A Revolta de Atlas – Ragnar Dannesjöld, Sonegação e Meritocracia

Chegamos ao terceiro artigo sobre o livro “A Revolta de Atlas” (Atlas Shrugged) de Ayn Rand. Hoje o assunto será o discurso do “pirata” Ragnar Danneskjöld sobre impostos e meritocracia.

Ragnar Danneskjöld atua como um pirata que ataca os navios que transportam doações dos governos dos países ricos para países pobres. Segundo ele, estes bens são roubados dos produtores ricos pelos governos corruptos, através dos impostos. O resultado das pilhagens é vendido no mercado negro da Europa pelo maior preço possível e o ouro, oriundo destas operações, é depositado em contas secretas em nome de empresários, com base no imposto de renda pago por eles.

O navio do “pirata” não ataca embarcações privadas ou Marinha de Guerra dos países. Ele segue a lógica ultraliberal que apenas a segurança, interna e externa, é função do Estado e nada mais.

Danneskjöld odeia a figura Robin Hood que, segundo ele, é o símbolo da moralidade invertida que domina o mundo. Transcrevo o trecho abaixo, no qual Ayn Rand explicita, através de seu personagem, a sua forma de ver o mundo, usando a figura de Robin Hood como contraexemplo do seu pensamento.

“Diz-se que ele lutava contra governantes saqueadores e restituía às vítimas o que lhes fora saqueado, mas não é esse o significado da lenda que se criou. Ele é lembrado não como um defensor da propriedade, e sim como um defensor da necessidade; não como um defensor dos roubados, e sim como protetor dos pobres. Ele é tido como o primeiro homem que assumiu ares de virtude por fazer caridade com dinheiro que não era seu, por distribuir bens que não produzira, por fazer com que terceiros pagassem pelo luxo de sua piedade. Ele é o homem que se tornou símbolo da ideia de que a necessidade, não a realização, é a fonte dos direitos; que não temos que produzir, mas apenas de querer; que o que é merecido não cabe a nós, e sim o imerecido. Ele se tornou uma justificativa para todo medíocre que, incapaz de ganhar seu próprio sustento, exige o poder de despojar de suas propriedades os que são superiores a ele, proclamando sua intenção de dedicar a vida a seus inferiores roubando seus superiores.”

Ou seja, para Ayn Rand, os verdadeiros heróis são os ricos produtivos, porque criam valor para a sociedade com sua competência e seu trabalho. Os pobres, que não ganham o suficiente para seu sustento, são incompetentes e parasitas, porque se aproveitam da riqueza “roubada” dos ricos para sobreviver. Esta visão de mundo, nua e crua, é a defesa extrema da meritocracia social, na qual condena-se qualquer forma de redistribuição de renda ou altruísmo.

Eu concordo que as pessoas devam ser recompensadas de acordo com o resultado de suas atividades produtivas e com a capacidade de gerarem valor. Por outro lado, não podemos desprezar que existe uma parcela pequena da população que já larga muito à frente da maioria em termos de educação. Imagine agora um país que siga 100% a ideologia de Ayn Rand, capitalismo liberal laissez-faire. Neste lugar, o Estado não recolheria mais a maior parte dos impostos pagos pelos produtores ricos e os pobres teriam que custear, além de suas despesas básicas (alimentação, habitação, transporte e vestuário), saúde e educação. Como qualquer forma de altruísmo é condenável, quem não tivesse meios de subsistência estaria entregue à própria sorte. E se hoje já é muito difícil a ascensão social dos mais pobres, neste país seria praticamente impossível.

O curioso é que a autora parece desconhecer que uma ação social iniciada no governo do Presidente Roosevelt em 1944, o programa G.I. Bill, teve um enorme impacto econômico positivo nos Estados Unidos. O período de validade do programa, 1944-1956, é quase o mesmo em que Ayn Rand escreve “A Revolta de Atlas”, 1946-1956.

Presidente Roosevelt assinou a Lei do Programa G.I. Bill em 1944.

O programa G.I. Bill foi uma iniciativa do governo norte-americano para oferecer benefícios educacionais aos veteranos que serviram nas forças armadas durante a Segunda Guerra Mundial. Milhões de soldados americanos cursaram o ensino superior, técnico ou profissional, com custos subsidiados pelo governo. Este programa G.I. Bill foi considerado um dos maiores investimentos públicos em capital humano da história, e teve um impacto significativo na economia, na sociedade e na cultura dos Estados Unidos no pós-guerra. Infelizmente devido às leis de segregação racial vigentes nos estados sulistas norte-americanos, os negros não tiveram as mesmas benesses dos brancos. Assim a distância econômica e social entre brancos e negros aumentou naquele país.

Além de tentar destruir o mito de Robin Hood, Danneskjöld também defendia a sonegação de impostos. Por todos os motivos já expostos, ele considerava os impostos uma forma de roubo praticada pelo Estado. Ele resume sua missão no primeiro encontro com o industrial Hank Rearden assim:

“Bem, eu sou o homem que rouba dos pobres e dá para os ricos, ou, mais exatamente, que rouba dos pobres ladrões e devolve aos ricos produtivos.”

Se Danneskjöld e Ayn Rand conhecessem o sistema tributário brasileiro, talvez ficassem felizes ao descobrir que os mais pobres pagam mais impostos do que os mais ricos. O peso dos impostos sobre bens e serviços no Brasil é bem mais alto do que nos países da OCDE (42% do total arrecadado contra média de 32% em 2020), onerando os mais pobres. Mesmo no imposto de renda, os super-ricos pagam alíquota média menor do que os brasileiros da classe média, porque dividendos não são tributados no Brasil. Veja o gráfico abaixo do Portal G1 com dados de 2020 sobre alíquotas médias de imposto de renda por faixa de rendimento.

Diferentemente do discurso sobre dinheiro de Francisco D’Anconia, no qual eu concordo com a essência do seu conteúdo, considero o discurso de Ragnar Danneskjöld absurdo. Como procurei demonstrar neste artigo, mesmo os Estados Unidos na década de 1950 não seguiam este capitalismo ultraliberal. Se aplicássemos os postulados de Danneskjöld, não seria imoral juntar uma fortuna nababesca, enquanto milhares morrem de fome e doenças na mesma cidade.

3 Comentários

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3 Respostas para “A Revolta de Atlas – Ragnar Dannesjöld, Sonegação e Meritocracia

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  2. Avatar de Desconhecido Anônimo

    Você é um animal.

    Deve andar de quatro e relinchar.

    Não entendeu NADA do livro!!! Ou sequer leu…

    “Os pobres, que não ganham o suficiente para seu sustento, são incompetentes e parasitas, porque se aproveitam da riqueza “roubada” dos ricos para sobreviver.”

    Nunca é dito isso… Hank, por exemplo, era miserável e começou a vida em minas de carvão… O senhor que entra no vagão de Dagny certa hora e conta como ele era produtivo e trabalhador, enquanto os parasitas da empresa não faziam nada, mas ganhavam mais do que ele pela necessidade… Todos deveriam conseguir a prosperidade pelo esforço próprio (vide o juramento que eles fazem antes de ir pro vale no Colorado).

    “E se hoje já é muito difícil a ascensão social dos mais pobres, neste país seria praticamente impossível.”

    Nãããããão, brasileiro semianalfabeto… Os pobres também vão para o vale de Mulligan, mas só os que são individualistas e querem gerar valor para si mesmos… Lá os pobres prosperam, vide Dagny que foi trabalhar de empregada doméstica de Galt. E o rapaz que é Guarda-freio e foi pra lá TRABALHAR para RECEBER em ouro e empreender.

    Ayn Rand foi contra a GI Bill… O estado não deveria custear estudo para poucos com o $ de muitos…

    “Se Danneskjöld e Ayn Rand conhecessem o sistema tributário brasileiro, talvez ficassem felizes ao descobrir que os mais pobres pagam mais impostos do que os mais ricos. “

    Pagam proporcionalmente mais imposto e não quantitativamente. O Estado grande faz com que prospere o capitalismo de compadrio… Tal como é nessa favela chamada Brasil… Tudo para os “amigos do rei”. E o Brasil quer que você fique em casa inerte recebendo ajuda estatal (migalhas)…

    “Mesmo no imposto de renda, os super-ricos pagam alíquota média menor do que os brasileiros da classe média, porque dividendos não são tributados no Brasil. “

    Dividendos não são tributados, pois o tributo já incide sobre o lucro da empresa… Seria tributar 2x. Só se tributaria o dividendo se não incidissem nenhuma alíquota na apuração do ganho.

    “Se aplicássemos os postulados de Danneskjöld, não seria imoral juntar uma fortuna nababesca, enquanto milhares morrem de fome e doenças na mesma cidade.”

    E não seria mesmo, nababesca e lastreada por ativos reais… Quem sabe assim os miseráveis fariam algum controle de natalidade ou deixariam de pôr mais miseráveis no mundo… Imoral é sustentar os nababos vagabundos do congresso, do judiciário, do exército, etc.

    Você tem que ler novamente o livro (ou ler pela primeira vez)… Tudo que falaste e que eu destaquei é burrice.

    Lendo e aprendendo você gradualmente vai voltar a andar em duas pernas e parar de relinchar….

    Inclusive, leia os outros – principalmente A Nascente.

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    • Estou abrindo uma exceção ao publicar este comentário, apesar de seu tom agressivo, mal-educado e anônimo. Acredito que, ao responder de forma construtiva, eu possa esclarecer os pontos levantados e promover um debate mais saudável. Além disso, o comentário utiliza um tom depreciativo ao se referir a “brasileiro” de forma negativa, o que não apenas enfraquece sua argumentação, mas também reforça estereótipos preconceituosos. O debate de ideias deve ser pautado pelo respeito, como defendido pela própria Ayn Rand, e não através de ofensas.

      1. Citação retirada de contexto:

      O comentário alega que a seguinte passagem do artigo foi inventada ou interpretada de forma equivocada:

      “Os pobres, que não ganham o suficiente para seu sustento, são incompetentes e parasitas, porque se aproveitam da riqueza ‘roubada’ dos ricos para sobreviver.”

      Entretanto, essa afirmação não foi feita como opinião própria do autor, mas como uma análise crítica da filosofia presente no livro, onde a ideia de que os pobres “exploram” os ricos aparece de maneira implícita em vários trechos. Por exemplo, o personagem Ragnar Danneskjöld critica a figura de Robin Hood, afirmando que este se tornou símbolo de uma moralidade invertida, onde a necessidade, e não a realização, é considerada a fonte dos direitos. Danneskjöld argumenta que tal perspectiva justifica que indivíduos menos produtivos exijam o direito de “despojar” aqueles que são mais capazes e produtivos, promovendo uma inversão de valores que, segundo ele, prejudica os verdadeiros criadores de riqueza. Esse trecho ilustra a crítica de Ayn Rand à redistribuição de riqueza baseada na necessidade, sugerindo que aqueles que não produzem são vistos como “parasitas” que se beneficiam do esforço alheio.

      O próprio comentário menciona Hank Rearden, que começou pobre e prosperou, sugerindo que qualquer pessoa poderia alcançar sucesso apenas pelo esforço próprio. O artigo, no entanto, continua explicando que essa visão ignora barreiras sociais, como o acesso desigual à educação e às oportunidades. A crítica feita no texto do artigo é justamente à ideia de que todos os pobres são “parasitas”, como alguns personagens de Ayn Rand, especialmente Ragnar Danneskjöld, indicam ao longo da narrativa.

      2. Preconceito contra os pobres e controle da natalidade

      O comentário expressa uma visão preconceituosa ao sugerir que a pobreza é resultado exclusivo da incompetência individual, ignorando fatores estruturais e históricos. O trecho que afirma que “os miseráveis fariam algum controle de natalidade ou deixariam de pôr mais miseráveis no mundo” é particularmente alarmante. Esse tipo de pensamento carrega um viés eugênico, defendendo que pessoas em situação de vulnerabilidade não deveriam se reproduzir, como se a pobreza fosse uma questão genética e não social.

      Essa linha de raciocínio ignora os desafios enfrentados por milhões de pessoas que vivem em sociedades onde o acesso à educação, saúde e oportunidades é profundamente desigual. A ideia de que apenas aqueles que se encaixam em um ideal de produtividade têm direito a viver confortavelmente reflete uma perspectiva desumanizante e perigosa.

      3. GI Bill e o desenvolvimento dos Estados Unidos

      O comentário menciona que Ayn Rand foi contra o GI Bill, argumentando que o Estado não deveria custear estudos para poucos com o dinheiro de muitos. No entanto, o GI Bill, implementado nos Estados Unidos em 1944, foi um dos programas governamentais mais bem-sucedidos da história, ajudando veteranos de guerra a obter educação superior, financiamento habitacional e outras oportunidades econômicas.

      Esse programa permitiu que milhões de pessoas adquirissem diplomas universitários e melhores condições de vida, impulsionando o crescimento econômico dos Estados Unidos e consolidando uma classe média robusta no pós-guerra. Se a lógica do “cada um por si”, defendida no comentário, tivesse prevalecido, a economia americana poderia ter se desenvolvido de maneira muito mais lenta, pois a ausência de investimento estatal em educação teria limitado a qualificação da força de trabalho.

      4. Sistema tributário regressivo e taxação de dividendos no Brasil

      O Brasil possui um sistema tributário regressivo, onde a carga tributária pesa proporcionalmente mais sobre os pobres do que sobre os ricos. Isso ocorre devido à alta tributação sobre bens e serviços, que afeta toda a população igualmente, independentemente da renda. Além disso, lucros e dividendos distribuídos a acionistas são isentos de imposto de renda desde 1996, o que beneficia os mais ricos e contribui para a desigualdade.

      O argumento do comentário de que a taxação de dividendos configuraria “tributação dupla” ignora o fato de que em muitos países desenvolvidos os dividendos são tributados, pois representam um ganho individual separado do imposto pago pela empresa. Além disso, no Brasil, a carga tributária já é alta sobre o consumo e os salários, mas não sobre grandes fortunas ou rendimentos de capital, o que acentua as desigualdades.

      5. Visão descolada da realidade atual

      O comentário apresenta uma visão que desconsidera a complexidade do contexto socioeconômico atual. A crença de que apenas o esforço individual é suficiente para superar a pobreza ignora barreiras como a baixa qualidade da educação pública, a concentração de renda, a falta de mobilidade social e a influência de fatores estruturais sobre a desigualdade.
      As ideias do livro analisado devem ser compreendidas dentro do seu contexto histórico, mas não podem ser aceitas como verdades absolutas aplicáveis a qualquer realidade. Os desafios atuais exigem soluções mais abrangentes e realistas, que levem em conta tanto o mérito individual quanto a necessidade de um ambiente econômico e social que permita a ascensão de todos.

      Convido o autor do comentário a refletir sobre essas questões e a participar de debates futuros com respeito e abertura ao diálogo construtivo. O objetivo aqui não é apenas reafirmar posições, mas sim questionar ideias e promover um debate intelectualmente produtivo, em vez de um ataque pessoal desprovido de embasamento e respeito.

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