O voo originado em São José do Rio Preto aterrissou no Aeroporto de Congonhas no início da noite do Dia dos Namorados. Fui rápido para o ponto de táxi, mas, quando cheguei lá, senti que a espera não seria breve, a fila era grande e não havia táxis. Quando finalmente estava chegando minha vez, o responsável pela organização dos táxis gritou no lado da fila:
– Deu um nó no trânsito de São Paulo! A cidade inteira está parada e os táxis não estão conseguindo entrar no aeroporto. Como vocês podem ver, a saída do aeroporto já está trancada…
Realmente a coisa não estava fácil, demoraram mais uns dez minutos para eu embarcar num táxi e mais uma meia hora para o táxi entrar na Avenida Washington Luís. Para percorrer os quinze quilômetros entre o aeroporto e minha residência foram necessárias duas horas e meia.
Com todo este tempo juntos, eu e o motorista conversamos sobre os mais variados assuntos: trânsito, os protestos em São Paulo, impostos, combustíveis alternativos, produção de etanol, histórias de família (especialmente sobre as sogras). Quando estávamos relativamente perto da minha casa, o motorista iniciou o seguinte diálogo:
– O senhor é do Sul?
– Sim, sou gaúcho.
– Então, deve gostar muito de churrasco…
– Gostava, mas agora não como mais.
– Você é vegetariano?
– Quase! Às vezes eu como peixe. Como eu viajo muito, em alguns lugares, é muito difícil achar boas opções vegetarianas.
– Eu sou vegetariano!
Fiquei surpreso e perguntei o motivo que o levou a tomar aquela decisão. Ele me contou que adotou uma cachorrinha e se afeiçoou muito a ela. Depois de um tempo, o animal ficou doente e o veterinário descobriu que estava com câncer. Ela foi operada, mas o câncer apareceu novamente. O veterinário alertou que poderia operar de novo, mas as chances de recuperação seriam baixas e a dedicação ao animal de estimação deveria ser grande, porque ela não teria condições de alimentar-se sozinha. O dono aceitou o desafio e a cadelinha foi novamente operada, mas ela não conseguiu recuperar as forças. O dono dedicou-se ao máximo, preparava e dava a comida para a cachorrinha algumas vezes ao dia, usando uma seringa. A partir de certo momento, percebeu que ela não queria mais se alimentar, mesmo assim ele forçava para que ela não se enfraquecesse ainda mais e morresse. A cada contato, ela sempre abanava o rabinho para ele.
Na hora da ceia de Natal, a cachorrinha se levantou de sua caminha, coisa que não fazia há muito tempo, deu alguns passos na direção dele e caiu morta. O dono não resistiu e chorou. Quando a família iniciou a celebração do Natal, ele tentou comer um pedaço de carne de peru, mas não conseguia engolir. Decidiu naquele momento que não comeria mais carne, porque todos os animais tinham sentimentos, como sua querida cachorrinha, e não era certo continuar se alimentando de carne, porque havia um animal que sofreu por trás daquele ato. Escondeu da família por um tempo, até ser descoberto, porque estava dando a carne para outros cães adotados que passaram “estranhamente” a rodeá-lo durante as refeições.
Finalizou dizendo que isto aconteceu há um ano e meio. Hoje ele se sente melhor e existem ótimas opções além da salada e do feijão com arroz. Chegamos à frente do meu prédio. Paguei a corrida do táxi, peguei minha mala e me despedi dele, parabenizando-o pela sua decisão.
Contei esta história para Cláudia e conversamos sobre o assunto. Hoje as pessoas estão se dando conta que os animais, não só os humanos, têm inteligência e sentimentos. Alguns deles. na idade adulta, têm a inteligência de uma criança humana, por exemplo. O que nos leva a pensar que temos o direito de criá-los para depois serem mortos apenas para nos servir de alimentos, especialmente quando existem boas opções vegetarianas? Lembro-me daqueles filmes em que alienígenas maus e tecnologicamente mais desenvolvidos invadem a Terra e querem usar os humanos como alimento. Quem assiste a um filme deste normalmente pensa:
– Como estes alienígenas podem ser mais evoluídos se não respeitam os direitos dos humanos e querem escravizá-los, matá-los e usar os corpos como alimento?
Parece que nós humanos agimos como os alienígenas dos filmes frente aos animais terráqueos. E ainda conseguimos abstrair que a picanha era parte de um boi, a linguiça foi feita da carne de um porco e que o coraçãozinho do aperitivo do churrasco era de uma galinha. O dono da cachorrinha, assim como milhares de pessoas que deixaram de comer carne, percebeu não tem lógica amar uns animais e comer outros, causando indiretamente sofrimento a estes animais.
Após escrever este artigo fiquei com mais vontade ainda de poupar os peixes…



