A L&PM relançou uma coleção de livros no formato pocket. Olhando as opções disponíveis na livraria, resolvi comprar Hamlet de William Shakespeare, traduzido para o português por Millôr Fernandes. A tragédia mostra a tentativa Príncipe Hamlet de vingar a morte de seu pai, o Rei Hamlet da Dinamarca. Elementos como depressão, raiva, traição, incesto, vingança, corrupção fazem parte desta história.
Os diálogos e monólogos do Hamlet são deliciosos. Ao reencontrar dois amigos, Rosencrantz e Guildenstern, o príncipe conversa e num determinado ponto afirma:
– Não há nada de bom ou mau sem o pensamento que o faz assim.
Quem não lembra do famoso “ser ou não ser”. Achava que Hamlet dizia esta frase segurando uma caveira, mas a cena em que ele segura e conversa com a caveira de Yorick , o bobo da corte, acontece bem depois, no Ato V.
Um dos filmes clássicos sobre Hamlet foi protagonizado por Laurence Olivier em 1948. Achei a cena do filme de 1996 dirigido e estrelado por Kenneth Branagh mais fiel ao livro. Clique e assista ao famoso monólogo.
Abaixo está a versão de Millôr Fernandes.
Ser ou não ser – eis a questão
Será mais nobre sofrer na alma
Pedradas e flechadas do destino feroz
Ou pegar em armas contra um mar de angústias –
E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;
Só isso. E com o sono – dizem – extinguir
Dores do coração e mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer – dormir –
Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
Os sonhos que hão de vir no sonho da morte
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Não obrigam a hesitar: e é essa reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa.
Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,
A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,
A prepotência do mundo, e o achincalhe
Que o mérito paciente recebe dos inúteis.
Podendo ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples punhal? Quem aguentaria fardos,
Gemendo e suando numa vida servil,
Senão porque o terror de alguma coisa após a morte –
O pais não descoberto, de cujos confins
Jamais voltou nenhum viajante – nos confunde a vontade,
Nos faz preferir e suportar os males que já temos,
A fugirmos pra outro que desconhecemos?
E assim a reflexão faz todos nós covardes.
E assim o matiz natural da decisão
Se transforma no doentio pálido do pensamento,
E empreitadas de vigor e coragem,
Refletidas demais, saem de seu caminho,
Perdem o nome de ação.
Parece evidente que o “ser” se refere à vida e à ação, enquanto o “não ser” está relacionado à morte e à inação. Será melhor suportar uma situação desfavorável do que lutar para melhorá-la? Será melhor manter a situação atual conhecida do que arriscar algo novo mais de acordo com nossas aspirações? O medo de decidir por algo novo pode nos paralisar? O dormir para buscar o alívio para os problemas diários é uma simples fuga e deve ser conseguido de qualquer forma, até com o uso de remédios?
O melhor mesmo é enfrentar de frente os problemas, mesmo com todos os riscos inerentes desta ação. Ficar parado, não perseguir seus sonhos, se preocupar excessivamente com a opinião dos outros, ter medo de perdas só pode nos conduzir à paralisia e transformar a vida em uma morte cotidiana antecipada.
Nós devemos buscar sempre o que acreditamos ser o melhor. Como disse o personagem Polônio ao aconselhar o filho Laertes:
– E, sobretudo, isto: seja fiel a ti mesmo. Jamais serás falso pra ninguém.
Qual será meu próximo Shakespeare, Rei Lear ou Otelo? Eis a questão…
Pingback: E se o Príncipe Hamlet Fosse um Ovo, uma Semente ou uma Pedra? | World Observer by Claudia & Vicente
ser, sempre…
CurtirCurtir
Diria mais – ser, viver e agir sempre!
Abraço.
CurtirCurtir
Pingback: Meu Cinquentenário | World Observer by Claudia & Vicente
Pingback: Descoberta a Nova Redação do Primeiro Mandamento | World Observer by Vicente
Pingback: Rei Lear – A Velhice e a Sabedoria | World Observer by Vicente
Ola Vicente, muito bom seu texto. Não sei se sabe, mas o Kenneth Branagh é considerado um dos maiores atores shakeasperianos da atualidade. Fez diversos filmes além das peças…Sobre a sua questão, sobre lutar ou não, se manter fiel aos ideais, segue uma citação que ao menos para mim caiu como uma luva:
“O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: Tentar saber quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo e abrir espaço.” (As Cidades Invisíveis – Ítalo Calvino)
CurtirCurtir
Maria Inês,
Grato pelo comentário. Sem dúvida, Kenneth Branagh é conhecido pelos vários filmes que atuou e/ou dirigiu baseados nas peças de Shakespeare, além Hamlet, tem Henrique V, Othello, Muito Barulho por Nada. Acho que ele deve estar esperando a idade avançar para fazer Rei Lear…
Este texto do Calvino é maravilhoso! Quando eu li a peça de Sartre, Entre Quatro Paredes, em que um dos três personagens chega à conclusão de que “o inferno são os outros”, pensei muito a este respeito. Na verdade, o inferno está dentro de cada um de nós. Se o outro nos incomoda e expõe nossos defeitos e fraquezas, não devemos odiar o outro, devemos buscar a nossa evolução. Passei por pessoas durante minha vida que me causaram desconfortos. Não tenho mágoa por nenhuma delas, porque percebi oportunidades para melhorar como pessoa e como profissional.
O problema é quando nos sentimos vítimas do mundo, neste caso o problema (inferno) está no outro e não dentro de nós mesmos. Se pensarmos assim, o caminho será de estagnação. Precisamos nos policiar permanentemente e não fugirmos nunca da “boa luta”.
Grande abraço,
Vicente
CurtirCurtir