No dia 24 de março, recebi um presente amargo de Jair Bolsonaro, um discurso no qual ele pediu para a vida voltar à normalidade. O racional (se podemos chamar assim no caso do Bolsonaro) é, se a economia do país parar, mais pessoas serão prejudicadas do que as seriam com a COVID-19. A venda desta ideia está claramente baseada na ética utilitarista que busca a maximização do bem-estar.
No poker, chamamos “all-in” quando o jogador aposta todas suas fichas em uma rodada. Bolsonaro, na terça-feira passada, fez um all-in. O problema desta aposta é que ela vai na contramão das recomendações dos cientistas de todo o mundo. Ou seja, a probabilidade de ele estar certo é muito baixa. E pior, mas muito pior mesmo, se ele estiver errado (o que deverá acontecer), a consequência não será apenas sua “eliminação do jogo”, mas a morte de centenas de milhares de pessoas no Brasil.

Bolsonaro com o Comediante Carioca
Em um artigo no Financial Times, Yuval Harari, o autor de Sapiens, deixou claro qual é a melhor opção nesta crise.
“Nos próximos dias, cada um de nós deve optar por confiar em dados científicos e especialistas em saúde, em detrimento de teorias infundadas da conspiração e de políticos egoístas.”
Acredito que a maioria da população brasileira não concorda com a posição de Bolsonaro, mas isso não é suficiente. Bolsonaro, em seu discurso, abriu a “Caixa de Pandora” e todos seus seguidores (25 a 30% dos brasileiros) passaram a pressionar pela volta à normalidade, encampando suas teorias conspiratórias sobre a Imprensa, a Esquerda e seus adversários políticos. Se o isolamento social for encerrado, a consequência deverá ser desastrosa – centenas de milhares de brasileiros mortos.
A minimização das mortes divulgadas em vídeos de Luciano Hang (dono da Havan), Junior Durski (dono do Madero), Alexandre Guerra (filho do dono do Giraffas) e Roberto Justus é um verdadeiro absurdo. Declarações como estas estimulam a histeria das pessoas em relação às perdas de emprego e renda. Nos últimos dias, carreatas aconteceram em cidades brasileiras pedindo que os prefeitos cancelem as restrições de circulação e abertura do comércio.
O Governo deveria redirecionar suas prioridades. Ninguém comenta que R$ 248,6 bilhões estão previstos no orçamento de 2020 para pagamento de dívidas com títulos públicos, conforme figura abaixo que copiei do Plano Anual de Financiamento / 2020 – Secretaria do Tesouro Nacional.
Necessidade de Financiamento 2020 [Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/cosis/thot/transparencia/arquivo/31541:1047266:inline:5040891138940]
Para ter ideia da magnitude dos gastos com o serviço da dívida pública federal, os gastos orçados para saúde e educação em 2020 são, respectivamente, R$ 136,5 bilhões e R$ 123,5 bilhões, segundo o Portal Transparência.
Ou seja, baixar a Selic ajuda a reduzir os juros; alongar o prazo de vencimento dos títulos que vencem em 2020 também ajudaria.
Para aqueles que ficaram curiosos para saber quais despesas primárias serão financiadas com novas dívidas, vejam o quadro abaixo.
Despesas Primárias Cobertas por Emissão de Novos Títulos Públicos em 2020 [Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional]
Outros atores neste cenário complexo são os bancos. A soma dos lucros líquidos dos três principais bancos privados do Brasil (Itaú, Bradesco e Santander) foi R$ 63,35 bilhões em 2019. O Banco do Brasil lucrou R$ 18,16 bilhões; e a Caixa Econômica Federal, R$ 21,1 bilhões neste período.
Obviamente os dois bancos estatais poderiam zerar seus lucros através de créditos com juros baixos e carência para pagamento. E os bancos privados poderiam aceitar uma redução nas suas margens para evitar a quebradeira geral que voltaria para cima deles como um bumerangue.
Programas de renda mínima devem ser efetivados imediatamente para prover condições de sobrevivência aos mais pobres.
Para costurar um grande acordo entre o poder público, iniciativa privada e população, precisaríamos de um estadista, um verdadeiro líder que unisse todas estas forças em prol de bem de todos. Infelizmente Jair Bolsonaro não tem as menores condições de exercer este papel.