Rei Lear – A Velhice e a Sabedoria

Desde comprei e li Hamlet de William Shakespeare, fui arrebatado pelas obras do grande escritor inglês. Parece que não consigo ou quero me afastar de seus livros. Nas últimas semanas, devorei Otelo e Rei Lear e agora começarei Júlio César.

Como já falei nos dois últimos posts sobre Hamlet e Otelo, darei breves pinceladas na tragédia Rei Lear.

Rei Lear

"Rei Lear e o Bobo na Tempestade" de William Dyce (1806-1864)

O Rei Lear resolve repartir seu reino pelas suas três filhas no início da história. As duas mais velhas, Goneril e Regana, fazem juras de amor e recebem seus quinhões, enquanto que a filha mais nova, Cordélia, mais sincera e honesta, não se derrama em elogios ao pai, só afirma seu desejo de cuidá-lo, e mesmo assim é deserdada. Após a renúncia, Goneril e Regana desprezam o pai que passa por uma série de sofrimentos e privações. Ele praticamente enlouquece ao se dar conta de suas escolhas erradas.

Um dos grandes personagens do livro é o Bobo da Corte que segue junto com Lear. De fato, de bobo ele não tinha nada e, dos mais variados modos, diz as verdades, com música ou rimas ou de forma crua, como nesta brilhante frase dita para Lear:

– Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio.

Esta frase é uma verdadeira pedrada. Realmente parece que a sabedoria traz a compreensão ou aceitação do que é diferente. A pergunta definitiva que sempre volta à cabeça não poderia ser outra neste caso. O que é ser sábio? Encontrei esta joia no livro “Trabalhos de Amor Perdidos” de Jorge Furtado da coleção “Devorando Shakespeare” da Editora Objetiva:

“A cada dia eu sei de mais coisas sobre as quais nunca saberei, os livros que me fariam um ser humano melhor, os filmes que mudariam minha vida, a melhor de todas as músicas, que nunca ouvirei. Quanto mais estudo, mais descubro a vastidão da minha ignorância. Minha burrice é uma África, minha ingenuidade é uma Ásia, minha estupidez, três Américas. Já minha sabedoria, esta é uma ilha da Páscoa, um pingo de terra firme batido sem piedade pelas ondas da incerteza e fustigado pelos ventos da amnésia, a milhares de quilômetros de qualquer porto seguro. Nem mesmo sei ao certo se ‘a milhares de quilômetros’ se escreve assim, ou se este tem agá ou crase”.

Jorge Furtado

Jorge Furtado, cineasta, roteirista e escritor

Eu já estou caminhando pela segunda metade da minha vida. Preciso forjar um pensamento nesta linha do texto do Jorge Furtado. Não quero envelhecer preso a paradigmas. Não quero ser aquela pessoa que pensa que sabe tudo e vai construindo muros e fossos ao seu redor. Ninguém chega perto de pessoas assim, porque elas não aceitam nada diferente dos seus espelhos. O resultado final é a solidão! Quero, até o meu derradeiro suspiro, ter a consciência que minha ignorância é um universo, enquanto que minha sabedoria é uma poeira vagando pelo cosmos. Quero trocar experiências e conhecimentos com todos, do mais culto ao mais humildade, do mais experiente ao mais novo…

Continuarei nesta minha trilha shakespeariana. Espero que cada livro me traga novos conhecimentos e a certeza que existe muito mais para aprender.

21 Comentários

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21 Respostas para “Rei Lear – A Velhice e a Sabedoria

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  5. Ofelia

    Acordei e procurei pela frase sobre a sabedoria na velhice na obra de Shakespeare, acabei encontrando o seu texto.Excelente!!!

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  10. Eu preciso ler mais literatura ficção. Shakespeare é a representação crítica e ideologizada de sua época. É nele que podemos ver o reflexo de uma sociedade, suas perversões e etc.

    É como ler Machado de Assim no universo de língua portuguesa, ou Eça de Queiroz.

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    • Os bons escritores de ficção conseguem fazer retratos de época, muitas vezes, melhores do que historiadores e a história privada registrada pelos escritores ajuda muito a entender a história pública ou oficial dos historiadores. O incrível é que, ao ler Shakespeare, percebemos que as virtudes e defeitos do ser humano são os mesmos há quase quinhentos anos, o que mudou é a forma de resolução dos conflitos. Felizmente não aceitamos mais resolvê-los na ponta do punhal…

      Machado de Assis é um grande escritor que faz excelentes fotografias da sociedade brasileira entre o final do século XIX e o início do século XX. Já fiz um post sobre literatura nacional e, em especial, Machado de Assis.

      https://vicentemanera.wordpress.com/2009/10/12/o-alienista-machado-de-assis/

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  11. João Carneiro

    Ola Vicente

    Muito boa leitura, ler Shakespeare é com certeza a vançar em conhecimentos, te faz pensar a maneira correta de viver a vida.

    Abraço

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    • Oi João,

      É muito bom tê-lo como leitor deste blog. Shakespeare aborda sentimentos e situações que realmente nos fazem pensar, além de divertir. Para quem anda viajando muito, é uma boa companhia em aviões e aeroportos.

      Abraço,

      Vicente

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  12. Jana Spier

    Vicente, leitura maravilhosa! Faz pensar e muito.

    Somos tão pequenos comparados ao Universo, ao universo também do conhecimento, do pensamento, da vida.

    Filosofando me encontro num laguinho sem conexão com o oceano…mas, aguardando ou acreditando num novo instante, num novo milagre de idéias 😀

    Abraço,

    Jana.

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    • Jana,

      Grato pelo teu comentário. Vou usar tua imagem. Mesmo os lagos, aparentemente isolados das outras massas de água, podem transbordar ao receber uma nova “chuva” de conhecimentos e alcançar outros lagos, rios e o oceano. Quando expandimos nossas consciências não há limites mesmo para um lago ou, até mesmo, uma simples gotícula de água. Sempre devemos nos previnir contra a “estiagem”, porque, assim como os lagos, se pararmos a busca, nos tornaremos áridos e extinguiremos a vida que há em nós.

      Abraço,
      Vicente

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  13. Simone Palmeiro

    Oi Vicente,
    Cá estamos nós filosofando de novo. Buscando a sabedoria. Me parece que esse é um anseio da alma.
    Já dizia o filósofo Sócrates:
    – “Só sei que nada sei”- e sabendo disso foi o mais sábio de todos.
    Reconhecer que somos uma poeira nesse imenso cosmos é expandir nossa consciência.
    É incrível que ler os clássicos,em geral, é a mais atual das leituras,pois os seus ensinamentos jamais “passam de moda” e sempre são úteis e amenos. Tendem a serenar a alma mais do que excitá-la, a não ser que seja rumo às coisas boas.
    Sobre a sabedoria e conhecimento encontrei essa frase de JAL ( Jorge Angel Livraga), filósofo que sou fã .
    ” Nada é absoluto nesse plano de consciência, há momentos e oportunidades para tudo. A sabedoria consiste em saber quando é o lugar para fazer uma coisa ou outra, e de que maneira podemos alterná-las.” e quanto a a estar aberto a esse gigantesco conhecimento ele dizia:
    ” Exercitemos a nossa faculdade de possuir uma consciência esférica que possa abarcar tudo o que for possível e ainda tente vislumbrar o impossível”.
    Forte abraço
    Simone

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    • Oi Simone!

      Realmente está é uma luta interminável entre o equilíbrio e a expansão da consciência. O processo de busca pela sabedoria causa desequilíbrio, prazer e sofrimento, mas é melhor se lançar nesta luta do que ficar preso dentro de um mundinho pessoal. Quando perseguimos novos conhecimentos, perdemos o controle sobre o que nos rodeia. Quem não quiser estresse que se comporte como os habitantes da caverna de Platão e acredite que não existe nada fora do seu mundo. O problema acontece quando o mundo exterior começa a interagir com o mundo pessoal. Neste momento, o desespero pode ser muito maior…

      Gostei muito da frase do JAL. De fato não existem verdades absolutas, elas variam com o local, tempo, cultura, etc. O maior erro é ficar ligado a dogmas e paradigmas que só servirão como limitadores poderosos para a expansão da nossa esfera de consciência.

      Grande abraço,

      Vicente

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