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O Recomeço da História – A Fonte da Juventude de Perennial (Parte 1)

Pela primeira vez em séculos, a população da Terra apresentou uma redução. A atividade econômica, apesar de certo dinamismo, apresentava crescimento global praticamente nulo. Havia fontes abundantes e baratas de energia e alimentos; vivia-se um período de paz e prosperidade. Seria este o Fim da História que alguns pensadores descreveram no passado? Como não havia mais alternativas para a economia mundial crescer na Terra, os olhos dos homens se voltaram para o espaço.

Novos planetas, onde existiam condições para o desenvolvimento de vida, foram descobertos. Sondas não tripuladas e naves espaciais foram enviadas para procurar formas de vida e recursos minerais nestes planetas, além de analisar a viabilidade da instalação de colônias de seres humanos.

Foram criados grupos de investidores públicos e privados para explorar os planetas mais promissores. Por coincidência ou não, os planetas mais interessantes possuíam ecossistemas mais desenvolvidos, mas não apresentavam formas de vidas tão evoluídas quanto o ser humano. Após grandes investimentos e muitos anos de planejamento, foram construídas as primeiras bases fora do Sistema Solar. A nova “Era das Grandes Navegações” iniciava-se pelo cosmos, em vez dos mares da Terra do século XV.

As Grandes Navegações do Século XV

As Grandes Navegações do Século XV

Em um desses planetas, “Perennial”, foi encontrada uma planta cujas sementes possuem propriedades milagrosas – seu consumo interrompia o envelhecimento celular. A planta foi chamada de “Fonte da Juventude”. Muitas tentativas foram feitas para isolar a substância responsável por esse efeito, mas não houve sucesso. Também se tentou multiplicar as sementes e fazer grandes plantações na Terra e na própria Perennial, mas a produtividade foi baixa e não foi observado o efeito rejuvenescedor das sementes da planta selvagem. Restava apenas uma alternativa: coletar as sementes do ambiente natural, mas havia um grande problema. Os bilhões de habitantes da Terra e os milhões de humanos que viviam em outros planetas desejavam consumir a semente e viver por toda a eternidade. Após muito debate na sede das Nações Unidas em Nova York, foi definida a quantidade anual de sementes a ser coletada para evitar a extinção da fonte da juventude. Uma espécie de loteria foi criada para determinar quem seriam os felizardos a receber pequenas quantidades de sementes.

Quando se iniciou a coleta de sementes, surgiram as primeiras dificuldades. O ambiente não era amistoso aos humanos. Havia animais selvagens, plantas venenosas, novas doenças transmitidas por animais parecidos com os insetos terráqueos.

Como não havia como mecanizar essa atividade, alguém teve a ideia de usar uma espécie muito dócil de Arboreal, o planeta das árvores gigantes. Os kwasha-kwashas, ou simplesmente kwashas, pareciam com lêmures, mas eram mais altos. Um macho adulto, por exemplo, media 1,40 metros.

Lêmure

Lêmure

Um grupo de kwashas foi levado para Perennial com o objetivo de analisar a viabilidade de utilizá-los na coleta das sementes da fonte da juventude. Os resultados foram excelentes e se decidiu transferir um quarto da população dos simpáticos lêmures gigantes de Arboreal para Perennial.

No trajeto entre os dois planetas, muitos kwashas entraram em profunda depressão; um em cada dez morreu. Ao chegarem a Perennial, não encontraram boas condições de alojamento, e as florestas eram diferentes das de seu planeta natal. Também não havia alimento na quantidade e qualidade necessárias.

A adaptação foi difícil, mas, após alguns meses, os kwashas começaram a acostumar-se ao novo ambiente. A coleta das sementes era uma atividade árdua e perigosa, pois as plantas cresciam em áreas de difícil acesso. Os kwashas, contudo, demonstraram grande habilidade e eficiência na tarefa, superando as expectativas iniciais. Com o tempo, a demanda pelas sementes aumentou significativamente, e a pressão sobre os kwashas intensificou-se.

Não havia tempo a perder, o envio de sementes da fonte da juventude estava muito atrasado e apenas uma remessa fora despachada à Terra. Desta vez, não houve o mesmo cuidado que se teve com o primeiro grupo de kwashas. A situação estava prestes a atingir um ponto crítico que mudaria para sempre a relação entre humanos e kwashas. Eles foram expostos a longas jornadas de trabalho, com pouca água e comida. Quando os responsáveis por supervisionar o trabalho perceberam que os kwashas estavam comendo a fonte da juventude, espancaram e castigaram brutalmente os animais. Alguns não resistiram ao cansaço, aos ferimentos e morreram. Seus corpos ficaram atirados no meio da floresta.

A produção da fonte da juventude aumentou exponencialmente, atingindo finalmente a meta. Os kwashas não aguentavam mais os maus tratos e tentavam fugir. Para evitar perda expressiva de mão de obra, tornozeleiras com localizadores e máquinas de choque foram colocadas em todos kwashas. Algumas pessoas da Terra, de Arboreal e de Perennial se revoltaram com aquela forma antiética de tratamento a seres sencientes, mas eram chamados de loucos, idiotas ou românticos. A maioria das pessoas falava:

– O que é mais importante, a vida de uma pessoa ou de um kwasha? Você deixaria sua mãe morrer para salvar um kwasha?

A própria Igreja definiu que os kwashas não eram humanos e que seriam os instrumentos que Deus nos presenteou para coletar a fonte da juventude. Só se deveria cuidar para não castigar excessivamente os animais a ponto de mutilá-los ou matá-los.

Os interesses econômicos prevaleceram. E a Escravidão, que estava banida na Terra, ressurgia com toda força em Perennial.

Escravo sendo castigado (Debret)

Escravo sendo castigado (Debret)

CONTINUA…

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