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Quando o Aumento do PIB Empobrece o País?

Muitas pessoas definem o PIB, Produto Interno Bruto, como a soma das riquezas geradas por um país ou região durante um certo período. Esta definição é pobre, porque não considera o consumo do capital natural do país ou região.

Imagine a seguinte situação: uma empresa tinha um estoque de produtos acabados no valor de dez milhões de reais e o saldo de sua conta corrente, incluindo investimentos, era de um milhão de reais em 2022. Neste caso, seu ativo circulante era onze milhões de reais. No ano seguinte, esta empresa reduziu em 50% seu estoque. O faturamento gerado pela venda dos produtos em estoque foi de 5 milhões de reais. Praticamente todo o dinheiro foi usado para a subsistência da empresa. No final do ano, o saldo na conta corrente era dois milhões de reais. Ou seja, os ativos foram reduzidos em quatro milhões de reais. A tabela abaixo, onde todos os valores estão expressos em milhões de reais, explicita esta análise.

Tabela 1 – Evolução do Patrimônio de uma Empresa (valores em milhões de reais)

Fica claro que o patrimônio desta empresa encolheu em 4 milhões de reais em um ano. Se esta empresa mantiver esta tendência, ficará endividada em dois anos.

O economista Thomas Piketty no seu livro “Uma Breve História da Igualdade” apresenta o seguinte exemplo:

“Um país que extraia 100 bilhões de euros de petróleo do seu solo gera um PIB adicional de 100 bilhões de euros. Em contrapartida, a Renda Nacional correspondente é nula, pois o estoque de capital natural foi reduzido na mesma proporção. Se além disso, escolhermos atribuir um valor negativo correspondente ao custo social das emissões de carbono geradas pela combustão do petróleo em questão, então obteremos uma Renda Nacional muito negativa.”

Ou seja, o PIB não considera nem a variação do estoque de capital natural, nem as externalidades negativas geradas pelas atividades econômicas.

Interação entre os Estoques de Capital Natural e a Atividade Econômica – Fonte: Reflections on the Role of Natural Capital for Economic Activity – European Comission, 2023

O Brasil é um país muito relevante em termos de área coberta por florestas e outros ecossistemas naturais, bem como pela produção de alimentos e de fibras para uso industrial.

Fica claro que a exportação de minérios se encaixa na mesma situação do exemplo do país exportador de petróleo apresentado por Piketty. Ou seja, a exportação de minério de ferro deve gerar uma Renda Nacional negativa, devido à redução do capital natural e aos impactos ambientais e sociais negativos.

O caso da exportação de commodities agrícolas é bem mais complexo. O sol é a fonte de energia para a fotossíntese e, consequentemente, para o crescimento vegetal. A energia do sol entra com custo zero no nosso cálculo de capital natural. No caso da água, sais minerais e matéria orgânica do solo, precisaríamos analisar os seus estoques antes e depois de cada safra. Se a área da plantação for oriunda de desmatamento de uma floresta nativa, evidentemente houve uma redução do capital natural.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) elaborou em 2021 a primeira contabilidade do capital natural do país, como resultado do Projeto NCAVES (Natural Capital Accounting and Valuation of Ecosystem Services) da ONU. O relatório analisou diferentes áreas:

  • Cálculo das dimensões dos Ecossistemas: uso da terra por bioma.
  • Determinação das condições dos corpos hídricos.
  • Serviços dos ecossistemas.
  • Relato de espécies ameaçadas no Brasil.
  • Ativos ambientais individuais e cálculo dos recursos.
  • Aplicações de contabilidade econômica ambiental para obtenção de indicadores.
  • Discussão da combinação dos resultados entre os cálculos das dimensões, determinação das condições, serviços ecossistêmicos, relato das espécies ameaçadas para os seguintes biomas: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal.

Com base neste trabalho, se poderá calcular se há geração de riqueza em atividades econômicas importantes para o Brasil como, por exemplo, plantação de milho e soja para ração, ou criação de gado bovino em pastagens, ou plantação de eucaliptos para a produção de celulose. As discussões advindas da análise destes resultados podem gerar novas orientações para a economia do país. Deste modo, a melhoria contínua na qualidade dos dados é essencial para otimizar as tomadas de decisão.

Ecosystem Accounts for Brazil: Report of the NCAVES project | System of Environmental Economic Accountinghttps://seea.un.org/content/ecosystem-accounts-brazil-report-ncaves-project

No caso da agricultura, se o capital natural (água, solo, biodiversidade) está sendo preservado na propriedade, poderia haver redução de impostos e acesso a fontes de financiamento com juros mais baixos.

O próximo artigo apresentará alternativas para aumentar a circularidade dos produtos não duráveis, os chamados bens de consumo de movimento rápido.

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A Ameaça da Fome no Mundo – Reciclar é Preciso, Extrair não é Preciso

Na semana passada, escrevi sobre a reciclagem de metais valiosos presentes em equipamentos eletrônicos. Nesta semana, falarei sobre um elemento essencial para a vida, o fósforo.

No século XVII, o alemão Henning Brand descobriu o fósforo por acaso. Seu real objetivo era produzir a pedra filosofal, aquilo que transformaria tudo que tocasse em ouro. Brand recuperou a partir da urina uma substância que brilhava no escuro, o fósforo. Por incrível que pareça, ele ganhou muito dinheiro com esta descoberta, pois vendia a grama deste novo produto por valor mais alto do que o ouro.

“Alquimista à procura da pedra filosofal”, de Joseph Wright (1771): a descoberta do fósforo por Henning Brand

“Alquimista à procura da pedra filosofal”, de Joseph Wright (1771): a descoberta do fósforo por Henning Brand

Hoje se sabe que não existe vida sem o fósforo. Ele faz parte do metabolismo dos animais e plantas. Com o aumento da população mundial, apareceu a agricultura intensiva com o uso de variedades de plantas mais adaptadas a cada solo e clima, com o uso de herbicidas para matar plantas concorrentes aos alimentos, inseticidas para matar as pragas que se alimentariam destes alimentos e fertilizantes que suprem as necessidades de nutrientes das plantas.

Os três principais elementos que compõem os fertilizantes são o nitrogênio, o fósforo e o potássio. O nitrogênio é abundante na atmosfera da Terra e existem bactérias que conseguem fixá-lo ao solo. As reservas exploráveis de potássio são suficientes para atender o crescimento da demanda pelos próximos 250 anos, além da descoberta de novas reservas que poderiam dobrar esta expectativa. O grande problema acontece com o fósforo, muitos pesquisadores estimam que as reservas viáveis durem de 60 a 130 anos, sendo que a maioria estima um prazo de 70 a 90 anos. Ou seja, na virada do século XXI, a humanidade deverá explorar fontes bem mais custosas ou contaminadas por metais pesados.

Como podemos ver na figura abaixo, 82% do fósforo é empregado na produção de fertilizantes, sendo praticamente todo o montante usado para a produção de alimentos. Apenas 2% dos fertilizantes são usados para biocombustíveis (etanol ou biodiesel). Ou seja, se aumentar a participação dos biocombustíveis na matriz energética, mais fertilizantes com fósforo serão usados e mais rapidamente as reservas viáveis serão esgotadas.

Os usos do fósforo

Os usos do fósforo

Outros 7% do consumo total do fósforo são usados em suplementos nutricionais para animais. Na medida em que mais pessoas comem carne, ovos ou leite, maior será o consumo de fertilizantes para produzir grãos (principalmente soja e milho) para rações, além do fósforo para suplemento. Nesta hipótese, o esgotamento das reservas se acelerará ainda mais.

O gráfico abaixo mostra a produção real até 2008 e a projeção até o final deste século. Se nada for feito, os rendimentos agrícolas vão cair sensivelmente e poderemos ter redução na oferta de alimentos a partir de 2035.

Produção de fósforo

Produção de fósforo

Para compensar a redução das reservas de fósforo, deve-se aumentar a eficiência na mineração e no beneficiamento do fósforo. Outra ação é limitar drasticamente os usos de fósforo em aplicações não ligadas à produção de alimentos. Os rendimentos agrícolas também devem se elevar e toda a cadeia deve ser mais eficiente com a redução dos desperdícios de alimentos. A mudança da dieta de pessoas e animais também pode gerar uma enorme redução na necessidade de novas fontes de fósforo. Outra ação fundamental é o reciclo do fósforo. Existe grande abundância deste elemento nos resíduos orgânicos, nos dejetos de animais e esgotos sanitários.

O uso de resíduos orgânicos depende da boa separação dos recicláveis, principalmente os plásticos, e de resíduos perigosos como baterias e lâmpadas. Na Alemanha, o lixo é incinerado. Deste modo, torna-se mais importante ter uma boa separação prévia. Se você acha que devido ao nível cultural, os alemães separam bem seus lixos, então errou. As autoridades daquele país ainda não conseguiram sensibilizar a população e, por exemplo, um quarto dos plásticos das embalagens segue para incineração junto com o lixo orgânico. O lodo do tratamento de esgoto sanitário também é incinerado, mas também pode estar contaminado com metais pesados, inviabilizando seu reciclo para o solo.

Assim o fósforo que serviu como fertilizante para produção de alimentos, depois de virar resíduos ou esgoto, não volta para o solo e mais fósforo é extraído das minas.

No Brasil, ainda jogamos esgoto e águas contaminadas por excrementos de animais nos rios, causando poluição e mais prejuízos para a população.

Parece que devemos voltar ao século XVII, quando o alquimista Henning Brand descobriu o fósforo recuperando-o da urina humana…

Sustentabilidade no uso do fósforo – perspectivas

Sustentabilidade no uso do fósforo – perspectivas

Fonte: Os gráficos deste artigo foram copiados do trabalho “Sustainable Use of Phosphorus” de J.J.Schröder, D.Cordell, A.L.Smit & A.Rosemarin de outubro de 2010.

 

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Reciclar é Preciso, Extrair não é Preciso

Depois de alguns dias em uma das maiores feiras ambientais do mundo, a IFAT, na bela e sempre agradável Munique, eu passei a dar mais importância para a análise do ciclo de vida dos produtos do que dava anteriormente.

Achei os dois gráficos abaixo na internet, vi um similar em uma apresentação sobre a necessidade de buscar modos de vida mais sustentáveis. Por muito tempo, se pensou que os recursos naturais eram abundantes e infindáveis, mas atualmente o ser humano começa a se dar conta que a história não é bem assim. Apesar disto, muito pouco de prático é feito. Veja os incríveis crescimentos da população humana, da economia e da produção de bens de consumo.

Crescimento da Economia Mundial

Crescimento da Economia Mundial

Com o crescimento da economia mundial, a extração de recursos naturais cresceu exponencialmente, afetando a disponibilidade de água, a fauna e a flora de muitas regiões da Terra.

Crescimento Econômico – Recursos e Meio Ambiente

Crescimento Econômico – Recursos e Meio Ambiente

Para agravar mais a situação apresentada no gráfico anterior, ainda temos o aparecimentos de novos produtos eletrônicos – celulares, notebooks, tablets – que empregam novas matérias primas. A figura abaixo apresenta alguns metais empregados na fabricação de aparelhos celulares.

Celular_Tesouros

O Índio, junto com o Estanho, é responsável pelo desempenho da tela touch screen. Você já pode deduzir que o consumo aumentou muito com a onda de smartphones e tablets.

O Neodímio é um dos “misteriosos” elementos da tabela periódica que ficam naquelas duas linhas debaixo, os Terras Raras. Ele é usado para fazer os minúsculos e poderosos ímãs dos autofalantes.

O Tântalo é matéria prima para a produção de microcapacitores. A maior reserva do mineral Coltan, de onde este metal é extraído, está localizada na República Democrática do Congo (ex-Zaire) no centro da África. Este país sofre com uma terrível guerra civil, abastecida pelo contrabando deste valioso minério através da vizinha Ruanda.

As baterias têm Lítio. Os contatos das placas do circuito do celular são de cobre. E na placa e no chip tem Ouro! Sim, a cada tonelada de celulares devem ter umas 300 gramas de Ouro!

Então temos em nossas casas tesouros esquecidos, atirados em gavetas ou, pior ainda, lançados em algum lixão. Se você acha que na rica e esclarecida Alemanha é muito diferente, está enganado… Eles agora estão discutindo a obrigatoriedade de devolver o celular velho para a compra de um novo. O consumismo obriga muitas pessoas a trocar todo ano de celular e o anterior não tem mercado. Para agravar a situação, o índice de reciclagem é muito baixo. Matem a saudade e observem a tabela periódica abaixo. Ela é muito especial, porque mostra o índice de reciclagem de cada elemento metálico.

Tabela Periódica - Índice de reciclagem de metais

Tabela Periódica – Índice de reciclagem de metais

Em nosso exemplo do celular, temos o Índio (In), o Tântalo (Tl), o Neodímio (Nd) e o Lítio (Li) com índice de reciclagem inferior a 1%. Apenas o Cobre (Cu) e o Ouro (Au) têm índice de reciclagem superior a 50%.

Hoje todos nós falamos sobre como o ser humano poderá evitar o aumento da emissão de gases de efeito estufa. Desejamos energias limpas como a solar e a eólica. O carro elétrico está se tornando uma realidade concreta. Por outro lado, muitos metais, entre eles o Índio, entram na constituição dos painéis solares. As baterias, além de outros metais, têm Lítio que, como já vimos, apresenta um índice de reciclagem menor do que 1%. Se não houver reciclagem, o dano ambiental causado pela mineração será enorme.

Ao invés de se pensar apenas nos efeitos diretos das ditas soluções sustentáveis, os cientistas, os engenheiros e os políticos deveriam pensar e trabalhar no plano completo. Todas as etapas deveriam ser consideradas – a mineração, a purificação dos metais, a produção dos bens e sua reciclagem e disposição final. Só assim teríamos um mundo realmente sustentável.

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