Quem me acompanha sabe que comecei a correr há sete anos após uma fratura de tíbia e fíbula. Neste período, na maior parte do tempo, pratiquei este esporte sem qualquer orientação. Para ver algumas dicas, assistia a vídeos no YouTube. Por sorte, não tive lesões graves, apenas algumas dores nos calcâneos e na lombar. Participei de várias corridas de rua em distâncias que variaram de 4 km até meia maratonas (21,1 km).
Até a metade de 2023, eu corri sete meia maratonas e quatro Corridas de São Silvestre (15 km). Percebi que meu desempenho estava piorando, eu estava com menos força e flexibilidade, e estava difícil manter o ritmo de antes. Então decidi buscar uma assessoria para corridas. Recebi indicação de uma assessoria da região, Ativital, do Luciano Vital. E começamos em setembro do ano passado. Após um período de adaptação e alinhamento de expectativas, intensifiquei os treinos e corri mais uma São Silvestre.
Em janeiro, durante um treino, Luciano comentou que um grupo iria correr a Maratona de Porto Alegre em junho e perguntou se eu gostaria de participar. Topei o desafio na hora. Então ele falou que janeiro e fevereiro seriam meses para construir uma base física e, de março a junho, aumentaria minha quilometragem para me preparar para a maratona.
No início, Luciano procurava me acalmar, dizendo que não era para eu me preocupar com o tempo para conclusão da prova, o importante era concluir bem a prova. Minha meta secreta era correr os 42,2 km abaixo de 5 horas.
Claudia, minha mulher, sempre diz que quando eu decido fazer alguma coisa, vou até o fim e consigo. Os meses foram passando com muitos quilômetros percorridos, muitos treinos funcionais, de mobilidade e de musculação. Segui as planilhas de treino disciplinadamente, corri com chuva, frio ou calor.
Em um treino, Luciano comentou que minha técnica de corrida estava bem melhor:
– Quando você começou parecia o Homem de Lata do Mágico de Oz. Agora está bem melhor, está parecendo o Espantalho…
Demos boas risadas. E ainda disse que eu concluiria a prova abaixo de 4h30min. Isto já era muito mais rápido do que eu originalmente almejara…
Quando as distâncias começaram a aumentar, perdi duas unhas dos pés em um treino em que testei um tênis com placa de fibra de carbono. Comprei pares de tênis um número maior e não parei de treinar.
Em maio, aconteceu a trágica enchente no Rio Grande do Sul e a prova foi transferida para o final de setembro. Decidi que minha prova alvo permaneceria a Maratona de Porto Alegre. Assim eu praticamente treinei dois ciclos para correr uma maratona. Perdi seis a sete quilos, fiquei mais forte, mais ágil e mais rápido.
O divisor de águas foi uma prova de rua de 30 km em São Paulo no primeiro domingo de setembro. Foi a primeira vez que percorri esta distância e, nos últimos cinco quilômetros, havia subidas e descidas na ponte estaiada. Consegui manter um bom ritmo e concluí a prova em 2h53min. Minha confiança aumentou muito. Nos domingos seguintes, os longões foram, respectivamente, de 30 km e 35 km. Estava pronto para a maratona.
Eu e Luciano montamos a estratégia da prova para 4h10min. Ele ainda me deu um conselho muito sábio:
– O importante era terminar bem a prova com um sorriso nos lábios, especialmente porque tua família te aguardará na linha de chegada.
Quando alinhei na vanguarda do meu pelotão trinta minutos antes da largada, estava confiante de que concluiria a prova. Fiz tudo que estava a meu alcance. Dediquei-me de corpo e alma aos treinos. Moderei o consumo de bebidas alcoólicas. Segui as orientações de uma nutricionista ultramaratonista, a Fran. Tive sessões de liberação miofascial com a Sandra.
Às 7 horas da manhã, iniciou a prova. Consegui manter um bom ritmo. No quilômetro 25, encontrei, pela primeira vez, minha família. Procurei demonstrar que estava me sentindo bem. Ganhei uma garrafinha com meu isotônico gelado para consumir nos quilômetros seguintes. A temperatura subiu rapidamente.
Um dos momentos mais emocionantes foi a passagem pelo interior do Mercado Público. Controlei a emoção e segui para a parte final da prova. Passei pelo quilômetro 34, estava muito quente e úmido, o sol estava forte e praticamente não havia sombras. Comecei a ver muitos corredores quebrados – alguns deitados, outros com cãibras, outros caminhando com dificuldade. Lembrei do conselho do Luciano e resolvi baixar um pouco o ritmo. Segui bem até o quilômetro 41.
A partir deste ponto, havia muita gente aglomerada nas ruas, assistindo à prova, foi uma descarga de energia incrível. Bati em muitas mãos, fiz “high five”, sorri, gargalhei. Fiz conchas nos ouvidos ao passar por grupos mais silenciosos, imediatamente gritavam meu nome (escrito acima do número no peito) e eu alisava minha barba. Ouvi um cara gritando:
– Respeitem a história do Vicente!
Quando a pista alargou, fiz um “aviãozinho” pela primeira vez. E segui acelerando rumo a linha de chegada, quando concluí a prova, repetindo a brincadeira. Tempo oficial ficou em 4h12min. Ouvi os gritos da Claudia, Léo, Júlia e Luíza. Me juntei a eles, eu era pura alegria.
A referência do Luciano aos personagens do Mágico de Oz me levou a algumas reflexões.
O Homem de Lata queria um coração, mesmo que muitas vezes ele tenha se emocionado na sua jornada. Da mesma forma, eu me emocionei em muitos momentos, lembrei dos meus pais, explodi quando corri pela primeira vez 30 km e transbordei de alegria ao completar a maratona.
O Espantalho queria um cérebro, mas ele era o personagem mais inteligente do trio. Eu mantive o foco e procurei segurar a empolgação durante os treinos e corridas de rua para não extrapolar o ritmo planejado. Durante a maratona, mesmo me sentindo bem e sabendo que não atingiria minha meta de 4h10min, resolvi reduzir o ritmo para garantir uma boa conclusão do desafio.
E, durante todo o processo, agi como o Leão Covarde que, na história do Mágico de Oz, sempre demonstrou coragem quando era preciso. A coragem não é a ausência de medo, mas a capacidade de enfrentá-lo apesar das incertezas. Coragem é agir com determinação, mesmo quando o desconhecido ou o risco estão presentes, e transformar o medo em motivação para superar desafios. Quem é corajoso não ignora seus medos, mas os reconhece e escolhe seguir em frente, confiando em suas capacidades e no propósito de suas ações.




