Portuglish ou Portunglês

Certa vez, após uma reunião na sede da empresa em que trabalho, um consultor me vez a seguinte observação:

– Vicente, você não fala inglês como os outros brasileiros. Você tem sotaque russo!

Respondi que ele não era a primeira pessoa a me dizer isto e eu não tinha uma explicação lógica para meu sotaque. Talvez uma vida passada…

Lembro que, num belo sábado de primavera no Canadá, saí do hotel para caminhar na beira do rio e fui interceptado por um jovem missionário mórmon. Após trocarmos duas ou três frases, veio a pergunta clássica:

– Você é russo?

No início eu ficava chateado com esta pergunta, depois comecei a encarar com bom humor. Afinal eu jamais falarei inglês tão bem a ponto de não ser identificado como estrangeiro e não faz muita diferença ter sotaque brasileiro ou russo.

Eça de Queirós foi um dos maiores escritores portugueses do século XIX e, no Brasil, ficou mais conhecido após a apresentação da minissérie “Os Maias” baseada no romance de mesmo nome. Em outro livro, ele criou o personagem Fradique Mendes, considerado pelos críticos como seu próprio alter ego. Leia o que este personagem, ou o próprio Eça, escreve em uma carta:

Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: todas as outras deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro (…). Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização.

Eça de Queirós

Eça de Queirós

Além desta frase do Eça de Queirós, tem a dificuldade em si de falar bem inglês. Veja este interessante vídeo sobre o “caos” da pronuncia do inglês.

Por outro lado, cada vez está mais difícil manter a pureza do nosso idioma. Um fenômeno atual é o uso de palavras, principalmente em inglês, apesar de existir alternativas consagradas em português. Não estou falando daqueles casos em que não existem equivalentes em português e uma palavra inglesa é substituída por uma frase em português. Por exemplo, não tenho nada contra o uso da palavra bullying.

A informática foi pródiga em criar estes anglicismos. Ninguém exclui um arquivo ou apaga uma palavra nos editores de texto. Todos “deletam”. Um programa de computador não é iniciado e sim “inicializado”. A maioria prefere “escanear” um documento ao invés de digitalizar.

Estrangeirismos

Eu ainda aceito deletar, inicializar e escanear, mas existem outras palavras mais arrepiantes. Alguns prefeririam não “startar” esta lista, mas eu quero iniciar logo. Não entendo porque alguns querem “printar” um relatório, se podem simplesmente imprimi-lo. Por que tem gente que “atacha” um arquivo na mensagem em vez de anexá-lo? Mas se você quiser “chattear” ao invés de conversar, vou ficar chateado com você… Neste caso, para melhorar meu humor, só ouvindo “O Samba do Approach”, esta deliciosa crítica aos estrangeirismos composta por Zeca Baleiro.

7 Comentários

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7 Respostas para “Portuglish ou Portunglês

  1. Pingback: Post 200 – Retrospectiva | World Observer by Claudia & Vicente

  2. Silvana Fróis

    Vicente, bom dia.

    O momento em que vivemos exige a busca de novos conhecimentos, isso inclui falar outras línguas, estar conectado a cada instante, etc…
    Há uma dedicação em buscar a perfeição em um outro idioma, o que não deve sobrepor o nosso orgulho e desejo de aperfeiçoar o belíssimo e complicado idioma português.
    Seu texto é espetacular, agradeço a contribuição.

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    • Oi Silvana.

      Grato pelo teu comentário! Sem dúvida hoje é indispensável falar, pelo menos, mais um idioma além do nosso português, mas como você falou muito bem, isto não exime a pessoa de buscar a perfeição no nosso idioma. Lembro-me de colegas na universidade e de gerentes nas empresas por onde passei que apresentavam um português sofrível. Às vezes cometiam erros na forma escrita ou oral que machucavam os olhos ou os ouvidos. Tenho certeza que o desenvolvimento profissional deles foi atrapalhado por esta falta de conhecimento.do nosso idioma.

      Abraço.

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  3. você tem razão, sempre busquei aperfeiçoar meu inglês e cheguei ao ponto de ser confundido com um californiano, devido ao meu sotaque. isto fez com que eu perdesse uma ótima oportunidade de falar sobre o meu país. agora não busco mais isto, estou buscando aprender a falar português que por si só é bem dificil….obrigado.

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  4. Delvone

    Não fazia muita diferença antes do Putin e do Obama se estranharem … Hehehe

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