de comprar o produto, paga o fornecedor pela solução de um problema. Este tipo de serviço já é comum, por exemplo, no caso de softwares (SaaS – Software as a Service) e equipamentos de informática. Algumas empresas do ramo automobilístico também adotam este modelo.

Várias ações podem estimular a circularidade na economia. O mercado por si só não é capaz de estimular ações neste sentido. Desta forma, regulações devem ser introduzidas a fim de estimular a implementação de ações que favoreçam a circularidade dos processos. O papel do Estado é muito importante.

O investimento em tecnologia é fundamental para o desenvolvimento de novas soluções para os processos produtivos atuais. Pode-se citar algumas áreas de pesquisa:

  • busca de matérias primas renováveis para a produção de polímeros oriundo do petróleo;
  • desenvolvimento de processos mais eficientes e menos intensivos em energia;
  • desenvolvimento de design que favoreça as etapas de reuso, recuperação e reciclagem;
  • busca de alternativas para reduzir o conteúdo de matérias primas virgens para a fabricação de novos produtos.

Nos países em desenvolvimento, um elo fundamental para a economia circular são os catadores de produtos recicláveis como latas de alumínio, papéis e plásticos. A melhoria na remuneração e nas condições de trabalho pode ajudar a aumentar o volume de matérias primas recuperadas.

Outro ponto é a proibição de produtos de uso único de difícil reciclagem como, por exemplo, canudos, copos e pratos descartáveis.

Também pode-se aumentar a competitividade dos produtos reciclados através da redução dos seus impostos ou do aumento dos impostos sobre as matérias primas virgens (internalização das externalidades).

O Estado também pode taxar com alíquotas mais altas os produtos com maior impacto ambiental, desestimulando seu consumo. Da mesma forma, pode reduzir os impostos de produtos com maior durabilidade, além de estimular o mercado secundário de matérias primas. Assim o efeito dos rebotes podem ser minimizados.

Este foi o primeiro artigo desta série sobre economia circular. Na sequência, vou apresentar o caso bilionário do lixo da cidade de São Paulo. E outros artigos virão em seguida. Espero contribuir com boas reflexões para a construção de um mundo mais sustentável para as próximas gerações.

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Metade do Esgoto Sanitário do Brasil Não É Sequer Coletado

Este blog aborda todos os assuntos que interessam seus autores. Meu filho, Leonardo Klein Manera, é estudante de engenharia hídrica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e escreveu uma análise muito interessante sobre a situação do saneamento básico no Brasil. Vale à pena a leitura nestes tempos em discutimos o tamanho e as atribuições do Estado.

O Brasil apresenta notória precariedade nos parâmetros que dizem respeito ao saneamento básico. Mesmo sendo serviço extremamente fundamental, segundo estudo do Instituto Trata Brasil divulgado em 2018, de todo o esgoto gerado no país, 55% não é tratado. Cerca de 48% do total do esgoto sequer é coletado (Fonte: Sistema Nacional de Informações Saneamento, 2016), tendo como destino fossas e rios. Concomitantemente, cerca de 35 milhões de habitantes ainda não possuem acesso a abastecimento de água potável. É evidente a necessidade nacional por melhorias nos serviços prestados.

Segundo a teoria sociológica do Estado de Bem-Estar Social, o governo é o provedor responsável por atender às necessidades básicas da população – saúde, educação, segurança, economia. O saneamento também é serviço que deve ser garantido satisfatoriamente pelo Estado, inclusive por tratar-se de questão de saúde pública e desenvolvimento econômico. Contudo, não é o que se constata ao observar cidades como a de Ananindeua no Pará. O município com meio milhão de habitantes possui um dos piores índices de saneamento no país, contando com 30% da população abastecida com água e apenas 0,75% do esgoto coletado.

ananindeua

Esgoto a céu aberto em Ananindeua no Pará (Fonte: site G1)

Historicamente o esgoto não recebe a devida atenção dos governantes, talvez por falta de prioridade nas políticas públicas, por representar custo mais elevado de operação e maior dificuldade para se obter infraestrutura adequada. Por conseguinte, espera-se maior atenção para este serviço. A Lei 11.445/2007 determina as diretrizes do saneamento básico e estabelece que os municípios deverão apresentar plano de saneamento. A medida que passará a vigorar em 31 de dezembro de 2019 obriga os municípios a apresentarem o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) para terem acesso aos recursos destinados pela União.

O que se constata atualmente como propostas de melhorias são metas virtualmente utópicas. Em 2014, o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) determinou um conjunto de metas e objetivos que inclui alguns dos Objetivos do Milênio (ONU), como a redução da proporção de habitantes sem acesso a saneamento básico e água, a melhoria das condições de vida da população que vive em zonas degradadas e a universalização das estruturas de saneamento básico em todo o país. O Brasil vislumbrava a universalização dos precários serviços de saneamento para 2033. Essa meta fora readequada recentemente por não ser possível viabiliza-la. A nova meta já prevê que só após 2050 e com investimento superior a R$500 bilhões estes serviços seriam universais. Mas qual será a nova prorrogação e o novo acréscimo de custo para esta meta?

Atualmente – segundo pesquisa divulgada pelo IBGE em 2018 – 61,8% dos municípios do país não possuem políticas que envolvam saneamento. Acredito que através de estudos e planos em escalas pequenas (municípios) o Estado pode tornar viável o cumprimento de metas de curto, médio e longo prazos para que no futuro se possa atingir índices de saneamento básico que sejam o mais próximo possível de universal.

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