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O que sustenta uma relação a dois? 13 fatores para cultivar vínculos reais, vivos e duradouros.

Relacionamentos não andam sozinhos.

Não basta ter vivido bons momentos ou lembrar com carinho do começo. Com o tempo, o que segura a relação de pé não é a memória; é o que se constrói no presente.

A convivência testa. O cotidiano, às vezes, oprime. E, nesse cenário, é o cuidado, quase invisível, que faz diferença: pequenos gestos, conversas que alinham, escolhas que sustentam.

Com o tempo — observando, vivendo, errando e aprendendo — percebi que os casais que seguem inteiros (e não apenas juntos) têm algo em comum: há práticas e valores que eles cultivam.

Nada mágico ou heroico, mas constante. E isso já é muito.

Listei aqui 13 desses fatores. Não são fórmulas, nem garantias, mas são pistas. Ou melhor, são sementes que, com cuidado e presença, podem criar raízes fortes o bastante para sustentar uma história a dois.

1. Companheirismo

Há dias em que o amor parece só isso: estar ali. Seja no cansaço, na rotina ou no trânsito congestionado do fim do dia… Companheirismo é o que transforma a presença em cuidado.

Não é sobre concordar sempre ou ter os mesmos gostos. É sobre não deixar o outro sozinho quando o mundo fica pesado demais.

2. Filhos

Ter filhos muda tudo! E é justamente por isso que o casal precisa se lembrar do que existe para além da parentalidade.

Filhos dão trabalho, ocupam espaço, demandam energia. O amor de casal precisa continuar existindo mesmo ali, no meio do “caos”, porque é desse amor que vem boa parte da estrutura emocional que sustenta a família inteira.

3. Estabilidade emocional

Ninguém nasce pronto, mas é preciso querer crescer. Relações são laboratórios emocionais: revelam nossas fortalezas e nossas feridas. Ter estabilidade emocional não é nunca explodir; é saber se responsabilizar quando isso acontece.

Quem coloca tudo nas costas do outro acaba esgotando a relação. Quem evita olhar para dentro de si mesmo, repete os mesmos erros. Amor maduro pede que cada um se responsabilize pelo que sente e pelo que leva para a relação.

4. Estabilidade financeira

Não dá para romantizar: dinheiro impacta relação. O estresse financeiro desgasta, cria tensão, atrapalha o afeto. A falta de conversa sobre o assunto também.

Não importa o modelo adotado, o que conta é o acordo claro, o respeito e a sensação de que ninguém está levando tudo nas costas sozinho.

5. Reconhecimento público e status

Para algumas pessoas, ser visto ao lado de quem se ama importa. É estar incluído na vida social, apresentado com afeto, lembrado nas conversas.

Não é sobre fazer post com legenda clichê. É sobre não ser invisível. O amor pode ser discreto, mas não deve ser escondido.

6. Valores e visão de mundo compartilhados

Quando os valores combinam, a vida anda mais fluida. Decisões difíceis ficam menos pesadas. As prioridades batem e a relação não vira cabo de guerra.

Não precisa ser tudo igual. Mas os pilares — respeito, visão de futuro, jeito de lidar com outras pessoas e com o mundo — precisam conversar entre si.

7. Comunicação clara e empática

O que não é dito apodrece por dentro. Casal que aprende a conversar com empatia resolve muita coisa antes que vire bomba.

Fale com verdade, ouça de coração aberto e pergunte sem rodeios. Evite adivinhações e recados disfarçados. Priorize afeto e clareza na conversa.

8. Projetos e crescimento em comum

Ter um plano, uma ideia ou um projeto juntos faz bem. Pode ser uma casa, uma viagem, um livro, uma horta ou melhorar o mundo que os cerca. Seja o que for…

O importante é que exista futuro compartilhado, não só passado lembrado. Crescer lado a lado, com propósito, fortalece a relação.

9. Sexualidade e desejo

O corpo se expressa quando as palavras falham. E o desejo, quando aparece ou desaparece, costuma dizer muito sobre o que está vivo ou faltando na relação. Se a vida sexual some ou vira obrigação, algo deve ser olhado.

O desejo é frágil, mas também pode ser reativado com escuta, leveza e reconexão. A forma como a gente se toca, se olha, se aproxima comunica muito. A sexualidade fala. E o desejo reflete: mostra como nos sentimos com o outro e com a gente mesmo dentro da relação.

10. Tempo e qualidade de presença

Não adianta estar do lado se a cabeça está longe. Presença não é só estar lá, é estar inteiro.

Cinco minutos de atenção genuína valem mais do que um dia inteiro de presença distraída. É disso que a relação se alimenta.

11. Autonomia e espaço individual

Estar junto não é virar um só. Amor maduro respeita espaço, incentiva crescimento individual, não tenta controlar.

Quem tem autonomia não precisa fugir da relação para respirar. E quem ama com liberdade, volta querendo ficar.

12. Capacidade de reparar rupturas

Todo casal erra. A questão é o que se faz depois. É essencial saber pedir desculpas de coração, perdoar de verdade, escutar com presença e mudar de atitude.

Reparar não é apagar o que houve, é reconstruir com mais verdade.

Tem gente que nunca briga. E tem gente que briga demais. O que sustenta é saber voltar depois da quebra.

13. Rituais e renovação simbólica

Todo amor precisa de gestos, de lembranças e de ritmo. Um jantar especial, um cartão com uma mensagem escrita à mão, um apelido carinhoso, um sorriso cheio de cumplicidade. Pequenos rituais dizem: “isso aqui importa pra mim”.

Ritual não é obrigação. É escolha. E é também memória futura.

Conclusão

Relação viva é aquela que se cuida, se escuta e se reinventa — sem perder o que tem de essencial.

Não é sobre perfeição. É sobre constância. É sobre escolher, todo dia, cultivar o que vale a pena.

E quando os dois estão nessa, o amor não só dura — ele floresce.

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Eros, Philia e Ágape: Três Formas de Amar em uma Relação a Dois

Quando falamos sobre amor em um relacionamento, tendemos a usar uma única palavra para expressar algo que, na prática, é multifacetado e dinâmico. A tradição grega antiga nos oferece uma chave interessante para entender melhor essa complexidade: ela nomeia três formas distintas de amor — Eros, Philia e Ágape.

Esses três aspectos não competem entre si. Pelo contrário, eles se complementam e podem coexistir em diferentes proporções ao longo da vida a dois. Conhecer suas características nos ajuda a cultivar vínculos mais conscientes e duradouros.

Eros – Desejo, atração e encantamento

Eros é o amor do impulso e da conexão física. É o que nos aproxima do outro nos primeiros encontros, aquilo que provoca fascínio, excitação e a sensação de urgência. É uma força vital que desperta o desejo, o toque, o olhar atento.

Nos relacionamentos duradouros, Eros tende a mudar de forma. Pode perder intensidade se não for cuidado, mas também pode se renovar em novas fases da vida a dois. A intimidade física, o prazer mútuo e o desejo cultivado com intenção mantêm essa dimensão viva — não como no início, mas com mais profundidade.

Philia – Amizade, companheirismo e confiança

Philia é o amor da convivência, da admiração mútua e da cumplicidade. É o vínculo que se constrói quando aprendemos a gostar do outro como pessoa — não só como objeto do nosso desejo. É o amor que se expressa em conversas tranquilas (às vezes, intensas e corajosas), apoio nas dificuldades, projetos compartilhados e risos espontâneos.

Essa dimensão é essencial para a sustentação do vínculo. É quando o casal se torna também amigo, parceiro, alguém com quem é possível dividir tanto as dúvidas quanto os sonhos. Com o tempo, Philia aprofunda a base do relacionamento, tornando-o mais estável e acolhedor.

Ágape – Amor consciente, entrega e transcendência

Ágape é uma forma de amor que transcende o desejo e o vínculo emocional imediato. Trata-se de uma entrega mais profunda, marcada por empatia, escuta e presença consciente.

Diferente de Eros e Philia, que foram amplamente discutidos na filosofia grega, Ágape ganhou destaque principalmente na tradição cristã, onde passou a representar o amor incondicional e generoso, com uma dimensão espiritual e ética.

Ágape não significa passividade ou anulação pessoal. É um tipo de amor que se manifesta na capacidade de cuidar, perdoar e escolher estar junto, mesmo quando há falhas e imperfeições. Ele convida à maturidade emocional e à construção consciente do vínculo.

A seguir, uma visão comparativa dos três tipos de amor, destacando suas contribuições e os desafios que podem surgir quando estão em desequilíbrio.

Tipo de AmorFunção na RelaçãoRiscos Quando Isolado ou Desequilibrado
ErosAlimentar a intimidade física e emocional; criar conexão pelo desejo e encantamento.Pode ser passageiro e ilusório. Sem base emocional, tende a se esgotar com o tempo.
PhiliaSustentar a convivência no longo prazo; fortalecer o vínculo por meio da amizade, respeito e confiança.Sem Eros, pode virar apenas parceria funcional.
Sem Ágape, pode faltar profundidade.
ÁgapeSer o eixo ético e espiritual da relação; promover empatia, perdão e crescimento mútuo.Quando não equilibrado, pode gerar autoanulação ou relações assimétricas.

Amar é também um exercício de consciência

Nenhum desses três amores é suficiente por si só. Eles se misturam, mudam de intensidade e exigem cuidado constante. Um relacionamento saudável é aquele em que Eros, Philia e Ágape não competem, mas colaboram — cada um oferecendo sua força no momento certo.

Cultivar esse equilíbrio é um caminho possível para construir vínculos mais conscientes, afetivos e verdadeiros. Afinal, amar também é um verbo: exige ação, presença, escolha e construção diária.

No próximo post, apresentarei 13 fatores práticos que influenciam diretamente a sustentação de uma relação a dois.

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Matrix Resurrections – A Fuga da Obviedade

Na última semana do ano, eu e minha filha, Júlia, fomos ao cinema assistir a Matrix Resurrections. Desde que vi, em setembro, o primeiro trailer oficial com trilha sonora da música White Rabbit da banda Jefferson Airplane, jurei que não perderia oportunidade de “voltar à Matrix”.

Todos os comentários que detonaram o filme causam-me um certo estranhamento. Afinal o filme não era tão ruim para ser atacado de formas tão incisivas. Eu considero um bom filme, nota 7,0 ou 7,5. Por outro lado, não foram atendidas as expectativas destas pessoas. Ou, talvez, as expectativas eram elevadas demais.

Matrix (1999) é uma obra-prima das, hoje, irmãs Wachowski. Este é um filme que transcendeu o cinema e, em muitos aspectos, foi absorvido pela cultura popular. Já escrevi um artigo onde comparo a Matrix com a alegoria da Caverna de Platão. As duas continuações, lançadas em 2003, não chegam perto da qualidade e profundidade filosófica do primeiro filme. Provavelmente, as cenas de ação sejam as maiores lembranças dos dois últimos filmes da trilogia.

Mesmo assim, em Matrix Reloaded, há um espetacular diálogo entre Neo e o Arquiteto (criador da Matrix), quando ele classifica Neo como o resultado de uma anomalia da Matrix. Também informa que aquela era a sexta versão da Matrix. No final, o Arquiteto avisa que Zion, cidade onde vivem os últimos humanos livres, será destruída novamente e Neo teria a missão de selecionar algumas mulheres e alguns poucos homens para reiniciar o processo. Mas, naquele exato momento seu amor, Trinity, estava correndo sério risco de vida. Então Neo opta por salvar Trinity. Logicamente, esta opção não faria sentido, porque, no caso de desaparecimento da humanidade, ele e Trinity também morreriam. O Arquiteto avalia brilhantemente a escolha de Neo:

“Esperança. É a quintessência da auto-ilusão humana, simultaneamente, a fonte de sua maior força e de sua maior fraqueza.”

Quando revi recentemente o terceiro filme, Matrix Revolutions, existe um diálogo entre Neo e o agente Smith em uma das últimas cenas. Agente Smith quer entender o motivo que Neo continuava lutando mesmo sabendo que seria derrotado. A resposta de Neo é simples e marcante e vale por todo o filme:

“Porque eu escolhi (Because I choose to)!”

Esta é uma expressão clara do livre arbítrio. Voltarei a este ponto específico, durante a análise do novo filme.

Decidi que escreveria este artigo somente após rever o filme na HBO Max. Deste modo, pude confirmar algumas impressões e ver outros pontos que passaram despercebidos na primeira vez.

Em primeiro lugar, o filme não foi desrespeitoso com a trilogia. Em minha opinião, foi um grande tributo. A solução para trazer de volta Neo e Trinity foi muito aceitável. As mudanças da nova versão da Matrix e a paz entre humanos e máquinas também são apresentados. Certamente, as informações são insuficientes para aqueles que não se lembram ou não assistiram os filmes anteriores, mas não era este o público da esmagadora maioria dos espectadores.

A rejeição injusta não veio dos neófitos da Matrix, mas daqueles que são fãs desta trilogia. Como já mencionei, neste artigo, Matrix de 1999 é uma obra-prima, incrivelmente original, o que torna praticamente impossível a missão de igualá-la em qualidade. Quem foi ao cinema com esta expectativa só poderia se frustrar.

Aqueles que esperavam cenas de ação inovadoras, como o “bullet-time” do primeiro filme, também se decepcionaram. Muitas cenas de luta do Matrix Resurrections são caóticas. Uma das primeiras até causou-me um desconforto pela quebra da minha expectativa. Por incrível que pareça, achei estas cenas melhores de assistir na tela da TV do que numa sala de cinema IMAX.

Talvez os decepcionados esperavam por grandes revelações como, por exemplo, novas camadas de Matrix. Assim poderia existir uma Matrix dentro de outra Matrix, dentro de outra Matrix, dentro de outra Matrix… Seria quase um “Inception” (a Origem de 2010), onde as camadas da Matrix substituiriam as camadas de sonhos.

Esta Matrix de 2021 foi muito mais psicológica e sociológica do que filosófica, como o filme de 1999.

Thomas Arderson (Neo) está trabalhando em um novo jogo chamado Binary. Várias passagens do filme nos apresentam algumas destas polaridades, muitas vezes difíceis de distinguir, como se tudo fosse binário no mundo:

  • real x imaginário;
  • desejo x medo;
  • livre arbítrio x destino;
  • Thomas Anderson x Agente Smith (em um certo momento do filme até mesmo este antagonismo desaparece temporariamente).

Bugs, jovem e idealista comandante de uma nave da frota, fala para Niobe, que agora é a líder dos humanos livres na nova cidade de IO, que Niobe estava mais preocupada em cultivar vegetais do que libertar mentes. Assim, Niobe estaria mais interessada nas sensações do que no real. Também percebemos este ponto com o céu falso de IO.

Niobe também demonstra claramente medo que a paz com as máquinas termine por causa da liberdade de Neo e do seu interesse em resgatar Trinity. Ou seja, é a paz baseada em uma ética utilitarista, na qual os sofrimentos de Neo e Trinity seriam irrelevantes frente à paz em si.

A nova versão da Matrix foi criada pelo Analista. Ele coloca que os humanos decidem através dos sentimentos ao invés da razão. As versões anteriores, criadas pelo Arquiteto, eram baseadas unicamente em equações matemáticas, na razão. Esta nova versão previa esta característica humana, assim os humanos presos na Matrix ficavam confortáveis. Qualquer semelhança com realidade e distrações, no mundo atual, não é mera coincidência.

Em minha opinião, a principal reflexão deste filme é sobre a motivação das nossas escolhas. Elas seriam resultado do nosso livre arbítrio ou apenas obra do destino? Se for obra do destino, então todo o livro já está escrito e só nos resta a tarefa de encenar o texto, com pequena liberdade para alguns “cacos” menos importantes. Podemos pensar, por outro lado, que devemos fazer o que é certo. Este conceito nos alinha a ética do filósofo Immanuel Kant. Assim, o livre arbítrio seria fazer o que deve ser feito sem distrações e procrastinações. Como o novo Morpheus fala para Neo:

“A escolha é uma ilusão. Você já sabe o que deve fazer”.

Niobe, no filme, decide apoiar o plano para dar a Trinity a oportunidade de decidir sobre sua saída da Matrix. Ela fez o deveria fazer.

Matrix Resurrections também é uma grande história de amor entre Neo e Trinity – um amor “impossível” entre duas pessoas que estão próximas, mas separadas dentro e fora da Matrix.

Como eu e a Júlia achamos que não haveria uma cena pós-créditos, perdemos a piadinha do “The Catrix”, que faz sentido nos dias atuais, e a bela dedicatória de Lana Wachowski para seus pais:

Para papai e mamãe:

“O amor é a gênese de tudo”

O que é a mais pura verdade!

Para finalizar este artigo, o Analista faz a seguinte declaração para Neo e Trinity no final do filme:

“As ovelhas não vão a lugar nenhum. Eles gostam do meu mundo. Eles não querem esse sentimentalismo. Eles não querem liberdade ou empoderamento. Eles querem ser controlados. Eles anseiam pelo conforto da certeza.”

Talvez a esmagadora maioria das pessoas que odiaram o filme buscassem, na verdade, o “conforto da certeza” e Lana Wachowski não lhes deu isso.

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