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Correr é Preciso, Viver Não é Preciso

Vocês já perceberam que, no título deste post, estou parafraseando o grande poeta português Fernando Pessoa? Apenas substituí o verbo “navegar” por “correr”, que, no meu caso, faz mais sentido.

Fernando Pessoa

Correr, para mim, é essencial para manter minha sanidade física e mental. Como se diz em latim: “mens sana in corpore sano” — uma mente sã em um corpo são. Durante as corridas, reflito sobre questões que me atormentam e, quase sempre, termino o treino melhor do que comecei. Correr é uma necessidade para mim.

Mas correr também exige precisão. Existe uma técnica para tornar os movimentos mais eficientes, reduzindo o consumo de energia. A escolha do tênis depende do tipo de pisada e do objetivo do corredor. A nutrição antes e depois da atividade também segue recomendações baseadas em conhecimento científico. Assim, podemos correr mais rápido, mais longe e com menos risco de lesões.

A vida, ao contrário, é tudo menos precisa. Como expressou brilhantemente Fernando Pessoa, a vida é incerta, cheia de imprevisibilidades. A principal razão para isso é a complexidade dos seres humanos.

Nos consideramos racionais, mas somos como icebergs: apenas 10% de nossa mente é consciente, visível. Os outros 90% — nosso subconsciente — são governados por emoções, intuições, instintos, experiências passadas, traumas e memórias. Esse lado submerso nos influencia de maneiras que nem sempre entendemos.

Muitas vezes, evitamos explorar esse “lado sombrio”. Falhamos em construir autoconhecimento e, mesmo assim, acreditamos conhecer profundamente outras pessoas. Mas como podemos entender plenamente nossos parceiros amorosos, por exemplo, se nem ao menos nos conhecemos bem? Essa presunção pode levar a surpresas desagradáveis.

Para evitar os naufrágios emocionais que surgem do desconhecido, acredito que o autoconhecimento seja essencial. Enfrente seus traumas, medos e inseguranças. Examine seus desejos e avalie se eles estão a seu favor ou contra você. Esforce-se para iluminar seu subconsciente e compreenda como você reage a diferentes situações. Não viva no automático.

Quanto aos relacionamentos, estimule seu parceiro ou parceira a também buscar autoconhecimento. Mantenha um diálogo aberto e constante. Entenda como o outro se sente amado, pois o amor pode ser expresso de várias formas. Evite presunções; pergunte, ouça e compreenda.

Porém, como deixei claro no título, viver não é preciso. Não temos controle sobre a maioria das coisas, muito menos sobre o coração de outra pessoa. E isso é algo positivo: tanto você quanto o outro devem preservar suas individualidades.

Como escreveu Guimarães Rosa:

“Às vezes, – o destino não se esquece –
as grades são abertas,
as almas são despertas:
às vezes,
quando quanda,
quando à hora
quando os deuses
de repente – antes –
a gente
se encontra.”

O acaso pode trazer encontros capazes de transformar nossas vidas. Por isso, só nos resta evoluir como seres humanos e viver o presente da melhor forma possível.

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O Amor Constrói, a Paixão e o Ódio Arrasam Quarteirões

No grande conto de Guimarães Rosa, “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, Nhô Augusto, cego pelo ódio, vai até a chácara de seu inimigo Major Consilva em busca de vingança. Seus ex-capangas, agora comandados por Consilva, aplicam um brutal espancamento em Augusto. Guimarães Rosa descreve de forma brilhante como Augusto se dá conta de sua desventura.

“E Nhô Augusto fechou os olhos, de gastura, porque ele sabia que capiau de testa peluda, com cabelo quase nos olhos, é uma raça de homem capaz de guardar o passado em casa, em lugar fresco perto do pote, e ir buscar na rua outras raivas pequenas, tudo para ajuntar à massa-mãe do ódio grande, até chegar o dia de tirar vingança.”
Guimarães Rosa com sua esposa Aracy de Carvalho e seus gatos

Já ouvi muitas vezes que o contrário do amor é o ódio. Em minha opinião, o contrário do ódio é a paixão. E o contrário do amor seria o desamor ou a indiferença.

A paixão é um sentimento extremo de simpatia. Quando estamos apaixonados, não enxergamos os defeitos do objeto da nossa paixão. Por outro lado, o ódio é um sentimento extremo da antipatia. Qualquer coisa que vier do objeto do nosso ódio servirá para alimentá-lo, independentemente da sua natureza. Esta antipatia é tão grande no ódio que a rejeição é feita a priori, sem qualquer tipo de análise, como disse Oswald de Andrade sobre um romance de José Lins do Rego:

– Não li e não gostei!

Oswald de Andrade, quadro pintado por Tarsila do Amaral

Ninguém deveria tomar decisões importantes, quando está ardendo em um dos dois extremos.

Por exemplo, ninguém deveria casar, quando está apaixonado. Para uma união funcionar, deve haver amor! Os bons momentos do relacionamento devem ser gostosos como um banho morno depois de um dia difícil. A paixão é uma fogueira que tudo consome. Após extinguir as chamas, muitas vezes, as diferenças são irreconciliáveis e a paixão transmuta-se em ódio, acendendo uma nova fogueira.

A regra vale também para o ódio. Sempre que tomamos uma decisão importante motivados pelo ódio, as perdas podem ser muito importantes, talvez irreversíveis. Quando se age como os ex-capangas de Matraga e guarda-se os pequenos ódios “para ajuntar à massa-mãe do ódio grande”, a consequência, provavelmente será desproporcional.

Nosso país, atualmente, vive uma ruptura causada por parcelas expressivas da população apaixonadas por um lado que odeiam o outro lado. A racionalidade foi deixada de lado e os ódios são realimentados. O viés da confirmação é o modelo mental mais empregado, onde o que não confirma o credo é abandonado ou, pior, hostilizado. Quaisquer postagens absurdas de WhatsApp ou Facebook são compartilhadas se estiverem alinhadas com o próprio pensamento.

Viver na paixão ou no ódio não é saudável. Devemos buscar o equilíbrio, a virtude aristotélica, longe dos extremos. Eu sei que, muitas vezes, não é uma missão fácil, mas é a única forma de se sentir pleno com paz de espírito.

Aristóteles

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