Privatização da Embrapa?

Faz alguns meses que estou trabalhando em um projeto em conjunto com a Embrapa. Neste período, pude perceber a excelência, dedicação e o profissionalismo de seus técnicos. Os primeiros resultados foram muito promissores e deveremos fortalecer esta parceria para os próximos anos.

Um aspecto que chamou minha atenção foi o entusiasmo e a visão no desenvolvimento do país. Um destes técnicos me disse que ele estava feliz com os primeiros resultados, mas sabia que provavelmente, nos próximos anos, as multinacionais colocariam no mercado híbridos mais produtivos. Comentei com ele que a função de gerador de tecnologia e desbravador do mercado foi exercida com eficiência pela Embrapa.

Fiquei surpreso quando vi as notícias sobre a privatização da Embrapa. Achei um verdadeiro absurdo e pensei em escrever um post sobre o assunto, mas encontrei este belo texto escrito pelo Delfim Netto na sua coluna da Folha de São Paulo do dia 11 de abril de 2012. A coluna está apresentada na íntegra abaixo.

Há tarefas que as virtudes do mercado não podem realizar adequadamente. Não se pode e não se deve esperar que uma empresa privada, que só pode sobreviver se gerar lucro, distribuir dividendos e criar valor para seus acionistas, atenda corretamente ao interesse social se tiver objetivos conflitantes entre o curto e o longo prazo.

É o que pode acontecer, por exemplo, quando a pesquisa e a inovação ocorrem em empresas que são, ao mesmo tempo, produtoras e disseminadoras de bens que incorporem seus resultados.

Suponhamos, para simplificar o argumento, uma empresa que produza um eficiente fungicida para combater doença que ataca a produção de feijão. Um dia, seus cientistas constroem com sucesso uma variedade de feijão resistente ao fungicida que ela mesma produz. Qual será a provável reação da sua administração, cujo primeiro dever é proteger o valor do patrimônio de seus acionistas? Patentear a inovação e colocá-la na prateleira! Até quando? Até que o valor dos seus investimentos na produção do fungicida seja completamente amortizado.

O “mercado” apresenta uma “falha”. Não funciona adequadamente pela simples e boa razão que o “incentivo” que lhe determina a ação – a maximização dos lucros – subordina o interesse coletivo ao “curto-prazismo” do interesse privado. Em outras palavras, o feijão resistente aos fungicidas que beneficiaria toda a sociedade terá a sua disseminação controlada pela velocidade da depreciação do investimento já feito para produzir o fungicida, condicionada ainda à possibilidade de garantir a remuneração dos dispêndios feitos com a pesquisa – ou seja, à patente e ao controle do valor criado pela descoberta.

Se não houver a “garantia” da patente, o mais provável é que, devido ao interesse privado, a inovação de interesse social nunca veja a luz.

Foram constatações tão simples como essas que levaram o governo, em 1972, a criar a EMBRAPA, que transformou o maior “passivo” brasileiro, o cerrado, no nosso maior “ativo”. Um ativo construído com dedicação, diligência e trabalho duro, que precisa continuar a ser defendido do “aparelhamento” ideológico-partidário.

colheita de soja no cerrado brasileiro

Ao contrário do que pensam alguns de nossos economistas, a EMBRAPA não nasceu para competir com o setor privado. Nasceu para inovar, criar e transmitir conhecimentos, usando as empresas privadas como instrumento para disseminá-los. Ela não produz “distorções” no mercado.

Muito pelo contrário, corrige a sua miopia “prazo-curtista”. É isso que torna incompreensível o misterioso e confuso “ruído” político atual sobre o seu importante papel para o desenvolvimento nacional.

FONTE: escrito por Antonio Delfim Netto na Folha de São Paulo  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/36373-embrapa.shtml)

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