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Operações Letais, Mercados Bilionários (Parte 3): política criminal, saúde pública e o dia seguinte da legalização

Este texto é a Parte 3 da série “Operações letais, mercados bilionários: por que só bala não resolve o tráfico de drogas”. Na Parte 1, discuti a ordem de grandeza do mercado de drogas no Brasil; na Parte 2, simulei como a legalização da maconha poderia mexer no caixa das facções.

Agora, a pergunta muda: se a maconha for regulada, o que o Estado faz com essa oportunidade? Aqui entro em cenários de política criminal e saúde pública, para além da lógica puramente repressiva.

6. Três caminhos de política criminal depois da legalização

Legalizar a maconha não é, por si só, uma política de segurança pública; é apenas mudar uma peça importante no tabuleiro. O impacto real sobre violência, facções e sistema prisional vai depender de qual política criminal vem na sequência: manter a inércia, focar na macrocriminalidade ou integrar segurança, saúde e finanças leva a resultados muito diferentes usando o mesmo ponto de partida.

Foram construídos três cenários muito simples de política criminal, resumidos na Tabela 6:

  1. Cenário 1 – Inércia reativa
    • A lei muda, mas a prática não.
    • Continua-se gastando muita energia em varejo e “peixe pequeno”, agora menos com maconha e mais com cocaína e crack.
    • Resultado: o P&L cai 26% porque a maconha foi regulada, mas não cai muito além disso. Violência e encarceramento seguem altos.
  2. Cenário 2 – Foco em drogas pesadas e macrocriminalidade
    • Aproveita-se o “alívio” de recursos na maconha para redirecionar os esforços para:
      • rotas de cocaína;
      • laboratórios e depósitos de crack;
      • e, principalmente, lavagem de dinheiro.
    • A lógica deixa de ser “quantos presos” e passa a ser “quanto de prejuízo financeiro para as facções”.
    • Nesse cenário, é razoável imaginar o P&L de drogas caindo perto de 40%, com cocaína e crack perdendo espaço através da ação, principalmente, da Polícia Federal e polícias estaduais.
  3. Cenário 3 – Estratégia integrada Segurança + Saúde + Finanças
    • Mantém o foco duro do Cenário 2,
    • mas inclui dois braços a mais:
      • saúde, usando parte da arrecadação da maconha para tratar dependência, reduzir danos e cuidar de saúde mental em territórios vulneráveis;
      • sistema financeiro, com COAF, Receita Federal, Banco Central e órgãos reguladores atacando lavagem de dinheiro, empresas de fachada e instrumentos financeiros usados para esconder o dinheiro do crime.
    • Aqui não é só cortar receita, é também mexer na demanda (menos gente presa no ciclo crack–prisão–rua) e no “colchão” financeiro das organizações.

Tabela 6 – Três linhas de política criminal pós-legalização (visão comparada)

(Toda esta tabela é análise qualitativa da IA, inspirada em literatura sobre macrocriminalidade e políticas de drogas.)

IndicadorCenário 1 – InérciaCenário 2 – Foco macro (drogas pesadas)Cenário 3 – Integrado (Segurança + Saúde + Finanças)
Queda no P&L de drogas (base hoje)~26% (só maconha)~40%~40 – 45%
Queda no P&L com maconha~70%~70%~70%
Impacto em cocaína/crackPequenoAltoAlto
Redução de homicídiosBaixaMédiaMédia/Alta
Redução de internações / danos sociaisBaixaBaixa/MédiaAlta
Redução da população prisionalBaixaMédiaMédia/Alta
Ganho fiscal líquidoMédioMédio/AltoAlto
Complexidade de implementaçãoBaixaMédiaAlta

Na prática, os três cenários mostram que legalizar maconha é condição necessária, mas não suficiente. Se a política criminal não se recalibra, troca-se um tipo de guerra por outro. Se ela se recalibra bem, abre-se uma janela rara para:

  • tirar dinheiro do crime;
  • aliviar pressão sobre comunidades e sistema prisional;
  • e ainda financeiramente sustentar políticas de saúde e prevenção.

7. E a saúde? Não dá para varrer os riscos para debaixo do tapete

Qualquer conversa honesta sobre legalização precisa encarar o outro lado: quais são os riscos reais do consumo de maconha?

A Tabela 7 resume as principais evidências:

  • Efeitos agudos: vão do relaxamento e da “larica” até crises de ansiedade, paranoia e prejuízo de reflexos. Dirigir ou operar máquina sob efeito é perigoso.
  • Dependência: não é mito nem é igual a heroína. Algo como 1 em 10 usuários pode desenvolver dependência; o risco sobe se o uso começa cedo e é diário.
  • Saúde mental: uso frequente, com produtos de alta potência em THC, aumenta o risco de quadros psicóticos, especialmente em pessoas com vulnerabilidade genética.
  • Adolescentes: aqui o consenso é amplo. Cérebro em desenvolvimento mais uso regular é igual a mais problemas escolares, mais risco de dependência, mais chance de desfechos psiquiátricos adversos.
  • Pulmão e coração: fumar implica exposição à fumaça (bronquite, irritação) e aumenta frequência cardíaca e pressão por um tempo – o que importa em quem já tem doença cardiovascular.

Tabela 7 – Efeitos do consumo de maconha (resumo)

DimensãoEvidência principal
Efeitos agudosRelaxamento, alteração da percepção, aumento de apetite; mas também ansiedade, taquicardia, paranoia e piora de reflexos e coordenação.
DependênciaCerca de 1 em 10 usuários desenvolve algum grau de dependência; risco maior (aproximadamente 1 em 6) se iniciar na adolescência e usar com frequência.
Saúde mentalUso frequente (principalmente diário e com alta potência de THC) está associado a maior risco de psicose; relação dose–resposta documentada em meta-análises.
Ansiedade/depressãoAssociação bidirecional: pessoas com sofrimento psíquico tendem a usar mais, e uso pesado pode piorar sintomas em parte dos casos.
CogniçãoPrejuízos em atenção e memória de curto prazo; uso precoce e intenso pode associar-se a desempenho escolar pior e déficit cognitivo duradouro.
PulmãoFumar implica exposição a fumaça e produtos da combustão → risco de bronquite crônica e irritação de vias aéreas, similar em lógica ao tabaco.
CoraçãoAumento transitório de frequência cardíaca e pressão; cautela em pessoas com cardiopatias.
GravidezUso na gestação associado a possíveis efeitos adversos no desenvolvimento fetal e neurológico → recomendação geral é evitar.
AdolescentesConsenso de maior risco: cérebro em desenvolvimento, maior risco de dependência e de desfechos psiquiátricos adversos.

A Tabela 8 tenta traduzir isso em desenho regulatório:

  • Se adolescentes são mais vulneráveis, então faz sentido ter idade mínima e proibir marketing direcionado a jovens.
  • Se alta potência aumenta risco de psicose, então faz sentido limitar THC em produtos recreativos e exigir rotulagem clara.
  • Se fumar faz mal para o pulmão, então faz sentido permitir formas não combustíveis (óleos, comestíveis), com regulação rígida de dose.
  • Se gestantes e pessoas com histórico de psicose correm mais riscos, então faz sentido ter alertas específicos e protocolos de aconselhamento na rede de saúde.

Tabela 8 – Riscos e regulação (exemplos)

Risco identificadoMedida regulatória coerente
Maior risco em adolescentesIdade mínima (18 ou 21 anos), proibição de marketing para jovens.
Risco de psicose com uso    pesado / alta potênciaLimites de THC, rotulagem clara de concentração, avisos de risco.
Danos respiratórios ao fumarPermitir produtos não combustíveis (óleos, vaporização regulada, comestíveis) e informar riscos de fumar.
Dependência e uso problemáticoDestinar parte da arrecadação para prevenção e tratamento, triagem em atenção primária.
Risco para gestantesAdvertências específicas em rótulos e campanhas públicas direcionadas.

Em outras palavras: legalizar não é liberar geral. É trocar um mercado sem regras por um mercado com regras que incorporam o que a ciência sabe sobre riscos e danos.


8. Fechando a conta

Se você juntar as peças:

  • um mercado bilionário de drogas,
  • um aparato repressivo que mira desproporcionalmente o elo mais fraco,
  • operações letais como a do Rio,
  • e um conjunto de evidências sobre riscos e possibilidades de regulação da maconha,

a pergunta deixa de ser “legalizar é certo ou errado?” e passa a ser:

Que combinação de regulação, política criminal e atenção à saúde minimiza os danos e o poder econômico do crime organizado?

As tabelas e figuras das três partes deste artigo não dão uma resposta definitiva (nem poderiam), mas ajudam a fazer uma coisa que o debate público brasileiro raramente faz: colocar números na conversa, explicitar premissas, separar o que é dado do que é cenário, o que é convicção do que é evidência.

Se a gente continuar respondendo com a mesma lógica que produziu a operação mais letal da história recente, é provável que vejamos outras grandes operações, outras dezenas de mortos, e o varejo do tráfico funcionando como se nada tivesse acontecido.

Se a gente conseguir tirar a discussão apenas do gatilho e trazê-la também para a planilha e para o SUS, talvez não resolvamos o problema das drogas – mas teremos, pelo menos, parado de repetir a mesma guerra com as mesmas vítimas de sempre.


O que é dado e o que é estimativa da IA:

  • As tabelas com valores de 2015 (Tabela 1) são baseadas no estudo de Luciana Teixeira para a Câmara dos Deputados, que estimou um mercado de R$ 14,5 bilhões para maconha, cocaína, crack e ecstasy no Brasil em 2015.
  • O resumo dos efeitos de saúde da maconha (Tabela 7) é baseado em revisões sistemáticas e meta-análises recentes sobre cannabis, psicose, dependência e outros desfechos de saúde, além de relatórios do UNODC.
  • Todas as tabelas com rótulos “2025E”, “Brasil realista” e os cenários de política criminal (Tabelas 2, 3, 4, 5 e 6) são estimativas de IA, construídas a partir:
    • dos números de 2015,
    • da inflação (IPCA) acumulada,
    • de tendências globais descritas no World Drug Report e em estudos sobre mercados legais de cannabis (Canadá, Califórnia etc.).
  • Esses cenários não devem ser lidos como “previsão oficial”, mas como um exercício para ajudar a pensar ordens de grandeza e efeitos relativos.

Fontes principais:

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Operações Letais, Mercados Bilionários (Parte 2): cenários de legalização da maconha e o caixa das facções

Este texto é a Parte 2 da série “Operações letais, mercados bilionários: por que só bala não resolve o tráfico de drogas”. Na Parte 1, olhei para o tamanho do mercado de drogas no Brasil e para a distribuição de faturamento entre maconha, cocaína, crack e sintéticos.

Aqui, dou o passo seguinte: uso esses números para simular o que aconteceria com o caixa das facções se a maconha saísse (em parte) do mercado ilegal e fosse para um mercado legal e regulado.

3. O que aprendemos com Canadá, Califórnia e outros “laboratórios” de legalização?

Se o objetivo é tirar dinheiro do crime sem simplesmente trocar um tipo de guerra por outro, faz sentido olhar para quem já mexeu na peça “maconha” do tabuleiro. Canadá, alguns estados dos EUA e outros países funcionam como laboratórios avançados: neles, a maconha passou a ser vendida legalmente, com impostos, regras e, mesmo assim (ou por isso), o mercado ilegal não desapareceu por completo.

Aqui entram dois experimentos importantes:

  • Canadá, que legalizou em 2018 e, alguns anos depois, conseguiu que algo em torno de 70–80% do gasto em cannabis fosse para o mercado legal.
  • Califórnia, que também legalizou, mas, por uma combinação de impostos altos, burocracia e restrições locais, ainda vê cerca de 60% do consumo passando por canais ilegais.

A Tabela 3 resume três cenários, inspirados nesses casos:

  • Um Brasil que imita o “modelo Califórnia ineficiente”, no qual o mercado legal só consegue capturar uns 40% do gasto em maconha, mantendo um mercado ilícito gordo.
  • Um “modelo Canadá médio”, em que cerca de 75% do gasto em maconha vai para o legal.
  • E um cenário mais ambicioso, em que o país usa imposto mais baixo e ampla oferta para asfixiar o mercado ilegal da maconha, chegando a 85% de captura.

Tabela 3 – Cenários de legalização da maconha (captura de mercado e impostos)

(Todos os valores abaixo são estimativas de IA baseadas em benchmarks de Canadá e Califórnia.)

O interessante é notar que, mesmo com parâmetros conservadores, aparecem bilhões de reais por ano em vendas legais e algo entre 1 e 2 bilhões de reais em impostos.

Na Figura 3 (barras empilhadas legal x ilegal por cenário), vemos como cada desenho tributário e regulatório distribui o bolo entre Estado e crime.


4. Um “Brasil realista”: nem utopia, nem catástrofe

Em vez de imaginar um Brasil que vira Canadá amanhã, tentei traduzir isso para um trajeto mais plausível: como poderia ser a legalização da maconha ao longo de alguns anos aqui.

A Tabela 4 mostra um cenário em três marcos:

  • Ano 0 – onde estamos hoje: tudo ilícito, R$ 12,5 bi de mercado de maconha, zero imposto, 100% do P&L na mão do crime.
  • Ano 3 – legalização implantada, mas ainda cheia de atritos: redes legais concentradas nas capitais, muita gente ainda comprando nas bocas. Nesse ponto, algo como 45% do mercado já poderia estar no legal.
  • Ano 7 – mercado maduro, com lojas e cooperativas espalhadas, imposto moderado e repressão focada no comércio ilegal: aqui é onde o cenário supõe 70% do gasto em maconha no mercado regulado.

Tabela 4 – Cenário “Brasil realista” (legalização da maconha em 3 marcos)

(Toda esta tabela é estimativa de IA, inspirada em dados de Canadá, Illinois-EUA e relatórios da Califórnia-EUA, adaptados ao contexto brasileiro.)

Reforçando, essa tabela é um exercício; não uma previsão. Mas ela ajuda a enxergar ordens de grandeza:

  • Em sete anos, o faturamento ilegal com maconha cairia de 12,5 bilhões para 3,7 bilhões (uma redução de aproximadamente 70%).
  • O Estado passaria a arrecadar algo como R$ 1,6 bilhão por ano só com impostos específicos sobre a maconha, fora IR, ISS etc.
  • Boa parte da classe média urbana passaria a comprar em canais legais; o varejo ilegal ficaria concentrado em nichos e territórios mais vulneráveis.

A Figura 4 (gráfico de linha) mostra o crescimento do mercado legal e a queda do ilícito ao longo dos anos.


5. E como ficaria o “P&L do crime” com drogas como um todo?

Legalizar só a maconha não zera o tráfico, obviamente. Mas muda quanto e onde ele ganha.

Partindo do cenário 2025E do mercado de todas as drogas e aplicando o cenário “Brasil realista” apenas na maconha, a Tabela 5 mostra como ficaria o P&L das drogas ilícitas:

  • O faturamento ilícito total com drogas cairia de R$ 33,35 bilhões para R$ 24,65 bilhões – uma redução de cerca de 26%.
  • Só na maconha, o baque é muito maior: queda em torno de 70% na receita ilícita.
  • A contrapartida é que o crime fica mais dependente de cocaína e crack: juntos, eles passam a representar quase 70% do mercado de drogas ilícitas.

Tabela 5 – P&L de drogas ilícitas antes e depois da legalização da maconha

(Coluna “Depois” = estimativa de IA com base no cenário Brasil realista.)

A Figura 5, com duas séries de barras (antes e depois), ajuda a enxergar a mudança:

  • no “antes”, a maconha é a maior barra do gráfico;
  • no “depois”, quem domina o ilícito são a cocaína e o crack.

Isso joga uma luz importante para o debate de política criminal: legalizar maconha mexe muito com o caixa, mas não resolve sozinho o problema da violência associada às drogas, que hoje está muito vinculada justamente à cocaína, ao crack e às armas.

Se a maconha regulada pode tirar até um terço do P&L das drogas ilícitas, o que o Estado faz com essa oportunidade? Mantém a lógica de operação letal, ou recalibra a política criminal para mirar no caixa das drogas pesadas, na lavagem de dinheiro e na saúde dos usuários? É isso que analiso na Parte 3.


O que é dado e o que é estimativa da IA:

  • As tabelas com valores de 2015 (Tabela 1) são baseadas no estudo de Luciana Teixeira para a Câmara dos Deputados, que estimou um mercado de R$ 14,5 bilhões para maconha, cocaína, crack e ecstasy no Brasil em 2015.
  • Todas as tabelas com rótulos “2025E” e “Brasil realista (Tabelas 2, 3, 4 e 5) são estimativas de IA, construídas a partir:
    • dos números de 2015,
    • da inflação (IPCA) acumulada,
    • de tendências globais descritas no World Drug Report e em estudos sobre mercados legais de cannabis (Canadá, Califórnia etc.).
  • Esses cenários não devem ser lidos como “previsão oficial”, mas como um exercício para ajudar a pensar ordens de grandeza e efeitos relativos.

Fontes principais:

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Operações Letais, Mercados Bilionários (Parte 1): quanto vale o tráfico de drogas no Brasil?

Este texto é a Parte 1 da série “Operações letais, mercados bilionários: por que só bala não resolve o tráfico de drogas”. Aqui, eu olho para os números do mercado de drogas no Brasil e tento responder: de que tamanho é esse negócio? Nas Partes 2 e 3, entro em cenários de legalização da maconha, impacto no caixa das facções e opções de política criminal e de saúde pública.

No fim de outubro de 2025, o Rio de Janeiro assistiu à operação policial mais letal da história do país. Em poucas horas, a Operação Contenção, realizada principalmente nos complexos da Penha e do Alemão, deixou 121 mortos, entre eles quatro policiais e mais de uma centena de pessoas classificadas como “suspeitos” pelas autoridades. A ação superou inclusive o massacre do Carandiru, em 1992, e ganhou repercussão internacional, com questionamentos de organizações de direitos humanos sobre proporcionalidade, legalidade e respeito à vida.

Independentemente da leitura política de cada um sobre essa operação específica, um dado salta aos olhos: estamos repetindo a mesma receita há décadas. Entram centenas de agentes, helicópteros, caveirões, dezenas de mortos, apreensões de armas e drogas… E, alguns meses depois, o comércio de drogas segue funcionando, as facções seguem lucrando e a vida cotidiana das comunidades volta ao “normal” de sempre – com medo, tiroteio e precariedade. Moradores relatam que, depois da fumaça, sobram casas destruídas, escolas fechadas, gente traumatizada e nenhuma mudança estrutural.

Quando olhamos para o problema só pela lente da “guerra ao tráfico”, a conta parece simples: é matar ou morrer, polícia contra bandidos. Mas, do ponto de vista econômico, não estamos falando de meia dúzia de “aviõezinhos”: estamos falando de um mercado bilionário, com cadeias de suprimento, logística, finanças, gestão de risco e diversificação de portfólio. Ao focar quase toda a energia em “peixes pequenos” – o varejo da boca, o jovem armado na esquina – o Estado ataca justamente o elo mais substituível da cadeia. O que não é tocado com a mesma força é o P&L do crime (P&L é o relatório financeiro que detalha as receitas, custos e despesas de uma empresa) – a estrutura que permite que o negócio continue lucrando, recrutando e se reinventando.

Esta série de artigos parte dessa constatação incômoda: se tratamos drogas apenas como problema de polícia, a polícia vira, sozinha, a política de drogas. E os resultados estão aí, em operações como a do Rio: muita gente morta, pouca mudança estrutural. Em vez disso, proponho olhar para o tráfico como o que ele também é – um grande negócio – e perguntar: quanto fatura esse mercado no Brasil? Onde está o grosso do dinheiro? O que aconteceria se uma parte importante desse faturamento saísse da ilegalidade?

A partir de dados públicos de 2015 sobre o mercado de drogas ilícitas no Brasil e de experiências de países e estados norte-americanos que legalizaram a maconha, construo, com ajuda de IA, alguns cenários exploratórios:

  • como pode estar hoje a distribuição de faturamento entre maconha, cocaína, crack e sintéticos;
  • o que mudaria se a maconha fosse legalizada em um cenário “Brasil realista”;
  • e como diferentes desenhos de política criminal podem reduzir (ou não) o caixa das facções.

Por fim, não dá para falar de legalização ignorando a saúde pública: a maconha tem riscos reais, especialmente em adolescentes e pessoas vulneráveis a transtornos mentais, ao mesmo tempo em que políticas bem desenhadas podem reduzir danos, regular a potência dos produtos e financiar prevenção e tratamento. A ideia aqui não é fazer apologia nem demonização, mas tirar a discussão apenas do gatilho e levar para a planilha, o ambulatório e o planejamento de longo prazo. A operação no Rio mostra com brutalidade o que acontece quando a resposta é praticamente só bala. A partir daqui, sigo por outro caminho, usando números, cenários de regulação e evidências de saúde pública para imaginar que país teríamos se o alvo fosse menos o gatilho e mais o desenho da política de drogas.


1. Quanto dinheiro gira no mercado de drogas no Brasil?

Antes de discutir legalização, saúde pública ou política criminal, vale encarar a pergunta mais básica (e mais incômoda) de todas: quanto vale o tráfico de drogas no Brasil? A resposta não é trivial, mas os dados de 2015 já nos dão uma boa ordem de grandeza para entender o tamanho desse mercado e quem são seus “campeões de faturamento”.

A Tabela 1 traz a melhor estimativa pública que temos do mercado interno de drogas ilícitas no Brasil, feita a partir de dados de 2015. É um retrato tirado há 10 anos, mas ainda é o único que fecha a conta com metodologia explícita: número de usuários, quantidade média consumida e preço de rua.

Tabela 1 – Mercado interno de drogas ilícitas no Brasil em 2015

Dados de Luciana Teixeira (Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2016) – valores nominais de 2015

O ponto principal não é discutir a segunda casa decimal, mas a ordem de grandeza:

  • Estamos falando de um mercado de cerca de R$ 14,5 bilhões/ano, só considerando maconha, cocaína, crack e ecstasy.
  • A maconha aparece como o maior faturamento, com algo perto de 40% do total.
  • Cocaína e crack, somados, respondem por mais da metade do bolo restante.

Ao transformar a Tabela 1 em um gráfico de pizza (Figura 1), a imagem é simples: um terço maconha, um terço cocaína, um quinto crack, um pedaço menor de ecstasy.

Este é o P&L básico do varejo de drogas no Brasil há dez anos.


2. E hoje, como isso pode estar?

A segunda pergunta óbvia é: “Ok, 2015 passou faz tempo. Como pode estar isso em 2025?”

O problema: ninguém refez essa conta com a mesma qualidade metodológica. Em vez de inventar um “dado novo”, eu preferi construir um cenário exploratório: pegar a base de 2015 e projetar para 2025 usando:

  • a inflação acumulada nesse período,
  • tendências globais e nacionais (mais cannabis, boom de cocaína, sintéticos em alta),
  • e mantendo o padrão de consumo físico médio por pessoa.

O resultado está na Tabela 2. É importante lembrá-la como um modelo de IA, não um relatório do IBGE.

Tabela 2 – Cenário exploratório 2025E do mercado ilícito de drogas no Brasil

(Toda a coluna “2025E” é estimativa de IA, a partir da base 2015 + IPCA + tendências globais.)

Algumas ideias chave para ler essa tabela:

  • Em valores nominais, o “mercado de drogas” pode estar na casa de R$ 33 bilhões/ano, basicamente o dobro de 2015, puxado por inflação e aumento moderado de consumidores.
  • A maconha seguiria relevante, mas perdendo um pouco de participação para cocaína e sintéticos.
  • Drogas sintéticas, praticamente invisíveis na conta de 2015, ganham um pedaço pequeno, mas crescente.

Se você montar a Figura 2 (barras com faturamento 2015 x 2025E para cada droga), a mensagem visual é: as barras de todas as drogas crescem, mas a de cocaína cresce de forma especialmente preocupante.

Na Parte 2, eu parto desses números e os transformo em um cenário de política pública: simulo o que aconteceria com o caixa das facções, a arrecadação do Estado e o sistema de saúde se a maconha saísse (em parte) do mercado ilegal e fosse tratada como um produto regulado.


O que é dado e o que é estimativa da IA:

  • As tabelas com valores de 2015 (Tabela 1) são baseadas no estudo de Luciana Teixeira para a Câmara dos Deputados, que estimou um mercado de R$ 14,5 bilhões para maconha, cocaína, crack e ecstasy no Brasil em 2015.
  • A Tabela 2 com rótulo “2025E”, “é estimativa de IA, construída a partir:
    • dos números de 2015,
    • da inflação (IPCA) acumulada,
    • de tendências globais descritas no World Drug Report.
  • Esse cenário não deve ser lido como “previsão oficial”, mas como um exercício para ajudar a pensar ordens de grandeza.

Fontes principais:

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Introduzindo “A Revolta de Atlas” de Ayn Rand e Por Que os Conservadores Brasileiros Não Exaltam Sua Autora?

Enfim terminei a leitura das mais de 1.200 páginas do livro “A Revolta de Atlas” (Atlas Shrugged) de Ayn Rand. Este livro foi a última obra de ficção desta autora que após sua publicação passou a escrever livros apenas para divulgar sua própria filosofia, o Objetivismo. Ela iniciou a redação em 1946 e concluiu dez anos depois. Conta-se que ela demorou dois anos somente para finalizar o discurso de John Galt que apresenta as bases do Objetivismo. A primeira edição foi publicada nos Estados Unidos em outubro de 1957.

Este é o primeiro artigo de uma nova série que publicarei no blog. Diferentemente da série sobre o livro “As Seis Lições” de Ludwig Von Mises, iniciarei com algumas considerações sobre Ayn Rand e as razões que a impedem de ser popular entre os conservadores brasileiros.

Ayn Rand nasceu na Rússia em 1905, antes da Revolução Bolchevique, cresceu sob o regime comunista soviético, viajou ainda jovem para visitar parentes nos Estados Unidos e nunca mais voltou para seu país de origem. Sua filosofia privilegia o individualismo, o egoísmo e a razão em detrimento dos sentimentos. Ela considera o altruísmo definitivamente um mal.

Ayn Rand

Deste modo, ela tornou-se um ícone do Liberalismo clássico, defendendo o Estado mínimo que teria como função somente e tão somente a segurança (interna e externa do país) e a Justiça. E tudo mais seria realizado pela iniciativa privada. Ou seja, não é função do Estado cuidar, por exemplo, de educação, saúde, assistência social, saneamento básico e infraestrutura básica. O sucesso dos indivíduos, obtido através de um competente esforço egoísta, traria prosperidade para toda sociedade. Os Estados Unidos seriam o melhor exemplo deste modelo. Como podemos perceber suas ideias estão muito bem alinhadas aos pensamentos do economista liberal austríaco Ludwig Von Mises.

Rand escreveu seu livro para defender seus pontos de vista e o Objetivismo. Na reta final do livro, há o longo discurso de 70 páginas do personagem principal, John Galt, sobre o racionalismo, egoísmo e toda a filosofia. Além deste extenso texto, em outras passagens personagens abordam inúmeras questões sensíveis: Francisco d’Anconia fala sobre o dinheiro; o “pirata” Ragnar Danneskjöld define-se como um anti-Robin Hood e defende a meritocracia; Ellis Wyatt defende a riqueza. Analisarei estes discursos nos próximos artigos.

O livro trata da reação de empresários, cientistas e artistas que desaparecem em um ambiente de intervenção estatal crescente nos Estados Unidos do futuro. Está divido em três partes com dez capítulos cada. Em alguns capítulos a história prende e a leitura é fluida; em outras, a leitura é maçante. Existem repetições exaustivas de algumas situações, como se a autora quisesse gravar em nossas mentes sua concepção de mundo. Seguramente poderia haver um bom enxugamento no conteúdo do livro.

Pode-se afirmar que o livro possui quatro personagens principais: três masculinas – John Galt, Francisco d’Anconia e Hank Rearden) – e uma feminina, Dagny Taggart. Dagny era a vice-presidente de operações (hoje chamaríamos COO) da ferrovia Taggart Transcontinental. Ela era uma mulher independente, competente, ética e determinada. Incrivelmente Dagny teve relacionamentos amorosos com os três personagens principais masculinos. Desconfio que Dagny seja alter ego de Ayn Rand…

Em meados da década de 1950, Rand teve um caso amoroso com o psicanalista Nathaniel Branden, vinte e cinco anos mais jovem do que ela. Segundo algumas informações, seus cônjuges tinham conhecimento do fato. Ou seja, Ayn Rand não se encaixa no padrão princesa que se casa com o príncipe encantado para formar uma “família tradicional”.

Ayn Rand e seu marido no casamento de Nathaniel Branden (Fonte: The New York Times)

Além disso, ela era ateia, considerava que havia apenas uma vida. Deste modo, considerava que havia apenas esta vida para o homem buscar seu “maior propósito moral”: alcançar sua própria felicidade.

Também era contra a proibição do aborto por restringir a opção das mulheres e a busca pela felicidade. O embrião não teria direitos inicialmente, o direito à vida só iniciaria a partir do nascimento. E era favorável a descriminalização das drogas por defender o direito de escolha dos indivíduos.

Sua visão sobre as religiões era extremamente negativa. Dizia que os “místicos do espírito” (religiosos) pedem que o sofrimento presente seja suportado para receber a compensação em outra dimensão. Defendia a completa separação entre Estado e religião. Para exemplificar a coerência de suas posições, Rand se recusou a votar no liberal Ronald Reagan para presidente dos Estados Unidos, na década de 1980, devido a sua posição antiaborto e a favor da religião.

Ex-Presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan

No livro, durante o longo discurso de John Galt, há uma passagem sobre a não-violência que transcrevo abaixo.

“Tudo está aberto à discordância, menos um ato mau, o ato que homem nenhum pode cometer contra os outros, aprovar nem perdoar. Enquanto os homens quiserem viver em comunidade, nenhum homem pode tomar a iniciativa – estão me ouvindo? –, nenhum homem pode tomar a iniciativa de usar a força física contra os outros.

Interpor a ameaça da destruição física entre o homem e sua percepção da realidade é negar e paralisar seu meio de sobrevivência. Forçá-lo a agir contra seu discernimento é como forçá-lo a agir contra sua própria visão. Todo aquele que, com qualquer objetivo e em qualquer grau, tome a iniciativa de lançar mão da força, é um assassino que parte da premissa da morte, mais ainda do que o assassino propriamente dito: a premissa de destruir a capacidade de viver do homem.

Não venham me dizer que sua mente os convenceu de que vocês têm o direito de forçar minha mente A força e a mente são coisas opostas. A moralidade termina onde começa a força da arma”.

Sem dúvida, além da violência física, todas as formas de coação, chantagem e assédios são condenadas.

Assim fica difícil para os conservadores brasileiros exaltarem Ayn Rand, porque ela era uma mulher defensora da liberação sexual, a favor do aborto, antirreligiosa, a favor da descriminalização das drogas e defensora ampla da não-violência.

Outro ponto é a separação entre o público e o privado. Nas páginas da “Revolta de Atlas”, existem inúmeros casos de empresários que buscam privilégios através de suas relações com o Governo. Este tipo de conluio é execrado por Rand. Em um Estado mínimo, as empresas deveriam vencer a competição no mercado exclusivamente através de seus próprios méritos, sem ajudas ou reservas de mercado. Nós sabemos como muitos empresários brasileiros atuam com lobbies no Executivo e no Legislativo para favorecer seus negócios, restringindo a livre concorrência, são os falsos liberais.

Nos próximos artigos, abordarei outros pontos como as mensagens subliminares do livro, o Objetivismo, o egoísmo ético e o Liberalismo Laissez-faire de Rand.

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Sun Tzu e a Intervenção Federal no Rio de Janeiro

O general chinês Sun Tzu escreveu há 2.500 anos o clássico “A Arte da Guerra”. Apesar de seu nome, este livro não é apenas sobre táticas de guerra, ele trata sobre conflitos e como superá-los, tanto que uma mensagem marcante é:

“A suprema arte da guerra é submeter o inimigo sem lutar.”

A intervenção federal na área da segurança pública no Rio de Janeiro completou um mês e a população prossegue na expectativa nos seus resultados.

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O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, e o comandante Militar do Leste, General Braga Netto, em entrevista coletiva sobre o decreto de intervenção no Estado do Rio de Janeiro (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Sun Tzu foi enfático em um dos aspectos centrais das discussões sobre a intervenção – o respeito pelas leis e o comporta ético. Leia o trecho a seguir.

“Os que usam bem as armas cultivam o caminho e obedecem às leis. Assim podem governar, prevalecendo sobre os corruptos; usar a harmonia para desvanecer a oposição, não atacar um exército inocente, não fazer prisioneiros ou saquear por onde a tropa passar, não cortar as árvores, nem contaminar os poços; limpar e purificar os templos das cidades e montanhas por onde você passar, não repetir os erros de uma civilização decadente. Tudo isso está inserido na lei moral.”

Sun Tzu

Sun Tzu

Ou seja, violência contra a população das comunidades, onde houver conflitos entre grupos de criminosos com a polícia ou exército, deve ser evitada a qualquer custo. Desde modo, os mandados coletivos de busca e apreensão são inadmissíveis, por permitir que lares de moradores inocentes sejam invadidos sem indícios concretos.

Os líderes da intervenção militar explicam a aparente inatividade das forças policiais-militares por estarem em um período de planejamento e levantamento dos recursos humanos e materiais necessários para as operações. O planejamento é essencial para atingir o sucesso em qualquer atividade. Sun Tzu cita a importância desta etapa em várias passagens do seu livro.

“Informação é crucial. Nunca vá para a batalha sem saber o que pode estar contra você.”

“Compare, prudentemente, o exército inimigo com o seu próprio, de modo que você possa saber onde a força é superabundante e onde é deficiente.”

“Não ataque alguém só por estar magoado. Um general não deve colocar suas tropas em campo apenas para satisfazer seu próprio esplendor.”

“Um general não deve empreender uma guerra num ataque de ira, nem deve enviar suas tropas num momento de indignação. Entenda que um homem que está enfurecido voltará a ser feliz, e aquele que está indignado voltará a ser honrado, mas um Estado que pereceu nunca poderá ser reavivado, nem um homem que morreu poderá ser ressuscitado.”

“Nunca se deve atacar com cólera ou pressa, é aconselhável reservar um tempo para o planejamento e organização do plano. Um verdadeiro mestre das artes marciais vence um inimigo sem batalha, conquista outras cidades sem assaltá-las e destrói outros exércitos sem gastar muito tempo. Desfaz os planos dos inimigos, destrói suas relações e alianças, corta suas provisões ou bloqueia seu caminho.”

“Se não é vantajoso, nunca envie suas tropas; se não lhe rende ganhos, nunca utilize seus homens; se não é uma situação perigosa, nunca lute uma batalha precipitada.”

“A estratégia sem tática é o caminho mais lento para a vitória. Tática sem estratégia é o ruído antes da derrota.”

Em algum momento, o planejamento e a preparação para o conflito deverão ser colocados em prática, porque existe uma premência por resultados positivos neste ano em que temos eleições para os governos federal e estaduais. Em minha opinião, o maior obstáculo para a vitória reside na frase abaixo.

“Aquele que conhece o inimigo e a si mesmo lutará cem batalhas sem perder; para aquele que não conhece o inimigo, mas conhece a si mesmo, as chances para a vitória ou derrota serão iguais; aquele que não conhece nem o inimigo e nem a si próprio será derrotado em todas as batalhas.”

O problema é a relação entre o crime e a polícia. Se a polícia tem criminosos em seus quadros, qual seria a chance de “conhecer a si próprio”? Neste caso, o fracasso está garantido.

Outro ponto é a duração das operações, Sun Tzu recomenda que as operações sejam rápidas. Operações longas ou com várias campanhas também exaurem a energia das tropas e da população em geral, como pode ser confirmado nas seguintes frases.

“Ainda que você esteja vencendo, se a batalha continuar por muito tempo, deixará suas tropas desanimadas e cegará sua espada. Se estiver sitiando uma cidade, esgotarão suas forças.”

“Não há exemplos de uma nação beneficiando-se da guerra prolongada.”

“Deixar que uma operação militar se prolongue por muito tempo, nunca será benéfico para o país. Não se deve mobilizar o povo mais de uma vez por campanha.”

“Uma operação militar significa um grande esforço para o povo e uma guerra pode durar muitos anos até a obtenção da vitória.”

Se pensarmos nos moradores das comunidades atingidas pelos conflitos, o desgaste é desumano, especialmente quando admitimos que as chances de uma vitória militar são reduzidas, por causa das milícias que usam a própria estrutura da polícia para agirem nessas mesmas comunidades e dos espiões do crime organizado infiltrados na polícia e no Judiciário.

A primeira citação de Sun Tzu neste artigo foi a seguinte:

“A suprema arte da guerra é submeter o inimigo sem lutar.”

Como vencer criminosos bem armados sem luta? A principal fonte de receitas destes grupos é o tráfico de drogas ilícitas. Já escrevi um artigo sobre este assunto (Drogas – O Fim da Guerra), onde reproduzo dados apresentados em 2014 por Ethan Nadelmann, diretor e fundador da ONG Drug Policy Alliance. Em 40 anos de guerra, apenas os Estados Unidos gastaram US$ 1 trilhão para obtenção de um grande fracasso. A quem interessa prosseguir com esta longa guerra sem chance de sucesso? Sem dúvida, interessa aos corruptos que recebem propinas para manter o tráfico em atividade.

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Ethan Nadelmann, durante o TEDGlobal 2014 no Rio de Janeiro.

Acredito que a liberação das drogas com menores potenciais de dano físico e dependência como, por exemplo, a maconha, seria um bom início. Outro ponto é o aumento da efetividade do combate à lavagem de dinheiro oriundo de atividades criminosas. Estas medidas reduziriam o poder de fogo dos grupos criminosos sem disparar um único tiro.

 

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Drogas – O Fim da Guerra

Recentemente pessoas de diversos lugares do mundo ficaram chocadas com o desaparecimento e provável assassinato de 43 estudantes no México. Segundo membros do cartel de narcotraficantes, “Guerreros Unidos”, um ônibus com os estudantes foi interceptado pela polícia, quando estava a caminho da cidade de Iguala. Após a prisão, os estudantes foram entregues ao grupo de criminosos que os executou e seus corpos foram queimados. José Luis Abarca Velázquez, o prefeito de Iguala, e sua esposa, María de los Ángeles Pineda Villa, foram apontados como os prováveis autores intelectuais deste crime bárbaro.

Painel com as fotos dos 43 estudantes mexicanos desaparecidos.

Painel com as fotos dos 43 estudantes mexicanos desaparecidos.

O envolvimento de autoridades políticas, policiais e traficantes de drogas infelizmente não é novidade. A corrupção do sistema pode ser explicada pelo tamanho do negócio das drogas ilícitas, um mercado de US$ 300 bilhões por ano.

Por que algumas drogas são lícitas e outras são ilícitas? Álcool, cigarro e açúcar têm consumo permitido; e maconha, cocaína e heroína, não! Você pode ficar surpreso com a inclusão do açúcar no rol das drogas lícitas, mas foi assim que começou minha conversa com Ethan Nadelmann, diretor e fundador da ONG Drug Policy Alliance, durante o TEDGlobal 2014 no Rio de Janeiro. Você pode assistir sua impactante apresentação durante o TED abaixo.

 

Eu estava na mesa do buffet de sobremesas, quando ele chegou. Escolhi alguns doces e disse para ele:

– Dizem que o açúcar vicia mais do que cocaína…

Ele sorriu e concordou. Contou a história de um donut cheio de açúcar e creme que, segundo um comediante americano, dava a sensação que o cérebro iria explodir – efeito semelhante da cocaína. Elogiei a apresentação dele, falamos sobre amenidades e ele disse que estaria em São Paulo na semana seguinte. Comentei sobre o programa da prefeitura paulistana para reintegrar ao convívio social os viciados em crack. Lembrei também da reação da polícia do estado que agiu de forma agressiva, batendo e prendendo usuários de drogas da região da cracolândia de São Paulo. Nadelmann elogiou a iniciativa da prefeitura e disse que, em todo o mundo, a polícia é a maior inimiga da legalização das drogas.

Na sequência, para exemplificar, ele contou a história de um rapaz que criou uma ONG na Colômbia que procurava ajudar dependentes de drogas injetáveis, auxiliando-os a se libertar do vício e, se isto não fosse possível, dando agulhas esterilizadas para evitar a proliferação de doenças, como a AIDS. A atuação desta ONG começou a incomodar os traficantes e os policiais corruptos que faziam parte do esquema. A Justiça Colombiana decidiu proteger a vida do rapaz com policiais honestos e a intimidade entre o protegido e seus protetores começou a crescer. Numa noite, enquanto bebiam cerveja juntos, um dos policiais falou:

– Você é um cara legal! Está fazendo o acredita, é honesto, bem-intencionado, mas eu agiria diferente. Se pudesse, daria um tiro na cabeça de cada um destes viciados e acabava com o problema…

Esta postura lembra o ódio do Capitão Nascimento nutria contra os viciados no primeiro filme da “Tropa de Elite”.

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Capitão Nascimento agride um viciado e diz que ele é o responsável por aquela situação.

 

Os Estados Unidos gastaram US$ 1 trilhão no combate às drogas nos últimos 40 anos. O fracasso é evidente, o consumo de drogas ilícitas só cresce e a violência ligada à atividade atinge níveis impressionantes em várias regiões do mundo como no México.

Nadelmann brincou na sua apresentação que muda de opinião muitas vezes em relação à legalização das drogas:

– Estou dividido: três dias por semana eu acho que sim, três dias por semana eu acho que não, e aos domingos, eu sou agnóstico.

Eu também me sinto dividido, mas vejo que alguns argumentos contra a descriminalização são fracos. Se a proteção à saúde fosse realmente o motivo principal, deveríamos proibir o consumo de álcool, cigarro, açúcar, gorduras saturadas…

Se o argumento é a proteção de nossos filhos em relação à violência, também podemos demonstrar que uma boa dose da violência urbana advém desta guerra antidrogas que vitima muitos inocentes. Além disto, proibir alguma coisa para nossos filhos não é, com certeza, tão efetivo quanto amá-los, educá-los, orientá-los e sermos pais presentes.

Hoje não é permitida a venda de álcool e cigarros para menores de 18 anos. O mesmo critério poderia ser adotado em relação a outras drogas. Em minha opinião, a maconha poderia ser a primeira droga atualmente ilícita a ser liberada e vendida com estas restrições de idade, com cobrança de impostos similar às bebidas alcoólicas destiladas ou cigarros. A maioria das demais drogas poderia ser liberada na sequência de acordo com as peculiaridades de cada uma.

Se a proibição das drogas resolvesse a questão, ninguém nos Estados Unidos beberia álcool. A Lei Seca só serviu para capitalizar a Máfia americana e enriquecer seu líder, Al Capone.

Termino este post, reproduzindo o encerramento da apresentação de Ethan Nadelmann no TEDGlobal que foi aplaudido de pé pela plateia presente.

– Então é a isso que eu tenho dedicado a minha vida para a construção de uma organização e um movimento de pessoas que acreditam que precisamos virar as costas a proibições fracassadas do passado e abraçar novas políticas de drogas baseadas em ciência, compaixão, saúde e direitos humanos, onde as pessoas que vêm de todo o espectro político e todos os outros espectros, onde pessoas que amam as nossas drogas, pessoas que odeiam drogas e pessoas que não dão a mínima para as drogas, mas onde cada um de nós acredite que essa guerra às drogas, este atraso, sem coração, esta guerra desastrosa tem que acabar.

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