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O Novo Fim da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 5)

CONTINUANDO…

Os soldados feridos foram transportados para a Blue Spaceship. A colônia foi cercada, e as buscas começaram de casa em casa. Um dos oficiais da força de paz da ONU foi abordado por uma mulher visivelmente nervosa que queria saber o que houve na sede do conselho. O oficial contou que, quando os soldados invadiram o prédio, bombas incendiárias explodiram e todos que estavam dentro morreram. A mulher caiu de joelhos, e começou a chorar e disse que seu marido era um dos seguranças. O oficial consolou-a, mas procurou obter mais informações:

– Meus pêsames! Com certeza, seu marido não queria estar naquele prédio com apenas mais um colega…

– Não, eu até preferi que ele ficasse lá do que no meio da floresta, com os conselheiros e os outros seguranças. Achei que ele e o colega se entregariam e ficaria tudo bem, mas…

– Em qual floresta estão os outros?

– Na floresta da fonte da juventude.

O oficial desejou que a mulher se recuperasse da perda de seu marido e pediu ao soldado, que o acompanhava, a ajudasse no que fosse necessário. Em seguida, despediu-se e relatou imediatamente sua descoberta ao líder da operação. A tropa se reuniu e avançou até a floresta.

As sentinelas do conselho de Perennial entraram em combate com os primeiros soldados invasores da floresta. Ambos os lados sofreram baixas; contudo, a força de paz da ONU, mais numerosa e bem treinada, avançou rapidamente até o prédio onde o conselho do planeta estava escondido. Dessa vez, os soldados explodiram uma parede lateral para entrar no prédio. Quando chegaram à sala onde estava o conselheiro-mor, um soldado mirou em seu corpo e gritou para que ele se entregasse. O conselheiro-mor respondeu à ordem:

– Você quer me levar para a Terra como um troféu? Como a cabeça empalhada de um animal selvagem morto por um caçador em um daqueles antigos safáris na África? Todos nós já estamos mortos!

O soldado, assustado, disparou sua arma laser contra o peito do conselheiro-mor que, agonizando, apertou o botão do controle que estava em sua mão direita, acionando uma bomba térmica. A temperatura em toda a região da floresta da fonte da juventude superou os 3.000°C. Toda a vida da floresta foi destruída — nenhum humano, kwasha, inseto ou planta resistiu.

“A Apoteose da Guerra” de Vasily Vasilyevich Vereshchagin (1871)

“A Apoteose da Guerra” de Vasily Vasilyevich Vereshchagin (1871)

A notícia gerou uma enorme comoção na Terra, afinal, dezenas de pessoas morreram. Além disso, a possibilidade de vida eterna foi inviabilizada com a destruição total da floresta da fonte da juventude.

No dia seguinte à tragédia, o secretário-geral convocou a imprensa para um comunicado oficial na sede da ONU. Bilhões de pessoas aguardavam ansiosamente o seu pronunciamento. No horário marcado, ele chegou ao plenário lotado, esperou que as autoridades e os repórteres se acomodassem e iniciou seu discurso:

– Há pouco mais de dois anos, uma incrível descoberta encheu a humanidade de esperança. As sementes de uma planta encontrada no planeta Perennial, apelidada de fonte da juventude, interrompiam o envelhecimento celular. Foram realizadas inúmeras tentativas de isolar o princípio ativo, sem sucesso. Tentou-se também cultivar a fonte da juventude, empregando as mais modernas técnicas agrícolas, mas as plantas resultantes não possuíam as mesmas propriedades. Decidiu-se, então, coletar suas sementes de forma controlada e distribuí-las aleatoriamente entre a população humana da Terra e das colônias espaciais.

– Os membros do conselho de Perennial sugeriram que fossem empregados para esta tarefa de coleta dóceis animais do planeta Arborea, os kwasha-kwashas. Essas pobres criaturas foram escravizadas, e nós permitimos isso devido à cegueira causada pela possibilidade da vida eterna. Será que a vida de um humano vale mais do que a de um kwasha?

– Posteriormente, os conselheiros de Perennial passaram a desviar as sementes para obter vantagens pessoais. Chegaram ao ponto de sequestrar e manter em cativeiro uma equipe da ONU que investigava o caso. Houve intransigência tanto por parte do conselheiro-mor de Perennial quanto da minha. Todos estavam cegos pela fonte da juventude.

– Em vez de diálogo ou negociação, partiu-se para um confronto sangrento. Eu deveria ter percebido que nossa vantagem poderia acuar os conselheiros de Perennial. Ao sentirem-se sem saída, partiram para atos extremos. A floresta que abrigava a fonte da juventude foi totalmente destruída por uma bomba acionada pelo conselheiro-mor de Perennial, em um momento de completo desespero. Eu errei! Meu erro causou a morte de mais de uma centena pessoas. Meu erro gerou o genocídio de aproximadamente dois terços da população de kwashas. Meu erro deve ter exterminado inúmeras espécies de plantas e animais que só existiam naquela floresta. Meu erro acabou com a única forma conhecida, até agora, de paralisar o envelhecimento dos homens.

– Hoje, penso que a fonte da juventude pode ter sido um teste que uma Entidade superior deste Universo fez conosco, humanos. Em vez de ouro ou pedras preciosas, foi-nos oferecida a vida eterna; mas, como não havia o suficiente para todos, não soubemos como compartilhar. Não demonstramos solidariedade nem compaixão! Deixamos aflorar nossos instintos mais vis: a ambição, a ira, a vingança. O sinal de alerta foi a permissão para escravizar  os kwashas. Nenhuma maravilha pode ser construída sobre as bases da dor e da exploração. Só uns poucos lutaram contra a barbárie cometida contra aqueles animais inocentes. Devemos aprender a lição e não repetir mais estes erros. Espero que o dia de ontem seja lembrado, como a explosão da primeira bomba atômica, em Hiroshima, foi lembrada durante muito tempo, como algo que não deve se repetir.

Hiroshima após ser atingida pela bomba atômica (1945)

Hiroshima após ser atingida pela bomba atômica (1945)

– Finalizo, renunciando ao posto de secretário-geral da ONU. Espero que um ser humano melhor, mais equilibrado, me suceda. Estou à disposição para receber a punição que acharem justa. Agradeço a atenção de todos.

A reação de todos que ouviram o pronunciamento do então ex-secretário-geral da ONU foi de profundo silêncio. Todos sabiam que ele não era o único culpado; muitos também erraram por omissão. Aquela tragédia serviu, pelo menos, para mostrar que a construção da humanidade ainda não estava completa e que todos deveriam permanecer vigilantes, pois nada poderia justificar as práticas adotadas no célebre caso da “fonte da juventude de Perennial”.

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